Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 92

mcr, 30.11.08



368 anos depois...


Terá sido no ano de 1963, em Coimbra, que a “latada” de Letras ditou o fim de todas as latadas. Entendamo-nos: as latadas, que começaram por ser uma festa exclusiva dos estudantes de Direito que celebravam o fim dos exames, passaram, em data incerta, mas já no século XX, a realizar-se no inicio do ano lectivo e serviam para os quartanistas de cada faculdade usarem definitivamente o grelo, a fita estreita que prenunciava um próximo fim de curso. Nesses cortejos, os caloiros mobilizados e vestidos de maneira estapafúrdia levavam cartazes maliciosos e/ou de charge política. Era nos anos sessenta uma das maneiras de mostrar que a Academia coimbrã cortara relações com o regime (que se não nascera em Coimbra, tivera nesta cidade e na sua universidade alguns dos principais teóricos para já não falar no alfobre de governantes em que a Faculdade de Direito se tornara). As faculdades competiam entre si por se mostrarem mais ousadas, mais inventivas e mais contestarias. A velha praxe coimbrã cobria com o seu espesso véu estas audácias juvenis e, de certo modo, protegia-as.
Todavia, depois da fortíssima (e mal conhecida) participação coimbrã na crise académica de 62, as autoridades estavam já mais atentas e pouco dispostas a aceitar a “irreverência da mocidade estudiosa”.
Ora, a latada de “Letras” (uma das primeira a ter um argumento único) era, do primeiro ao último cartaz, uma fortíssima manifestação política que aliás começava pelo título geral patente no primeiro cartaz: “Os velhos não devem governar”, piscadela de olhos ao texto teatral “Os velhos não devem namorar”, de Castelao, um dos pais do independentismo galego. Dentre os cartazes, quase todos notáveis e engraçados destacava-se um mais violento: “Há governos que caem pela força. Este cairá pelo ridículo”.
A reacção das autoridades foi rápida e dura: os responsáveis pela “latada” (que só recordo o António Luis Landeira) foram detidos pela PIDE e passaram umas semanas nos calabouços da delegação coimbrã. Recordo com ternura e emoção as muitas manifestações de solidariedade de que foram alvo e lembro-me que o Landeira recebeu não só muitos maços de tabaco mas um belíssimo isqueiro enviado por uma querida amiga nossa, perita em abrir latas de atum como, tantos anos depois, ela se retrata.
O governo não caiu, claro. Demorou ainda 11 longos anos, como se sabe. Demorou o governo mas a esse sobreviveu-lhe um certo espírito que ainda hoje anima muito governante. E não caiu pelo ridículo mas quase, porquanto bastaram umas escassas tropas mal armadas e uma rajada de metralhadora no quartel do Carmo.
Contudo, o ridículo continuou a sua triunfante caminhada (basta ver as declarações de vários lideres políticos com especial referencia a Jerónimo de Sousa, Santana Lopes e Maria de Lurdes Rodrigues, para não citar outros, muitos! Que se acotovelam na praça pública. Abramos ainda um pequeno espaço para a inerme Juventude Socialista, um ajuntamento de rapazinhos de que normalmente não se ouve falar a menos que entendam, a contra-corrente, aviar uma proposta “fracturante” que depois não defendem. Não defendem porque não acreditam, diga-se de passagem. E de que se esquecem logo que se apanham com uma sinecura com que habitualmente se calam os vagos opositores e os meninos bem comportados.
Eu não quero que o governo caia pelo ridículo nem creio que isso possa ocorrer. Infelizmente, governo e regime estão ameaçados por algo bem mais grave e maior: a democracia, flor frágil, necessita de ar puro, coisa que com estes sucessivos casos financeiros vai escasseando. Parece que, e até nisso o engenheiro Sócrates tem sorte, o escândalo está a ser habilidosamente circunscrito ao BPN e a Dias Loureiro. Vozes autorizadas fazem o possível por dizer que a avalanche que ameaça engolir o BPP tem causas diferentes. Terá. Mas ninguém me convence que a impossibilidade de continuar tem a ver com gestão desastrada, com ambições desmesuradas, com imprudência, com má avaliação da conjuntura. Também ninguém me convence que o plano salvífico que mete vários bancos ao barulho não vai custar nada aos cidadãos, como eu e como quem me lê. Porque é que o Banco de Portugal, tão distraído quanto às carências gritantes de supervisores capazes no seu quadro, se mostra tão atento ao plano de salvar uma centena de fortunas de cavalheiros que só acorreram aos balcões do BPP porque havia extraordinárias e miraculosas retribuições dos depósitos. Será que estes senhores não achavam que essa fartura poderia ter pés de barro? Convenhamos: se os outros bancos, mesmo na função private banking não davam tanto juro como é que este pequeno banco gestor de fortunas oferecia tanta remuneração? Será que o dr. Rendeiro era o moderno Laffite da banca nacional? E se era, porque é que agora tem de ser afastado da solução do problema? De um problema que, por força ele conhece melhor do que ninguém?
Passemos adiante. Há por aí alguém que me possa garantir, modestíssimo depositante de poucos centos de euros que mais nenhuma instituição financeira está em risco? Que não há mais políticos do bloco central a viver de benesses derivadas do seu ziguezaguear entre governo e privado, num entra e sai suspeito, em que cada entrada parece uma promessa de melhor saída e cada saída um prémio de favores passados, presentes ou mesmo futuros?
O país, pelo menos aquele que se interessa e não é ainda totalmente analfabeto, vê diariamente esta trasfega de interesses e pessoas, de pessoas e interesses, este toma lá dá cá, tudo no mais escrupuloso respeito de uma auto-denominada “ética republicana” que nenhuma lei acolhe e que na generalidade do mundo é considerada inaceitável. Alguém acredita que em França um Conselheiro de Estado venha de motu próprio dizer um par de banalidades que rapidamente são desmentidas e não seja substituído? Alguém acredita que nos Estados Unidos (país onde se recrutam governantes na elite dos negócios e das financeiras) se passe assim, de um pé para a mão do público para o privado, sem rede nem garantias especiais?
Alguém acredita que um cavalheiro de modesto rendimento e situação financeira condizente apareça meia dúzia de anos depois com um pecúlio notável, fruto de “muita economia, muito tino, muita sorte e incomparável inteligência”? Então as criaturas andavam por aí a beber, com conta peso e medida, um café com cheirinho – e só aos domingos e dias santos de guarda! – e agora passam as noites nos restaurantes e bares da moda a aviar whiskies escoceses de nomes impossíveis, vindos de ilhas desconhecidas e preços extravagantes? E pendurados em charutos de meio metro que fariam empalidecer de inveja um dos meus respeitáveis confrades de blog (que paga do bolsinho, e com o suor do rosto, o charuto que fuma)? E que passam subitamente das férias de oito dias em campismo para os fins de semana na neve, o verão nas Maldivas e os cruzeiros em Bora-bora? Que substituem o Corsa a prestações pelo BMW, série 5 (isto quando são modestos...)?
Amanhã, daqui a menos de uma hora, aliás, faz anos que um duque de Bragança convocado pelo Rei Filipe IV para fazer a guerra na Catalunha insubmissa, entendeu restaurar a independência pátria, coisa que, soit-disant, conseguiu ao fim de vinte e oito anos de guerra de fronteiras e de alianças espúrias com ingleses cobiçosos que ainda hoje nos fazem pagar esse favor. Trezentos e sessenta e oito anos!
Eu não sou iberista. Não que não gostasse mas, realista, sei bem que os espanhóis não estão para nos aturar. Muito menos para pagar os nossos pecados, a nossa incúria, o nosso eterno sentimento de frustração. Ainda por cima conseguem impingir-nos os seus produtos, as suas Zaras, a sua imprensa cor de rosa, as suas praias e o seu Corte Inglês sem a maçada de ter de nos governar.


PS que não tem nada a ver (ou terá?): o PCP está em congresso. E resolveu homenagear o “imortal” partido comunista cubano, o único que teve o direito a discursar. E alguém, Jerónimo?, teve direito a receber uma fotografia dos manos Castro! É obra! E uma fotografia de Stalin? E outra de Mao? Ou do Enver Hodja? Não servem? E do Ulbricht esse génio? Ou do Gomulka? Força, malta, força que nós somos a muralha de aço...

d’Oliveira fecit

Au Bonheur des Dames 152

d'oliveira, 30.11.08

Carta dos antípodas

Sra Ministra, partilhe um bom momento.
"Uma carta que recebi de um menino que recebeu um computador para ter em casa, (...), e escreveu-me a dizer: 'Quando for grande, vou inscrever-me no PS.' É tocante."


Tinha prometido a mim mesmo que nunca mais falava da senhora Ministra de Educação. Por razões várias, aliás expostas em posts anteriores e por uma especial que se resume, custa dizê-lo, a um mero acto de higiene mental. De facto, o discurso quer fui ouvindo ( e sou apenas um português já com um valente par de anos em cima, sem qualquer ligação –directa ou indirecta – à educação, sem filhos nem cadilhos, com os familiares mais jovens já livres “daquilo”) pareceu-me sempre repugnante pelo que continha de anti-democrático (e meço as minhas palavras), de populista (idem, aspas) e de profundamente falso. Nas premissas, no arrazoado, nas conclusões. Em tudo. Vi ministros do “fascismo” menos reaccionários e com mais pudor. E sei do que falo porque, ao contrario da Senhora em causa (que terá “militado” no jornal anarquista “A Batalha” -!!!???...- já em plena democracia) e dos seus acólitos, dei o corpinho ao manifesto e passei por maus bocados. Na rua e na escola, coisa que, pelos vistos, não ocorreu com eles. Ou porque não tinham idade (!!!) ou porque não estiveram para se maçar. Ou, eventualmente, porque estavam de acordo. Muita, mas muita gente, hoje do P.S. ou até mais à esquerda, passou estes anos caladinha e respeitadora quando não conivente... Muitíssima gente, deputados e ministros incluídos. O passado não é virtude mas também não pode ser defeito e muito menos deve ser branqueado.
Ora este meu silêncio auto-imposto foi estilhaçado pela frase que serve de epígrafe e que consta de uma entrevista que a D. Maria de Lurdes entendeu conceder ao jornal “Público” de 28 pp.
Pratiquemos sobre este mimo. Mesmo que seja verdade haver um menino ladino que tendo recebido um Magalhães lhe escreveu uma burrice grotesca como a que se lê (e aqui incluo, o paisinho acéfalo que ditou a epístola à pobre e inocente criança, se a carta tiver existido) devia haver um pouco de pudor e de bom senso político que impedisse a divulgação de tão abstruso documento. Mas pior que a divulgação, escorregadela política que mostra bem o grau zero a que ela se pratica e é entendida por uma política que é doutorada (valha-me Deus!), é o comentário final: é tocante. Nem o “saudoso” almirante Américo Thomaz seria capaz de uma destas! Eu,nestes últimos tempos, tenho-me debruçado sobre as flores que alguns próceres do salazarismo emitiram nos anos desvairados da “Ditadura Nacional” (finais de vinte, todos os trinta e alguns dos quarenta). Arrepia saber que sobre Salazar, Carmona (“vela bujarrona da nau da ditadura”, sic, apud Pereira, Capitão A.J., “Grandezas de Portugal, 1941) e alguns outros se bolsaram louvores que fariam corar Hitler ou Mussolini, gente pouco dada a tomar cores avermelhadas.
Em pleno século XXI, aparecer uma ministra a achar tocante uma historieta destas é, perdoem, pedir urgentemente um inteiro frasco de comprimidos para as dores de cabeça ou ligar para o 112 para efeitos de internamento imediato. Alguém está doido, nesta história. Provavelmente serei eu que imaginei um pais, uma ministra, uma entrevista, um jornal, quando nada disso é verdade. Sou um pacifico cidadão do Lesotho, membro honrado da poderosa tribu Kwena, também falo xhosa e inglês e dedico-me à cultura do milho e à criação de zebras: tenho doze, todas com nomes bíblicos (apóstolos e reis de Israel) mas pertenço à igreja reformada holandesa além de fazer uma perninha em honra dos antepassados e dos deuses tradicionais... vivo em Maseru e de Portugal só conheço histórias de jovens moçambicanos que vinham trabalhar para o Rand para ganhar o suficiente para comprar mulher quando regressassem à terra deles. É pouco mas é muito mais do que muito sociólogo português sabe sobre esta minha actual terra....

* na gravura:"Marat-Sade" pela Virginia Commonwealth University Shaffer Street Playhouse, encenação de Gary Hopper, 1977- Oferece-se esta bela gravura como compensação pelo tempo que fiz perder aos leitores que me aturam

Muito disponível

JSC, 28.11.08
O Primeiro Ministro acaba de declarar que o Governo está muito disponível para ajudar o Banco Privado Português. Esta declaração deve ter deixado os cerca de 3 mil investidores do Banco muito tranquilos.

Os Pequenos e médios empresários é que devem ficar intranquilos porque o dinheiro que vai salvar as cerca de 3 mil fortunas, que o BPP gere, vai faltar para os financiar as pequenas e médias empresas, que se vão queixando por todos os lados, mas que não têm pedalada para mais.

Quem também se sentiu incomodado com o gesto de boa vontade do Governo, relativamente aos afortunados do BPP, foi Joe Berardo, que acaba de declarar que também é filho de bom pai e que também merece ser ajudado, tal como os demais empresários em dificuldades, dizendo ainda que não percebe porque razão um banco que gere fortunas tem de ser ajudado pelo Governo.

Eu também não percebo. Nem acredito, Deus me livre, que o PM esteja a fazer isto porque há meia dúzia de pessoas muito influentes metidas no BPP, como Berardo parece ter insinuado. Como não percebo porque ninguém pergunta qual a razão para o João Rendeiro, que tanto dinheiro parece ter dado a ganhar aos cerca de 3 mil afortunados, ter de abandonar agora, exactamente agora, o BPP. Espanta-me que o próprio Joe Berardo não tivesse aflorado o tema.

O que não me espanta, de todo, é a disponibilidade do Governo para ajudar o reduzido grupo BPP. E mesmo que o Primeiro Ministro diga que os contribuintes vão ser ressarcidos do dinheiro que agora é garantido pelo Estado ao BPP, confesso-me descrente, muito descrente, até porque quando forem prestar contas, o actual PM já será gestor de top numa grande empresa, seguindo o trajecto natural dos sábios da política.

Os contribuintes, coitados, lá terão de ir contribuindo para o esforço que a permanente contenção orçamental obriga. Contenção que jamais afectará o sistema financeiro. Este pode gastar à vontade, arriscar, fazer negócios claros e escuros, distorcer resultados e esconder lucros, porque no momento da crise, em nome da superior tranquilidade da população, o Governo – este ou o que vier – lá estará para salvar quem sempre viveu em abastança. E nessa altura, com a maior das bonomias, os donos da banca vão declarar estar sempre disponíveis para ajudar o país.
Que nos resta fazer? Talvez mostrar compreensão. Talvez não!

Hipotecas Afortunadas

JSC, 28.11.08
Um dos aspectos inovadores da crise foi o aparecer de novos conceitos para caracterizar o lado negro da coisa. Foi assim que se começou a falar em “activos extravagantes”, em “activos tóxicos”. Agora aparecem as “hipotecas afortunadas”.

Ontem um administrador do BES resumiu bem a moral dos dias actuais. Quando o jornalista lhe perguntou se o BES estava disponível para ajudar o BPP, o Senhor administrador respondeu: o BES está sempre disponível para ajudar o país.

A notícia aqui colada mostra os porquês.

Fiel ao Norte

José Carlos Pereira, 27.11.08
Esta crónica traz-nos verdades duras e cruas sobre o Norte, com a subtileza (!) da pena de Jorge Fiel. O Norte está em perda permanente e não se vê como recuperar deste estado. Ainda há dias também aqui escrevi sobre alguns outros indicadores preocupantes, relativos sobretudo ao interior do distrito do Porto.

A recessão que bateu à porta, o encerramento de muitas e muitas indústrias de mão-de-obra intensiva e pouco qualificada, com a consequente perda de emprego, os elevados índices de abandono e insucesso escolar, a quebra dos rendimentos e do poder de compra exigem acção por parte do Governo, através de medidas activas que permitam atenuar esta realidade e alavancar um futuro diferente.

Carlos Lage, presidente da CCDRN, dizia esta semana que há um problema de governabilidade na região. É um facto, que se traduz numa factura pesada. Aqui e no resto do país que está à margem de Lisboa. Contudo, como nunca fui maoista, não creio que o poder deva estar na ponta da espingarda, mas sim na força da palavra e da razão. Porque urge lutar contra o centralismo que asfixia o país.

EDUCAÇÃO - novas escolhas!

JSC, 27.11.08
A guerra no sector público da educação está a endurecer. O caso está a tornar-se tão agudo que até (não sei se a propósito) Vital Moreira já escreveu que o melhor é pensar em acabar com os serviços públicos. (A descrença que por aí vai…)

Os problemas da educação têm muitos responsáveis. De um lado os políticos, do outro, os professores e as respectivas organizações representativas. Entre os dois lados, as Associações de pais e os filhos (alunos).

Coloco aqui o Quadro de Honra dos políticos que nas últimas décadas lideraram a Educação e que, por uma ou outra razão, acabaram por ir embora sem honra nem glória pública.

Uma vez que tão elevado número de personalidades, muitas de reconhecido mérito, não foram capazes de elevar o ainda Sector Público da Educação para níveis de eficácia e eficiência aceitáveis, porque não tentar uma outra via de escolha dos respectivos titulares do ministério?

Por exemplo, nomear o Presidente da FNE para Ministro da Educação; o Presidente da Associação de Pais para Secretário de Estado Adjunto e o Presidente do SINAPE para Secretário de Estado da Educação.

A sobrevivência dos sistemas passa por absorver os que se lhe opõem. Porque não aplicar a receita na Educação?

O leitor (im)penitente 42

d'oliveira, 26.11.08

A Byblos foi-se?
Deixá-la ir...


N’ O leitor (im)penitente nº 28 (Dezembro de 2007) eu falava da Byblos e da fraca impressão que me ficara de uma visita feita dias depois (um mês?...) da abertura.
Voltei lá mais uma vez, corri de novo aquilo tudo à procura de um livro, eu bem sei que sou um leitor chato, chatíssimo, que compro livros há cinquenta anos, que conheço uma boa dúzia de cidades só de as percorrer de livraria em livraria, o que quiserem, mas a livraria anunciada como a maior, estava longe, longíssimo, cu de Judas, cornos da lua, da promessa inicial. Os famosos 150.000 livros não eram, quanto mais 150.000 títulos...
Entretanto, a “Leitura, books and living” (nome tonto...), citada no mesmo texto ia crescendo, devagar. Os proprietários tiveram o bom senso de ir buscar muitos antigos empregados da Leitura, todos com o tirocínio do Fernando Fernandes, livreiro de mão cheia, culto e inteligente.
Eu não sei quais eram as qualificações do proprietário da Byblos para se lançar nesta empreitada. Que era o antigo dono da ASA não há dúvidas. Mas tinha um editor de altíssima qualidade: o Manuel Valente (alguém daí pensará que digo isto por amizade mas engana-se. O Valente provou por onde passou que tem olho, garra, audácia. Se não fosse assim não teria batido com a porta aos da Leya e rapidamente contratado pela Porto Editora...) que, além do mais, sabe rodear-se de gente que trabalha, que dá o litro, que acredita no livro e nos livros.
Tudo o que se leu antes e depois do anúncio da Byblos flutuava numa “no man’s land” imprecisa em que os projectos tinham muita retórica e pouca substância.
O fim de uma livraria não me alegra. Nunca me alegrou. Algumas que morreram de pé (a velha Atlântida de Coimbra, a Figueirinhas, a primeira morte da Divulgação, as duas no Porto a Opinião lisboeta ou algumas parisienses começando pela La Joie de Lire e acabando na Librairie Globe com passagem pela Diwan (que o Eduardo adorava...) e pela Les Yeux Fertiles, (paragem certa do José Leal Loureiro) que de lutos que vivi. Todavia, estas casas, estas minhas casas, morreram no campo da honra, de armas na mão ou quase. Houve eventualmente erros de gestão, não digo que não, mas mesmo no caso tremendo da Joie de Lire, vítima do roubo desenfreado de livros, cometido com desculpas infames e a armar ao revolucionário, perdoado por um François Maspero que não se sentia confortável na pele de proprietário de uma livraria como se tudo aquilo não fosse o seu honrado trabalho transformado em estantes e livros, mesmo nesse caso, dizia eu, a morte não se deve a uma indigestão de asneiras, de farroncas de anúncios incumpríveis.
Desculpem-me os responsáveis da Byblos, os trabalhadores que por lá se viam, mas aquilo estava na cara. Naufrágio irremediável e anunciado. Nem o sítio era especialmente sedutor. E pelo preço que deviam pagar pelo arrendamento daquele espaço penso que poderiam ter metido a livraria perto de outras, as livrarias são seres eminentemente sociáveis, gostam de pairar em grupo à espreita de leitores omnívoros e distraídos que não querem senão ser caçados pela subtil, mágica, atmosfera livreira.
Faltou uma ideia ao projecto onde sobrava sobranceria. E é por isso que não vou ao enterro. Mesmo sabendo que uma livraria a menos são dez projectos pequenos que se abandonam ou se adiam.

* na fotografia: a Joie de Lire, nos anos 60 ou 70, que me foi mostrada pelo Jorge Delgado, visitante assíduo e comprador irremediável. O homem lia tudo, tinha tudo, sabia tudo e era inteligente, generoso e culto.

Au Bonheur des Dames 151

d'oliveira, 26.11.08

Sebastião


Sebastião come tudo, tudo,
come tudo sem colher
come tudo, tudo, tudo
e depois bate na mulher.


Lembrei-me destes versinhos infantis, oh há quantos anos isso foi...., a propósito do que se vai passando na pátria madrasta. Obviamente, começando pelo fim, e isso é a parte mais séria, já nem vale a pena falar na cobarde infâmia que é a violência de género. Eu, não querendo desculpá-los pelo silêncio, atrevo-me a pensar que esses homens além de desprezíveis, são bem pouco homens. Aquelas virilidades devem andar por baixo, ao nível da sarjeta ou ainda menos.

Mas deixemos esse grupo de sevandijas (que hão de ter morto pelo menos quarenta mulheres, no ano que corre!!!...) e dediquemo-nos aos Sebastiões. Os que comem tudo e os que  são varados por setas ignominiosas. De vez em quando são os mesmos, graças a Deus.
Refiro-me a essa rapaziada que passou os últimos anos a ganhar rios de dinheiro e que agora, quando a roda desandou, ai Jesus!, e recorrem ao Estado, ao Estado que eles abominaram, ao Estado castrador, ao Estado que não deixava a vida económica fluir harmoniosamente, como eles diziam.
A América abana, atascada como está nos sub-primes, outra gorda negociata, mas já lá iremos, e o resto do mundo, põe-se a estertorar (bonito verbo!). E os reis da finança, os magos das contas, os artistas do investimento reprodutivo, os audaciosos da banca, corre que corre ao Banco de Portugal (presidido por um S Sebastião varadinho de setas horríveis) por um aval, coisa pouca, quinhentos milhões, mil milhões, enfim uma dessas somas que nem eu nem vocês, leitorinhas estouvadas, sabemos o que significa. Eu, se calhar, nem a um milhão dava destino rápido, quanto mais a esses balúrdios estonteantes.
Sei, contudo, que a quadra pré-natalícia aconselharia uns arroubos de misericórdia e generosidade face ao drama dos banqueiros em perda, dos seus (já não tão) ricos clientes que perdem euros à pazada por cada dia que passa. Mas nasci canhoto, um anjo torto (o de Drummond) mandou-me por esse mundo chatear essas vítimas dos acasos da Fortuna, deusa volúvel e esperpêntica que faz negaças a todos, audazes incluídos.
Por isso, desculpem lá, camaradas ricos, mas desta vez, por mim, são vocês quem pagará parte (uma pequena parte) da crise. É para saberem como a malta se sente quando falta o cacau, quando o desemprego ameaça, quando as contas aumentam, quando os preços disparam.
O Banco Privado está a tinir? Bon débarras! Que vá buscar o que lhe falta aos sumptuosos lucros de anos anteriores. Não há? Quem não tem competência não se estabelece!
Um outro Sebastião apresentou-se nas televisões com o ar e o gesto de quem ia pôr a boca no trombone. Ia contar tudo. Mostrar tudo. Que desde os não tão longínquos tempos de Coimbra, onde remava como nós, com fraca maré, até aos rosados domingos dos últimos anos, ele, apesar de cavalgar as ondas da sofisticação banqueira, continuava na mesma. Que os anos ministeriais, meia dúzia, pouco mais, apenas lhe tinham aberto uma porta (eu diria uns portões...) mas que ele até viera, sans peur et sans reproche, falar do banco a que estava ocasionalmente ligado por via de uma sociedade e pimba, repimba, toma lá que já bebes. Patético. Patético no momento e, mais ainda, depois. Ninguém corroborou as suas palavras testemunhais. Pior: negaram-nas. Negaram-nas mesmo antes do galo cantar. Parecia um remake do filme “quem quer tramar Roger Rabbit?” Aqui o título seria “quem quer tramar o dr Marta?”
Agora os jornais, sempre eles, contam que o dr Loureiro esteve até há muito pouco tempo como vogal da sociedade que de certo modo controla o banco. É assim? E se assim for, então como é que se explica a rotunda negativa do dr. Loureiro sobre o mesmo ponto?
Convenhamos. O dr. Loureiro interessa-me pouco, muito pouco. Como governante pareceu-me medíocre, como pessoa tem falta de graça e é tonitruante, com um vago toque de caspa no bigode e, definitivamente, veste-se como um parvenu (que, aliás, é.). Foi, porém, deputado, ministro, é Conselheiro de Estado. Provavelmente trará na lapela uma condecoração das boas, das honrosas, e tudo isso faz com ele me embarace. Que diabo sou português, vivo aqui e não gosto deste faduncho mal cantado e pior acompanhado.
O dr Loureiro pensa que o queremos cravejar de flechas. Porque é bonito, rico, alto e loiro. Ou porque é inteligente e bom conversador. Ou porque tem sorte e trabalha muito, tanto que ganhou uma fortuna. E que por isso estamos invejosos.
Está enganado. De inveja nicles, raspas de nada. E do resto, as leitoras julgarão. Conviria entretanto, parar e pensar. Olhar, parar e escutar, como se faz nas passagens de nível. Ou por outras palavras: só se deve ir à televisão se houver algo para dizer. Algo credível. Algo que se possa provar. Algo que não corra o risco de ser desmentido.
É por isso que ele tem a incómoda sensação que anda por aí alguém a querer zagunchá-lo. Não anda. é a imaginação dele a trabalhar. Que belo romance teríamos aqui se ao dr Loureiro, em vez de negócios, lhe desse para as belas letras.
O último Sebastião enganou-se. Vítima como se sente, faz mas é jus ao seu nome. Vejamos: dois ou três papas, mártires, uma vintena de outros do mesmo nome e igualmente mártires e o patrono de Marselha, também ele mártir. Com um carregamento destes, o dr Vítor Constâncio não precisa de se travestir. De resto, sebastiões, entre santos e beatos, só há oito enquanto os S. Vítor são, precisamente 42, sem contar com os Vitorinos que são, ao todo, quinze. Sem flechas mas mártires na maioria. como ele, claro...


o S Sebastião aí em cima é do Grão Vasco. E não passa de uma pintura. De uma grande pintura. Mas apenas de uma pintura.

As Más Escolhas da Assembleia

JSC, 24.11.08
A Assembleia da República vai levar a cabo um inquérito ao BPN, a coberto do qual muita gente irá à A.R. prestar declarações. Entretanto, prosseguem as investigações judiciais à situação do BPN, de que já resultou a prisão preventiva do ex- presidente do Banco

A Assembleia da República decidiu ouvir, proximamente, o Procurador-Geral da República sobre o BPN. Entretanto, o PGR prossegue com as investigações sobre o Banco na Procuradoria-Geral da República.

Estas notícias têm sido profusamente glosadas pela comunicação social. Em versões partidárias e de “analistas de política nacional”. As mesmas concorrem com as do processo Casa Pia - cujo fim agora se anuncia (como se isso fosse verdade) - mais que revisitado e requentado, mas que ainda vende audiências.

O resultado será um fim de ano bem animado e com grande visibilidade para a AR, mas não passará disso mesmo. Ou seja, para além do dinheiro gasto nesse inquérito, nada de nada acontecerá. A única consequência do inquérito é fazer passar para segundo plano, na agenda política, o que verdadeiramente interessa ao país. Enquanto o Parlamento e as TV.s se ocupam das quezílias (mente/não mente, disse/não disse) em redor do BPN, não se fala do destino dos recursos públicos alocados à banca; do preço dos combustíveis; das opções orçamentais para 2009, designadamente no que toca ao investimento público e às previstas parcerias público privadas.

Mas se os senhores deputados da Assembleia da República querem mesmo tratar de inquéritos sérios, porque não eleger aquele que é apontado como o maior problema do país, com impacto no desenvolvimento económico e na vida das pessoas e fazem um inquérito ao processo de aplicação da Justiça. Para tanto poderiam começar por estudar as causas que determinam o arrastamento dos processos. E até poderiam partir de casos concretos: Operação Furacão, Casa Pia ou descer a coisas mais comezinhas: simples casos de polícia ou de quezília entre particulares.

Mas no estado em que se encontra o país, o que interessa é o folclore político, a parte da festa que esconde a raiz dos problemas e quem mais beneficia dos problemas


Nota: Catalina Pestana acabou de dizer, na RTP, que fora do processo Casa Pia estão mais de 80% dos envolvidos e que esses ficaram de fora porque os casos em que estavam envolvidos já estavam prescritos.

Pág. 1/4