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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Um exemplo

O meu olhar, 22.11.08
Notícia no JN de hoje:

Escola da Póvoa de Varzim olhada como a "fura-greves"

ANA TORCADO MARQUES

Na Escola EB 2,3 de Beiriz, na Póvoa de Varzim, o processo de avaliação decorre com normalidade e dentro dos prazos.

Não há manifestações de professores, nem protestos de pais. Aos alunos, o caso quase passa ao lado. Mas aqui ser "diferente" dá direito ao olhar "reprovador" dos vizinhos e, por isso, a escola prefere agora o silêncio.

"Se uma consegue, por que é que as outras não conseguem?", questiona o presidente da Associação de Pais do Agrupamento Campo Aberto, que abrange oito escolas, do Pré-escolar ao 3.º Ciclo, num total de 1280 alunos.

Mário Ferreira não tem dúvidas de que o "segredo" assenta numa "óptima relação entre pais, Conselho Executivo e corpo docente". Cooperação, diálogo e trabalho, "sempre a pensar nos alunos", são palavras de ordem. "Trabalhámos juntos na procura de soluções que tornassem o processo mais funcional", afirma.

A escola, lembra Mário Ferreira, é "reconhecida": tem uma "orgulhosa" taxa de abandono escolar de 0,1% e uma "baixíssima" taxa de insucesso, assentes, em grande medida, na diversidade de oferta educativa e em vários programas destinados, em cada nível de ensino, a "adaptar" a escola às necessidades de cada um. Os exemplos servem para explicar que é a trabalhar "muito", "em silêncio" e "nos órgãos próprios" que a escola responde aos problemas. A avaliação de professores não foi excepção. "Os conselhos executivos têm de encontrar formas de tornar o processo menos burocrático. Às vezes, não se procura encontrar uma solução", diz Mário Ferreira.

O presidente da Associação de Pais admite que o modelo "tem coisas que podiam ser melhoradas", mas "meter a cabeça na areia não resolve". Com auto-avaliação de docentes há vários anos e avaliação externa, a definição de objectivos individuais já é prática corrente na escola e a observação das aulas não é problema.

A escola tem 115 professores, 24 dos quais titulares. Destes, dez são avaliadores. Contas feitas, haverá um máximo de nove "Excelente" e 23 "Muito Bom".

Beiriz até podia ser um exemplo a seguir, mas o facto é que o "diferente" trouxe a escola para a praça pública e, agora, são os "vizinhos" de outras escolas que a olham como a "fura-greve". Por isso, o Conselho Executivo da escola prefere o silêncio, como forma de "proteger" o seu corpo docente.

Au Bonheur des Dames, 150

d'oliveira, 21.11.08

Em verdade, em verdade vos digo...

Ai leitoras que soo aquestas avelaneiras frolidas vejo bailar, o mundo não para de me surpreender. A gente aqui, no blog, a dar ao remo, puxa que puxa, a ver se o mar dá peixe que se veja (ai ele hoje está tão de Buarcos!...) e as excelentíssimas autoridades civis, militares e religiosas a darem baldas do tamanho de uma casa.
Ora vejamos:
A “dama de ferro” da Educação Nacional (eu escrevi “educação nacional”) desceu do seu Olimpo de cartolina para angelicamente dizer diante das câmaras de televisão que havia no seu projecto aspectos complicativos, burocratizantes, injustos e/ou mal fundamentados.
Eu bem gostaria de vos dar mais umas citações da senhora Ministra mas só tenho à mão o “Público”, não estou com paciência para voltar a ouvir os noticiários televisivos (basta-me o da manhã para ficar agoniado todo o dia) porque houve palavras fortes contra um projecto que até há dias era irrecusável.
Dir-me-ão que arrepiar caminho quando se não tem razão é uma boa prática. É. Mas só é se nesse passo atrás se perceber um sinal de dialogo de esforço, de humildade. Ora esta celestial criatura caída no monstro horrível da educação, sabe-se lá porque mistério, não se apresentou nesse papel. Ninguém lhe pedia uma corda ao pescoço, que ela não é, oh quem dera, da craveira de Egas Moniz.
Nem ela nem nenhum dos seus pares governamentais, excepção feita ao cavalheiro que gere a Cultura. Esse, graças a Deus é um mero erro de telefonema: o Primeiro Ministro ia por um homónimo dele, com obra feita no capítulo da cultura e acertou neste brilhante advogado que durante anos se apresentou ao público sob as vestes de um fórum direito e liberdades, ou algo do género, que pelos vistos se reduzia a ele próprio. Se isto é sinal de um forte ego não discuto. Não chega é para a pasta da Cultura. Daí que a cada declaração do dr Pinto Ribeiro, este, se sucedam perplexidades incontáveis. Agora é a Cinemateca do Porto que se adivinha em três locais, com Serralves à mistura (porquê?) com a Casa das Artes (fechada há anos juntamente com a Delegação Regional de Cultura que foi atirada pelo violinista Santana Lopes para uma cave com serventia de retrete em Vila Real e onde prosperam uns pobres diabos – ou diabas – com cartão partidário do governo de turno) e Casa Manuel de Oliveira. Antes, já fora a acusação aos antecessores ministeriais de que não tinham usado as verbas ao seu dispor. Eu ainda não vi uma medida, uma, com sentido e alcance cultural, vinda deste homem admirável que provavelmente todos os dias se mira ao espelho e se pergunta se há alguém tão inteligente quanto ele.
Voltemos à inflexível ministra que ainda há dias, a segura distância de uma manifestação monstra, dizia que a maioria das escolas e dos profissionais estava com ela. Patético! E voltemos também aos seus apoiantes, se os há sinceros. Ou melhor, haver há. Há o dr. Pacheco Pereira, historiador interessante e amante de paradoxos. Convenhamos que o dr. Pacheco Pereira, conselheiro ao que se diz da drª Ferreira Leite, é um presente envenenado para a srª Ministra. Por várias razões a menor das quais é esta: o dr. Pacheco Pereira é um dos opinion makers do PSD. Está do outro lado da barricada, bem à direita como convém a um ex-stalinista (coisa em que aliás não está só: os neo-cons lusitanos não saíram das magras fileiras trotskistas como os confrades americanos mas dessa avalancha de gropúsculos m-l que se alimentavam de “Stalin está vivo nos nossos corações”, de um exacerbado amor a Mao e a Enver Hodja, e de muita leitura das Martas Harneckers que eles tomavam pela vera voz dos clássicos.
Deixemos este soturno espectáculo de circo pobre e passemos à notícia do dia. O Dr Oliveira e Costa está já a ser interrogado pelas competentes autoridades. Tardou mas foi. Acusam-no de burla agravada, branqueamento de capitais, fraude fiscal. A estas horas ignoro se já dorme num calabouço ou se foi para o conforto de uma das suas casas.
As leitoras (e os leitores) permitirão, todavia, que eu cite Brecht (perguntas de um operário leitor):
O jovem Alexandre conquistou a Índia.
Ele sozinho?
César bateu os Gálios.
Não teria consigo um cozinheiro ao menos?

Ou, em português básico: foi o dr. Costa sozinho que fez tudo aquilo de que é acusado? E que atirou um banco para o fundo? E que nos vai fazer pagar um balúrdio? Porque de uma coisa não há dúvidas. Somos nós, os paisanos, quem vai pagar a crise. A do banco, a do país e a que se importar.
Deixando o dr. Costa entregue ao primeiro cabo de esquadra que lhe deitar a mão, passemos a um tema delicado: o dr. Vítor Constâncio. Eu lamento muito não partilhar de uma ideia justa e generosa mas desajustada e desinformada. E que é a seguinte: andamos todos a bater no dr. Constâncio sem cuidar de acertar as contas com o criminoso. Andamos a criticar o polícia por incumprimento, ou insuficiente cumprimento deixando folgadas as costas que deveriam levar a competente carga de varapau.
Lamento muito mas isto não é bem assim. O criminoso estava apontado e era mera questão de tempo pô-lo a bom recato, se possível numa prisão vulgar para ele ver como é que é o povo. O que me parece imoral é que aquele a quem competiam os especiais deveres de polícia se tivesse mostrado tão lento, tão lerdo, tão fora deste mundo. Eu não quero escrever “A importância de se chamar Constâncio”. Já há uma peça teatral de assinalável mérito com um título semelhante. Porém, o dr. Constâncio não é um menino de coro. Não nasceu ontem. É um cavalheiro com uma idade próxima da minha. Foi ministro. Foi secretario geral do P.S. Foi deputado. Foi candidato (com o meu aval, pobre de mim, sempre tonto) a Primeiro Ministro e é Governador do Banco de Portugal. Provavelmente tem o peito constelado de comendas por altos serviços à Pátria e seguramente recebe um ordenado chorudo. Não vos parece que a um cavalheiro destes devam ser exigidas explicações, muitas? E em alta grita? E provavelmente devam ser-lhe ditas algumas verdades desagradáveis?
Então não vos parece desfaçatez vir agora dizer que o BdP não tem técnicos suficientes para controlar as empresas? Só agora é que o dr. Constâncio descobriu esse “gap”, essa deficiência, essa desastrada desorganização do BdP? E pode ele garantir-nos que não há mais bancos na corda bamba? Mesmo sem crime, apenas por manifesto erro de previsão, por exemplo. É que se fala de um Banco, um tal BPP, que ninguém quer comprar e que precisa de liquidez urgentemente. É assim? Então não houve quem lhe vigiasse as contas, os famosos ratios e restante parafernália e dissesse: alto e para o baile?
E querem vocês que uma pessoa vá para o fim de semana descansadinho da silva, enquanto a tv debita desgraças que infelizmente não são (cito de memória) o pé desmanchado da Luisinha Carneiro?

a ilustração é de Georg Grosz, um grande pintor e um grande ilustrador de tempos dificeis e admiráveis

Atraso no Aviso de Recepção

JSC, 20.11.08
O Caso BPN tem meses ou mesmo anos. Oliveira e Costa deixou a presidência do Banco há vários meses. Desde então, com muita insistência, se aludiram a casos e mais casos. Vários meses depois é anunciada a busca pela polícia. De que é que estiveram tanto tempo à espera. Provavelmente, ocorreu algum atraso na chegada do “Aviso de Recepção” à busca previamente anunciada.

Oleitor (im)penitente 41

d'oliveira, 20.11.08



Juizinho malta,
juizinho e tento na bola!


Declaração de interesses: sou um leitor avulso e pagante da “Colóquio Letras”. Desde o primeiro número ou quase. Nunca privei com nenhum director nem isso me foi necessário para gozar a magnifica revista.
Conheci a Drª Joana Varela em casa do meu amigo João Rodrigues mas, a falar verdade, não recordo nada e se a vir na rua não a reconhecerei. Ter-me-ei cruzado com ela nos lúgubres corredores da Secretaria de Estado da Cultura quando fui oficial desse ofício (na Delegação Regional do Norte, que um poder imbecil transferiu para Vila Real e um poder ainda mais totó lá manteve).
Sei da actividade de Joana Varela por lhe ler o nome na revista primeiro com especial colaboradora do Director David Mourão Ferreira e depois como directora.

Dito isto passemos ao que interessa: o pequeno círculo de leitores entusiastas da Colóquio entrou em parafuso: ao que parece Joana Varela é actualmente alvo de um processo disciplinar presumindo-se que, como vem sendo (mau e triste) hábito seja afastada da direcção da revista porque isto de processos disciplinares (mesmo na veneranda Gulbenkian...) acaba as mais das vezes mal.
E acaba mal porque, mesmo quando o processo morre na praia, o processado fica numa situação difícil. Sobretudo nesse mundo “feutré” das gulbenkians et alia. Ora, ao que parece, os motivos contra Joana assentam em pouco ou quase nada. Não a acusam de ouvir vozes mas apenas de desprezar o público. O público que em carradas e carretas se precipitava para comprar a revista mas que perante o revoltante aspecto elitista da mesma fugia a sete pés e se punha a ler furiosamente a Lux e a Gente.
Ora a Gulbenkian, a quem devo umas bolsas simpáticas para uma inutilidade elitista que em seu tempo se chamou Curso Superior de Direito Comparado, quer ser popular, pipolar, bipolar e não sei que mais. A Gulbenkian parece estar a tentar redescobrir outros mundos que não os que fizeram a sua merecida fama. Vai daí resolveu mostrar à cidade e ao mundo que os seus novos colóquios irão ser os dos simples (e não me refiro ao Garcia da Horta, nada disso), a vulgata. Ou seja, a Gulbenkian nivela por baixo. E nesse nivelar revolucionário lá se vai a cabeça de Joana. Antes isso que um fogo purificador como sucedeu à outra, a da história, a que ouvia as vozes. Antes isso que a queima de livros que antecipou outras queimas mais sinistras.
Já disse que não conheço a Dr.ª Joana Varela de parte alguma. Não sou amigo dela, duvido que alguma vez o venha a ser, vivendo como vivo noutra cidade, mas tenho pela personagem a moderada simpatia que costumamos ter pelos editores dos jornais e revistas que nos vão acompanhando. E a duzia de belos volumes que aqui conservo desde 1996 e que são da responsabilidade directa dela obrigam-me a tomar posição numa guerra que só é minha por motivos de interesse público, cívico e cultural.
Tentei saber se atrás dos pecadilhos veniais, demasiado veniais, que se apontavam outros existiam, mais fortes e mais sérios. Da Gulbenkian apenas surde um espesso e inquietante silêncio e de gente que conheço de nome, de escrita ou pessoalmente e por quem tenho (pelo menos) consideração vou lendo uma forte solidariedade com Varela.
Vou dar o nome para um abaixo assinado que por aí corre mas, macaco velho e de rabo pelado, entendo que desta modesta mas honrada trincheira também se pode disparar uma salva de mero aviso. À Gulbenkian para que não perca a sua alma. A quem de direito para pensar bem no que deve e não deve fazer. Ao público para que este saiba o que se passa no mundillo cultural. aos meus amigos para, querendo, juntarem a sua limpa voz à minha. O que se faz.

As leitoras e leitores interessados podem consultar “joanavarela.blogspot.com” e saber mais do que se passa. E já agora saber se de facto ela insultou aquela extraordinária criatura que assola a Educação Nacional e dá por Marçal Grilo

Baixa Expectativa

JSC, 20.11.08
A política portuguesa está um espanto. O PS (e o Governo) anda em bolandas com as “corporações profissionais”. É a guerra aberta dos professores. É a guerrilha surda dos Juízes, agora reunidos em Congresso sindical. São as corporações militares, etc. Hoje, por estranho que pareça, apenas banqueiros e administradores da banca estão razoavelmente satisfeitos com a acção do governo.

O PSD agita-se com o “novo” pensamento de Manuela Ferreira Leite, que hoje já aparece qualificada como o “activo tóxico do PSD”. Passos Coelho, sem grande alarido, vai reunindo as tropas em almoços com muita gente e visitas cirúrgicas pelo país. Ou seja, enquanto Meneses fustiga a líder, Passos Coelho mina o terreno para recolher o descontentamento e preparar-se para ser a alternativa. (Será que Passos Coelho ainda mantém como prioridade a privatização da CGD?)

E os outros partidos da oposição, que é feito deles? Qual o seu plano? Bom, os demais partidos da oposição – CDS, BE, PCP – em conjunto, mais coisa, menos coisa, clamam pelo mesmo. Pouco os distingue na agenda política. Com mais palco ou menos palco, todos gritam contra ministros, pedem a presença na Assembleia da República ou nas Comissões deste e daquele, de quem quer que seja, desde que possa introduzir ruído no sistema.

Esta prática, nada gratuita e bastante ruidosa, revela o quanto esta oposição não acredita na Justiça, razão para transformar o Parlamento numa Sala de Audição Pública, cujo resultado não vale pelo que “os intimados a depor” dizem, mas pelas perguntas que os “inquiridores, de olhos nos olhos, fazem (para se ver na TV).

Entretanto, o Governo lá vai levando a água ao seu moinho. O elefante branco chamado TGV vai palmilhando e absorvendo recursos. O megalómano aeroporto satisfaz a banca e imobiliárias. As novas auto-estradas e outras obras públicas de grande dimensão vão ajudar a agravar as contas públicas, sem grande retorno. Ajoelhemo-nos ao regresso da política do betão.

Que mais podemos esperar? A expectativa não é grande!

Au Bonheur des Dames 149

d'oliveira, 18.11.08

Os trabalhos e os dias

Ora aqui está um título do melhor que há. Um título baril, diria o Aranha, um título fiúza retorquiria o Joca Tripé, outro que a maligna levou. Mas foi de papo cheio, voltaria o Aranha, invejoso duma figa. O “Tripé” era assim chamado não porque usasse bengala, longe disso, era perfeito, ou quase que o nome apanhou-o no colégio (num dos muitos colégios que de má vontade me albergaram e que asinha, asinha, me deram carta de prego) onde se tornou notada uma característica física que deixava assombrados os colegas. Anos mais tarde emparceirava com o Beto “Tubo” e com um o Chip, outro revolucionário angolano que também já passou para o outro lado. Não lhe digo o nome porque isto aqui funciona assim: alcunhas e diminutivos que não estou a escrever para a Lux ou para outra cor de rosice qualquer.
Antes estivesse que era sinal que enchia a bolsa que aquilo parece que paga bem. A “jet” local compra e a gentinha adora (e compra também): parece que saber da vida das notabilidades televisivas e adjacências dá um prazer incomensurável.
Bem, voltando à vaca fria, isto é ao título, cumpre esclarecer quem de direito que foi usurpado a um cavalheiro grego já falecido (isto hoje parece um cemitério!) chamado Hesíodo. Por acaso, um homem de bom senso que deixou textos sensatos e conselhos óptimos:
convida para a tua festa quem te ama(...)
e (...) sobretudo quem mora perto de ti.
Se te acontecer alguma coisa na tua terra,
Os vizinhos acodem sem apertar o cinto, os parentes têm de o fazer. ...
(R
ecorri à grande senhora que se chama Maria Helena da Rocha Pereira, uma estudiosa de grande gabarito que fez o possível por vulgarizar os clássicos. A tradução é obviamente dela)
Mas, retornando ao texto, eu apenas pretendia contar esta última semana de insanas tarefas bibliotecárias. Acho que já contei que, num gesto generoso e moscovita, a CG cedeu-me uma belíssima sala onde montara o seu estaminé. Achou que a antiga sala de estudo da Ana era mais que suficiente para servir de escritório para ela (e, hipótese do Manel Simas, nosso companheiro bloguista: mais quentinha porque virada a poente...) e entregou-me espaço para pelo menos oitenta de estantes! Um regabofe!
Corri rápido, à IKEA por estantes e toca de as montar. Bom, isto de montar estantes da Ikea não tem muito que se lhe diga valha a verdade. Eles vendem lá coisas bem mais difíceis, por exemplo uma cama enorme que me fez praguejar como um carroceiro além de me ter pelo menos criado um par de hérnias que aquilo pesava que se fartava.
Uma vez montadas as estantes, começaram os verdadeiros trabalhos. É que uma nova zona para livros não exige apenas a trasfega deles, e Deus sabe quão pesados são (sobretudo se caem num pé mimoso e desprevenido), quanto pó trazem, para já não falar do embevecimento do reencontro com volumes que já não tocava há anos. Ora deixa cá ver: e era mais um quarto de hora a ler uma que outra passagem, a recordar essa imensa alegria da primeira leitura, algumas conversas que ela suscitara (e vieram à fala os fantasmas amáveis do Feijó, do Namorado, do Delgado e de tantos outros que me ajudaram e me fizeram ser o leitor ( e não só) que hoje sou.
Uma sala inteira para encher de livros permite reorganizar a nossa biblioteca, e isso significa mudar também as outras, reorganizar tudo ou quase. E foi assim que pela primeira vez se juntaram todos os livros de cinema, de música, de arte (excepto catálogos que continuam a ocupar a zona da lareira) os de tema africano (oito metros finalmente juntos), boa parte das revistas de cariz literário, os surrealistas e anexos (dois metros e meio!) os volumes de crónicas, os livros de viagens, os guias das cidades favoritas (mas não consegui tirar Paris do escritório nº 1 porque além de serem muitos são “especiais” (eu se pudesse vivia boa parte do ano lá, aliás ainda não desisti, é só ganhar um euro-milhões e, ala que se faz tarde, directo à Rue Medicis em frente do Luxemburgo (há-de haver um apartamento para alugar, que diabo) para poder ficar bem próximo das casas de Athos e d’Artagnan, das livrarias favoritas, de algum passado meu e de boa parte dos meus mitos.) e finalmente um punhado de livros curiosos, divertidos ou brejeiros: “La belle captive” de Magritte e Robbe-Grillet, o “Catalogue des objects introuvables” de Carelman ou a “Semioologie du parapluie” de Noguez. E a “Arte de ponerse la corbata” de Mr. Émile, Baron de l’Empesè, um fac-simil de uma edição de 1832.
Quando se monta mais uma sala de livros há que ter em linha de conta que convém haver uma mesa, uma cadeira e já agora um sofá cómodo para se ler. Toca pois de comprar um sofá (já agora sofá cama, para o que der e vier e sobretudo para os amigos que quiserem dormir entre livros) que a gata Kiki de Montparnasse imediatamente estreou e adoptou. Pela manhã enquanto o sol entra pela janela, ei-la que se estica nas costas do sofá.
Tudo isto durou dias, pesou toneladas, provocou montes de pó, e ainda não acabou. Falta pendurar os estores para o que já ando a fazer o cerco à CG pelo menos para ajudar senão a coisa sai mal. E torta, que eu conheço-me, olá se me conheço.
Em suma, ando como um cuco, é o que é. A minha primeira mulher dizia que o pai gostava de brincar às bibliotecas, tira daqui, põe ali, sobe este livro, muda aquela estante, enfim, o habitual. Pois eu também: sobretudo se isso me faz, como me fez reler muitas páginas ao acaso, como por exemplo algumas da “Hélade, antologia de cultura grega” que já referi.

(neste afã de encontrar livros descubro agora El guarda ropa del perfecto caballero, uma oportuna e amável oferta do Francisco Bélard em Março de 92! Há dezasseis anos, obrigadinho Chico, vou reler umas páginas e as leitoras que se amanhem. )


A SOLUÇÃO

JSC, 18.11.08
O mundo atravessa um momento complicado. O descontrolo do sistema bancário gerou uma crise de proporções ainda desconhecidas. Os gestores e consultores liberais e neoliberais das reengenharias foram pagos e bem pagos para sacarem abundantemente (para eles e para os accionistas), não cuidando das consequências. O povo era convidado a endividar-se e a endividar-se, sem que governo ou entidades, bem pagas para serem os reguladores, interviessem.

Com excepção da crise financeira, que assola Estados e famílias, não se ouvem grandes notícias de instabilidade social na maioria dos países europeus ou mesmo americanos.

Portugal é a excepção. Vejamos: no futebol é a vergonha das vergonhas, Enquanto uma minoria enriquece e faz manchete em capas de revistas e figura de vip em exposições e visitas ministeriais, os trabalhadores da bola, de muitos clubes, não recebem os seus vencimentos. Ano após ano o problema agrava-se. Os governos mudam mas os dirigentes desportivos ficam para manter o sistema. É estranho que ninguém ouse por ordem nesta balbúrdia que afecta muitos e que dá uma péssima imagem do país.

Se deixarmos o futebol e passarmos para Justiça, o caos não é menor, de uma outra natureza, mas não deixa de ser caótica (ou nem isso). Processos que se arrastam a perderem de vista. Investigações que não produzem prova reconhecida pelos Tribunais. Custos imensos para o Estado, para as empresas, para as pessoas. Decisões destemperadas e fora de tempo. Contradições ou lutas difusas entre investigadores e decisores. Freeport (que até faz perder a paciência à família real britânica). Apitos. Casa Pia. Portuscale. Operação Furacão, que leva mais de quatro anos, milhares e milhares de horas, recursos imensos afectos a investigar bancos – BCP, BES, BPN, Finibanco – e muitas empresas. Agora dizem-nos que se vai perder todo o trabalho realizado, porque o Tribunal decidiu levantar o segredo de justiça, o que leva o Diário de Notícias, a concluir que o Ministério Público sofreu mais uma derrota. O DN está errado porque a derrota não é do Ministério Público, a derrota é para a Justiça, para o país, para todos nós.

Na Educação, a algazarra que por aí não vai. Outro sistema caro, ineficiente, a caminho da ingovernabilidade. Até podemos deixar de lado o descontentamento que se diz alastrar no meio dos militares e das polícias. A saúde é outro sector em ebulição.

Enfim, Portugal vive dias bem complicados, até parece que a crise financeira nem é o mais relevante, tantos são os problemas e a falta de soluções à vista. É neste quadro de fundo que aparece a inovadora da ideia da líder do PSD: suspender a democracia por seis meses, até por tudo em ordem.

Como se vê, esperam-nos dias auspiciosos.

A VOZ DO PODER

JSC, 17.11.08
Ouvi uma parte da conversa, na RTP1, do comentador António Vitorino com a jornalista Judite de Sousa.

Professores, Educação, Crise, G20, Governador do Banco de Portugal. Palavras, muitas palavras para nada dizer. Expedita a forma como desculpou o Governador, que não podia saber, porque as burlas são assim, não se anunciam, que ficamos a saber que o Banco de Portugal até tem poucos recursos afectos à regulação e que tudo isto deve ser encarado como normal e até já há uma queixa contra incertos...

Não sei porquê mas toda aquela conversa fez-me lembrar ter lido algures uma citação de Pascal, que procurei e partilho:

Não convém que (o povo) sinta a verdade da usurpação: introduzida outrora sem razão, tornou-se razoável; convém que seja encarada como autêntica e eterna, ocultando-se-lhe a origem, se não quisermos que ela termine a curto prazo”.

Educação

O meu olhar, 16.11.08

Acabei de ver um site a convocar os alunos para a 1ª greve nacional dos alunos contra o novo regime de faltas. Tem apenas uma página onde informa qual o dia proposto para a greve, tem um pedido para se passar a mensagem e acaba com “Ministra para a rua a Luta continua”. Apenas isto. Nada de informação, nada de fundamentação. Nada.

Tem apenas mais uma particularidade: possui um contador de visitas que, cada vez que se clica, avança consideravelmente a numeração. Sempre.

Eu acho que deveríamos estar todos preocupados com o que se está a passar. O decreto que aprova o novo regime de faltas dos alunos saiu há um ano. Nessa altura foi muito criticado pelo facilitismo que possibilitava. Dizia-se até que os alunos deixavam de reprovar por faltas.

Informei-me e verifiquei que não era bem assim. Pelo que percebi, o novo regime, se penaliza alguém, é ao professor que tem mais trabalho. De resto, todo ele é favorável ao aluno. Assim sendo, o porquê de todas estas manifestações e agora deste apelo à greve? Os alunos estão a receber emails e msg em força a divulgar esse apelo.

Não sei o que está por detrás de tudo isto, quais são os elementos desencadeadores. Sei apenas que é grave e que nos deveria estar a preocupar. Numa altura em que deveríamos estar centrados em trabalhar o melhor possível, em que deveríamos investir fortemente na qualidade da educação deste país, por estar mais que provado que é um dos seus elos mais fracos, eis que tudo se conjuga para a instabilidade total no ensino.