Gulag? Vou ali e já volto!
Uma rapariguinha, licenciada em qualquer coisa dessas com que agora se entretém a juventude desempregada, é a mais nova deputada do mais velho partido português. Velho em idade, velho em idade média dos militantes, velho, irremediavelmente velho, no conjunto de preceitos e ideias que constituem a sua espinha dorsal.
(Declaração de interesses: não é o marxismo que está aqui em causa mas o marxismo-leninismo, expressão transviada que faria Marx sair do túmulo aos tiros, contra a perversão e degenerescência do seu pensamento e da sua acção. Pior: o marxismo leninismo de que se veste o PC, é a tradução em calão português de uma coisa inventada na ex-URSS por aparatchiks fieis a Stalin, formalista, inerte e profundamente conservadora. Com o traço habitual da brutalidade boçal e do desprezo pela vida humana e pelos homens. A simples concepção de partido de quadros de vanguarda, militarizado e hierarquizado onde o sussurro (quando permitido) das massas nunca penetrava, mostra bem em que concepção eram tidos os cidadãos eventualmente votantes, sempre pagantes e pelo que se vê e viu sempre relutantes.)
Refiro para que não restem dúvidas uma jovem debutante de seu nome Rita, deputada do velho partido. A criaturinha de Gulag nada, népia, raspas de coisa nenhuma. Parece que o não tinha "estudado". Avivemos-lhe a memória (des)cansada e a mente, política e historicamente, virgem.
Gulag é o nome (uma sigla) do vastíssimo conjunto de campos de trabalho semeados por toda a União Soviética mas, normalmente, nos piores climas e nos mais distantes lugares. Povoaram-no milhões (ouviu Ritinha? Milhões!, muitos milhões... ) de presos alguns condenados comuns e muitos, eventualmente a maioria, condenados políticos. Mesmo que se admita que os condenados comuns devessem ir para prisões seguras, isto, o Gulag era muito mais: eram campos não de morte lenta (como o Tarrafal, que ela deve saber o que é) mas de morte rápida e impiedosa: de fome, de frio, de tiro puro e simples e de doença.
Este sistema tem raízes na antiga politica dos czares que também deportavam para a Sibéria os oponentes políticos e boa parte dos “direito comum”. Com uma diferença: o regime czarista era ao pé do seu sucessor de uma brandura angelical. Lenin e Stalin estiveram de resto deportados (Lenin até tirou o seu nome do rio que passava pelo seu local de exílio interno: Lena) mas foi amplificado até limites inimagináveis.
A Ritinha que, parece, tem umas quaisquer funções decorativo-partidárias no aparelho talvez não saiba, porque “não estudou” que isso, o ser personagem do aparelho era o suficiente para, num momento de (mau) humor ser transferida para esses inóspitos lugares com a classificação de “anti-partido”.
A Ritinha não sabe, e se não der à perninha nunca saberá, que aí por 39 (1939, Ritinha, o ano!) já tinham sido eliminados, depois de exemplares julgamentos, quase todos os membros dos variados comités centrais do PC da URSS que (desde o primeiro ainda na clandestinidade) se sucederam no tempo bem como muitíssimos milhares, dezenas de milhares, de membros de diferentes comités á escala local, provincial regional, nacional etc. Também não sabe que, a juntar a esse já apreciável número, haveria duas ou três centenas de milhar de militantes comunistas a apodrecer nas prisões, ou em trânsito para os campos, os do tal Gulag de que o seu jovem e virginal pavilhão auditivo nunca ouviu falar. Com esta gente, que já é multidão, seguiram para os mesmos sítios os kulaks (um par de milhões), algumas minorias étnicas, os contra-revolucionários trotskistas, social-revolucionários e aparentados. Uns milhares de oficiais do Exército Vermelho (dos que tinham feito a Revolução e a Guerra Civil), grande parte dos militantes enviados para Espanha no âmbito das Brigadas Revolucionárias e da ajuda soviética à República (dando-se até o caso, irónico, Ritinha, de serem chamados a Moscovo, condecorados e de seguida, Lubianka e pelotão de fuzilamento). E nesta leva iam também muitos comunistas estrangeiros o que, como ela eventualmente perceberá, se esforçar as delicadas meninges, poderia ser o seu próprio caso se tivesse nascido no princípio do século passado e, alanceada pelo amor à aventura revolucionária (ele que adorou che Guevara... um desviacionista!), fosse até Espanha ajudar os republicanos. A menos que... tivesse preferido engrossar as “chekas” dos Serviços de Informação russos e participado com eles na caça aos anarquistas e aos do POUM poupando assim a Franco a maçada de os ter que julgar (também expeditamente) e fuzilar.
Dirão os leitores que isto é, mais uma vez, uma minúcia, como a do deputado europeu que quer que Saramago se vá embora. Não é, respeitável público. Não é. Isto é um sinal dramático. Esta gente governa-nos. Faz as leis. Representa-nos no parlamento. Fala para os jornais porque não consegue estar calada a remoer a sua inultrapassável ignorância.
Ponhamos a questão desta maneira: será que “desconhecer” o Gulag é diferente de “desconhecer” “o detalhe” dos “Campos de Concentração e Extermínio” e dos fornos crematórios, nazis?
Responda quem souber!
d'Oliveira fecit (com ajuda de algumas ilustrações sobre o "Pai dos Povos" veramente chorado pelo partido indígena que ainda hoje o deve ter nalgum altar...