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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Estes dias que passam 153

d'oliveira, 30.04.09

 

Eles andam por aí.

 

De vez em quando, aliás, demasiadas vezes, há um professor agredido por alunos. Que se saiba, o Ministério da “Educação” (Nacional) não se comove muito. Nem pouco. Vá lá, dizem umas palavrinhas a abater se, para tanto, houver um repórter à mão. E é tudo. Os processo lá segue o seu curso, o professor(a) fica com as chapadas na tromba e a vergonha e o aluno(a) agressor(a) é transferido para outra escola onde, espera-se irá continuar a sua meritória carreira de agressor.

Dir-se-ia que, sendo docente, é previsível apanhar um par de bolachadas de quando em quando. Uma espécie de riscos do ofício como a silicose dos mineiros mas menos grave, claro. Não se conhece, da parte das luminárias a quem está entregue o processo de analfabetização acelerada em curso (PRAEC) protesto ou medidas que sejam úteis e previnam estas touradas.

Nunca das ministeriais alturas alguém se lembrou de enviar uma brigada de inspectores da tal Inspecção do tal Ministério. Ou um apenas. Nada, raspas de nada!

Parece que os tais inspectores servem para outras coisas. Por exemplo: para interrogar os rapazes e raparigas que frequentam estabelecimentos onde a augusta Ministra, ou os briosos Secretários de Estado foram recebidos a tomate e/ou ovos.

Convém, porém, anotar que o chefe de brigada, agente ou inspector não vai interrogar as criaturinhas eventualmente identificadas pela polícia normal (a PSP, para a distinguirmos da ministerial) como autores do ominoso e sacrílego acto de apupar e alvejar as venerandas criaturas governamentais. Não! Vai interrogar à sorte, digamos, qualquer mancebo ou manceba que tenha mais de quinze anos, esteja ou não indiciado pela prática de actos terroristas.

E que pregunta o solícito inspector (ou inspectora, tanto faz, que nestas matérias de polícia o sexo não conta…)? Pois pregunta à juventude apanhada na rede se os estúrdios colegas da tomatada agiram por conta própria ou foram para isso arregimentados pelos professores. E mais coisas sempre dentro deste mesmo campo.

Estão Vocês, leitorinhas amáveis, a ver o investigador e defensor do Estado a a perguntar, como quem não quer a coisa, “então não foi o professor A que vos propôs uma mudança de alvo? Em vez de ser ele a comer a comida de urso não terá sugerido “arreiem na Ministra que ela tem bom corpo?”…

Parece até que este professor A (ou B ou C ou W…) é daqueles que desacatam pelas ruas, que sindicalizam, que protestam, que são rancorosos, que não vêem o milagre das rosas ministeriais, que ofendem os poderes constituídos e a constituir, que, numa palavra, cheiram a bolchevismo a léguas de distância.

Uma leitora daí pregunta, impertinente, que cheiro é esse a bolchevismo. Pois, leitorinha curiosa, o cheiro a bolchevismo é mais um sentimento do que uma impressão sensorial. É uma coisa que ocorre quando se ouve alguém (o bolchevique, claro) a protestar contra as reuniões, as anotações, as avaliações, a falta de material escolar, a mediocridade do Magalhães (supõe-se que este magalhão é referente a um cavalheiro que deputa ou governa, ou governou ou governará e não o do século XVI, coitado, que se ofereceu aos castelhanos, gand’a traidor, felizmente foi morto por uns selvagens lá para os mares do Oriente, bem feito, bem feito, muito bem feito!), o computador que fala um português castiço e cheio de erros gramaticais.

É nesses momentos infamantes, em que um cavalheiro que se diz professor e bolsa injúrias tremendas contra os sábios e bondosos governantes que Deus nos deu, que se começa a sentir no ar um cheiro sulfuroso, misto de traque de feijoada à transmontana e de pecado mortal feio e desagradável. Aí está: temos bolchevique na costa! A ele, e depressa! A ver se algum aluno o identifica como fornecedor de ovos, uma espécie de galinha pedrês sigilosa e conspirativa que já põe os ovos podres e mal cheirosos. Ou o ofertante de tomates, grandes, vermelhos e passados, bons para se esborracharem, se a mão que os lança for justiceira e certeira, nos fácies de Lombroso dos manda-chuvas.

É nisto que se entretém a tal Inspecção da tal Educação. A coisa foi tão óbvia, tão sem rebuço, que até os pais das criaturas interrogadas fizeram queixa. Queixa contra, e cito, uma nova espécie de pide escolar que tenta, com a sua consabida esperteza saloia, apanhar não dois garotos (que provavelmente a PSP identificou ou conhece), mas os “mandantes”, a célula subversiva e revolucionária, os inimigos da pátria e da senhora Ministra.

É para o que estamos!

Tenham um bom Primeiro de Maio, esse dia fatal em que uns supostos trabalhadores desfilam contra um inocente patronato e um não menos inocente e desinteressado governo que só quer o nosso bem. Como a polícia do antigamente: só nos queriam livrar do mal, evitar-nos as tentações e, em casos muito raros, admoestar-nos severa mas docemente para não prejudicarmos as nossas vidas, as nossas carreiras e as nossas famílias…

*a gravura não tem nada a ver com a tal inspecção (também seria demais!...) mas serve para lembrar que as ditaduras nem sempre se impõem com sangue. Basta a normal aceitação e "compreensão" dos cidadãos... Insensivelmente a brandura dos costumes torna-se numa "dita branda" e acaba numa dita dura. E depois basta juntar as duas palavrinhas...

Sempre há alguma coisa que os une

JSC, 30.04.09

Não é fácil encontrar pontos de contacto entre os partidos que ocupam assento na AR. Ainda há dias, provavelmente, influenciada pelo apelo do PR ao entendimento das forças políticas para ultrapassar a crise, Manuela Ferreira Leite deixou no ar a ideia que poderia coligar-se para um ou outro lado. Foi a confusão que se sabe. De tal sorte que ela própria teve de esclarecer que o que disse, não era o que queria dizer.

 

Se alguém pensava que não havia hipótese de unanimidade no Parlamento, desengane-se. O novo modelo de financiamento dos partidos gerou essa unanimidade. A partir de agora, face a este meritório exemplo, é de acreditar que os senhores deputados vão encontrar outros pontos de convergência, em nome da transparência, da democracia e do soberano interesse do país.

 

Hoje, os senhores deputados vão unir-se na aprovação da alteração à lei de financiamento dos partidos, que permitira duplicar o seu financiamento e, obviamente, incrementar os custos promocionais nas campanhas eleitorais em curso, a exemplo da já visível multiplicação de painéis e estandartes, por toda a parte, que degradam a paisagem urbana e nada acrescentam ao esclarecimento da população.

 

O Presidente da República, na última intervenção que fez na AR, deixou o apelo à moderação nas despesas eleitorais. Na semana imediata, a AR, por unanimidade, aprova a duplicação do financiamento dos partidos. Aguardemos pela promulgação da lei.

 

Grau zero na política

José Carlos Pereira, 29.04.09

Sabe-se que muitas vezes os políticos não conseguem disfarçar as suas antipatias e ódios pessoais e extremam os seus discursos até ao limite do disparate. Infelizmente, isso é comum entre nós, mesmo entre membros do mesmo partido político.

A notícia do JN de ontem dá conta de uma crítica de Guilherme Pinto, presidente da Câmara de Matosinhos, em plena sessão do executivo, na qual refutou críticas de adversários que "mostram ignorância e má-fé". Disse mesmo que "há políticos com alzheimer".

Não sei se Guilherme Pinto estava a pensar em Narciso Miranda, ex-presidente da Câmara e candidato à reeleição. Talvez estivesse. O que sei é que este tipo de discurso é suicida e conduz ao agravamento do descrédito com que os cidadãos comuns vêem aqueles que exercem funções públicas.

estes dias que passam 152

d'oliveira, 28.04.09


O meu amigo (velho amigo) João Vasconcelos Costa tem um site que convém ler amiúde. E deve ser lido não só porque o João tem humor, inteligência e rigor mas também, e é aqui que bate o ponto, porque se trata de um respeitadíssimo virologista, conhecido dentro e fora de Portugal.

Ora, anda por aí (ou vai andar) uma gripe que enquanto cá não chega já se cevou em cento e tal mexicanos. Mortos, mortos sem apelo nem agravo!

O João, que tem a mania de ser sério anda a explicar o que se passa. E passam-se muitas coisas; desde a falsa despreocupação de alguns altos responsáveis que confundem alarme com com receio ponderado e pruddente, até um iluminado que do seu pequeno poleiro, entendeu dizer que no Verão as gripes perdem força (e o João prova-lhe por a+b+c que isso é uma burrice e uma prova de ignorância), que já há vacina (e o João lá lhe vai retorquindo que isso é só verdade a nível –escasso – laboratorial…) e mais um par de tretas de que não vale a pena falar.

Em resumo: querem estar informados? Querem ler bom português? Gostam de comer bem?

Tudo isso e muito mais em jvcosta.planetaclix.pt

Leitura urgente para não dizer obrigatória. E prazenteira!

Às vezes é bom saber que em Portugal ainda há quem saiba.E quem saiba ensinar! É raro, mas vale a pena. 

Um Romance

O meu olhar, 28.04.09

                                                                

Não, não se trata dum romance entre um homem e uma mulher, mas sim entre uma mulher, mais propriamente eu, e uma empresa de telecomunicações, no caso a TMN. Este romance começou há mais de 3 meses. Numa bela manhã decidi acabar com o tarifário que tinha e passar para pós pago. Eu nunca liguei patavina a essa coisa dos tarifários, descuido que me custou um dinheirão até à referida mudança. Razão porque acumulei um confortável pé de meia de pontos TMN.
O romance começou na mudança de tarifário. Para a concretizar tive que fazer uma pesquisa no site, três chamadas a assistentes e fazer duas idas a uma loja. Quando finalmente mudei de tarifário pensei: também está na altura de mudar de telemóvel. Eu devo ser das poucas pessoas que tem telemóveis do tempo da república. Uma vergonha. Escolhi um modelo todo catita, cheio de funcionalidades (que não vou saber usar) e cliquei para concretizar a encomenda. Qual quê?! A minha conta de pontos tinha ficado a zero. Telefonema imediato para o apoio TMN. – Deveria ter pedido a transferência de pontos para a sua empresa porque a factura vai no nome desta. – Mas ninguém me disse nada - retorqui. O que devo fazer agora? – Envia um fax com a autorização da transferência de pontos. – E quanto fica efectivada? – Em 48 horas – respondeu-me a voz estereotipada.
Pareceu-me bem.
Só que passaram quase três meses. No entretanto reclamei por e-mail. Não o deveria ter feito. Passei a receber todos os dias, ou uma chamada de alguém que me dizia que o meu problema iria ser resolvido ou uma mensagem por e-mail, sempre com o mesmo texto mas assinado por pessoas diferentes a dizer que o meu problema… iria ser resolvido.
Farta deste filme dirigi-me a uma loja onde, depois da consulta demorada ao meu “processo” me informaram que, uma vez que se tratava duma empresa, o assunto tinha sido remetido a um gestor. Ok, disse eu, e quando será que o gestor me resolve esse “difícil” problema? – Não sei, tem que aguardar.
Aguardei.
Continuei a receber e-mails e telefonemas. Já me estava a habituar a este franco convívio com a TMN. Tinha até comentado o meu caso com outras pessoas. O resultado desses desabafos foi ter ficado a saber que não estava só na minha desgraça. Alguém até me desejou felicidades com um ar condoído e contou-me a sua triste odisseia com a TMN, bastante mais conturbada que a minha…
Isso levou-me a uma derradeira tentativa. Pensei: como furar-lhes o esquema? Se no site não ligam, se por mail é uma máquina que responde automaticamente, se por telemóvel nos dão sempre a mesma resposta e no final ainda perguntam se podem ser úteis em mais alguma coisa, então vou-lhes enviar uma carta por fax. E assim fiz. Aproveitei para desabafar na carta. Disse-lhes tudo o que me ia na alma. Claro que no final cortei quase tudo e deixei apenas o essencial. Acrescentei apenas uma simples pergunta quanto ao estado de saúde do dito gestor que deveria estar, na melhor das hipóteses, de quarentena…
Dois dias depois recebi dois telefonemas da TMN. O primeiro, logo pela manhã, a informar-me que o assunto seria resolvido nos próximos 12 dias. O segundo, passadas algumas horas, a informar-me que o assunto estava resolvido, a transferência de pontos tinha sido efectuada e a pedirem desculpa. – Tinha sido um erro do sistema! - informaram.
Veio-me à memória o presidente do Benfica( ou seria do Sporting ?) e o famoso sistema. Mas não, era o sistema informático…
E foi assim que fiquei a saber que na TMN o sistema informático tem uma carreira bem estruturada que pode, se não se enganar muitas vezes, levá-lo inclusivamente ao cargo de gestor…
 
Bom, mas se julgam que a história acaba aqui, estão muito enganados, tal como enganada estava eu. Quando fui ao site efectuar a troca de pontos para comprar o telemóvel fui informada, escolha a escolha, telemóvel a telemóvel, que nenhum estava incluído nas opções para empresa. Ou seja, tinha pontos mas não tinha a hipótese de os usar…
 
Entretanto, ontem, quando almoçava tranquilamente uma sopa de cação em Lisboa (coisa leve…) recebi um telefonema da TMN a informar-me que o meu problema seria resolvido nos próximos 12 dias…
 
Até já.

Diário Político 107

mcr, 26.04.09

“Má retórica, péssima mesmo”, dizia o Zé Albuquerque, em Trieste, nesse ano de 75, enquanto tómavamos uma granizatta numa esplanada carregada de raparigas. A Juliette, francesa bonita mas rancorosa, adivinhando os nossos olhares de lobos libidinosos, ia dizendo que “les filles italiennes se font femmes trés tot mais que trés tot vieillissent”.

"A franciú é parva ou faz-se?", perguntava o alburcas, primeiro exilado do Portugal a caminho do socialismo (era o que ele pensava), coisa abominável para ele que vivera como bolseiro dois anos na Austria e fora a Praga um bom par de vezes.

"É parva.", sosseguei-o. Não era. A pobre da francesa achava que o Zé era sapato para o seu pé, mas este, o Zé, não o pé, estava mais para as italianinhas em flor e para uma de política comigo.

"Tu voltas lá para baixo?", perguntou-me. Disse-lhe que sim, que voltava mesmo sabendo o que sabia.

"Ó pá mas aquela esquerdalhada é do piorio", revolvia-se o Zé. "Aqueles tipos aprenderam o marxismo no livro vermelho e na Marta Harnecker e não distinguem a mais valia do lucro…" O Zé lera os seus clássicos e estimava Marx sobre todos além de ter uma profunda repugnância por Lenin, “esse pequeño merceeiro da revolução” como dizia. 

E durante um par de horas em que passámos da granizatta para a cerveja e desta para um vinho fabuloso a acompanhar um peixe assado a que só a Francesa fez má cara, fomos discutindo as hipóteses do Portugal em PREC.

Confesso que foi nesse momento que percebi, de uma vez por todas, algo que me vinha incomodando desde o Outono anterior. A verborreia revolucionária escondia uma total incapacidade de perceber o país em que vivíamos e que não merecia aquela avalanche palavrosa de lugares comuns e langue de bois. Não havia na esquerda radical uma ideia, uma só!, que servisse de base a um governo de salvação nacional, a um governo que livrasse o pobre, desgraçado, país que era o nosso, da sina fatal que o atara ao carro de Salazar. O panorama não melhorava com o PC que via tudo com os óculos da revolução de 17, expurgada e revista pelos sucessivos Breznev, último pseudónimo de um Stalin suavizado pelos anos e pela necessidade. Os socialistas limitavam-se a um exercício defensivo. Sabiam-se fracos, mal implantados, não tinham sequer uma organização experiente e experimentada e (sobre)viviam divididos entre uma ala maximalista e o medo de parecerem demasiado burgueses. A Direita apoiava abertamente o golpismo, via hordas bolcheviques em todo o lado, e receava os excessos de Sá Carneiro.

Finalmente, toda a gente, ou quase, olhava para os militares com um misto de esperança e zanga (ao fim e ao cabo foram vocês que nos meteram nisto… pareciam dizer, num queixume). Resumindo, um país que vivera sob tutela e isolado não conseguia dar um passo na rua. Tudo lhe fazia medo, tudo era novo, terrível e estranho. As elites nacionais, até elas, ainda não tinham conseguido digerir o milagre dum golpe militar não sangrento.

Havia, aliás, quem suspirasse por algum sangue, por alguma violência, para apurar campos, para separar as águas para sair de um impasse que durou todo o inverno de 74 e ameaçava ocupar, como paraticamente ocupou, todo o ano de 75.

Recorria-se a toda a espécie de truques e mascaradas. Até se inventaram uns SUV (soldados unidos vencerão) uma espécie de papões, o bolchevismo nas casernas, como se os soldados do contingente geral, já livres de África e sem qualquer espécie de disciplina ou de treino militar, servissem para alguma coisa. Os próprios inventores dos SUV chegaram a acreditar na balela monstruosa que tinham inventado. Convenhamos que o “post-palco” revolucionário é, as mais das vezes, ridículo. No meio disto tudo, poder-se-ia pensar que a máquina do PC esperava pacientemente. É provável que, de certo modo, isso acontecesse. Todavia, a rua, a rua dominada pelos slogans exaltados e pelas massas desorganizadas, impôs aos comunistas (que também estavam ainda a fazer a difícil digestão da passagem de um partido clandestino de quadros para um partido com cem mil militantes)um alinhamento  que não era o deles nem os favorecia. O PC, não sendo um mero satélite da URSS, não era também um partido liberto das tradicionais e usuais vassalagens tácticas e estratégicas em uso no antigo Komintern e nos organismos que o substituiram. Aliás, desde o cisma sino-soviético, a influência de Moscovo acentuara-se. A “hipótese revolucionária” portuguesa não estava na ordem do dia. Isso era visível no estrangeiro, sobretudo nos editoriais do italiano “Unità” e do francês “L’Humanité”. Se aquilo não eram recados então não sei o que seriam.

É por estas, e por outras, que falar no 25 de Abril, mesmo a trinta e cinco anos de distância, tem muito que se lhe diga. É que não se pode falar apenas do dia, sequer da semana até ao 1º de Maio. O processo desencadeado não conheceu paragem significativa até 28 de Setembro, o primeiro sinal de que algo não estava a correr segundo uma agenda clara. E continuou nos meses seguintes até ao segundo sinal, o da abortada conspiração de Março. À distância de tantos anos não se percebe quer a inépcia da direita quer a incapacidade da esquerda. O país vivia de boatos, de medidas legislativas dramáticas e ineficazes, de fugas de capitais, de ameaças tremendas que, depois da Fonte Luminosa, começaram a ser postas em prática. Entretanto, o tempo da esquerda esgotara-se. Mesmo que esta só o tenha percebido em Novembro. Foi, porém, em Julho/Agosto de 75 que a esquerda perdeu o combate. Perdeu a rua e começou a ser alvo das bombas. Se a violência revolucionária não teve grande repercussão, a contra-violência  conseguiu por sua vez ocupar a rua. A rua que fora durante um ano só da esquerda. Da esquerda que se via acossada e a começar a ser derrotada. Mais por demérito próprio do que por mérito dos adversários. E porque, provavelmente, o país não estava disposto a a tornar-se uma democracia popular. E também porque o bloco de Leste já tinha suficientes problemas para ter de aguentar uma segunda Cuba ao lado da Espanha. As revoluções socialistas ficam muito caras… 

Era disto e da esbelteza das italianas que, nesse dia, em Trieste, falávamos. Com uma francesa zangada que nos ouvia sem perceber e que apenas queria um pouco de atenção do Zé Albuquerque. Que, por sua vez, apenas queria alugar um apartamento barato, conseguir um lugar de assistente na universidade enquanto “lá em baixo” uns compatriotas tiravam as castanhas do lume por ele.

Trinta e quatro anos depois, pergunto-me por onde andará o “alburcas”. Não vale a pena perguntar por onde andam os corifeus da revolução popular: deixaram-se disso há muito e agora é vê-los nos corredores do poder, menos despenteados, mais engravatados mas com a mesma eterna bazófia de quem, não conhecendo o país em que vive sabe, contudo, que com um bocado de sorte se pode safar. Basta não ter escrúpulos e, à falta de Marta Harnecker ou do “livro vermelho” do finado presidente Mao, recitar qualquer resumo para principiantes de um bom manual do liberalismo.   

Estes dias que passam 151

d'oliveira, 25.04.09

 

Rui em abril

 

 

Este é o primeiro ano em que o Rui Feijó me não telefonará mais daqui a um bocado para recordar a noite de 24 e a manhã de 25. De facto, a instancias de um jovem aspirante meu amigo e colega de escritório, eu arrolara o Rui e mais algumas pessoas para uma tarefa: transportar rapidamente para a fronteira os revolucionários no caso do golpe não ter sucesso. Devo dizer, porventura uma vez mais, que o Rui já com cinquenta anos não só não hesitou como até terá ficado desiludido por não poder ter uma intervenção mais forte nessa “incerta batalha” para a qual eu o convocava.

A história quis, felizmente, que o nosso esforço não tivesse sido necessário mas, para o Rui, as horas duvidosas da madrugada e da manhãzinha de 25 foram uma aventura que ele (que participara na rede Shell, que recebera e escondera foragidos políticos em sua casa, que pertencera a todas as comissões que a oposição segregou no seu seio para lutar contra o estado Novo, que provara vinte vezes uma modesta mas determinada coragem) nunca esqueceu.

Agora o telefone não tocará. Nunca mais tocará. Nunca mais o ouvirei dizer “apesar de tudo valeu a pena”. Restam-me a memória, as memórias da alegria, estes quarenta anos de convívio, de discussão, de troca de livros.

De certo modo, é sob a égide do Rui, e de vários outros, aliás, da mesma geração, que olho estes diam que passam, que os valorizo, que me indigno, que critico e que me sinto vivo. Que ironia sentir-me vivo, rodeado da morte de outros, da morte de ideais, da morte de uma certa forma republicana de governo, da melancólica apatia dos ideais socialistas que agora nem sequer se notam de tão puídos, na máscara rugosa de um punhado de ministros todos igualmente fungíveis, todos igualmente espertalhões, todos tristemente votados, e a história aí está para os marcar, ao anémico desaparecimento das primeiras páginas, da política e do resto.

I’m not in the mood, dirão. Talvez, todavia, apesar de tudo isso, apesar dos amigos que se foram, a pesar dos dias que se anunciam, continuo a dizer, como o Rui apesar de tudo valeu a pena.

25 de Abril, meia noite e doze. Um abraço, Rui. 

Sugestão de uma metodologia para a escolha do Provedor

JSC, 24.04.09

Andaram meses e meses sem encontrar alguém para substituir o exausto Provedor de Justiça. Finalmente, o PS indicou o seu candidato. É competente, mas não serve, apregoaram em uníssono os demais partidos. O PCP indicou o seu candidato. É altamente competente, reconheceram, mas não serve. Então, o PSD acabou por indicar o seu candidato. Não ouvi reacções, mas admito que também não serve pelas mesmíssimas razões que os anteriores não foram aceites. Claro que nesta história o BE não podia ficar sem candidato próprio e já anunciou o seu.

 

O meu contributo para a resolução do problema passa por sugerir que coloquem os cinco nomes (provavelmente o PP/CDS também irá indicar o seu candidato) num saco preto e, de seguida, pedir a uma criancinha que tire um a um. O primeiro nome a sair será o próximo Provedor; o segundo nome será o seu sucessor e assim sucessivamente. Com a aplicação desta metodologia resolve-se o problema da complexa nomeação de futuros provedores até meados dos anos 20, com a vantagem adicional de todos os partidos poderem anunciar o seu Provedor.

 

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