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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames, 135

d'oliveira, 30.08.08

Eu não vou a touradas. Não gosto, nunca gostei, nunca senti essas febres exaltadas que assaltam a afición. Nem o Lorca me convenceu pesem embora os seus poemas poderosos, essa linguagem surrealizante, essa música tão peninsular.
Todavia, nunca alinhei nas campanhas dos amigos, amiguinhas e amigalhaços dos animais. Creio que este género de campanhas tão politicamente correctas acabam sempre por ser contraproducentes até porque, as mais das vezes, revelam uma completa ignorância do sentir profundo das populações que se revêem nas touradas. E aliás nunca vi, além das consabidas acusações de barbaridade, que se discutisse com um mínimo de eficácia as virtudes e defeitos da tauromaquia. Também não me comovo com toureiros, andaluzas de peineta, pegadores de toiros, campinos e demais tribos do “olé, olé”. Nem o Hemingway, nem a Ava Gardner vestida de toureirinha, nem a garotada dos sanfermines me fazem mudar de opinião. Touro, para mim, é bife mas prefiro peixe.
Nos tempos em que se discutia furiosamente Barrancos e os seus tristes toiros de morte, achei desmedido o recurso aos tribunais para evitar a tal corrida. Pensava, e creio que com algum fundamento, que conceder a um senhor juiz por mais meritíssimo que fosse, o direito de lá de longe chatear os barranquenhos só tinha um efeito: acirrar os adeptos (o que aconteceu) e dar azo a que o Estado democrático se visse envergonhado. A meia dúzia de agentes da GNR de Barrancos não podia de facto impedir a estocada de morte e se fossem mobilizados meios suficientes poderia acontecer que uma proibição desastrada acabasse num banho de sangue e tiros.
Como de costume, a opção foi a de abrir uma excepção: em Barrancos pode matar-se o toiro. O que é, convenhamos, uma solução fácil, própria de um Estado que não está para se chatear e prefere lavar as mãos. Em pouca e fraca água...
Como consequência, a festa barranquenha voltou a ser o que sempre fora, um espúrio regionalismo, pobrete e pouco alegrete, como convém a terras longínquas e abandonadas. Dois toureiros de terceira e um par de toiros de ganadaria manhosa dão o litro numa arena improvisada, cercada de barrotes onde se apinha uma pequena multidão local e meia dúzia de típicos vindos de fora. Toda esta boa gente blasona coragem mas, de facto, é só o toureiro que arrisca o pelo. E o toiro, claro, que deixa lá o dele. Como espectáculo, convenhamos que é pífio.
No entanto a querida televisão que temos, todos os anos pela mesma época (esta) solta um alarido marialva e dá notícias de Barrancos. Se fizessem o mesmo a propósito do porco preto e dos enchidos da região, aquilo tinha mais saída do que o leitão da Bairrada. Mas não: falam da toirada, do desafio ao Estado, das escassas virtudes dos espectadores de bancada (que aliás são corajosos: é preciso muita audácia para uma pessoa se instalar naqueles barrotes incertos e mal pregados. Qualquer dia, aquilo vem abaixo e é uma sangueira...) e dos toiros de “morte”. Falam do espectáculo, como se uma estocada no cachaço do animal fosse a quinta-essência da esgrima olímpica.
Barrancos é infelizmente uma metáfora do país que temos, da Nação que somos, do povo a que pertencemos.
Vem isto a propósito (ou não) da discussão que assola este fim da silly season: a insegurança e os meios adequados para a combater. Mais polícias? Mais leis? Mais prisão preventiva? Juízes mais duros? Uma tourada!
No meio desta alegre garraiada à portuguesa antiga, eleva-se, heróico e justiceiro, o dr Paulo Portas. Estava para ir à América dar umas explicações ao John Mc Cain sobre como ganhar eleições. Parece que o candidato republicano o esperava como o moribundo espera pelos santos óleos: com o coração na boca e a esperança num milagre.
Mas Portas, homem responsável, pode não ir. É que a situação da segurança é tão grave que ele prefere ficar por cá. Para o que der e vier. Provavelmente, neste momento, já terá ido oferecer os seus imensos préstimos militares e policiais, à esquadra mais próxima. Com ele a gatunagem está feita. Portas, mesmo sozinho, ou com as hostes do CDS (e é quase o mesmo...) vai fazer mais que os CSI da televisão: os malfeitores que se cuidem. E Sócrates que não se descuide: com Portas na rua a eliminar o crime, de pouco lhe servirá o inglês técnico laboriosamente aprendido nos seus tempos de universidade.
Ai Portugal é mesmo um torrãozinho de açúcar*, não é?

* frase pilhada a Eça de Queiroz.

Estes dias que passam 124

d'oliveira, 28.08.08

Apostila a olhando para trás ....

O texto abaixo publicado mereceu algumas expressões de incredulidade, como -por todas – se pode ler num comentário. Eu, entretanto, interrogado sobre a origem da informação, escrevi que a obtivera no Público. Não é verdade. Veio no “Expresso” de 23 de Agosto, a pp. 23 do 1º caderno.
Aí se refere que, afinal, o menino já não é tão menino. Tem 15 anos e vários chumbos na carreira escolar.
Parece que a passagem de ano tem o fim de “o manter no sistema”!!! Mais adiante refere-se que não havendo cursos “profissionais” a coisa tem de ser resolvida assim: no sistema! Largas costas tem o sistema, seja ele qual for. É que, acrescentam piedosamente, o rapaz tem de ter a escolaridade básica. Como se vê isso obtém-se de qualquer maneira sem qualquer critério sem esforço algum, sem aprender nada. Daqui a alguns anos, o rapaz, terá a tal “básica” que, no caso dele, será mesmo demasiado básica...
E volta que não volta, fala-se na inexistência de cursos profissionais. Não sei se as iluminadas criaturas se referem às antigas Escolas Técnicas (Escolas Comerciais e Industriais) que partilhavam com os Liceus o ensino dito secundário.
Eu nunca percebi a razão séria do fim desta distinção. Parece que num profundo e revolucionário anseio de democratização do ensino se entendeu que era uma torpeza execrável haver escolas para meninos finos e outras para pobres. Problema que se reolveria facilmente com um sistema adequado de bolsas de estudo...
De modo que acabaram com todas (o que não aconteceu na grande maioria dos países que conheço, onde sobrevivem liceus fascistas e escolas profissionais nazis) e meteram a miudagem toda no mesmo saco. Acabaram com a nobreza de um sistema que durante anos garantiu uma formação profissional excelente e que permitia uma carreira até à Universidade, via Institutos Superiores. Se não estou em erro, o actual Presidente da Republica seguiu esse cursus honorum.
Mas voltemos aos truques legislativos, e não só, desta feia cabidela. Parece que são muitos os alunos repetentes ou assimilados a tal que seguirão por esta “solução remediativa" no dizer sempre inspirado de um Secretario de Estado chamado Valter Lemos. Que, aliás, lamenta “a chaga que são os nossos dados estatísticos”! Claro que a culpa é dos dados...
Há 35.000 alunos em cursos de “cursos de formação educação” que parece ser o caixote do lixo para onde se mandam os alunos com mais de 3 negativas. Nem todos, provavelmente, mas muitos, de certeza. Do que daí sai, népia! São cursos e bonda.
Sairão cidadãos? Sairão profissionais minimamente qualificados ou a coisa serve apenas para entreter até se ter a idade de ir para carrejão, para arrumador de carros, para trabalhador de pá e pica, não falando de outros destinos menos nobres que agora estão na moda e de que os jornais, à falta de melhor pitança, se enchem com notícias negras e tremendas, como se a pátria estivesse á mercê de gangs armados de caçadeiras de canos serrados.
A pátria está mais entregue a malandragem de alto gabarito, educada e com títulos universitários e contas bancárias em vários e ominosos destinos. Um político medíocre mas corrupto, um raider, astucioso e mandante de corrupções, fazem pior, do que dez desgraçados ali da quinta da fonte. Mas essa gentuça não cheira a sovaco, sabe usar medianamente os talheres e anda permanentemente nas revistas do coração ou outras.
Persisto e assino, acabem com estes gabinetes educativos, com estas medidas legislativas excepcionais, criem ou recriem sistemas diferenciados de ensino, punam o desinteresse, incentivem o mérito. Se não sabem, copiem os velhos sistemas que ainda estão em uso em tantos países mais prósperos, mais viáveis e civilizados. E mais felizes. Muito mais felizes.
E crie-se um sistema de responsabilidade civil e criminal para estes irresponsáveis políticos e técnico-políticos que estragam, deterioram, tornam medíocre o que, já com dificuldade, era sofrível. Que brincam com as pessoas e as suas expectativas. Que troçam das pessoas e do seu direito (sim do seu direito) a serem governadas com sabedoria e decência.

* em cima a imagem de um famoso liceu parisiense. Sei bem que, lá, os liceus ssão genericamente frequentados apenas depois da escolaridade obrigatória. Mas sei igualmente que o nível de exigencia é grande, que a disciplina não é brincadeira, que a filosofia se ensina a sério, que um bacalaureat é coisa de encarar com respeito, e que as escolas genericamente estabelecem listas de classificações. E que só se entra em várias com classificações bem altas. Também é verdade que os ex-alunos desses grandes centros de saber têm logo à saída hipóteses agradáveis de trabalho.

Estes dias que passam 123

d'oliveira, 26.08.08
Olhando angustiadamente para diante

Confesso, leitoras gentis que regressais de férias queimadinhas de sol, sal e sul como dizia o poeta, que nem sei por onde começar.
É que me apetece, logo eu, tão pouco dado a amorios com a autoridade!, chegar à primeira esquadra de polícia e fazer queixa. Queixa da Sr.ª Ministra da Educação, da criatura que lhe serve de secretario ou sub, dos gabinetes de inteligências que se amesendaram à tábua corrida do orçamento, dos cavalheiros e cavalheiras do eduquês que os pariu, de sei lá mais quem.
Ora vejam bem: uma criancinha do 6º ou 7º ano (isto é com os seus doze treze a(s)ninhos) chumbou a tudo excepto Educação Física. A tudo, notem bem. A Português, a Matemática, às ciências e línguas diversas, à educação musical e sei lá a que mais. Ou seja, o menino não sabe patavina, nada de nada, excepto flik-flak para trás e cambalhota sem impulso.
E que faz a “escola”, o corpo docente, a DRE, o Ministério, enfim todos nós que pagamos? Pois não faz nada. Não fazemos nada. NADA de NADA! Ou melhor, cometemos um crime, pior, uma estupidez, pior ainda –para quem é religioso – um pecado: passaram o menino para o ano seguinte.
Parece que querem evitar traumas ao infante ignorante, eventualmente preguiçoso, burrinho talvez, filho de pais imbecis que se estão cagando para os estudos do abencerragem (eu ia escrever “estão nas tintas” para evitar o palavrão mas não. Esta gentuça, pais, professores, autoridades, experts em educação não se está nas tintas. Estão-se cagando: na criança, nas outras crianças, em nós, no futuro do país, no bom senso e na justiça.
Esta gente, este bando de mariolas, filhos espúrios de um Rousseau desconhecido que deve estar a dar voltas na tumba, tontos de atar, como se diz em Espanha, acha que a criatura ignorante e incumpridora a todas as disciplinas (todas não!, que se salva a tal “educação física”, valha-nos santa Rita, padroeira das mulheres maltratadas e dos impossíveis) ficaria com uma depressão grave, com angustias existenciais, com uma ferida na alminha de pomba, se fosse chumbada e ficasse mais um período escolar no mesmo ano que tão estrondosa e espantosamente desaproveitou.
Esta gente parece esquecer um facto evidente: ao premiar com uma passagem o menino infeliz, disseram a todos quantos (e serão muitos, a maioria, até...) que estudaram e obtiveram aproveitamento que não vale a pena esforçarem-se (excepto a Educação Física que os jogos olímpicos precisam de atletas portugueses como de pão para a boca) e estudar pelo menos os mínimos para obter a nota de aproveitamento. Com esta “passagem” santificada pela escola, ungida pelos santos óleos dos gabinetes de arrogantes cretinos que salvam o mundo e a educação afundando os critérios já de si baixíssimos de nota de passagem, apregoada como exemplar por uma récua de políticos mais populistas que o presidente da Geórgia, é todo o sentido da Educação que vai pelo cano (da latrina, como já acima se insinuou).
Eu sei que algum parvajola, diplomado em patetice (de pateta mas também de patético) virá dizer que eu sou um ignorante, um velhadas, um conservador, um neófito nestas balivérnias educativas, uma besta quadrada, um camelo de três bossas. Seja!
Virá ainda dizer que a criancinha (que por força não será a única – a menos que pertença á família de algum tubarão da política... de preferência do partido no poder) irá ter um acompanhamento especial, aulas de recuperação que se juntarão às aulas normais. Ou seja, o garoto (ou garota, tanto dá...) vai ter um horário arrasador. Se tiver! Se houver professores en número suficiente!..., que de certeza muitos outros meninos com chumbos a menos cadeiras terão de ser reaproveitados.
Esta gente que se recusa a imolar a criancinha na pira nefanda de uma repetição de ano, é exactamente a mesma que há dias bramava, uivava, balia por medalhas em Pequim. Que acusava os atletas de falta de brio, de profissionalismo, de responsabilidade! Que dizia, autoridades incluídas, como a subsecretariante criatura dos Desportos cujo nome nunca me acode, que Pequim não era um prémio mas um desafio para fazer melhor, ao mesmo tempo que ia insinuando que se pagara entre 500 a 1500 euros por mês de bolsa, uma fortuna como se vê...
No caso da educação dos meninos não é de uns poucos milhares de euros que se fala mas de centenas de milhões. Anualmente. Não é de medalhas de quatro em quatro anos que estamos a falar. É de algo muito mais prosaico: o futuro do país enquanto Nação independente. É de independência, tout-court, que falamos. Nenhum povo consegue subsistir sem cultura, educação, respeito pelos valores de solidariedade e de responsabilidade. E isso não se consegue com a trágica falta de conhecimentos mínimos que actualmente é oferecida aos mais jovens (e mais desprotegidos) cidadãos portugueses, os portugueses que têm entre seis e dezassete anos.
Esta “passagem” estúpida é infamante para o seu contemplado e não salva os seus responsáveis de uma forte acusação perante a história, a sociedade e a opinião pública. Cadeia com eles! Que são eles que estão a criar os jovens que baleiam alemães nos Algarves, que andam aos tiros pelas quintas do mocho, que se arrastam pelos bairros miseráveis atrás de uma grama de droga, que roubam, que sujam, que maltratam. Que se matam ou morrem ingloriamente de um tiro para o ar, de uma sobredose, de um suicídio induzido muitos anos atrás na escola em que ninguém os salvou.
Sem educação e sem cultura a primeira vítima é o respeito por nós próprios e pelos outros. Com ou sem tiros, agressões ou meros insultos (a que ninguém liga...)
E quando se denega a cultura e a educação está-se a ser cúmplice dos que, á falta de conhecimentos úteis, encontram na violência o único meio para subsistir. Insisto, cadeia com eles! Já!

Carcavelos, 26 de Agosto
mcr

* alguma leitorinha (ou leitor) terá reparado que o título desta crónica é uma variante do nome de uma bela peça de John Osborne (Look back in anger). Custa-me usá-la num texto em que falo daquelas criaturas da educação que provavelmente nunca a viram ou sequer leram (nem o filme...). Também, e disso tenho a certeza, não a entenderiam...

Ainda os Jogos Olímpicos

José Carlos Pereira, 25.08.08
Terminaram as Olimpíadas de Pequim e começaram as de Londres. Na hora do balanço, há que registar sem dúvida a tentativa de abertura da China ao mundo, mas também as muitas “chinesices” a que assistimos durante este mês, desde as mentiras da cerimónia inaugural à proliferação de agentes destacados para vigiar os cidadãos estrangeiros, particularmente os jornalistas.

A nível nacional, o final dos Jogos Olímpicos é sempre o momento de carpir mágoas. Pelo que não fizemos e pelo que não conseguimos. Lembram-se do desastre total de Barcelona 92? Com efeito, depois de gastarmos muitos milhões de euros na preparação dos Jogos, há que fazer uma avaliação rigorosa em todas as modalidades, em conjunto com as federações, os técnicos e os atletas. Não pode haver intocáveis.

A realidade é que ao ouro de Nélson Évora e à prata de Vanessa Fernandes se juntaram poucos lugares de honra. Os vinte e oito pontos alcançados são a pior classificação desde há muito. Se outrora o nosso objectivo era conseguir apurar o maior número de atletas, hoje isso já não nos basta e devemos ter como meta fazer um conjunto de bons resultados (não estou só a falar de medalhas) em várias modalidades. Mais do que ter dois ou três atletas de elite mundial, essa panóplia de resultados é que reflecte a política desportiva de um país.

Palavras leva-as o vento

José Carlos Pereira, 22.08.08
Não foi este senhor que disse que não o ouviriam criticar a sua sucessora, porque tinha sido ele próprio vítima de ataques soezes desde os primeiros tempos da sua liderança partidária? Sem cuidarmos aqui de aprofundar as suas eventuais razões, o que é evidente é que Menezes não se contém e não faz jus ao estatuto (partidário) que já teve. Depois de um primeiro “arreanço” num jornal sulista mas pouco elitista, Menezes volta a atacar a Norte. Se o ridículo matasse…

Estes dias que passam 122

d'oliveira, 21.08.08
Apostila a “os jogos...”

Não sou muito de respostas que saiam da zona de comentários ao post inicial. Desta vez, todavia, recebi alguns recados de sinal diferente e pareceu-me útil escrever aqui o que penso de três coisas: o ouro de Nelson Évora e a prata de Vanessa, as bolsas dos desportistas olímpicos e a minha própria afirmação que não há cá competição suficiente, tecnologia suficiente e cultura desportiva suficiente.
Vibrei como todo e qualquer compatriota com as vitórias dos dois medalhados. É bom saber que o esforço deles (e não do país, ou dos portugueses no seu conjunto) foi recompensado. Treinaram e sofreram para isso. Isolados, desconhecidos da grande maioria que só se lembra deles quando a olimpíada já rola, que se enfurece com as “sumptuosas” bolsas (mil a mil e quinhentos euros!!!) que eles recebem, estes dois atletas merecem uma outra medalha a da solidão.
Um dos meus leitores, apontava-me o facto de Nelson, Naíde, Vanessa e Obikwelu serem atletas que sempre tiveram competidores à altura. Têm uma longa história de triunfos em campeonatos do mundo, da Europa, em “meetings” internacionais.
É verdade. Tiveram essa sorte. Sorte construída com sacrifício e muito, muito treino. Só que uma andorinha (ou quatro) não fazem a primavera. E a delegação portuguesa contava com umas larguíssimas dezenas de atletas e é desses que falo. Dos que, igualmente isolados cá, se vêem em palpos de aranha para praticar um desporto que não seja o futebol, fado – triste fado – nosso. Que penosamente conseguiram os mínimos. Que sonharam em participar, em aprender ao lado dos seus (cá) ignorados ídolos.
Alguns desses atletas receberam as famosas bolsas. Parece que alguém terá pensado que umas centenas de euros teriam de ter um retorno em medalhas como se Pekin fosse um casino onda basta apostar num número para sair um pleno. Nada mais estúpido, mais errado e mais canalha. As bolsas, na verdade baixíssimas, nem sequer dão para treinar a tempo inteiro. Um comentador do Público dizia hoje que as bolsas dos nossos olímpicos são inferiores ao ordenado da grande maioria dos jogadores de futebol da divisão de honra, isto é da segunda divisão. Está tudo dito. Uma última palavra sobre a recepção do fenómeno desportivo entre nós.
Há quase um ano escrevi por aqui sobre uma das minhas manias, para não usar a palavra paixão: o rugby. E celebrei as pequeníssimas derrotas e as imensas vitórias da selecção portuguesa, presente pela primeira vez num campeonato do mundo. Porque aquele punhado de amadores e semi-amadores entravam em campo com uma alegria, um aplomb, uma serenidade incomparáveis. E cantavam o hino com uma gana que nunca vi a futebolistas. Estavam ali pela primeira vez ao fim de anos de trabalho, de amor à camisola, de desconfiança pública (a televisão portuguesa nem sequer julgou útil transmitir os jogos da nossa selecção!!!), de entusiasmo.
E ninguém, enfim quase ninguém, protestou. Nem os jornais, nem os desportistas de bancada, nem a politicagem, sequer a criatura dos desportos.
Chama-se a isto cultura desportiva portuguesa. A mesma que ignora o atletismo, o volley, o andebol, a luta greco-romana ou a ginástica. Ou que só se lembra destas modalidades quando sucede um bambúrrio. Assim não se vai lá. Nunca se irá lá.

Uma palavra final sobre as “falhas” de Naide e Obikwelu. Façam o favor de olhar para o quadro dos premiados. Ao lado deles mas sem medalha há um cento dois, ou três, de atletas de altíssima craveira que não ganharam. Que falharam uma partida, que não conseguiram, como hoje, passar o testemunho numa “4 por 100 femininos”, como sucedeu com as atletas americanas. Estas coisas sucedem todos os dias em todas as competições. Naide já se recuperou o suficiente para afirmar que tenciona continuar. Obikwelu arrumou as botas. Todavia deu a este país, que ele escolheu, muitas vitórias e muitas alegrias, pelo menos aos poucos que o viram e o admiraram.

Tragédia em Madrid

José Carlos Pereira, 20.08.08
Uma notícia trágica como a de hoje deixa-nos sempre fragilizados e angustiados. Foi em Madrid mas podia ter sido aqui, connosco, com os nossos amigos e familiares. Pessoalmente, o choque é ainda um pouco maior pelo facto de ter viajado há pouco mais de quinze dias com a companhia aérea Spanair. Terá sido a mesma tripulação com que me cruzei?

Um abraço a Espanha e a todos os atingidos pela tragédia de hoje em Barajas.

Estes dias que passam 121

d'oliveira, 20.08.08
Os jogos,
as previsões
e a “frustração” nacional



Alguém anda a enganar alguém. Com efeito, parece que os “objectivos” a que o Comité Olímpico Português (COP) se votara estão a sair pela esquerda baixa. Muito baixa, diria eu. Os jornais, e até o “Público” glosa o tema até á exaustão, desdobram-se em reportagens e entrevistas como se de um novo terramoto de Lisboa se tratasse.
Vejamos por partes.
Pode um COP prometer cinco medalhas e com essa proposta comprometer o governo e o país?
Em teoria responder-se-ia afirmativamente. Tinham quatro anos, um punhado de atletas, bastantes expectativas e confiança num trabalho continuado.
Mas, teriam, de facto, possibilidades de honrar o a palavra dada? Para se responder conviria saber um par de coisas: se, efectivamente, para além das bolsas (que, convenhamos, não eram assim excepcionais) e da boa vontade havia o resto. E o resto é tecnologia, meios, alta competição, treinadores à altura, enfim: ambiente.
Existiu isso? Parece evidente que não. Ou por outras palavras, parece que mais uma vez se esqueceu o essencial. As vitórias constroem-se com talento, com força física e anímica, com paciência, com teimosia e com tecnologia. E com muita e forte competição. É por essas e por outras que um nadador, nosso e olímpico, já desistiu da bolsa e anunciou a sua partida para uma universidade americana. Lá terá tudo o que cá falta e não será pelo dinheiro que vai. Vai porque tem com quem competir, porque tem treinador à altura, ambiente (raio de palavra) e tudo o que a tecnologia pode oferecer.
Daí que, graças a este exemplo, que se poderia repetir em quase todas as modalidades, o COP deveria ter tido tento na língua e não prometer o que não pode prometer: medalhas a torto e a direito.
Aliás, mesmo quando os meios parecem ser suficientes (caso da vizinha Espanha) há uma segunda incógnita. Como é que é competir nos jogos, aguentar a pressão, a ansiedade, o clima e tudo o resto? Como é que se aguenta, o patriótico entusiasmo indígena, a patriótica solicitação de pódio, feita por um governo tão patarata quanto nacionalista, por uma imprensa tão exigente quanto irresponsável que hoje pedem a lua e amanhã mandam o derrotado para a vala comum dos indignos?
O senhor presidente do COP anunciou que se não recandidata. Fez bem e mostrou que tem vergonha na cara (a ver vamos se de facto faz o que anunciou) Convenhamos que de qualquer modo já lá andava há demasiado tempo. Desde 1980 se os jornais estão certos. Se fosse funcionário público já estaria inapelavelmente na reforma, pois já passou os setenta anos. Por muito entusiasmo, muita dedicação, muito conhecimento, estes quase trinta anos na estrutura olímpica portuguesa são demasiados. O mundo mudou, o desporto ainda mais, se é que ainda estamos a falar de desporto quando falamos de olimpíadas.
Outro exemplo, o senhor Michael Phelps, nadador de Baltimore treina oito horas diárias, todos os dias da semana, todas as semanas do mês, todos os meses do ano: algum nadador português pode sequer fazer metade? Ter metade dos meios ao dispor desta máquina nadadora? Competir semanalmente com metade dos competidores de Phelps?
O COP, já que nós somos meros cidadãos ignorantes, deveria saber isto. Deveria... O senhor Laurentino Dias, secretariante ou subsecretariante criatura dos desportos deveria saber isto, como aliás quem o nomeou deveria saber que créditos, que conhecimentos, que cultura desportiva abonam o senhor Dias para gerir a pasta do Desporto.
Tivesse Naide conseguido o apuramento, tivesse Obikwelu mostrado uma vez mais o que já mostrou, tivessem fulano e cicrano feito não sei bem o quê e aí estariam Dias, o senhor do COP e mais um quarteirão de “sportsmen” mais empavesados do que a nau almirante da brisa marinha nacional. Mas os fados, o destino, as Erínias, a má sorte, a pressa, a incapacidade de sermos modestos mas exigentes, atravessaram-se no nosso caminho glorioso. Isso tudo e os outros atletas mais preparados física e psicologicamente.
Os jogos ocorrem no Verão, são espuma de Verão e daqui a uns meses já ninguém se lembra deles. O que nos sucedeu não foi uma catástrofe, como não foi uma catástrofe não termos ganho o futebol.
A catástrofe verdadeira é bem outra: é não termos uma cultura de exigência, de esforço, de sacrifício, de objectivos a curto, médio e longo prazos, definidos com nitidez e realismo. E modéstia.
Mas também não temos uma educação à altura, uma consciência cidadã vigorosa, uma imprensa sadiamente exigente e responsável.
Felizmente temos uma actriz de Hollywood embeiçada pelo Cristiano Ronaldo, ou vice versa, o mistério do local de férias do senhor primeiro ministro e o habitual boçal das ilhas a proclamar que se o desafiam cria um novo partido. Força, homem de Deus, crie o partido, embarque na aventura, atreva-se, proclame a independencia... Mais alto, mais longe e mais forte do que você não há.

Representação em Faro (novamente segundo a imprensa cor-de-rosa)

José Carlos Pereira, 19.08.08
Na passada sexta-feira, uma delegação nortenha do Incursões, composta pelo signatário e pelo carteiro, mais os respectivos familiares, aproveitou a tradicional ida a banhos no Algarve para visitar Madame Kamikaze (L.P.) na sua bonita casa.

O espaço multifacetado (memórias/livros/exposições) promete mexer com a cidade de Faro e merece uma visita de quem se dirigir àquelas paragens do sul. Aí serão seguramente mais bem acolhidos do que na esplanada da doca de Faro, onde à meia-noite os clientes famintos se habilitam a levar um empurrão de um qualquer empregado para as águas da ria…

Au Bonheur des Dames 134

d'oliveira, 16.08.08

Há 40 anos, a vergonha

Não foi exactamente há quarenta anos porque a vergonha inominável ocorreu no dia 20 de Agosto de 1968 e ainda são apenas dezasseis. Acontece porém que nesse dia estarei em viagem de modo que obedecendo ao velho rifão que manda o viajeiro prevenir-se em terra deixo já este post pronto e entregue.
Aliás o dia 20 de Agosto de 1968 foi apenas e só o rebentar do abcesso.
Nesse exacto dia, tropas russas, polacas, húngaras e alemãs orientais entraram na Checoslováquia, país teoricamente independente e membro do mesmo bloco político-militar dos seus agressores. Era o culminar de uma série de pressões exercidas sobre o governo e a direcção do partido comunista checoslovaco para que a tímida liberalização introduzida na vida do país fosse liquidada. Desde meados de Julho que se sucediam as reuniões entre dirigentes soviéticos e checoslovacos, os primeiros exigindo purgas e o congelamento das medidas democratizantes, os segundos defendendo a sua parca autonomia com uma teimosa paciência se é que esta contraditória expressão pode ser usada.
Por cá, alguns de nós, oposicionistas conotados com a esquerda, seguíamos os acontecimentos apaixonadamente. Se a Checoslováquia ganhava a partida, dizíamos, o governo português (sempre pronto a ver comunistas em toda e qualquer reivindicação) perderia uns pontos pois provar-se-ia que era possível haver um “socialismo de rosto humano”.
Obviamente, e para contentamento dos apoiantes da Ditadura do Estado Novo, a invasão da Checoslováquia aconteceu. Quem não acredita no que aqui escrevo que vá ver as colecções de jornais da altura para poder verificar como, uma vez sem exemplo, explicita ou implicitamente Cunhal e Caetano estavam de acordo. Não era a primeira vez e não seria a última.
Tenho a convicção que os jornais não perderão este número redondo, quarenta anos, os jornais vivem disso, e têm comentadores encartados que não falarão nesta singular aliança nem no que isso significava de continuação da guerra fria por meios mornos, como foi a invasão com o seu pequeno cortejo de mortos, com a brutal crise no movimento comunista internacional, com uma fortíssima minoria de partidos a condenar a intervenção e afastar-se mais um pouco dos sátrapas do Kremlin. Os três mais importantes partidos ocidentais (italiano, francês e espanhol) criaram um bloco informal apelidado mais tarde de euro-comunista e a China aproveitou o ensejo para, criticando os checos, atacar virulentamente os russos por eles não saberem resolver as contradições no seio do(s) povo(s) progressista(s). Um mimo de velhacaria política e ideológica propagandeado por quem ia dizimando alegremente dezenas ou centenas de milhares de cidadãos na Grande Revolução Cultural que de revolução não tinha nada e de cultural ainda menos.
Convenhamos porém que em questão de velhacaria os chineses tiveram pelo menos um émulo, o partido comunista português que conseguiu ultrapassar tudo e todos colocando-se intransigentemente ao lado dos representantes do “sol na terra” como Cunhal gostava de chamar ao PCUS e ou à URSS.
O PCP conseguiu afugentar mais um par de militantes e de simpatizantes com a sua aceitação abjecta e total das razões dos soviéticos. Perdeu obviamente o grosso dos militantes que tinha na Checoslováquia ou na Suíça, para não falar das células francesas, belgas e argelinas. Datam daí algumas das mais conhecidas dissidências e, paralelamente o fortalecimento da alternativa socialista. Foi o PCP com a sua incurável ortodoxia, com o seu integrismo, com a sua incapacidade de perceber o mundo, que deu de mão beijada a “alternativa” a outras forças oposicionistas que ele conotava com a direita. Mas a cegueira ideológica de Cunhal foi mais longe: conseguiu que à sua esquerda se afirmassem e crescessem outros (pequenos) grupos conotados em maior ou menor medida com o maoísmo e o trotskismo que aproveitaram a ocasião para criticar o “servilismo” do PCP face aos “revisionistas” soviéticos.
Ou seja: a invasão desastrada de Praga permitiu que em Portugal milhares de oposicionistas de esquerda se autonomizassem do PCP. E, como se verificou, foram esses mesmos oposicionistas que estruturaram, depois do 25 de Abril, muita da mais eficaz resistência ao PC. Eram quem melhor o conhecia e quem melhor o contraditava usando os mesmos instrumentos e projectos de agitação que o PCP.
Voltando ao plano internacional, parece que está na moda dizer-se que a vitória soviética em Praga em 68 foi uma vitória pírrica. E a prova seria a queda do muro vinte anos depois. Não é verdade. Os soviéticos conseguiram isso sim, adiar o esfarelamento do império por mais vinte anos. De facto se a Checoslováquia tivesse conseguido manter a sua independência e as reformas é muito provável que a Hungria lhe tivesse seguido os passos. E não é de todo em todo improvável que a Polónia também começasse a mudar. Tudo isto é, obviamente, um exercício inútil de suposições que lembra a teoria do nariz de Cleópatra: se fora mais curto teria mudado a face do mundo. Se...
Claro que ao invadir a Checoslováquia, a URSS e os seus servis aliados, perderam muito do seu já escasso capital político na Europa. Mas, convenhamos que também já não era a Europa, o tabuleiro onde a URSS tinha peças para movimentar.
Dir-se-á, finalmente, que a URSS retirou credibilidade aos partidos comunistas ocidentais. É verdade, mesmo no caso italiano. Todavia também já não parecia crível que alguma vez um partido comunista ocidental chegasse ao poder. Nem sequer o italiano que esteve perto graças ao compromisso histórico. A morte de Aldo Moro mostrou que havia na Itália (desde as “Brigadas Vermelhas” até á direcção da Democracia Cristã) fortes resistências à integração dos comunistas no sistema de governação. Mas que os russos ajudaram não há dúvidas.
A invasão foi sobretudo uma tentativa desesperada de parar a história, de manter um sistema que dava de si. Quando um regime é incapaz de se auto-reformar, torna-se violento e agressivo. E foi isso que sucedeu.
Se o cronista fosse um moralista, o que não está provado, diria para rematar que a partir de 68, morreram demasiadas pessoas sem qualquer razão.
É verdade. Mas até lá, e com a mesma sem razão, tinham morrido muitas outras. Milhões! Nenhum sonho justifica um tal massacre.

Este texto vai em memória de Jorge Delgado, um resistente, um homem de honra, com quem partilhei a angústia dos dias de Verão de 68.
E de Flausino Torres, Marcela Torres e José Bento pelas mesmas razões e celebrando a mesma ausência
A ilustração: Praça Venceslau, Praga 1968

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