Diário Político 89
mcr, 20.07.08
It’s the silly season, stupid!
Há um trecho de Eça que descreve a primeira visita dele a Fradique Mendes. O dia estava caluroso, era o menos que se pode dizer. Eça terá galgado escadas sobre escadas do hotel até chegar aos aposentos de Fradique. Este, se me recordo, mas posso estar a misturar tudo, está reclinado numa otomana a pescar morangos de um recipiente que os manteria gelados. Naquele cenário imponente e esplêndido, Eça limpando o suor com um lenço não terá conseguido dizer senão “Está de derreter os untos”...
Assim vai o dia. Com esta calorina, não há ideia brilhante que se aguente. Há que raspar na caixa dos repetidos, tentar ressuscitar algum apontamento cujo conteúdo na altura não mereceu o imprimatur do escriba.
E comecemos por essa curiosa criatura que dá por Paulo Teixeira Pinto. Agora que se descobrem as manobras do BCP, toda a gente fala (e com razão) do engenheiro Jardim Gonçalves mas conviria perguntar como no poema de Brecht (“César conquistou a Gália. Não teria ao menos um cozinheiro?...) se o ilustre membro dessa contra-maçonaria que se chama Opus Dei, estava sozinho. Não estava. Havia até uma figura bojuda que dava por PTP. Dizia-se que, além de reaccionário, era um fervente membro da “Obra”. Entre estes dois cavalheiros au dessus de tout soupçon e mais um bom par de comparsas giravam milhões de milhões. E o banco nem por isso era invulgar ou especialmente atento aos pequenos depositantes como este vosso criado. Por essas e por outras logo que abriu aqui uma agência dum concorrente transferi o que tinha para os novos.
Mas voltemos ao senhor dr Pinto. Retirou-se da “obra” e do banco. Dir-se-ia que renunciara a toda uma vida. Nem por isso. A generosidade do Senhor, cujos caminhos são ínvios, e do banco, idem aspas, proporcionaram ao nosso artista uma cómoda (é um modo de dizer: com metade já eu cantaria de galo) reforma apesar da idade. Deve ser horrível ser tão novo e ter de se reformar por invalidez. Doença terrível decerto. Só assim se percebe a reforma quando se vê por aí gente mais velho e cheia de doenças ser considerada sã como um pêro e mandada regressar à actividade.
Retirou-se e agora dedica-se ás artes em geral. Só lhe fica bem, apesar de, daqui, deste canto, ter vontade de o prevenir que as artes são, as mais das vezes, malasartes. E trazem com elas um perfume capitoso que disfarça a peçonha do inferno. E à edição. A edição está definitivamente na moda. Depois da LEYA ,temos o renascimento da Ática e da Guimarães editora que andava um pouco sonolenta. Isto agora vai ser um fartote. Vamos ter livros bons, óptimos, a bom preço, bem encadernados, melhor traduzidos, enfim, isto vai ser a biblioteca de Alexandria rediviva.
Mas mantenho: então o banco? Será que alguém vai aparecer como responsável ou estaremos perante mais um filho sem pais, coitadinho do banco?
Num país em que o primeiro ministro se desfaz em elogios a Angola, em que um condenado, (com pena suspensa) convicto de várias tropelias pelos fatigados juízes que lhe aturaram a bizarria e a grosseria, anuncia que vai continuar na política activa, tudo pode ocorrer. Como se disséssemos: tout passe, tout casse, tout lasse...
Dito isto, convirá aproveitar estes comentários, que nem refrescantes são, para mergulhar de chapa na grande discussão da temporada: o optimismo e o pessimismo nacionais. A coisa é simples: quem critica os poderes fácticos ou instituídos é pessimista. Com sorte também é estrangeirado. Estrangeirado é, desde os tempos do meu antecessor o senhor Cavaleiro de Oliveira, um insulto. Essa gente que frequenta os pedreiros livres (os antigos, não a cópia carnavalesca de hoje) e a democracia é perigosa. Põem em questão as eternas verdades lusitanas e o imobilismo atávico que as recobre. Portugal que, para o “brigadeiro” Chagas, era um torrãozinho de açúcar não deve, nem pode, ser posto em causa. E quem diz Portugal, diz a santa religião dos portugueses, o cozido à portuguêsa, o bacalhau com todos, o carnaval de Ovar, o fado e mais um par de coisas todas genuínas e muito nossas.
Se o Senhor Primeiro Ministro não estivesse no poder mas na oposição (credo!, cruzes!, canhoto!) poderia cair na tentação do pessimismo e nesse caso a Drª Ferreira Leite acusá-lo-ia do nefando hábito de frequentar gente pouco recomendável. Felizmente não é assim. As mulheres, desde Eva pelo menos, é que têm ligações ao Maligno. Os homens não. Sobretudo estes, desta nova geração, vermelhos por fora e verdes por dentro, capazes de elogiar os novos sobas do petróleo agora alcandorados à categoria de gente frequentável. E optimista, claro. Com a massa que lhes vem ás mãos até eu era optimista. Aliás, e como disse, meia reforma do dr. Pinto já me fazia feliz. E optimista.
Nota: Clara Ferreira Alves no Expresso de hoje toca em vários destes temas. Com qualidade, humor e a habitual inteligência. Apesar de este texto estar já quase todo escrito quando li o dela, há demasiadas semelhanças. Para salvaguarda minha, ponhamos que esta é uma glosa fraquinha do texto de CFA. É o Verão. E o calor.
d'Oliveira que vai a banhos muito em breve. Boas férias!
Há um trecho de Eça que descreve a primeira visita dele a Fradique Mendes. O dia estava caluroso, era o menos que se pode dizer. Eça terá galgado escadas sobre escadas do hotel até chegar aos aposentos de Fradique. Este, se me recordo, mas posso estar a misturar tudo, está reclinado numa otomana a pescar morangos de um recipiente que os manteria gelados. Naquele cenário imponente e esplêndido, Eça limpando o suor com um lenço não terá conseguido dizer senão “Está de derreter os untos”...
Assim vai o dia. Com esta calorina, não há ideia brilhante que se aguente. Há que raspar na caixa dos repetidos, tentar ressuscitar algum apontamento cujo conteúdo na altura não mereceu o imprimatur do escriba.
E comecemos por essa curiosa criatura que dá por Paulo Teixeira Pinto. Agora que se descobrem as manobras do BCP, toda a gente fala (e com razão) do engenheiro Jardim Gonçalves mas conviria perguntar como no poema de Brecht (“César conquistou a Gália. Não teria ao menos um cozinheiro?...) se o ilustre membro dessa contra-maçonaria que se chama Opus Dei, estava sozinho. Não estava. Havia até uma figura bojuda que dava por PTP. Dizia-se que, além de reaccionário, era um fervente membro da “Obra”. Entre estes dois cavalheiros au dessus de tout soupçon e mais um bom par de comparsas giravam milhões de milhões. E o banco nem por isso era invulgar ou especialmente atento aos pequenos depositantes como este vosso criado. Por essas e por outras logo que abriu aqui uma agência dum concorrente transferi o que tinha para os novos.
Mas voltemos ao senhor dr Pinto. Retirou-se da “obra” e do banco. Dir-se-ia que renunciara a toda uma vida. Nem por isso. A generosidade do Senhor, cujos caminhos são ínvios, e do banco, idem aspas, proporcionaram ao nosso artista uma cómoda (é um modo de dizer: com metade já eu cantaria de galo) reforma apesar da idade. Deve ser horrível ser tão novo e ter de se reformar por invalidez. Doença terrível decerto. Só assim se percebe a reforma quando se vê por aí gente mais velho e cheia de doenças ser considerada sã como um pêro e mandada regressar à actividade.
Retirou-se e agora dedica-se ás artes em geral. Só lhe fica bem, apesar de, daqui, deste canto, ter vontade de o prevenir que as artes são, as mais das vezes, malasartes. E trazem com elas um perfume capitoso que disfarça a peçonha do inferno. E à edição. A edição está definitivamente na moda. Depois da LEYA ,temos o renascimento da Ática e da Guimarães editora que andava um pouco sonolenta. Isto agora vai ser um fartote. Vamos ter livros bons, óptimos, a bom preço, bem encadernados, melhor traduzidos, enfim, isto vai ser a biblioteca de Alexandria rediviva.
Mas mantenho: então o banco? Será que alguém vai aparecer como responsável ou estaremos perante mais um filho sem pais, coitadinho do banco?
Num país em que o primeiro ministro se desfaz em elogios a Angola, em que um condenado, (com pena suspensa) convicto de várias tropelias pelos fatigados juízes que lhe aturaram a bizarria e a grosseria, anuncia que vai continuar na política activa, tudo pode ocorrer. Como se disséssemos: tout passe, tout casse, tout lasse...
Dito isto, convirá aproveitar estes comentários, que nem refrescantes são, para mergulhar de chapa na grande discussão da temporada: o optimismo e o pessimismo nacionais. A coisa é simples: quem critica os poderes fácticos ou instituídos é pessimista. Com sorte também é estrangeirado. Estrangeirado é, desde os tempos do meu antecessor o senhor Cavaleiro de Oliveira, um insulto. Essa gente que frequenta os pedreiros livres (os antigos, não a cópia carnavalesca de hoje) e a democracia é perigosa. Põem em questão as eternas verdades lusitanas e o imobilismo atávico que as recobre. Portugal que, para o “brigadeiro” Chagas, era um torrãozinho de açúcar não deve, nem pode, ser posto em causa. E quem diz Portugal, diz a santa religião dos portugueses, o cozido à portuguêsa, o bacalhau com todos, o carnaval de Ovar, o fado e mais um par de coisas todas genuínas e muito nossas.
Se o Senhor Primeiro Ministro não estivesse no poder mas na oposição (credo!, cruzes!, canhoto!) poderia cair na tentação do pessimismo e nesse caso a Drª Ferreira Leite acusá-lo-ia do nefando hábito de frequentar gente pouco recomendável. Felizmente não é assim. As mulheres, desde Eva pelo menos, é que têm ligações ao Maligno. Os homens não. Sobretudo estes, desta nova geração, vermelhos por fora e verdes por dentro, capazes de elogiar os novos sobas do petróleo agora alcandorados à categoria de gente frequentável. E optimista, claro. Com a massa que lhes vem ás mãos até eu era optimista. Aliás, e como disse, meia reforma do dr. Pinto já me fazia feliz. E optimista.
Nota: Clara Ferreira Alves no Expresso de hoje toca em vários destes temas. Com qualidade, humor e a habitual inteligência. Apesar de este texto estar já quase todo escrito quando li o dela, há demasiadas semelhanças. Para salvaguarda minha, ponhamos que esta é uma glosa fraquinha do texto de CFA. É o Verão. E o calor.
d'Oliveira que vai a banhos muito em breve. Boas férias!