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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 123

d'oliveira, 26.05.08

Romeiro em Roma

Isto da internet sem fios está que ferve! À cautela trouxe o computador mas sem grande esperança de o conseguir conectar ao escasso grupo de leitorinhas gentis que me aturam. O hotel, hotel modesto, entenda-se mas absolutamente no centro de tudo, não tinha ar de ter internet. Pelo sim pelo não liguei o honrado modem fornecido (pagantibus!) pela Vodafone e lancei-me ao desconnecido. Milagre de São Marcello, Papa e mártir que se venera numa bela igreja em plena via del Corso, na praça, obviamente, de S. Marcello: após um bom número de piscadelas eis que me aparece a ligação. Alguém aqui nas redondezas está a pagar esta piratagem. Como por cá se diz “ho fatto il portughese”. Ou seja entrei á borla na internet de alguém. Ou como também se diz: em Roma sê romano.
E que faz um romano de fresca data (mesmo se apoiado pelo poderoso nome de Marcelo que já Virgílio cantou na Eneida (“tu eris Marcellus”) em Roma num domingo. Pois à cautela lembra-se de ir mostrar à CG (a noviça nesta cidade) a zona da Piazza di Spagna e adjacências luxuosas e sumptuosas. Não há perigo que é domingo pensei. Lojas fechadas, quanto muito apanho umas horas a ver montras.
Engano fatal, manas! Engano horrível, irmãos meus com mulher amantíssima a tiracolo: tutto aperto! Das 10 da matina até às dez da noite!
Então e o Papa? E a Igreja? E o dies domini? Nada! Niente! A via dei Condotti parecia a via dolorosa. A CG uivava como uma matilha de lobas antigas e romanas. Saltava de um lado para o outro da rua, de Gucci para Valentino de não sei quantos para não sei quem!
Chegámos esfalfados à piazza de S. Marcello já era meio dia. Um sol abrasador. A Igreja fechada! O Panteão cheio de povo, uma milagrosa e enorme Feltrinelli aberta: meu Deus dos livreiros, que coisa linda. Comprei só para vos fazer inveja os nove volumes do Inferno de Dante ditos e filmados pelo Benigni (cem brasas!, toma que já bebeste!): eu vira-os na RAI I e ficara esmagado. O raio do Benigni é cá um actor. E explica cada passo, cada referência diante de um público entusiasta e atento. Saia um Benigni para Camões. Saia um leitor comentador para esses “Lusíadas” imenso. Juro que Camões ressuscitava!
E comprei duas edições pequeninas da Divina Comedia e do Canzoniere de Petrarca. Só para ir lendo pela rua se me apetecer.
Também vinha por discos da Anna Identici, uma cantora fabulosa dos sessenta. Má sorte teve que, depois de prémios vários, S Remo incluído, se pôs a cantar coisas populares e feministas depois do sessenta e oito.
Dimenticata, disse-me o vendedor da Feltrinelli. Dimenticassima!, corrigi. Assolutamente, respondeu. Mas encontri um único exemplar dos “I Sucessi”. Mas não desisto. Hoje também é dia. E amanhã. E depois.
O que não há é o filme “Estate violenta” de Zurlini. Saiu em França mas cá, nada! Ah, estes italianos...
Em Roma sê romano. Dormimos uma sesta gorda que na rua como se dizia, à hora da calma só os cães e os franceses.
Hoje vou pilotar a CG pelas ruínas romanas. E almoçar no Trastevere. Depois conto.

*Igrreja de S Marcello

o gato que pesca 3

d'oliveira, 23.05.08

um interregno no Maduro Maio

ou de como as gatas Ingrid Bergman de Andrade e Kiki de Montparnasse Correia Ribeiro resolveram provar aos seus "donos" que também elas sabem fazer um seat-in contra a projectada viagem destes últimos a Roma. A Roma? A essa cidade paraíso de gatos e gatas de linhagem patrícia? E sem nós? Era o que mais faltava...
E vai daí ocuparam a mala da "dona" desafiando-a a tentar meter lá uma simples peça de roupa.
Muito me temo que a repressiva CG não se deixe convencer por esta ocupação pacífica e à força as desaloje. como ocorreu no Panthéon, justamente...
Enquanto uma turba multa de "incursionistas" se preparam para uma jantarada em terras do perigoso JCP o último fumador de autênticos "Cohibas" e de um serão nas propriedades de "o meu olhar" e JSC, este escriba terá de se consolar com um jantarinho no Campo de Fiore...
Às leitoras que bem precisam deste descanso de escrita e aos camaradas do blog um até para a semana.
As gatas contestatárias e ocupantes ficam entregues aos cuidados da enteada Ana e da bem humorada D. Eugénia. Elas sobreviverão ao desgosto de não nos verem um par de dias.

Estes dias que passam, 111

d'oliveira, 22.05.08

Torcato Sepúlveda

Não é fácil definirmos alguém com quem raramente estamos como um amigo. Na verdade, o próprio facto de se somarem mais ausências do que presenças, inviabiliza, ou, pelo menos, atenua, essa amizade que tantos proclamam e que consegue até nutrir-se de distância e silêncio.
Abro porém meia excepção para o Torcato. Não éramos amigos mas apenas conhecidos desde Coimbra. Mais precisamente desde 1969. Nessa altura o Torcato era m miúdo reguila com um vozeirão. Os meus amigos achavam-no insuportável e classificavam-no sumariamente : um “contesta”. Eles, muito mais velhos, mais experientes, condenavam sem grande esforço qualquer um que pusesse em causa a sua autoridade. Ou que os pusesse em causa, simplesmente. A história deu-lhes razão. Uma luta estudantil não era pêra doce. E naquele tempo ainda menos. Havia que saber parar. Havia que conciliar. O Torcato, que devia ser caloiro, não estava pelos ajustes. Falava entusiasmado, aos arranques, com o corpo todo e, por ele, não era possível outra solução que não passasse pelo esmagamento absoluto do adversário.
Depois disso encontrámo-nos duas vezes. No lançamento de um romance do Assis Pacheco e por ocasião de um “brain storming” patusco que um Secretario de Estado da Cultura patusco e ignorante realizou com todos os seus directores e sub-directores gerais e na presença da imprensa. Duas vezes em quase quarenta anos. Em ambas, porém, estivemos à conversa uma tarde inteira. Horas e horas a falar de algo que nos interessava, livros sobretudo. E em ambas as ocasiões despedimo-nos jurando que depressa nos voltaríamos a ver para discutir mais uns pontos daquela nossa agenda inesgotável.
Devo corrigir o que acima disse. O Torcato, muito certamente, nada sabia de mim, mas eu lia-o com constância. E com respeito. E com carinho. Foi responsabilidade dele o melhor suplemento cultural que o “Público” jamais teve. E logo que ele saiu, aquilo foi caindo, caindo, até se chegar a este inóspito pedaço de papel onde tudo desde o espectáculo mais pimba até umas vagas notas de leitura se mistura, se acavala, se repele. A ânsia de ganhar dinheiro vai de par com o desprezo pela cultura e pelos leitores. Às vezes pergunto-me se os responsáveis do Público lêem o El Pais, o ABC ou o Le Monde. E se, lendo os seus suplementos literários ou culturais, se envergonham. E no caso de eventualmente se sentirem mal, por que é que não se perguntam: o que é que o Torcato diria “disto”?
E antecipo uma resposta. À maneira de Jarry, melhor dizendo, Ubu: Merdre!

* na gravura: Ubu por Max Ernst.

Maio, maduro Maio 5

d'oliveira, 21.05.08




MUITOS VERÕES VIOLENTOS



Amore stanco amore d'officina,
amore che si spegne goccia a goccia

mentre corre veloce la catena
e tu perdi ogni giorno un po' di noi

Amore stanco amore che la sera
non sa più ritrovare il suo sorriso
Ci guardiamo dietro l'ultimo boccone,
ma troppo stanchi per vederci…
…..

Este é um trecho de uma canção de Ana Identici. Detenhamo-nos um minuto nesta cantora. Foi sensação em S Remo, era bonita, tinha boa voz, estava destinada a ser uma diva da canção. Todavia em pleno 68 achou que não queria ser apenas isso e começou a cantar um novo repertório. Combativo como se vê. A fama que rapidamente alcançou não era a fama que vale numa Itália que não quer sair do seu modelo. Hoje em dia, ninguém (quase ninguém) fala de Ana Identici. A mulher que cantou a condição operária, a condição feminina, a vida sem horizonte sofre o ostracismo a que foi votada pela boa consciência. Pelos que querem esquecer os anos de chumbo e, com eles, o resto, a revolta, a indignação e o medo a uma hipotética aliança DC/PCI que poderia ter mudado o destino do país.
Talvez assim se perceba o assassínio de Aldo Moro, por exemplo. Um governo claramente reformista que incluísse o PCI na área do poder afastaria duravelmente a impossível revolução com que os brigatisti sonhavam. E acabaria com os negócios frutuosos que, sob a capa complacente da direita da DC, engordavam os vários polvos, mafiosos ou não que alimentavam a crónica daquelas anos.
Entendamo-nos: as coisas não são tão simples como aqui, por economia, se apresentam, mas também não andam longe deste quadro geral. É que uma sociedade bloqueada não oferece grandes saídas e a Itália, mais do que qualquer outro país ocidental estava bloqueada. Extrema Direita e Extrema Esquerda encontram nesta situação o campo ideal de combate. E os poderes públicos alimentavam essa animosidade.
A deriva violenta da esquerda mais ou menos espontaneísta é todavia posterior à famosa e eficaz violência de direita alimentada pelos elementos mais radicais do partido de Giorgio Almirante. Foram mais de 4000 os atentados da direita, e dos cerca de cem assassinatos políticos registados entre 65 e 70 mais de oitenta trazem a marca da direita radical. Some-se a isso, que já é muito, a existência de vários complots dentro do próprio aparelho de Estado (alguns só muito tarde descobertos como o “Gládio”). A resposta não se fez esperar embora em ordem mais que dispersa. Elementos vindos do “Potere Operaio”, da “Lotta Continua” para já não falar em militantes directamente saídos da ACLI (Acção Católica Liceal Italiana) irão criar os primeiros grupos que praticam a luta armada (Esquerda Proletária, Voluntários Vermelhos, Grupos Armados Partidários – de Feltrinelli que morre aliás num atentado que preparava! ). Tudo começa por confrontos com elementos direitistas, deriva rapidamente para as zonas operárias “em defesa do proletariado oprimido”, continuará pela perseguição a elementos do PCI (aqui já são as Brigadas Vermelhas a operar) e finalmente enveredará pelas campanhas “sérias” de terror. Os anos setenta, os anos de chumbo, deixarão uma marca que ainda não desapareceu. Ainda há gente a monte, ainda há presos nas cadeias italianas, ainda há quem chore pelas vítimas que foram muitas e que, as mais das vezes nem sequer sabem porque morreram.
E há também o naufrágio dramático de um sonho de revolução e de transformação do mundo. A passagem de uma contestação saudável e necessária duma situação ingrata a uma luta em nome de um proletariado que se não reconhece nos seus pseudo salvadores, contra um “SIM” (Estado Imperialista das Multinacionais) que as Brigadas julgavam poder combater com uma revolução na Itália (com quem?), liquidando escolhidos representantes do Poder numa espécie de estratégia de acções exemplares que insurrecionaria as mais largas massas populares.
Isto que vem de ser sumariamente descrito foi elaborado em várias publicações por intelectuais universitários prestigiados e lido (mal lido) por jovens ultra-politizados com uma determinação só igual ao seu desconhecimento da vida de todos os dias. Por jovens que acreditavam, mesmo depois de Praga, numa organização ultra-leninista, num partido militarizado e na maldade intrínseca do revisionismo, do liberalismo e de mais uma série de crimes anti-socialistas constantes da vulgata em uso neste género de organizações desconectadas da realidade.
Os anos setenta verão um renascimento do terrorismo de direita (estação de Bolonha, 85 mortos mais de 200 feridos) que curiosamente apresenta motivações idênticas. Os radicais negros queixam-se do eleitoralismo do MSI, da falta de soluções salvíficas que liberte a Itália e o mundo do comunismo, reconhecem-se nas ditaduras latino-americanas do mesmo modo que Brigadas e Prima Línea se louvam nas guerrilhas, nos Tupamaros e nos Montoneros.
Em resumo: aquilo que hoje em dia muitos assacam à esquerda como se esta tivesse sido a única responsável dos “anos de chumbo” é, de facto, fruto de uma situação muito mais complexa, protagonizada por forças muito diferentes que chegam a incluir agentes do aparelho de Estado (serviços secretos, exército e polícia), crime organizado e agentes de potencias estrangeiras. Não, definitivamente a esquerda estudantil, ou parte dela, não é ré única no drama italiano. E se isso não lhe diminui as responsabilidades próprias também as não aumenta nem elimina as alheias. Que foram muitas. É altura de começar a falar delas.


* estação de Bolonha depois do atentado.

Quem haveria de dizer…

JSC, 20.05.08
«Juiz-conselheiro explica 'saco azul' com sexo, mentiras e vingança»

«Almeida Lopes, juiz-conselheiro jubilado e primo de Fátima Felgueiras, afirmou ontem em tribunal que o processo "saco azul" de Felgueiras resultou de uma vingança passional, porque os arguidos Joaquim Freitas e Horácio Costa, denunciantes do caso, estavam apaixonados e queriam manter relações sexuais com a autarca.». In JN.

Portugueses mal amados

O meu olhar, 20.05.08
Há muitos portugueses mal amados. E como chegou esta cabeça pensante a essa brilhante conclusão? Pois, foi através da análise da forma como conduzem nas estradas esses ditos portugueses. Da forma e do respectivo meio de transporte. A quantidade de bombas que se vê por aí é impressionante. Quando se aproxima um BMW ou um Audi, todos nós, pobres ocupantes de carros “menores”, temos que deixar a passadeira livre para que possam deslizar à velocidade que lhes dá na real gana e que nada tem a ver com leis, limitações, ou essas coisas destinadas a gente menor. E a agressividade? E o encostar bem à traseira do carro da frente como quem diz “ então, não desamparas a loja?”.

Mal amados, é o que é. E vigam-se desta forma. A culpa é certamente das respectivas mãezinhas…

Há coisas boas…

O meu olhar, 20.05.08
Vi há pouco na RTP um programa interessante chamado, salvo erro, 30 minutos. Foram apresentados três casos.

O primeiro tinha por protagonista uma jovem de 25 anos que, devido a uma doença rara, vive num corpo de uma criança de 8 anos com limitações físicas muitíssimo complicadas que a obriga, por exemplo, a depender de uma cadeira de rodas e da ajuda de terceiros para se deslocar. Pois esta jovem, para além de tirar um curso superior, trabalha e, como se não bastasse, escreveu um livro, Como isto é façanha que persigo há anos, desfiz-me num enlevo de admiração por tal testemunho de coragem, trabalho e talento. Um exemplo para todos nós, que, basicamente, tendemos a gastar metade das nossas energias a apresentar as razões que explicam a nossa inércia.

O outro caso tinha a ver com uma outra jovem portuguesa que foi trabalhar para o McDonalds para pagar as lições de canto, já que o seu sonho era seguir uma carreira nessa área. Desistiu das aulas porque o dinheiro não era suficiente. Todavia, foi seleccionada para ser a representante portuguesa num concurso internacional para eleger a melhor voz entre os colaboradores dessa empresa. Na fase seguinte foi uma das três seleccionadas entre centenas de jovens. Foi à final e ganhou. Um conhecido produtor discográfico americano, que assistia ao espectáculo, convidou-a a ir a Los Angeles para gravar um disco. É caso para dizer: eu não acredito no destino mas que ele existe, existe.

O terceiro exemplo foi o do Rui Costa, ex-jogador do Benfica e agora Director Desportivo do mesmo clube. Tinha já visto há dias a ternura, o orgulho e a comoção do Rui Costa e dos seus dois filhos na despedida como jogador. Foi bonito de ver e ouvir.
Como portista que sou o que me ocorre face a este último caso é o seguinte comentário: o Porto Ganhou o Campeonato, o Sporting ganhou a Taça e o Benfica ganhou um Director Desportivo. Vidas…

MAIS RIQUEZA E CADA VEZ MAIS POBRES

JSC, 20.05.08
Tendo como pano de fundo factores como a elevada taxa de pobreza infantil (23%, quando na população adulta é de 21%),” a conclusão a tirar é que o tema das próximas campanhas eleitorais vai ser ”O Social” - "Resolver os problemas sociais".
Depois de terem criado as condições para os números que o JN revela vai ser giro ver como é que os mesmos políticos nos vão anunciar a boa nova.

Entretanto, os candidatos à liderança do PSD recusam-se a dialogar uns com os outros. É uma família desavinda, a confirmar o que há uns anos dizia um conceituado político, de um outro leque partidário, que o principal adversário de um político não está num outro partido, mas sim dentro do próprio partido e concluía: “sabe, os aparelhos partidários são estruturas pérfidas, trituradoras”.

Verdade, verdade, é que são estes aparelhos pérfidos que conquistam o poder e que governam os povos. Talvez aí estejam algumas das razões para os grandes níveis de pobreza que se observam em todos os países, mesmo naqueles em que o volume de riqueza gerada cresce ano após ano.
Enfim, o que se pode esperar quando a política se exerce, de modo concertado e geral, com o nível que esta interessante e actual crónica, publicada no mesmo JN, denuncia.

Estes dias que passam, 110

d'oliveira, 20.05.08

Perder bem, ganhar mal

Pior do que o chamado mau perder é o mau ganhar. E é pior porque o vencido tem uma desculpa, uma má desculpa para a cólera que sente por ter perdido.
Eu sei que é politicamente correcto afirmar que se deve guardar modéstia no momento da vitória mas de quando em quando podemos arriscar um passo desses. A vitória bebe-se lenta, pausada, descansadamente. Assim dura mais.
Todavia há sempre um quiddam que desconhece estas pequenas, vulgares verdades. São coisas que se não aprendem na escola, na universidade mesmo se se consegue um doutoramento. Fazem parte daquilo que se poderia chamar educação informal. A chamada “gente bem” fala de “tomar chá em pequeno” a propósito deste misto de bons modos, contenção e simplicidade.
Vem tudo isto a propósito de um artiguinho, mais um, de um dos comentaristas de última página de um jornal de referência. A criatura resolveu fazer um penoso exercício de ironia sobre o resultado da votação na Assembleia da República sobre a questão do Acordo Ortográfico. Pergunta aos “derrotados” se já repararam que o mundo continua igual, como se da votação naquele areópago de escassa ciência filológica e ortográfica, pudesse sair outra coisa do que a que saiu. Há vezes em que me pergunto se o homenzinho pensa o que escreve ou se dispara mais depressa do que a própria sombra.
Toda a gente sabia que o “Acordo...” ia passar na AR. Os partidos tinham dado as necessárias ordens para que a ordem reinasse. E de todo o modo a votação não se destinava a aprovar o Acordo que infelizmente fora já aprovado por uma assembleia tão competente como a actual.
O que os contrários ao acordo diziam, e dizem, é que não só nada se ganha com ele mas que é provável que se perca muito. A ridícula argumentação de que o acordo fará da língua portuguesa (notem que digo portuguesa e não brasileira ou outra coisa qualquer) uma língua importante. Primeiro porque já é falada por cerca de duzentos milhões de pessoas (que ele iça à categoria de terceira língua mais falada do ocidente, provavelmente porque o russo não lhe parece ocidental) e depois porque assim já não deixamos os brasileiros passarem-nos a perna na competição ortográfica do português. Mal sabe o pobre que quando se trata de aprender português é geralmente recomendado aprendê-lo com brasileiros porque pronunciam todas as letras. E parece não perceber que mesmo com este mau acordo continua a haver discrepâncias ortográficas. Ou seja que os estrangeiros aprenderão a variante brasileira mais depressa do que a portuguesa como é natural.
O que o autor da prosa ligeira parece não perceber é que não é o número de falantes ue determina a importância de uma língua mas a força política e económica dos países e povos que a falam. E a cultura. E aí corremos sérios riscos de estar num lugar bem mais modesto do que o simples número de falantes poderia indicar.
Mas o esforçado articulista não contente com o esmagar a oposição com esta rotunda vitória no parlamento entendeu crismar todos os anti-acordo com o facinoroso apodo de “nacionalistas”. Deve estar contentíssimo com esse subtil esquema de nos chamar reaccionários como se sequer isso fosse verdade. Convenhamos, se ser progressista é ser como o senhor Tavares então vou ali e já volto. O pobre ainda não percebeu que a defesa a outrance do acordo nos termos espúrios em que está (mal) redigido é tão só a última tentativa “imperial” de fingir que há uma ortografia una do português. Mesmo que se tenham importado letras que foram sempre desnecessárias (w, k e y) por termos outras que as substituíam. Ou seja: aboliu-se o trema porque se encontrou um modo mais fácil de conseguir o mesmo efeito mas importa-se o K quando para o efeito já cá havia o C e o Q! Eu chamaria a isto um relento de colonialismo, uma tentativa grosseira de permanecer no lombo dos colonizados mais um bocadinho...
Todavia nada disto perpassou pela cabecinha fértil do articulista . só se lembrou da voluptuosa vitória na AR. Inesperada vitória! Amarga derrota dos protestantes. Estamos varados, tristes, inconsoláveis e o mundo lá fora ri-se de nós, faz-nos caretas o que seria de fato, um feio ato se nós, sempre, incorrigíveis não trouxéssemos no bolso uns cc a mais para enfiar no meio das palavras.