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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Crise de Abastecimento de Produtos Alimentares?

JSC, 06.05.08
Segundo a comissão europeia os produtos alimentares, na Europa, irão sofrer um aumento, este ano, de cerca de 40%. A especulação, afirmam os especialistas comunitários, será responsável em mais de 30% por este aumento.

A repentina crise no mercado dos produtos alimentares só poderia estar associada à crise financeira provocada pelo “subprime” americano e que se repercutiu globalmente. Ou seja, a crise é provocada pelos grandes especuladores que procuram compensar as perdas no mercado das acções e na queda do dólar, deslocando os seus negócios para a bolsa das matérias-primas, onde se transaccionam os produtos alimentares.

A questão que se pode colocar é a da saber qual o papel dos Governos nesta história toda. Até pode parecer que se revelam incapazes de actuar perante a força do mercado. Contudo, o que se passa é que estão a criar as condições para que se obtenha m novo equilíbrio, que o sistema se auto-regule. Os governos procurarão minimizar os estragos, conter os famintos (distribuindo pratos de arroz, alguns subsídios e porrada se for preciso) de modo a que a espiral civilizacional se eleve e passe a um novo estádio, mantendo os genes vitais.

Anote-se que nestas coisas da especulação Portugal revela grande competência. Só dois exemplos:

Primeiro, o preço do pão. Segundo os jornais o preço do trigo subiu 10% nos últimos três meses. Contudo, em Portugal o preço do pão terá subido 50% no mesmo período, pelo efeito conjugado do aumento de preço/unidade e da diminuição do peso/unidade.

Segundo exemplo, o preço dos combustíveis. Ainda segundo a comunicação social, apesar do aumento do preço do petróleo no mercado internacional, o aumento de peço praticado pelas empresas petrolíferas que actuam em Portugal é bem superior ao aumento registado pelas empresas congéneres que abastecem outros países europeus.

E o Governo que faz perante estes aumentos especulativos? Pelo menos uma coisa sei que faz, arrecada os impostos, cujo montante cresce proporcionalmente ao aumento dos preços, mesmo que provocados por agentes especuladores.

Conclusão (um tanto ou quanto enviesada): Do ponto de vista fiscal, os Governos são os segundos grandes ganhadores com os movimentos especulativos. Portanto, como é aos Governos que compete cuidar do interesse colectivo, até se poderá concluir pela bondade da especulação…

Missanga a pataco 51

d'oliveira, 05.05.08

O Alentejo, os pobres, Cuba e as cataratas

Está a causar grande escândalo o envio de doentes para Cuba. Vão fazer operação às cataratas. Vão quase cegos, fartos de anos de espera. Chegam lá e, além da operação, são submetidos a check-ups gerais e, como foi possível, hoje, ouvir na televisão, regressam melhor, a ver e tratados de outras maleitas de que padeciam.
Quem me costuma ler sabe bem que não nutro pelo regime cubano qualquer carinho. Acho aquela gente tão detestável quanto qualquer outra tirania, actual ou passada.
Todavia, tenho de me render a uma evidência: as pessoas regressam a ver, satisfeitas, por preços que são acessíveis tanto mais que fazem lá todo o post-operatório.
Parece, contudo, que à Ordem dos Médicos, ao Ministério da Saúde e a mais algumas criaturas cujos interesses me parecem pouco claros, causa espécie esta transumância sanitária .
Comecemos pelo excelso Ministério: de repente entende que é possível fazer o dobro das operações que se faziam até agora. E vai entrar em acordos com hospitais privados para o efeito.
A pergunta inocente é esta: por que é que os não fez antes, tanto mais que, mesmo com as centenas ou milhares de operações em Cuba, havia uma enorme lista de espera? Uma lista que, a avaliar pelas prometidas e actuais metas, dá para cinco anos, sem contabilizar as urgências que irão aparecer inevitavelmente. Porque, ao que me informam, crescerá a procura destes serviços de saúde.
Continuemos pela Ordem: alguma vez questionou o problema? Alguma vez se lembrou de recomendar um sistema análogo ao cubano, rápido e expedito, um sistema que em quinze, vinte dias receba um camião de alentejanos idosos e os devolva sãos e a ver às localidades de origem?
Eu não vou cair na facilidade, maliciosa, ainda por cima, de pensar que à Ordem o que dói é o “cacauzinho” que os seus representados deixam de receber. A Ordem crê firmemente no juramento de Hipócrates e decerto estará disposta a recomendar aos médicos e às clínicas privadas um forte desconto para restituir a saúde ocular aos portugueses pobres.
Deixo para terceiro lugar essas criaturinhas que provavelmente pensam que nisto há uma conspiração bolchevista internacional que transforma cataratas capitalistas em perigosos agentes do Komintern. É a revolução que vencida nas urnas, regressa nas córneas dos operados. Convém prevenir o SEF, a Guarda Fiscal, o SIS, os senhores Ministros da Saúde e da Administração Interna, sem esquecer o da Justiça.
Olho nesta alentejanada vermelhuça e de mau agouro.

A Coruña

José Carlos Pereira, 05.05.08

A bonita cidade de A Coruña, assim mesmo, com a grafia galega, foi o destino que escolhi no fim-de-semana anterior, aproveitando a boleia do Dia da Liberdade, em Portugal.
Uma cidade cheia de vida, plena de actividade e que se estende entre as praias e o seu importante porto de mar, bem perto do Norte de Portugal. Almoçar na imponente Praza Maria Pita, a mulher que, segundo a lenda, se notabilizou na defesa da cidade na guerra contra os franceses, passear no seu casco histórico, deliciar-se com as fachadas das varandas envidraçadas que são um dos ex-libris da cidade, deleitar-se com o passeio marítimo, do Riazor até à Torre de Hércules, são algumas das muitas formas de deixar o tempo correr naquela cidade da Galiza, para além das tapas, do pescado e das cañas. Os apreciadores dos divertimentos nocturnos também têm muito por onde se entreter (e aqui não posso deixar de me lembrar de um fim de ano aí passado, não é caríssimo carteiro?).
Entre outros pontos de interesse, recomendo uma visita ao Domus, a Casa do Homem, um equipamento localizado junto ao mar e que inicia os mais novos, de forma muito interessante, no mundo do ADN, das células e da natureza humana.
A minha viagem coincidiu com um jogo Deportivo-Barcelona e lá tive de levar o meu ZP a viver a experiência de assistir ao vivo a um jogo da liga espanhola, uma das melhores do mundo. Estádio cheio, vibração total, novos e velhos, homens e senhoras, todos ao rubro. No fim, restaurantes e mesons cheios, tudo a “tapear” e a confraternizar. Um espírito de festa totalmente diferente do que se vive entre nós. Tão perto na distância, mas tão longe no espírito (e nos euros, já agora...).

Na foto, vê-se um monumento de homenagem aos fuzilados na guerra civil, debruçado sobre o mar, na zona das Adormideras. Aí perto está também a Casa das Palavras, um espaço que acolheu os restos mortais dos muçulmanos que morreram na guerra e que lhes presta homenagem.

Maio, maduro Maio 3

d'oliveira, 04.05.08

Ao longo destes textos tentarei dar um testemunho. Porque de certo modo vivi Maio. Intensamente. Cá e nos locais onde ele foi mais visível. Boa parte do que hoje sou, devo-o a esses últimos anos da minha vida universitária. Boa parte do meu empenhamento político posterior esteve marcada por Maio. Pouco importa o que isso queira exactamente dizer. Basta ler as revistas, os jornais, os livros que de repente voltam a inundar as bancas para perceber que o fenómeno não é unívoco e que, como num outro antigo texto disse (e tê-lo-ei aqui já citado) Maio pode ser (deve ser) encarado como o fim de uma época mas também como o início de outra. Em segundo lugar, o que se convencionou chamar Maio não se reconduz a Paris (de resto era exactamente isso o que se dizia lá, o que se sentia lá. Aquilo não era uma questão franco-francesa e o General de Gaule bem o compreendeu). É duvidoso que sem outros exemplos (os seat-in e os teach-in dos campus americanos, por exemplo) os acontecimentos se tivessem desenrolado como se desenrolaram. Parte dos militantes mais politizados estava ao corrente do que se passava na Alemanha, na Itália ou na Espanha (Portugal era mais ignorado, pesem embora os esforços dos emigrados portugueses que já não eram assim tão poucos).
E cá, apesar da censura, dos bloqueios ideológicos (que os havia...) também não eram desconhecidos muitos dos temas que afloraram na discussão em França. O movimento estudantil português estava umbilicalmente ligado ao francês. As famosas teses de Grenoble (..o estudante é um jovem trabalhador intelectual...) eram conhecidas, por vezes glosadas. A França era a principal fornecedora de literatura política, o francês ainda era a língua estrangeira mais falada por cá. E havia os laços criados pela crescente emigração económica e política para lá.
Dito isto, que é mais importante do que se julga (ou do que transparece em certas opiniões de que tenho tido conhecimento), pareceu-me interessante intercalar nestes textos algumas notas de carácter pessoal. Aliás, nos dois posts anteriores apenas citei livros que na altura li (exactamente no ano de 68, para ser mais exacto) e boa parte do que deixei como conclusão já fazia parte duma apreciação que, não sendo generalizada, se ia fazendo em Coimbra e, provavelmente nas outras duas cidades universitárias.
Resolvi, pois, recorrer ao meu catálogo de livros comprados (que mantenho desde 1959!!!) e, vendo que livros comprei em 68, tentar traçar um retrato, não de uma geração (não pretendo tanto) mas pelo menos de um militante estudantil que eventualmente se assemelha a mais alguns.
Em 68, andava muito interessado em estudar o colonialismo (razões não me faltavam...) e com um pouco de sorte perceber melhor a história e as culturas africanas bem como a questão negra americana. Hamidou Kane,l’aventure ambigue”; Ruytinx, “la morale bantoue”; J Jahn, Muntu, las culturas neo-africanas”, Césaire, “Une saison au Congo, R. Wright, “Écoute, homme blanc"; Malcolm X. "le pouvoir noir"; e um controverso Sartre, “Colonialismo y neo-colonialismo", uma edição argentina das “Situations V” milagrosamente encontrada numa livraria de Coimbra. Anos antes tinha lido “Reflexões sobre o racismo” que agrupavam o belíssimo “Orfeu Negro” e “A Questão Judaica” e devo confessar que, neste campo, ainda hoje me sinto tributário do pensamento de Sartre.
Também estava a começar a ler muitos autores ditos clássicos que chegavam através das colecções de bolso francesas (Garnier-Flamarion e 10-18, fundamentalmente): Rabelais, Voltaire, Toepffer, Tillier, Casanova; teatro (Beckett, Hochutt, - “Soldats” – Arthaud, O’Casey, Stanislavsky), história, além de, obviamente, política: algum Marx mais duro, Sombart, demasiado Mao, Bukarine, Friedman, Rosa Luxemburgo – “Marxisme contre dictature” -, Henry Lefebvre, K. Korsch e, muito na hora, Marcuse. De facto aparecera uma edição brasileira do “Homem Unidemensional” sob o título pavoroso de “Ideologia da sociedade Industrial” que aliás li depois do “La fin de l’utopie”, Dutschke, já citado em anterior texto, Cohn Bendit, “le gauchisme”; o “Discours de la guerre” de Glucksman e algo que na altura me impressionou bastante: “Traité de savoir vivre a l’usage des jeunes generations” de Vaneighen.
Deixei para um apartado especial desta lista o inevitável Althusser e os “cahiers marxistes-leninistes” comprados quase sempre numa livraria da rua Git-le-Coeur, hoje dedicada à BD para adultos! Era a China, claro, o farol iluminado pelos livros de Edgar Snow e de L. Bianco, lidos também neste ano. A ironia da história, se de ironia se trata, é que estas últimas leituras foram já defensivas: o milagre chinês começava a parecer-me suspeito e o “petit livre rouge” pareceu-me intragável. Pior só uma senhora que anos mais tarde foi muito popular entre os aprendizes de revolucionário: Marta Harneker! Dela li, na melhor das hipóteses um cento de páginas, e ainda hoje, tantos anos depois, me arrependo. Fica para desconto dos meus muitos pecados!
Hoje em dia, parece fácil (e soa a desculpa...) dizer isto. Todavia, em minha defesa, sempre acrescentarei que na mesma altura li Caillois, Bataille, um largo grupo de surrealistas, Queneau (a Sally Mara), Jarry (Tout Ubu), Lautréamont, Borges, Herberto Hélder (de que fui e sou fanático), Stendahl, Appolinaire (“Alcools”) Guillevic, Char (“Fureur et mystére), Pound (uma “Antologia poética”, traduzida para português) Saint John Perse, Ritsos e Enzensberger. E Baudelaire, todo! A poesia, sobretudo, mas também algum romance iam-me vacinando contra as derivas ideológicas mais dogmáticas. A explosão de Maio e o Agosto em Praga confirmaram ou fortaleceram as minhas ulteriores escolhas. E mostraram-me que era possível fazer política, ser contra, sem estar devedor de parelhos políticos que se iam revelando “cadaverosos”.
Não vou prosseguir esta lista que agora me parece enorme. Recordo-me, sem vergonha nem remorso que, academicamente, 68 foi um ano, digamos, “improdutivo”. Agora, à distância percebo porque preteri as sebentas e as deixei estar quietinhas numa estante donde só terão saído tarde e a más horas.
E convenhamos: quando tudo parecia estar a ser posto em causa (até os EUA tinham apanhado em cima com a ofensiva do Tet no Vietnam!) que valia um curso? E a "revolução" parecia tão sedutora...

*A fotografia pertence à série "Biblioteca a rebentar pelas costuras procura casa onde caiba" e seriam reconhecíveis os meus amados surrealistas, os dadaístas, os situacionistas, Vaneighem e Debord ao canto) bem como uma série de livros sobre África entre uma estatueta africana verdadeira!- e a fotografia de um trisavô (José Costa Alemão, capitão de 2ª linha, explorador no sul de Angola, que viveu rico e morreu pobre). Uma das fotografias em cima dos livros retrata o Maio possível português: Coimbra, Abril de 69. Lá chegaremos...



Estes dias que passam 107

d'oliveira, 02.05.08


A derrota de Napoleão começou aqui.
As imagens retratam o levantamento de 2 de Maio e as subsequentes execução dos populares revoltosos.
Porque foram populares os que se levantaram contra os "franchutes" nesse 2 de Maio de Madrid e de Móstoles. Gente simples e chã que atacou o mais poderoso exército do mundo, com navalhas, facas de cozinha, paus e pouco mais. Em nome de um rei que o não merecia e que, mais tarde, seria considerado um dos piores reis de Espanha. De todo o modo, mesmo que agora se adorne demasiadamente a história, a verdade é que a guerra de independência foi um dos momentos altos da longa história de Espanha.

Quo vadis, Kami?

ex Kamikaze, 02.05.08
Carta aberta aos meus amigos

Não dou notícias há muito tempo, não escrevo nem comento nos blogs, nem umas graçolas reenvio por e-mail.
E no entanto nunca passei tanto tempo ao computador (nem sequer quando, entre Janeiro e Março, "de perna ao peito", andei a "arrumar" o Inc...).
Et pour cause! O objecto está de tal forma associado ao meu dia a dia de trabalho (o mundo dos candidatos a emprego e do import-export ao alcande de um rato...) que, quando chega a hora do lazer (se é que chega…), só me apetece fechá-lo.

Mas ter o tempo hiper-ocupado com a concretização, para breve, de um projecto que há muito acalentava (quando comecei a perceber que, por razões familiares/pessoais, teria de deixar o Ministério Público, era um projecto/sonho difuso, muito difuso mesmo, a que me agarrava) é, para além de um grande desafio, um enorme prazer e fonte de genica e boa-disposição. Para mais, esta entrada no mundo do empreendedorismo está a ser/vai ser uma interessante fonte de melhor conhecimento das realidades culturais e socio-económicas deste cantinho ao sul, pedaço ainda assim privilegiado do dito “país real”… (*)

Alguns de vós sabem do que se trata – a abertura de uma livraria/espaço de exposições em Faro, integrados num Espaço de Memória, projecto de O Mundo em Gavetas, que surgiu do encontro com a inesgotável criatividade e vontade de fazer do José António Barreiros.






Mas, para saberem mais, o melhor é abrirem este link:
www.omundoemgavetas.com/novidades.html

O objectivo é abrir a 14 de Junho (assim a Câmara de Faro não boicote com a sua proverbial inércia no despacho dos processos). Teremos a apresentação de um novo livro do José António Barreiros editado por O Mundo em Gavetas e uma exposição alusiva – o pretexto é o centenário do nascimento do escritor Ian Fleming. O tema genérico dá pelo título de 00Fleming.
O livro será lançado no Espaço dos Exílios, no Estoril, no dia 28 de Maio, data do centenário propriamente dito.

Claro que, quando tiver a certeza absoluta da data da abertura em Faro, informarei. Como é um sábado (para os lisboetas antecedido de feriado) e o tempo estará certamente óptimo, é mais um bom pretexto para virem gozar as delícias do Sul :)

(*) Por via das dezenas de CVs que consultei e das várias entrevistas que já fiz a candidatos a emprego pude contactar com a realidade do que lia acerca da quantidade de jovens licenciados desempregados ou à procura do 1º emprego – não que o não tivesse sentido já na vivência dos meus próprios filhos (e filhos de amigos) , ele lançado às feras no mundo do recibo verde, com um curso técnico de 1 ano que lhe deu logo trabalho, tirado depois de obter a licenciatura num curso superior em universidade pública e “de bom tom”, a Nova; ela – por opção, é certo - sozinha no mundo das profissões liberais, na perspectiva de nem a um mês de ausência pós maternidade se poder dar ao luxo … (é para rir ouvir o Marinho e Pinto, Il. Bastonário da OA, reivindicar licença de maternidade para as advogadas! E eu a pensar que se tratava de uma profissão em que a relação profissional/cliente é tendencialmente insubstituível, como acontece com os psicólogos clínicos, profissão exercida pela minha filha!)

Mas constatei também realidades positivas: depois de terem acabado com as escolas comerciais e técnicas, os responsáveis pelo ensino lá perceberam que havia muitos jovens que, para singrarem na vida, precisavam de competências técnicas de nível médio e, na verdade, as vias técnicas de ensino pós escolaridade obrigatória, que dão equivalência ao 12º ano, têm bons currículos disciplinares; idem quanto a certos cursos de formação proporcionados via Centros de Emprego!
Claro que nem sempre isto basta se não se teve uma boa formação de base e, por exemplo, apesar de se cursar o 2º ano de gestão, se escreve com manifestos erros ortográficos e não se é capaz de compor meia dúzia de linhas num e-mail de candidatura/apresentação…

Enfim, o "noticiário" vai longo, não escrevo há tanto tempo que as ideias por partilhar se atropelam e sai tudo em turbilhão ficando, ainda assim, quase tudo por dizer…
bem ao contrário do JAB que escreveu hoje (mais) dois lindíssimos posts, cuja leitura não resisto a recomendar:

http://joseantoniobarreiros.blogspot.com/2008/05/regressado-aos-sonhos.html


Com este post envio abraços e beijinhos aos amigos e cordias cumprimentos aos leitores

Da vossa Kami, que também responde por Little Palha


...

d'oliveira, 01.05.08
adenda a Maio, maduro Maio, 2


1. assassínio de Benno Ohnesorg
2. rudi dutschke em 1967



(fotografias pilhadas na internet, obviamente)

Maio, maduro Maio 2

d'oliveira, 01.05.08

Pálida Mãe

Deutschland, bleiches Mutter”: nunca o verso de Brecht foi tão verdadeiro como neste caso. Porque agora estamos diante dos filhos da guerra e do nazismo. Os filhos que, como Rudi Dutschke, não se sentiam bem na chamada “Republica Democrática” e achavam que a República Federal estava vendida aos “Konzern”, à América e à burguesia.
São estes órfãos que se engajam em todos os combates. Assumiram ingenuamente as culpas de pais e avós e sentem ser seu dever remir em pouco tempo os longos anos do terceiro Reich e da guerra. E causas não lhes faltam: desde o apoio aos refugiados iranianos e contra o Xá, às campanhas de solidariedade com o Vietnam. Curiosamente o principal bastião da juventude combatente é Berlim.
Berlim nos late sixties e depois é um pequeno oásis. Temendo a fuga de habitantes, dado a cidade ser uma ilha no meio da RDA, o governo federal concede subsídios, anima empregos, facilita a vida na cidade cercada. De todo o modo é a predominância de pessoas idosas e de jovens. E entre estes numerosos estrangeiros, bolseiros, refugiados, gente que começa a criar as redes de alternativos, os primeiros ambientalistas, enfim boa parte do que mais tarde constituirá o melhor da herança destes anos de luta.
Porque de luta se trata. Contra o regime do Xá da Pérsia, o protegido dos americanos, o homem cujas mãos estão, no dizer de muitos, tintas do sangue de Mossadegh, para já não falar das vítimas da SAVAK a famosa polícia secreta que persegue com a mesma constância islamistas, comunistas ou simples democratas. Será numa manifestação (Junho de 1967) contra o regime persa que um polícia assassinará Benno Ohnesorg. E é a partir desse momento que Berlin entra no ciclo das grandes manifestações.
(curiosamente, tenho desde há dias, uma carta minha enviada a meus pais em Dezembro de 71 e datada de Berlin: aí lhes falo da morte de Georg von Rauch, um militante da RAF (Rote Armee Fraktion) quase a nossa vista. As manifestações que se seguiram terão sido o último suspiro deste ciclo iniciado anos antes. A deriva tragicamente terrorista deste grupo, que não obstante teve mais apoios do que seria de esperar, é também uma das heranças do Maio alemão)
A segunda frente de luta dos jovens alemães é mais grave e porventura mais séria: o silêncio dos pais sobre os anos do nazismo. E convenhamos que alguma (muita) razão teriam. E dos dois lados do muro. Quer Adenauer quer Ulbricht acharam melhor passar uma esponja sobre os milhões de “pequenos nazis” (a expressão é originária da RDA), sobre a sua responsabilidade histórica, os crimes, os silêncios e as cumplicidades.
A guerra fria ajudou, obviamente. E é aí, ou é também aí que entronca o anti-americanismo radical dos estudantes alemães. Convenhamos que é uma ironia o facto de o auge da contestação se localizar na cidade que só o poderio americano defendia dos russos e dos seus aliados alemães.
Perguntar-se-á qual o papel da RDA, do comunismo à alemã, nisto tudo. Independentemente da alegação de que alguns refugiados da RAF se terem acolhido nela, das ligações entre a RAF e alguns grupos palestinianos, destes por sua vez terem passagem franca pelo leste europeu, conviria talvez recordar que para a grande maioria dos esquerdistas alemães a RDA era a pura incarnação da degenerescência burocrática e penitenciária do ideal comunista. Os bisnetos de Rosa Luxemburg e de Karl Liebknecht, desconfiavam do desvio soviético, dos seus aplicados discípulos orientais, liam os heterodoxos e juravam por Adorno e Marcuse. É provável que a famosa teoria dutschkiana da acção exemplar e da provocação à polícia fossem consideradas pequeno-burguesas ou, pior ainda, doenças infantis e esquerdistas pelos ideólogos do SED, o extraordinário Partido Socialista Unificado, pseudónimo do comunismo alemão oriental. Dutschke propõe “desmascarar” os poderes instituídos obrigando-os a defender-se violentamente da ofensiva das minorias conscientes que, todavia, não restringem o seu campo de actuação ao país mas antes estão em consonância com os movimentos revolucionários de todo o mundo e sobretudo com os que, de algum modo, escapam à lógica soviética. Daí o apoio ao Che, ao Viet-Cong e às organizações contestarias emergentes um pouco por toda a parte.
A reacção é, evidentemente, violenta. Em Berlin, e no resto da Alemanha, a imprensa do grupo Springer ataca diariamente e com inusitada linguagem a minoria estudantil liderada por Rudi o Vermelho. O SPD tenta meter na ordem a sua organização de juventudes, o Sozialisticher Deutscher Studentenbund (S.D.S.) de que Dutschke é um dos líderes. A polícia vai metodicamente fichando os militantes e apoia sem reservas as “provocações” que lhes são feitas na Universidade Livre de Berlin. E o que tinha de acontecer, acontece: a 11 de Abril de 1968 (repare-se na data) dispara três tiros sobre Rudi em plena rua. E é, de certo modo, o fim brutal de uma carreira: Dutschke sobreviverá 11 anos ao atentado mas as sequelas do atentado afastá-lo-ão da política e da Alemanha. Aliás a sua morte acidental é ainda resultado do atentado.
Sob certo prisma, a breve carreira de Dutschke e o seu desaparecimento abriram caminho à radicalidade absoluta da RAF. Não me repugna acreditar que esta pequena organização viu esse atentado como prova absoluta da impossibilidade da luta pacífica ou, pelo menos, da luta não terrorista.
Não se pretende aqui desculpar a deriva terrorista (e finalmente inócua do ponto de vista revolucionário) dos Baader, Meinhof, Esslin et alia. Entre 1972 e 1988 mataram gente e morreram (suicidaram-se, ou foram suicidados) quase todos os seus membros. Nos dois últimos anos terão sido libertados condicionalmente os últimos elementos ainda vivos da organização. A sua pegada na História (com H ou h) foi mínima se é que já não se apagou. A reunificação alemã enterrou a RAF sob os destroços do muro, das fábricas abandonadas, e das ilusões perdidas. |Não me custa dizer que ainda bem.

* o cartaz (de que tive um exemplar!, que saudades...) é do SDS e significa em livre tradução: "Todos falam do tempo. Nós não."

** De Rudi Dutschke pode ler-se "Écrits Politiques", Christian Bourgois ed., Paris, 1968

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