Estes dias que passam 153
Eles andam por aí.
De vez em quando, aliás, demasiadas vezes, há um professor agredido por alunos. Que se saiba, o Ministério da “Educação” (Nacional) não se comove muito. Nem pouco. Vá lá, dizem umas palavrinhas a abater se, para tanto, houver um repórter à mão. E é tudo. Os processo lá segue o seu curso, o professor(a) fica com as chapadas na tromba e a vergonha e o aluno(a) agressor(a) é transferido para outra escola onde, espera-se irá continuar a sua meritória carreira de agressor.
Dir-se-ia que, sendo docente, é previsível apanhar um par de bolachadas de quando em quando. Uma espécie de riscos do ofício como a silicose dos mineiros mas menos grave, claro. Não se conhece, da parte das luminárias a quem está entregue o processo de analfabetização acelerada em curso (PRAEC) protesto ou medidas que sejam úteis e previnam estas touradas.
Nunca das ministeriais alturas alguém se lembrou de enviar uma brigada de inspectores da tal Inspecção do tal Ministério. Ou um apenas. Nada, raspas de nada!
Parece que os tais inspectores servem para outras coisas. Por exemplo: para interrogar os rapazes e raparigas que frequentam estabelecimentos onde a augusta Ministra, ou os briosos Secretários de Estado foram recebidos a tomate e/ou ovos.
Convém, porém, anotar que o chefe de brigada, agente ou inspector não vai interrogar as criaturinhas eventualmente identificadas pela polícia normal (a PSP, para a distinguirmos da ministerial) como autores do ominoso e sacrílego acto de apupar e alvejar as venerandas criaturas governamentais. Não! Vai interrogar à sorte, digamos, qualquer mancebo ou manceba que tenha mais de quinze anos, esteja ou não indiciado pela prática de actos terroristas.
E que pregunta o solícito inspector (ou inspectora, tanto faz, que nestas matérias de polícia o sexo não conta…)? Pois pregunta à juventude apanhada na rede se os estúrdios colegas da tomatada agiram por conta própria ou foram para isso arregimentados pelos professores. E mais coisas sempre dentro deste mesmo campo.
Estão Vocês, leitorinhas amáveis, a ver o investigador e defensor do Estado a a perguntar, como quem não quer a coisa, “então não foi o professor A que vos propôs uma mudança de alvo? Em vez de ser ele a comer a comida de urso não terá sugerido “arreiem na Ministra que ela tem bom corpo?”…
Parece até que este professor A (ou B ou C ou W…) é daqueles que desacatam pelas ruas, que sindicalizam, que protestam, que são rancorosos, que não vêem o milagre das rosas ministeriais, que ofendem os poderes constituídos e a constituir, que, numa palavra, cheiram a bolchevismo a léguas de distância.
Uma leitora daí pregunta, impertinente, que cheiro é esse a bolchevismo. Pois, leitorinha curiosa, o cheiro a bolchevismo é mais um sentimento do que uma impressão sensorial. É uma coisa que ocorre quando se ouve alguém (o bolchevique, claro) a protestar contra as reuniões, as anotações, as avaliações, a falta de material escolar, a mediocridade do Magalhães (supõe-se que este magalhão é referente a um cavalheiro que deputa ou governa, ou governou ou governará e não o do século XVI, coitado, que se ofereceu aos castelhanos, gand’a traidor, felizmente foi morto por uns selvagens lá para os mares do Oriente, bem feito, bem feito, muito bem feito!), o computador que fala um português castiço e cheio de erros gramaticais.
É nesses momentos infamantes, em que um cavalheiro que se diz professor e bolsa injúrias tremendas contra os sábios e bondosos governantes que Deus nos deu, que se começa a sentir no ar um cheiro sulfuroso, misto de traque de feijoada à transmontana e de pecado mortal feio e desagradável. Aí está: temos bolchevique na costa! A ele, e depressa! A ver se algum aluno o identifica como fornecedor de ovos, uma espécie de galinha pedrês sigilosa e conspirativa que já põe os ovos podres e mal cheirosos. Ou o ofertante de tomates, grandes, vermelhos e passados, bons para se esborracharem, se a mão que os lança for justiceira e certeira, nos fácies de Lombroso dos manda-chuvas.
É nisto que se entretém a tal Inspecção da tal Educação. A coisa foi tão óbvia, tão sem rebuço, que até os pais das criaturas interrogadas fizeram queixa. Queixa contra, e cito, uma nova espécie de pide escolar que tenta, com a sua consabida esperteza saloia, apanhar não dois garotos (que provavelmente a PSP identificou ou conhece), mas os “mandantes”, a célula subversiva e revolucionária, os inimigos da pátria e da senhora Ministra.
É para o que estamos!
Tenham um bom Primeiro de Maio, esse dia fatal em que uns supostos trabalhadores desfilam contra um inocente patronato e um não menos inocente e desinteressado governo que só quer o nosso bem. Como a polícia do antigamente: só nos queriam livrar do mal, evitar-nos as tentações e, em casos muito raros, admoestar-nos severa mas docemente para não prejudicarmos as nossas vidas, as nossas carreiras e as nossas famílias…
*a gravura não tem nada a ver com a tal inspecção (também seria demais!...) mas serve para lembrar que as ditaduras nem sempre se impõem com sangue. Basta a normal aceitação e "compreensão" dos cidadãos... Insensivelmente a brandura dos costumes torna-se numa "dita branda" e acaba numa dita dura. E depois basta juntar as duas palavrinhas...