Uma maçada!....
“
Isto de missas é uma maçada!”, costumava dizer o senhor duque de Orleans em privado. “
Mas também se despacha em três tempos e depois pode-se almoçar tranquilamente.
E as missas são boas para o povo".E Sua Excelência acrescentava, para consumo de amigos ou sócios políticos e financeiros, que bastava convidar o padre celebrante para ter a certeza que os seus mal contidos bocejos eram perdoados. E esquecidos. E aplaudidos!
Ora, desculparão as leitoras, foi esta a impressão que me ficou do congresso socialista. Uma maçada! Eu ia a dizer que o magno evento tinha marcado o fim de semana mas nem disso sou capaz. O empate consentido pelo
Futebol Clube do Porto no seu próprio estádio deu azo a mais comentários e desatou mais paixões do que a morna reunião de Espinho.
Está visto que as praias, mesmo com casino, só valem a pena no Verão.
Então vejamos o que se retira daquelas longas horas de discursata desatada. Pouco ou nada. Nem sequer a derrota anunciada do pequeno grupo de opositores internos, “esmagados” segundo um jornal de referência, dá lugar a comentários. De resto, os “vencedores” também não se mostraram entusiasmados. Aquilo, eram favas contadas desde há meses e a verdadeira guerra é outra: há que provar ao país eleitoral que ainda vale a pena apostar em José Sócrates e na bondade das suas extraordinárias capacidades políticas.
Aqui um aparte: dizem-me que Sócrates tem o hábito (que me escuso de comentar...) de entrar ao som de uma balivérnia chamada “Gladiator”. Independentemente do escasso valor musical da peça em questão, conviria lembrar aos adeptos desta música triunfal o triste destino dos gladiadores romanos, mesmo descontando a aventura trágica de Espártaco. Como, provavelmente (não) saberão os gladiadores eram carne para arena e mesmo os mais felizes acabavam normalmente por encontrar um fim pouco feliz para a sua breve e duvidosamente gloriosa carreira. A menos que a escolha da música seja também ela obra dos fautores da campanha negra...
Omitindo a habitual série de pequenos discursos permitidos à plebe partidária, e fazendo tábua rasa das proclamações da excelência do Governo, o que fica?
Pois nada, ou quase. A rara substância de meia dúzia de intervenções foi olimpicamente ignorada pelo público escasso que não estava para essa maçada de questionar o “admirável mundo novo”, não de
Huxley mas tão só de Sócrates.
O grande acontecimento, o frisson do congresso foi durante umas horas a espera por Godot, perdão, por
Alegre. Havia apostas, conciliábulos, segredinhos, sussurros, vem não vem, porque sim, porque não... Mas nem essa pequena aura de voluptuoso mistério durou: um seco aviso advertia que Alegre comunicara a sua indisponibilidade ao dr.
Almeida Santos, esse fantasma recorrente e gasto que é usado nestas alturas como forma de lembrar um passado de que ele foi uma das figuras menores. Mas figura, quand-même, sobretudo agora onde entre figurinhas e figurões não se alcança uma personagem marcante, interessante e...socialista.
O resto foi o discurso do amado líder, também ele um resumo de anteriores discursos, mesmo se eivado de santa impaciência e brandos queixumes perante os ataques de que se sente vítima e que ele atribui a uma central infame orquestradora da campanha negra.
Depois uma enxurrada de repolhudas personalidades, deputados, ministros, ex-ministros & similares repegou o tema da campanha maldosa e da impoluta virtude do excelso secretario geral, vítima de maldizentes que se acoitam no jornal “Público” e na TVI. É curioso mas, ao que sei, houve mais meios de comunicação social que desancaram o primeiro ministro por causa do “fripór”, do inglês técnico, dos projectos camarários, do apartamento comprado a preços de saldo e por aí fora. Esses deverão fazer parte de uma próxima denúncia, porventura a campanha amarela, verde ou quiçá vermelha (esta com sede nos “parasitas” do Bloco e no Partido Comunista).
É penoso ver (ouvir) alguns patéticos defensores a debitar tais banalidades. E espera-se que sejam só isso, banalidades, e não ameaças veladas a um vulgar direito reconhecido em todo o mundo dito democrático.
Arons de Carvalho veio juntar-se, aliás, à lista dos malhadores (ou caceteiros de serviço). A personagem é medíocre e provou-o à saciedade quando exerceu funções governativas. Agora, porém, tentou mostrar-se forte e foi como se a montanha parisse o habitual rato. Vê-se que nasceu e cresceu num ambiente de censura e que, pese a todas as posteriores andanças, ainda não percebeu que a censura é má mesmo quando somos nós que a tentamos exercer e que a liberdade é sempre boa mesmo se somos nós quem paga algumas favas. Arons com o seu ar murcho de irmão leigo numa reunião de adventistas dissidentes disse alto o que outros mais precavidos ou mais inteligentes pensavam baixo.
No meio do Congresso terá havido um apagão. Faltou a luz, para sermos mais claros. Foi só isso. Mais grave mas menos notada pelos congressistas foi a falta de ideias, de políticas novas, de socialismo democrático e de humildade. Mas tudo isso é supérfluo quando se tem um Sócrates ao leme. O mau é se lhe aparece um Adamastor. Não creio que nessa eventualidade seja capaz de citar e viver o famoso poema de
Fernando Pessoa:
aqui ao leme sou mais do que eu: sou um povo que quer o mar que é teu... etc.. Mas provavelmente também não o leu. Ou leu dele uma fotocópia em português técnico, o que vem a dar no mesmo, infelizmente.