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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Uma nova política, Precisa-se

JSC, 16.06.08
“O mundo precisa de repensar as fontes de crescimento económico. Estando o crescimento económico alicerçado nos avanços científicos e tecnológicos e não na especulação imobiliária ou nos mercados financeiros, os sistemas tributários têm de ser reajustados. Por que razão os que obtêm os seus rendimentos jogando nos “casinos” de Wall Street têm taxas de imposto mais baixas do que os que ganham dinheiro de outras maneiras? A tributação dos lucros do capital deve ser, pelo menos, igual à que incide sobre os outros tipos de rendimentos (esses rendimentos têm, em qualquer caso, um benefício substancial porque o imposto só é cobrado depois de realizado o lucro.) Além disso, deveria existir um imposto excepcional sobre os lucros das empresas petrolíferas e de gás.”

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel da Economia em 2001, escreve mais um interessante artigo no D.E. em que defende, mais uma vez, uma nova política na tributação dos rendimentos. Só não se entende a razão que leva os políticos a não adoptar o que parece óbvio e que ajudaria na guerra contra os especuladores financeiros.

o caminho faz-se caminhando

d'oliveira, 15.06.08
carta à desaparecida administradora deste blog, madame Kamikaze de seu nome, mulher das arábias (algarve incluído), editora, animadora cultural e tudo o mais

Cara administradora,
Serve esta para lhe comunicar o nascimento de mais um blog (mais outro!) prontinho a fazer-nos uma concorrencia danada, falta de vergonha!, e com uma tripulação de respeito. cito só as do deu sexo, que chegam para acrescentar ao gentil rol das padeirinhas de aljubarrota, deu-la-deus martins e similares: diana andringa, manuela cruzeiro e irene pimentel!!! Livra!
Aproveitei, para em nome da tripulação incursionista, lhes dar as boas vindas a este mundo degenerado sem rei nem roque.
E já agora avisar as/os leitoras/es: A concorrencia é boa neste nosso ramo. Eis o poiso dos recém-chegados: caminhosdamemoria.wordpress.com

Au Bonheur des Dames 127

d'oliveira, 15.06.08

Metáfora de uma cidade e de um país

Uma explicação: há um par de anos o Porto foi uma espécie de capital cultural ou algo semelhante. Foi um presentinho que um governo (Guterres?) resolveu dar à cidade prometendo-lhe fundos, glória imortal, muita e boa cultura, turistas à pazada e muito dinheiro a ganhar.
Quando a esmola é muita o pobre desconfia, diz um ditado. Ou devia desconfiar. O Porto e a triste câmara que o geria não desconfiou (depois disso veio o senhor Rui Rio e foi bem feito) e atirou-se entusiasmado para a magna tarefa. Como de costume (já Lisboa tinha tido uma experiência decepcionante em termos de público com a Expo que prometia igualmente multidões inimagináveis a pontos de até fretar uns paquetes luxuosos para alojar quem não conseguisse hotel. O naufrágio foi o que se viu, como estarão lembrados), as multidões esperadas fizeram-se rogar e não apareceram. Em termos de público de fora da cidade e seus confins a coisa atingiu as raias duma modéstia decepcionante. Os grandes negócios ficaram por fazer e os lucros não se verificaram.
Das obras, entretanto, efectuadas uma espantou mais que todas (e foram várias as coisas que ainda hoje intrigam um cidadão mesmo benevolente e ingénuo): entre o mar e o parque da cidade, quase em pleno areal edificou-se um “edifício transparente”, uma coisa caríssima, encomendada a um desses arquitectos cinco estrelas. E qual era o programa dessa oitava maravilha do mundo? Pois desconhece-se. Era preciso arejar uns milhões e por isso fez-se uma coisa semi-oca com muito vidro para o lado do mar e para o parque cuja utilidade era, digamos por piedade, indeterminável.
E tanto foi, que o “edifício transparente”, pago com o dinheirinho dos cidadãos, andou de Herodes para Pilatos à espera que alguém lhe encontrasse um destino. O meu amigo K foi, ao que sei, a única pessoa que avançou um alvitre eventualmente rentável. Convocavam-se os cidadãos irados do Porto e seu termo que mediante uma prestação monetária variável alugariam martelos, maças, tanques de guerra, canhões enfim qualquer coisa que permitisse demolir e era-lhes dada licença para começar a destruir a obra de arte. Quem quisesse fotografar, pagava. Quem quisesse um diploma de pedreiro pagava e assim sucessivamente.
Porém, os termos radicais desta proposta que K insistia em considerar artística (chamava-lhe, mesmo “desinstalação”!!!...) não foram aceites, ou não chegaram aos ouvidos de Rui Rio. O resultado, triste resultado, foi perder uns largos anos a tentar arranjar alguém a quem impingir a obra de arte. Por duas ou três vezes os concursos ficaram desertos. Finalmente um samaritano apareceu. Se lhe fizessem um preço de amigo, ele tomava conta do elefante branco e dava-lhe destino. Ao que consta entregaram-lhe aquilo de mão beijada. Fizeram-se umas obras (numa obra de arte? Num cume da arquitectura contemporânea? Na maravilha das maravilhas? Nisso tudo!) e apareceram umas lojas, uns restaurantes e a casa encheu-se.
Aquilo, visto de fora, não prometia mas este cronista é como S.Tomé: ver para crer. E no sábado passado, arrisquei-me a percorrer os diferentes pisos do “edifício semi-transparente”. Se eu quisesse ser mesmo mau, teria apresentado uma queixa contra incertos. Quem entregou aquilo aos mercadores do templo? Então aquela peça cara, caríssima, está agora entregue a um comércio pouco menos indigente do que a feira dos treze, a meia dúzia de restaurantes manhosos e a mais duas ou três coisas do mesmo teor? Todavia, achei que não valia o incómodo. E que talvez os restaurantes não fossem assim tão fraquinhos. Sentei-me num e pedi a ementa. Em cinco minutos estava verificado que aquilo, um restaurante de cozinha estrangeira, tinha tanto a ver com o país que dizia representar como eu tinha com a Bósnia-herzegovina. Fechei a ementa (que precisava de substituição urgente por sebosa e em mau estado) e retirei-me. Da esplanada, do restaurante e da edificação transparente. Não tão transparente porque por dentro a limpeza também não parecia ser uma das preocupações principais de quem gere aquilo.

E marchei à procura de um restaurante italiano que tinha um nome pouco abonatório mas que prometia cozinha siciliana. Entrei um pouco admirado. Num espaço amplíssimo, agradabilíssimo, um pé direito que já não há, umas largas dúzias de mesas bem ataviadas, guardanapos de pano e tudo, vazias. Eu era o único comensal! O único, repito, para o caso de terem pensado que isto era uma figura de estilo.
Desconfiado (um restaurante vazio à uma e meia de um sábado sem sol) lá me resolvi a ler a lista. Eu tinha dito restaurante siciliano? Se disse, não desdigo, mas a Sicília, devia andar muito ocupada naquele dia porque brilhava pela ausência. Não tem mal, pensei, a Itália é como o porco, aproveita-se tudo.
E requisitei spaghetti de frutos do mar (prometia-se amêijoa, mexilhão, camarão e lulas). Pobre, quando a esmola é grande desconfia, já o disse. E mais uma vez se comprovou a sabedoria do rifoneiro luso.
O que me apareceu em dose generosa (há que dizê-lo) foi um prato de spaghetti mergulhado numa molhanga castanha clara onde navegavam uns camarões que retintamente mostravam vir dos congelados, algumas amêijoas e mexilhões nas suas cascas e uns nacos de lula que também tinham conhecido os frios polares. Atrevi-me a provar tanto mais que estava com fome. As leitorinhas gentis que me aturam sabem que eu não sendo um cozinheiro, sei cozinhar. Sou como as antigas criadas de servir que quando se lhes perguntava pela arte respondiam que sabiam fazer o trivial.
Só que o meu trivial naquele bonito restaurante atingiria as raias do fenomenal, do óptimo, face àquela desolada molhanga, á massa recozida e saída do ponto “al dente” pelo excesso de líquido. Líquido desnecessário, diga-se de passagem, tanto mais que, se tivesse sabor, aniquilaria os frágeis sabores dos mimosos frutos do mar. As lulas sabiam a nada, os camarões idem aspas e os bivalves tinham perdido o frágil gosto.
Estava explicado o mistério da minha intensa solidão refeiçoeira. Aquele restaurante era um cenário para um entremez de quinta categoria, com actores amadores e ignorantes. Salve-se todavia, o empregado de mesa, simpático e compassivo que ao ver o pouco que comi, se atreveu a perguntar a razão e a sugerir que eu respondesse a um inquérito da casa para melhorar o serviço. Avisei-o que não valia a pena o esforço. A ementa era demasiado grande mas á custa de pratos vulgares. As pizzas propostas só tinham a originalidade de meter umas picardias desnecessárias mas muito estilo pizza hut. Fora das pastas não havia um vero prato italiano e eles são muitos e bons. Para comer bife de pimenta não se vai a Itália que fica longe. E menos à Sicília cuja cozinha opulenta se descreve (tão bem) nos romances de Andrea Camilleri (leiam-no leitorinhas que é um notável escritor. E leiam também, os restantes sicilianos que a terra não é só mafiosos e luparas. Ainda agora trouxe da minha excursão romana uma senhora – Simonetta Agnello Hornby – que escreve que é um espanto). Portanto, o problema não era só de cozinha, era de programa e de alma. Aquele velho casarão tão bem aproveitado (ao contrario do “transparentinho”) era uma casca maravilhosa de pérola falsa.
De quando em quando, algum dos camaradas desta galera ou algum leitor, censura-me o facto de só referir o “negativo”, de não me babar gozosamente perante os progressos formidável da pátria valente e imortal. Talvez tenham razão, mas a mim, o patriotismo dá-me para reclamar. Vivo aqui há sessenta e seis anos, aqui me criei, aqui fiz pela vida, aqui tentei melhorar o que podia melhorar. Nunca desanimei, nunca me calei mesmo quando isso era difícil, para não dizer coisa pior. Tenho, mais do que o direito, o dever de continuar a reclamar. A terra é sáfara, metade areia e metade montanha, o clima é doce, as gentes amáveis, cordatas e, uma vez emigradas, trabalham como mouros ou como galegos. O que é que nos falta para “nos cumprirmos como nação”?
Estas duas frustrações ilustram bem o modo de estar portuense (desculpem lá amigos e vizinhos mas é mesmo assim.). Reclamam de Lisboa mil coisas, querem tgv para Vigo, para ganhar dez minutos no caminho e fazer o frete aos do lado de lá que não choram. Querem o perfume do poder sem o cheiro das estrebarias. Querem ser Barcelona sem perceber que os catalães se fizeram a eles próprios e são repugnantemente realistas.
E ilustram o modo de estar português: construir castelos na Índia, em Marrocos (gloriosa estupidez!), naufragar ao peso da canela, usar o ouro dos brasis para ganhar um patriarca e um convento gigantesco onde os percevejos caçam soldados e o fantasma duma inexistente Blimunda faz chorar as pedrinhas da calçada. Portugal, que não é o Sião, é o verdadeiro país do elefante branco. O de pedra, o inútil, o caro e o ridículo. Assim não vamos lá, manas e manos. Não vamos lá!

Estes dias que passam 113

d'oliveira, 14.06.08

De vez em quando
uma pessoa sente-se divertida

Comecemos por esses dois belos países que, desde sempre, são alvo da minha preferência viajeira: a França e a Itália. Estão à rasca no Europeu de futebol! Com um ligeiro toque, por exemplo uma derrota da Holanda (já apurada) frente á Roménia e ala que se faz tarde: para casa sem honra nem glória. Convenhamos que ambas as equipas merecem o castigo. Aquilo não é futebol, é apenas uma tristeza...

Continuemos pela façanha irlandesa: toma lá que já bebes! Não ao tratado dito de Lisboa. Com um toque especial: parece que o senhor Primeiro Ministro de Portugal teria dito que isso lhe acabava a carreira política. Será verdade? Boa piada. EStes irlandeses são uns marotos: souberam disso e pimba!, aí vai lenha!

Continuando no mesmo tema: a recusa dos irlandeses tem muito a ver com as confusões do Tratado, com a sua linguagem que repele os leitores, com o truque do recurso aos parlamentos, solução que só se tornou evidente depois dos azares passados. Pessoalmente sempre entendi que é ao parlamento que incumbem estas tarefas mas, também pessoalmente, repugna-me que políticos populistas que se abaixam até se lhes ver o dito cujo diante da populaça (disse populaça, e repito) agora tenham feito marcha atrás com medo da voz dos .

Parece que há uns cavalheiros que dizem já que a recusa irlandesa pode ser ultrapassada! Como? Ouvi bem? Então quando anteontem massacravam os ouvidos dos irlandeses com a inexistência de um plano B também era mentira?

Acabou o lock-out dos pequenos transportadores. Disse lock-out e repito: mesmo quando se fala de camionistas, as mais das vezes estamos perante um trabalhador proprietário do seu veículo. São eles aliás quem se sente mais apertado. Dependem quase absolutamente das variações dos preços do combustível e, desde há muito, que o mercado lhes era desfavorável. Os opinantes opinaram: Pacheco Pereira, antigo marxista, ou algo parecido, fala em movimentos disruptivos, para cascar na acção sindical. Ou seja. Pacheco vem, agora, dizer que a cólera dos pequenos patrões é horrível. Pois é. No século XIX foram estes produtores que forneceram boa parte das hostes anarquistas. E das mais violentas. Com uma pequena diferença: nunca os anarquistas (o este tipo de anarquistas obtiveram ganho de causa. A sua independência, o seu escasso número, o seu medo da proletarização e o seu horror a associar-se aos operários industriais, ditou a sua sorte.
Júdice (José Miguel, ex-militante da extrema direita coimbrã (erros de juventude, claro) vem pasmosamente falar de proto-fascismo. Eu, pessoalmente (é a 3ª vez que uso este advérbio de modo!) não contesto a experiência de Júdice em questão de fascismos (de que só fui vítima involuntária, e voluntária quando pude): só que não é verdade. Estes produtores não estão à espera de um tirano de pata no ar, a uivar nacionalismos serôdios e corporativismos anormais. Estão arruinados! Comprimidos entre as grandes empresas que aproveitaram os pequenos como tropa de choque e homens de mão, e os preços do petróleo que não vão baixar, bem pelo contrario.

A crise não é conjuntural, senhoras minhas, é estrutural. Há dias, duas semanas, mais ou menos, o “La Republica” publicava com grande destaque um texto de Guido Rossi (“Così il supercapitalismo uccide la democrazia”) parte do prefácio ao livro de Robert B. Reich: “Supercapitalismo. Como muda a economia global e os riscos para a democracia”. Reich foi um dos principais governantes sob Clinton e é conselheiro de Obama. E parte deste simples facto: o poder económico na América e nos restantes países deslizou dos cidadãos para os consumidores e e para os investidores pelo que os aspectos democráticos do capitalismo declinaram. E por aí fora.

Não sei se isto é demasiada areia para a camioneta dos comentadores encartados mas é a opinião de alguém que se arrisca a voltar ao poder. De facto, segundo uma mega sondagem mundial, Barak Obama é o favorito de 70% dos europeus, africanos e asiáticos! Claro que estes não votam, mas isto diz muito do que se desde há tempos aqui se vinha dizendo sobre o impacto desse afro-americano, ligeiramente out-sider que desafiou a Senadora Clinton.

Voltando aos camionistas e á perversa política do abandono dos transportes ferroviários. Em Espanha sabe-se que os pequenos camionistas (agrupados na FENADISMER) são exactamente cerca de 16 a 18% (e metade do que facturam vai direitinha para o combustível). E em Portugal, quantos são? O cavalheiro do “jamé” poderia fazer o obséquio de nos informar. Ou o seu chefe. Ou alguém, diabos nos levem!
Vamos lá a ver: a crise dos altos preços dos combustíveis veio acompanhada de uma retracção no mercado. Há menos fretes. Por haver menos fretes, os fretadores pedem preços mais baixos porque sabem que se o primeiro camionista abordado recusa há outro mais enrascado que aceita. Este é, sempre foi, o drama dos pequenos patrões-trabalhadores. Não são fascistas, nem proto- são homens acossados.

Em Espanha, outra vez (Villa! Maravilla, quatro golazos!!!) sob o governo de um socialista, não houve contemplações para os piquetes de lock-out. Em Portugal foi o que se viu! Há quem diz que correu tudo bem, que o governo não cedeu, etc... É uma opinião. Só que a “fragilidade” do Estado está à vista e a sua pública confissão poderá dar ideias a alguém. Faltou, logo no início uma palavra: a legalidade tem de ser preservada. Não o foi e há vítimas: os pequenos e médios agricultores que perderam os produtos frescos e perecíveis, leite por exemplo. Quem é que os indemniza? Porque aqui o Estado falhou: esta gente tem o direito de escoar a sua produção e dois ou três dias de leite perdido pode significar o prejuízo de um inteiro mês.
Mas terminemos com um ou dois sinais positivos:
O FCP tem mais uma chance de ir à Champions. Juridicamente terá razão, como já a o disse. Eticamente a coisa fia mais fino. Muito mais fino...
A crise dos combustíveis e as longas bichas junto aos postos de abastecimento nunca existiu: basta lembrar os longuíssimos cortejos automóveis que encheram as ruas depois do segundo jogo da selecção portuguesa. Tout va bien quand finit bien!

E um reparo: eu sou da Naval 1º de Maio, o que já deve ser grave.E não sou nacionalista desportivo, o que é pior. Não gosto do senhor Scolari pela beatice e pela violência que ostentou. Todavia, não tenho a menor dúvida que a ele se deve uma boa talhada dos êxitos da selecção nacional. E que sem ele as coisas poderão ser menos boas. Bastante menos boas. E parece que os cavalheiros do Chelsea são da minha opinião. Aquela gente não joga a feijões, amigas e amigos. Não jogam a feijões...

* a fotografia foi pilhada por aí num blog simpático. "brigadinho..."



Rapsódia

José Carlos Pereira, 12.06.08
1. Mais um Serralves em Festa e mais um enorme êxito. No último fim-de-semana, passaram pelos jardins e museus de Serralves mais de 82.000 pessoas, de todas as idades e condições. Passei por lá no final da tarde de Domingo e pude testemunhar um ambiente de autêntica festa. É bom ver a cidade do Porto vibrar com um espaço único que, pelo menos uma vez por ano, abre as suas portas a todos e proporciona as mais variadas manifestações artísticas, contribuindo também para fazer novos públicos.
2. A General Motors foi condenada a devolver aos cofres do Estado 18 milhões de euros, correspondentes às ajudas recebidas e que se revelaram indevidas e injustificadas com a decisão de encerrar a fábrica da Azambuja. Por uma vez, o crime não compensou e a GM, neste caso, não se vai embora a rir dos portugueses. Andou bem o Governo em accionar a multinacional de origem norte-americana.
3. O protesto dos transportadores rodoviários chegou ao fim com algumas cedências do Governo. Todavia, não cedeu no essencial: a atribuição de um preço especial de gasóleo profissional. Se o Governo cedesse nesta matéria em particular estaria a abrir uma caixa de Pandora que poderia ter graves consequências. Folgo em saber, também, que o Governo estava a preparar medidas de excepção para fazer face ao bloqueio que se fazia sentir. O país não podia ficar muito mais tempo prisioneiro de camionistas de garrafão e pastel de bacalhau, como as inenarráveis imagens televisivas mostravam.
4. Scolari vai-se embora da selecção, pois pelo visto “enganou” Abramovich, o todo-poderoso presidente russo do Chelsea. Boa viagem. Sou dos que acredita que a nossa selecção tem obtido bons resultados, apesar do treinador. As imagens que a SIC tem passado sobre as campanhas anteriores evidenciam o primarismo de Scolari. Ele que vá para Inglaterra rezar ave-marias e passar a música de Roberto Leal nos estágios que vai ver o que lhe acontece…
5. Que Raça! O Senhor Presidente inebria-nos com as suas memórias de outros tempos. Ficar-lhe-ia muito bem ter vindo reconhecer o lapso, que ninguém lhe levaria a mal. Assim, fica um não-sei-quê-de-cheiro-a-bafio que não se compreende. Saia mais uma fatia de bolo-rei.

Diário Político 86

mcr, 11.06.08
Declaração de interesses
Conheço João Benard da Costa desde há muitos anos mas as nossas relações são mínimas. Por junto leio de vez em quando os seus artigos no Público, infelizmente sem grande constância porquanto são normalmente excelentes. Aliás ganhou há dias o prémio João Carreira Bom de crónica o que deve querer dizer alguma coisa.

Como dirigente da Cinemateca Portuguesa, o mínimo que se pode dizer é que não desmerece dos dois anteriores a quem se deve uma obra exemplar. Benárd conseguiu ser um digno sucessor e de tal modo o terá sido que quando fez setenta anos, houve um enorme coro nacional a pedir que por uma vez o Governo o mantivesse contrariando assim a regra da passagem á reforma por limite de idade. Ou seja, o pais cinéfilo e mais geralmente o pais culto, demonstraram sem ambiguidade o quanto prezam JBC.

Espanta-me por isso ler no Público um desabrido ataque ao director da Cinemateca assinado por quem durante dois anos foi seu superior. Refiro á Drª Isabel Pires de Lima, ex-ministra da Cultura cujo desempenho à frente do Ministério não queria, por mera piedade, comentar.
A ex-ministra, ora no seu papel de deputada veio defender um projecto extraordinário proveniente de um auto-intitulado Circuito Universitário de Cineclubismo do Porto que reivindica um centro de programação da cinemateca no Porto.
Comecemos por isto que é simples e devia ser sabido: Normalmente, com raríssimas excepções, apenas há uma cinemateca por país. E há apenas um organismo porquanto uma cinemateca não é exactamente um armazém de filmes mas algo mais. É igualmente um complexo laboratorial que os trata, restaura, conserve e protege; um centro de documentação; uma biblioteca e um museu. É também um centro de exibição em condições especialíssimas e um centro de intercâmbio internacional de filmes.
Por estas razões, e por muitas outras que uma simples consulta aos Estatutos da Cinemateca permite saber, é que normalmente só há uma cinemateca por país.
Aliás, no já referido intercâmbio de filmes existe normalmente, creio mesmo que sempre, uma cláusula de exibição unicamente em cinemateca. E compreende-se: o estado dos suportes exige um tratamento altamente profissional que, neste momento, não seria possível ter em qualquer sala do Porto (ou em qualquer sala de Lisboa, cinemateca exceptuada).
Portanto quando o Director da Cinemateca Portuguesa, de seu nome João Bénard da Costa, vem dizer que não pode dar mais do que apoio moral aos subscritores de uma petição de um Circuito Universitário de Cineclubismo do Porto que reclama mais exibição cinematográfica no Porto de obras anteriores a 90 , está a dizer algo que qualquer contínuo do Ministério da Cultura sabe.
A drª Isabel Pires de Lima que foi, ministra da cultura até ser despedida há um par de meses, veio alvoroçada e como “deputada” do círculo do Porto (vê-se que as eleições parlamentares já não estão longe) atacar JBC e defender algo que nunca a vi defender enquanto foi ministra. Alguém, por aí, viu alguma declaração, algum compromisso, alguma promessa, sobre um eventual pólo de programação da cinemateca no Porto, durante os anos em que Sª Exª se esforçou no ministério que detinha a tutela da cinemateca “propriedade pessoal” de Bénard? É com alguma tristeza que vejo esta senhora (que quanto ao Porto deixou cair a direcção do IPPAR na guerra com Rio... deixando o Museu Soares dos Reis encolhido junto ao túnel de Ceuta) que perdeu todas as guerras em que irreflectidamente se meteu e saiu sem glória da Ajuda) a vir agora falar sanhudamente do “autismo” de Bénard (Público, como se disse, sexta-feira, 6 de Junho, p. 51) num artigo de opinião que nem sequer um Santana Lopes assinaria.
Mas há mais: a ex-ministra resolveu falar sobre o público numeroso que há 40 e 30 anos havia no Porto. E que até alimentou dois cineclubes. É verdade que o Cineclube do Porto chegou a ter quase 3000 sócios. E que no Porto havia uma boa dúzia de grandes salas que se mantinham sem grandes problemas.
Não menos verdade é que, excepção feita, à “Cinema Novo” e ao seu “Fantasporto”, a exibição portuense está de rastos, os cineclubes vegetam e que tal facto vem de longe. Precisamente desde meados de oitenta, altura em que começou (e ainda não parou) uma quebra de público e de cineclubistas acompanhada por um afunilamento na exibição (hoje em dia não se vê praticamente outro cinema que não seja o americano) e pelo fim das grandes salas.
Paralelamente, assistiu-se à explosão do vídeo e agora dos novos suportes de tal modo que qualquer pequeno grupo que queira conhecer os clássicos pode recorrer à distribuição onde, apesar de tudo, se encontram à vontade umas larguíssimas centenas de filmes. E se for necessário sair do mercado nacional: qualquer Amazon fornece a preços quase de saldo milhares de fitas desde Griffith até Fellini, de Renoir até Dreyer. Aqui neste blog (cfr. “Farmácia de Serviço) já se deu notícia de várias belíssimas edições de filmes. E se disto falo, é apenas porque, na sua ignorância, a ex-ministra da cultura fala em cópias de filmes novos suportes a ser fornecidos pela cinemateca em colaboração com as mais diversas instituições. Não é preciso: basta ir ao mercado que uma filmoteca de qualidade organiza-se em menos de um mês e por pouco dinheiro. Olhe, só nestes últimos tempos, o Publico (como antes outros jornais) está a disponibilizar uma trintena de filmes sob a égide dos “cahiers du cinema”.
Eu não sei que mal terá o João Bénard feito à drª Pires de Lima. Será que ela não gosta do seu artigo semanal e brilhante no Público? O homem fala de coisas interessantes, mostra cultura e inteligência, duas coisas que eventualmente agastarão a senhora ex-ministra. Mas, que diabo, basta, passar à frente e não os ler, coisa que eu teria feito com o texto dela não fora o caso de em letras garrafais ter visto uma menção ao “autismo” do João e à presumivel “coragem (que falta a todos mas não a esta novel padeira de Aljubarrota) de dizer que o rei vai nu” (sic).
A drª Pires de Lima, fala já em fim de artigo na “Casa das Artes”. Para quem não saiba trata-se de uma dependência da antiga Delegação Regional de Cultura do Norte, que um triste Lopes atirou para o mato. A drª Pires de Lima foi ministra durante dois anos: que fez por este espaço, em obras, dizem, que dinamização propôs, onde estão os despachos, os estudos, os documentos, que é que aquelas casas (pois há também a casa-mãe que parece que esteve alugada não sei a quem) beneficiaram do seu esplendoroso biénio no Ministério? A nudez forte do abandono teve porventura algum fantasmático e fantasioso paninho a tapá-la?
Estamos habituados a ver este país entregue a ferrabrazes que na oposição juram fazer mil coisas. Quando por milagre injusto chegam à mesa do orçamento esvaziam-se-lhes os ímpetos e a vontade. Regressam à feliz inocência de onde nunca deveriam ter saído e zás! Ei-los que, como o sapo boi, incham a barriga e imitam o dó de peito. Mete dó!

Em nota de rodapé: A Cinemateca e a Delegação Regional do Norte programaram no Auditório Nacional Carlos Alberto, por várias vezes, ciclos de grandes cineastas em v.o. O resultado foi catastrófico: o tal público que enche a imaginação desmemoriada da drª Pires de Lima brilhou pela ausência. Se bem recordo, houve um ciclo dedicado a Murnau que teve uma média de seis espectadores. Por acaso estava lá, bem como o Henrique Costa e a Manuela Bacelar o que significa que juntos já significávamos 50% do numeroso público...
Mas continuemos: a Cinemateca Portuguesa tem um orçamento ridiculo e vive no fio da navalha. Onde é que deve JBC cortar para satisfazer o apetite saudável da juventude universitária e cineclubista do Porto?
Eu sei que alguém me viria dizer que circulou uma petição na Internet e que essa petição obteve um impressionante número de assinaturas. Assinar é a coisa mais fácil do mundo e permite passar por culto sem pagar um cêntimo. Espanta-me que esses assinantes, e há pouco estive com dois (envergonhados...), não se decidam a tornar-se sócios do que resta em matéria cineclubista. A resposta destes meus dois amigos foi que não estavam para essa chatice. Como não estão para a mesma chatice os inexistentes espectadores que abandonam dia após dia a única distribuidora que ainda trazia filmes diferentes a uma sala do Porto. Daqui a pouco, restarão nas salas pipoqueiras dos centros comerciais apenas as distribuidoras do mainstream cinematográfico americano. Onde andam os buliçosos rapazes e raparigas (ou vice-versa) do tal circuito universitário?
Mas se à juventude se perdoam estas grandiloquências reivindicativas quanto mais não seja por falta de informação, o mesmo não pode ocorrer com quem, apesar de tudo, teve responsabilidade no sector cultural. Dá a ideia que, uma vez fora do MC, a Dra Pires de Lima resolveu ajustar contas antigas ou actuais e que para o efeito arranjou um bode expiatório na pessoa de Benard da Costa que, convenhamos, nisto de cultura, e não só, poderia dar lições magistrais à senhora deputada pelo círculo do Porto.
É por estas e por outras que sou a favor dos círculos uninominais na eleição de deputados: a gente pode não voltar e com isso libertar o parlamento de algumas inutilidades.

Maio, maduro Maio 6

d'oliveira, 11.06.08

... Fomos testemunhas duma época
Em que daqui a cem anos ninguém acreditará
Nessa altura será compreendida a revolução nosso túmulo
E os que manipulavam o rádio

Vitezlav Nezval
(em memória de V. I. Lenin, “Pantomina”, 1924 – recolhido em Prague aux doigts de pluie, Éditeurs Francais Reunis, Paris, 1960)

Os leitores perdoarão a pequena ironia da citação que abre este texto sobre 1968 nos países do “outro lado”.
Convenhamos que, agora, é difícil compreender o panorama político e social da Polónia, da Checoslováquia e da Jugoslávia nesse longínquo ano de 68. Aliás juntar três realidades tão diferentes é um risco que se assume mas que se espera justificar. Pretende-se apenas mostrar como é que um regime mais ou menos idêntico em três países responde a reclamações que de início eram extremamente moderadas e não o punham em causa.
Comecemos pelo caso polaco.
Tudo começou pela proibição da peça “Os antepassados” de Mickiewicz, autor do século XIX, cuja peça é um manifesto contra a política czarista, numa época em que a Polónia estava ocupada pela Rússia.
A época não estava para zurzir no grande irmão mesmo que os odiados czares já só fossem passado. E não estava porque, no caso em apreço, a Polónia era governada por Gomulka, um comunista discretamente anti-russo mas suficientemente cauteloso para não permitir que no seu país se instalasse uma desordem idêntica á que grassava na vizinha Checoslováquia.
Depois, assistia-se, nos circuitos internos da inteligentsia polaca a uma ofensiva “anti-burocrática” de que a “Carta ao Partido Operário Unificado Polaco” de Kuron e Modzelewski era o mais recente exemplo.
Em termos muito gerais, a batalha que se travava nas universidades polacas tinha muito a ver com a liberdade de expressão que, estranhamente tinha feito uma breve aparição na Polónia na sequência da contestação de Bierut e na ascenção de Gomulka. Jornais tinham aparecido (por todos Po Prostu) grupos de discussão e os famosos “Conselhos Operários”. Todavia, logo que a nova situação se estabilizou, as coisas voltaram ao ritmo anterior. Po Prostu foi silenciado, os conselhos foram descritos como um desvio anarquizante e as centenas de militantes que se tinham revelado começaram a ir para a prisão.
A elaboração do manifesto de Kuron e Modzelewski, resultado iasás de múltiplas contribuições e reuniões, respondia a esse ataque ás liberdades um tempo reencontradas.
A peça de Mickiewicz, apareceu no momento errado e sobretudo a sua estreia ocorria durante o desenvolvimento do processo checo. Se se acrescentar que o ambiente económico era pouco entusiasmante, logo se percebe que estavam reunidas as condições para uma explosão universitária que para ter êxito precisaria de apoio nos meios sindicais e nas fábricas.
Algumas greves esporádicas terão entusiasmado os estudantes que ocuparam algumas universidades e saíram para a rua. Mas os operários ficaram quietos e o fogo que ameaçava consumir a nação polaca foi apagado como fogo de palha que ao fim e ao cabo foi. Em Maio o movimento estava extinto. Gomulka poderia continuar a governar reprimindo aqui, diminuindo a pressão acolá. Durou mais vinte anos.

Na Jugoslávia, país tecnicamente não enfeudado a Moscovo, com liberdades inimagináveis para os habitantes do bloco de leste (liberdade de emigrar, de viajar, de criar empresas privadas etc..., o movimento tem origem num facto sem qualquer importância: uma rixa entre estudantes e uma brigada empenhada numa “acção de trabalho”.
A milícia intervém e os estudantes apanham pela medida grande. No dia seguinte são milhares a desfilar desde a cidade universitária nos arrabaldes até ao centro de Belgrado. Nova intervenção da milícia e novos combates de rua.
A greve universitária é proclamada, as faculdades são ocupadas e o já clássico Maio repete-se aqui em Junho.
A imprensa apodera-se do assunto. Os estudantes barricados sobem o tom das suas criticas. Não é só a intervenção da milícia que é criticada mas também as insuficiências do ensino, a falta de saídas profissionais para os licenciados, a “burguesia vermelha” de Belgrado e a falta de solidariedade internacional com os Vietnam e a revolução mundial.
Do lado do poder as acusações também não faltam: partidários de Djilas, saudosos do antigo regime monárquico, trotskistas ou, inimigos da Federação!, isto é nacionalistas pequeno-burgueses.
Finalmente, quando se pensaria que a situação atingia o paroxismo e que se assistiria a uma repressão selvagem, Tito, chefe indiscutível, que forjara o seu poder na resistência aos invasores alemães e na oposição à União Soviética, intervém e salomonicamente declara encerrado o conflito: a maioria dos estudantes é sã e tem razão. A culpa dos acontecimentos é toda de uma ínfima franja de anarquistas, da falta de cuidado da polícia e da situação internacional.
A intervenção dos “irmãos de armas” comunistas na Checoslováquia e a brutalidade com que é feita perante um vago e comedido protesto ocidental, convencem estudantes contestatários e autoridades diversas a esquecer afrontas antigas e fingir que tudo vai pela melhor no melhor dos mundos. Não ia, como já Voltaire provara dois séculos antes.

E agora, a excepção: Excepção porque no caso checo não se trata de uma revolta juvenil com maior ou menor ressonância na população. Não está em causa a oposição aberta ao regime mas algo mais profundo mesmo que isso nos pareça ridículo. É de independência nacional que se fala. De facto a queda de Novotny e a relativamente longa experiência de gestão de Dubcec como dirigente comunista, não faziam prever á partida nada mais do que uma mudança de equipa forçada pelas circunstâncias.
Nunca saberemos como é que um comunista eslovaco, educado na URSS, ex-resistente e homem do aparelho chegou á conclusão que era preciso temperar o vinho velho do comunismo em uso no leste. Levar a destalinização um pouco mais longe. Bastante mais longe, se entendermos por isso pedir a intervenção das massas na condução dos negócios públicos. E permitir o escrutínio de toda a actividade do Partido pelo povo, a todo o momento. E acabar com a censura. Ou seja permitir uma informação livre, heresia absoluta num sistema que fazia do controle da informação a pedra chave da luta pelo socialismo. A segunda pedra dessa “revolução” seria, deveria ser, teria de ser, a partilha do poder entre o Partido Comunista e outras organizações.
E era disso que se tratava. A primavera desagua no verão como se sabe, e as medidas tomadas por Dubcek, a pressão da rua, a mobilização da sociedade civil, a calma severa com que tudo se passava, faziam as autoridades dos países irmãos temer pelo pior. E provavelmente seria o pior que viria. Na óptica deles, claro.
Dubceb e Svoboda por seu turno acreditavam numa evolução pacífica do regime, numa adaptação dele que não pusesse em causa a direcção do PC. E essa é uma das ironias desta história trágica. Eles eram os únicos que acreditavam numa saída pacífica para a crise. Soviéticos, polacos, húngaros, alemães e búlgaros, estão convictos do contrario. E desta vez não deixarão os camaradas soviéticos sozinhos como em 56 na Hungria. O pacto de Varsóvia que nunca serviu para atacar o inimigo ocidental teve esta única e irrepetível aplicação prática: atacou o país que pretendia ensaiar um novo modelo de socialismo e de passo perpetuar um sistema em que os seus dirigentes, ingenuamente, acreditavam. Depois disso, ser comunista no ocidente foi, digamos, muito mais difícil. Para muitos militantes de esquerda foi mesmo impossível. Por uma questão de honra, de ética e de fé no socialismo.

Estes dias que passam 112

d'oliveira, 07.06.08


Os ratos que rugem


Estava para deixar passar sem comentário a (agora famosa) ida de Manuel Alegre à festarola do Teatro Trindade.
Explico-me: aquilo, aquele ajuntamento sem pés e com pouca cabeça não merecia o tempo que uma pessoa leva a escrever um texto sobre o “eminente” significado político da reunião.
Bem fez o PCP que nem lhes ligou. Pudera! Com duzentas mil pessoas na rua, referir as escassas quinhentas ou seiscentas que enchiam a sala do Bairro Alto, era dar à coisa uma importância que não estava nos planos do partido e que, de facto, bem vistas as coisas, não tem.
Porém, o PS, sempre desatento e sobretudo sempre ansioso, viu na reunião um fantasma (ponhamos que, a exemplo do que escreviam Marx e Engels, há mais de cem anos, que viu o aterrador espectro do comunismo) e assustou-se, como há cem anos a boa burguesia em ascensão se assustou com a Internacional.
Teria o PS razões para se afobar ao ponto de lançar alguns dos seus “chiens de garde” (muito ladrar mas pouca ameaça) contra a presença de Alegre? Parece-me que não. A festinha era confidencial e sem o alarido inconsequente e queixoso do pobre Vitalino Canas, sem as eructações de Lello e sem a prestação ridícula de mais um par de figurinhas sensíveis, a reunião a pedir mais esquerda teria ficado no limbo das alminhas perdidas. Nisto de política só existe o que é falado.
Mas as pobres criaturas que se puseram em bicos de pés a ladrar à canela de Alegre (que chega bem para eles todos mesmo a fazer estas piruetas inconsequentes e sem sentido) não têm feeling. Pior: não têm a noção da galinhola e de política “política” e de ideário socialista estão parcamente fornecidos. Faltaram-lhes uns aninhos duros, de oposição a sério, no tempo em que isso doía e trazia consequências desagradáveis.
Ao trazer a participação de Alegre para o pretório da opinião pública portaram-se como meia dúzia de galinhas pedrês a falar das águias que voam um pouco (bastante) mais acima delas. De facto, e bem vistas as coisas, a discursata (frágil) de Alegre até ajudou. Afinal o PS é um partido múltiplo, com correntes de opinião, capaz de criticar os seus dirigentes, como se apressaram a dizer alguns socialistas mais sensatos e mais prudentes que sabem ou pensam que Alegre é um património socialista seguro e que já mostrou valer um largo par de votos.
Os patéticos acusadores de Alegre deram dimensão insuspeitada à iniciativa do Bloco, tornaram-na mesmo politicamente interessante, coisa em que, à partida, nem Louça decerto acreditava.
Criaram mais uma guerrilha tonta dentro do grupo parlamentar e dentro das estruturas centrais do PS.
Puseram o país a perguntar-se se, de facto, Alegre não teria razão em se juntar ao grupúsculo bloquista.
Tornaram mais visível a atrapalhação que reina na equipa dirigente do PS quanto à escolha de um candidato à Presidência da República, sobretudo sabendo-se, como se sabe, que há mesmo entre os mais altos hierarcas do PS, uma forte tendência para apresentar Alegre como candidato.
Finalmente, com a sua impudente precipitação, puseram em cima da mesa, aos olhos do público pagante, que somos todos nós, a questão da deriva preocupante da crise, do aumento de preços, da falta de perspectivas para se sair deste beco.
O PCP neste momento deve estar a mandar cestinhos de cerejas e outros mimos de época a estes auto-proclamados críticos de Alegre.
Disse no início, e repito, que considero esta “lança em África” de Alegre uma espadeirada na água turva. Uma asneira, dê lá por onde der. O PS, mesmo este PS, é de facto, incontornável. É uma tristeza mas é mesmo assim. Duvido que me apanhe o voto (e eu sempre votei nele) mas não é substituível pelo bloco ou pelo PC. Está cada vez mais à direita, sem dúvida, mas isso é mais resultado da vontade de acreditar em lideres carismáticos (Jesus! Logo o Sócrates!...) do que uma tendência profunda e “genética” como ora se diz a torto e a direito. O PS andou sempre a derivar entre o oportunismo contrabandeado pelo continuo assumir de um passado histórico de cento e tal anos (que além de ser medíocre do ponto de vista ideológico não teve sequer qualquer relevância do ponto de vista político) e a necessidade de se afirmar membro de pleno direito da social democracia europeia. O PS português viveu mal o conflito Soares – Zenha como vive mal com a sua bastardia maçónica. Viveu mal o conflito gerado por Manuel Serra, viveu mal a expulsão dos trotskistas do POUS, conviveu mal com os militantes trazidos por Sampaio e está demasiado agarrado a um aparelho medíocre criado à pressa nos fins de setenta e princípios de oitenta. A sua frente sindical é uma manta de retalhos, a sua jota é tão fraquinha quanto as congéneres de direita e actualmente não passa de uma agencia de empregos políticos e a sua frente autárquica pode rever-se no conflito latente que pode fazer perder a câmara de Matosinhos.
Pese a tudo isto, que é muito e é grave, só um autista é que não quer ver, o P.S. consegue ter uma vitalidade que vem justamente da mesma matriz dos seus defeitos: é feito por gente livre, com opiniões que porventura mereceria dirigentes mais interessantes e mais interessados na coisa pública, na causa da social-democracia e na auscultação da opinião pública isto é dos portugueses.
O que não merece é estas criaturas que volta e meia se tomam pelo que não são: políticos a sério.

o texto acima estava escrito e em lista de espera. Só quando o "postei" é que li o texto do meu camarada JCP. Discordo dele, como se vê mas não é, nunca seria, uma resposta ao texto dele que reflecte uma apreciação de um compagnon de route (ou militante) do PS e que milita e militou em situações bastante adversas, se é que o nome de Marco de Canaveses diz alguma coisa aos leitores. Não quereria de nenhum modo que alguém, depois de uma leitura enviesada, pensasse que JCP faz parte dos meus alvos. Bem pelo contrário, faz parte daquela massa generosa e limpa e profissional que torna o PS perdoável aos olhos dos cidadãos que, como eu, se afligem, com estes malabarismos a que assistimos.
Mas como cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a quem quer que fosse aqui se deixa este aviso á navegação.
mcr