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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 131

mcr, 30.11.09

 Derrubar os minaretes...

Ninguém o previa, bem pelo contrário: os grandes partidos desde a esquerda aos conservadores, as organizações das confissões religiosas e um vasto leque de personalidades representativas da sociedade civil davam por certa a derrota da proposta.

Falo, evidentemente, do referendo suíço sobre a proibição dos minaretes. Quem quis pode assistir a declarações de todo o género de instâncias: culturais, politicas, económicas e sociais. Todos sem excepção preveniam os cidadãos da confederação do risco que uma medida tão emblemática poderia representar para a Suíça: queda de exportações; levantamento de depósitos nos bancos; acrescido risco para os investimentos suíços nos Estados muçulmanos; eventual nacionalização ou confisco de empresas suíças nesses mesmos (ou em alguns) países. Tudo isto sem falar no risco interno. Há várias centenas de milhares de emigrantes na suíça, muitos de confissão muçulmana e nada garante que entre eles não existam radicais ou simplesmente pessoas que entendam esta proibição como uma provocação infamante.

Todavia, convirá deixar de lado, sentimentos e indignações, queixumes sobre direitos humanos bem como a restante parafernália com que a boa consciência europeia se alimenta, e perguntar como é que 57% dos cidadãos suíços, mesmo avisados, mesmo condicionados pelas fidelidades partidárias, pelas organizações religiosas (que lá são importantes e respeitadas), resolvem assumir esta posição.

Não tenciono verter aqui quaisquer lágrimas, deslocadas, num ateu, pelos fiéis muçulmanos. Como nunca me impressionou demasiadamente o facto de as confissões cristãs, para nem referir a judaica, não terem direito de cidade na imensa maioria dos países muçulmanos. O Islão é exclusivista, sobretudo desde que, graças ao conflito israelo-palestiniano, se agudizaram as tenções no Médio Oriente. Isso, a guerra imbecil de Bush no Iraque, o despertar do chiismo iraniano, a ferocidade wahabita, as madrassas, a proliferação de movimentações radicais que atingem mesmo países tradicionalmente laicizados como a Indonésia ou a Turquia (que e dirigida por um partido islamista), tiveram como resultado um despertar ou um agudizar de manifestações xenófobo-religiosas de que a AlQaeda não é mais do que um epifenómeno.

Tenho como preocupação outras questões: como é que num pais altamente civilizado, cosmopolita, habituado á diversidade, com um passado de tolerância religiosa, conhecido e reconhecido, consegue haver uma diferença de 14% numa questão destas? Que é que a causou? Onde foi que não funcionaram os habituais dispositivos de prudência, de calculismo,  de tolerância  que ainda há pouco derrotaram uma outra proposta da extrema direita suíça num referendo?

Será que está, como penso, esgotada a via do multiculturalismo a outrance que uma esquerda anémica e acéfala e profundamente desligada do pulsar da cidade e das preocupações populares, defendeu sem argumentos que não fossem o da autoridade e o da irresponsabilidade?

Fala-se agora das novas regras que a Alemanha quer impor a todos quantos pretendem nela viver. Um comentador do Expresso achava indecente que se obrigassem os candidatos a trabalhar e viver na Alemanha a declarar por escrito que respeitariam um par de regras onde avultava o respeito pelas mulheres, o conhecimento da língua ou o respeito pelos direitos humanos. Parece que o dito sensível comentador acha que a ablação do clítoris, o uso da burka – e tudo o que isso implica de não reconhecimento da mulher – o recurso à charia devam ser valores  a proteger pelo Estado alemão. E, por que não, a lapidação das adúlteras, os crimes de honra ou o corte das mãos dos ladrões? Ao fim e ao cabo, são valores culturais ancestrais, ungidos pela tradição e por uma interpretação restrita do Corão. 

A populaça, os paisanos, os de baixo, não entende isto. Não percebe o valor do multiculturalismo, atribui a degradação das suas condições de vida aos emigrantes, irrita-se com os gangs dos subúrbios, com a violência gerada por eles e pelas condições de vida onde se alojam.  Espanta-se que as leis da república não se apliquem a eles, e que lhes sejam perdoadas, a título de compreensão civilizacional, actuações que foram educados a condenar.

Neste momento, nas televisões suíças reina a confusão. A conselheira federal encarregada dos negócios estrangeiros diz-se triste, chocada, lamenta “as amálgamas entre informação e falsificação” e tenta enviar aos países muçulmanos uma mensagem apaziguadora. Culpa a crise económica mas não parece perceber que tudo isso, esses argumentos, deixam em aberto a discussão. Lembre-se que na Suíça há apenas quatro (entre duzentas) mesquitas com minarete, aliás mudos porquanto não são sequer usados pelo muezzin para chamar os fieis à oração. Lembre-se, igualmente, que não se conhecem especiais manifestações de zelo religioso entre os cerca de quatrocentos mil muçulmanos residentes. E lembre-se finalmente que houve uma mobilização excepcional de votantes. Há anos que não se via uma tão grande presença nas urnas, o que torna mais impressionante a decisão.

Estou a ouvir novamente a “ministra” dos Negócios Estrangeiros. A senhora está perdida e não consegue dizer mais do que “houve manipulação das informações e das informações”. Convenhamos que é pouco e que é alarmante. O resto dos conselheiros federais  alinha pelo mesmo diapasão. Estão tristes, compreende-se, envergonhados, idem, e assustados coisa que ainda se compreende melhor.

Não tenho competência ( e ainda menos interesse ou vontade) para dar lições. Porém, não resisto a pensar que conviria rever um par de ideias sobre o modo como concebemos o outro, o estrangeiro. E sobre o modo como o desresponsabilizamos. Não é possível criar comunidades emigrantes integradas sobre outro sinal que não seja o respeito pela constituição do país que acolhe. E isso implica, obviamente, a recusa de tradições que colidam frontalmente com as aquisições civilizacionais que tanto custaram a impor-se na Europa e no Ocidente. O respeito pelo outro só existe se houver respeito pelo que é nosso. E que custou séculos de sangue e de revoluções a conseguir.

 

Bloqueio à vista?

José Carlos Pereira, 28.11.09

A oposição juntou-se ontem na Assembleia da República e fez das suas. Decidiu legislar ao arrepio da vontade do partido que  - recorde-se - está no Governo e tem a obrigação de conduzir a bom porto a recuperação das contas públicas.

Pois bem, PSD, BE, CDS e PCP-PEV juntaram-se e aprovaram um conjunto de medidas que agravam essas contas, entre as quais se destacam a suspensão da entrada em vigor do Código Contributivo, a extinção do Pagamento Especial por Conta, a redução do Pagamento por Conta e o reembolso do IVA em trinta dias. Essas medidas correspondem a um aumento de despesa superior a mil e cem milhões de euros. Palavras para quê?

José Sócrates, Teixeira dos Santos e Jorge Lacão disseram o que havia a dizer. O PS não teve a maioria, é certo, mas não pode ser obrigado a governar com o programa dos outros. Não é, senhor Presidente? O senhor, que está sempre incomodado com tanta coisa, não se importunou como que viu na Assembleia da República?

Por estas e por outras começo a  dar razão àqueles que diziam que não demoraria muito a termos novas eleições. Aceitam-se apostas...

o leitor (im)penitente 52

d'oliveira, 28.11.09

Que seja pelos meus pecados...

Sou um leitor do “Publico” desde o primeiro número. Não é virtude mas também não é pecado e, assim como assim, acaba por ser, a meus olhos, o jornal diário mais vivo, mais interessante e mais abrangente, no que toca a colaboração, de todos os que conheço em Portugal. É o único jornal de referência que temos. À medida portuguesa, mas de referência, apesar de tudo.

Não estou sempre de acordo, não estou muitas vezes de acordo, já aqui fartamente o provei, mas aqui respira-se indubitavelmente liberdade e profissionalismo.

Leio, pois, com atenção os textos dos comentadores mesmo quando, á primeira linha, vejo que vou detestar o que por ali vem. A ideia geral é que se o comentador usa de seriedade merece ser lido. Seriedade, disse.

Ora, de há algum tempo a esta parte, aparecem, travestidos de comentadores, uns abencerragens que mais não fazem do que vender a farinha exígua dos respectivos moinhos políticos. Umas vezes, trata-se de dirigentes ou quadros políticos conhecidos, no activo, e desses podemos escapar. Outras, aparecem sem menção de partido, identificados com profissões neutras que não dão sinal algum de preferência politica militante.

Entre estes avulta um singular “especialista em sistemas de comunicação e informação”, signifique essa esdrúxula apresentação o que significar. De seu nome Vilarigues (como um antigo membro da direcção do PC desde a clandestinidade, Sérgio Vilarigues, homem que passou pelo Tarrafal e que depois viveu muitíssimos anos na clandestinidade conseguindo ao que julgo um recorde notável de vida furtiva escapando à policia, o que não é pequeno mérito e impõe respeito a qualquer um que saiba quão dura e difícil era aquela [não]vida), debita no Público uns artigos que nem primários são, de tão vesga comunicação e omitida informação.

Desta feita escreveu sobre a responsabilidade de várias forças, sectores e classes sociais no aparecimento e fortalecimento do nazismo. E, à boleia, debitou mais umas vulgaridades, dignas não de Marx, sequer de Cunhal mas digamos (e por piedade) da estafada Marta Harnecker que teve o seu pequeno momento de glória entre alguns rapazolas nos idos de setenta e oitenta. O Manifesto era uma chatice? Lia-se um resumo da Harnecker e já estava. A senhora foi muito popular na América Latina e os resultados vêem-se...

Hitler, e o partido que ele recriou (o NSDAP) a partir de formações da direita conservadora e de um parco grupo vagamente populista, apoderou-se da Alemanha graças a várias circunstâncias, entre as quais avultam a crise económica, a dureza francesa quanto ás reparações de guerra (que levou até a uma mini-invasão do Sarre) o apoio primeiro reticente e depois crescente de grandes estratos da classe média baixa e do operariado, bem como, evidentemente o também crescente apoio dos representantes da oligarquia alemã (industriais, banqueiros, grandes proprietários etc...) Todavia, mesmo assim, havia na Alemanha forças politicas, religiosas, sindicais que poderiam ter levado de vencida a ofensiva legal, ilegal e para-legal do partido nazi e das suas milícias. Refiro-me, além das igrejas,  aos Sindicatos e aos dois fortíssimos partidos da esquerda alemã, o socialista e o comunista. 

Detenhamo-nos nestes dois últimos. Viveram eles em paz, tiveram, apesar das divergências importantíssimas que os separavam, alianças tácticas contra o inimigo comum? Se não as tiveram, a que se deve?

Ora bem, convém esclarecer que a chegada da nova IIIª Internacional não se fez sem profunda comoção e convulsão nas sociedades desenvolvidas da Europa. Os partidos criados à imagem e semelhança do Partido Comunista da Rússia (bolchevique) (PCR(b))  apareceram por cisões na velha social democracia. Foram capitaneados por emissários (comissários políticos clandestinos) do Komintern e, sobretudo no início, a sua propaganda violenta e os métodos usados para ganhar sindicatos ou cindi-los foram a negação da “fraternal discussão politica” que apregoavam. Ao longo dos anos, nas grandes cidades alemãs o PC crescia animado pelo slogan “Klasse gegen Klasse” em que o papel da classe traidora e servidora da burguesia era atirado para cima dos socialistas. Não que estes não tivessem antigas responsabilidades, pois é bem sabido que não souberam, ou não puderam, opor-se à guerra. Mas isso ocorreu em toda a parte, inclusive na Rússia e no partido onde Lenin militava. Este, quando se refugiou na Suíça (de onde saiu em plena guerra num comboio selado com destino à Rússia, mediante licença das autoridades alemãs...), representava uma ínfima fracção do Partido Operário Social Democrata da Rússia. E mesmo essa fracção cedo se cindiu em mencheviques e bolcheviques dando azo a uma troca de documentos, discussões e acusações quase tão violentas quanto as que, a partir de finais dos anos vinte, levaram á liquidação impiedosa de um número impressionante de dirigentes revolucionários soviéticos para já não falar na hecatombe que se abateu sobre os simples militantes do partido sob a batuta de Stalin. Basta relembrar que dos 139 titulares e suplentes do Comité Central do PCR (b) eleito em 1934, 98 foram presos e executados em 1937/8 e que 1108 dos 1966 delegados ao XVIIº Congresso foram presos e, quase todos, eliminados.

Isto que se passava na URSS teve como contraponto nos restantes partidos comunistas, estreitamente ligados ao soviético, consequências temíveis. Primeiro, afastou dirigentes considerados fracos ou social-traidores. Depois, diminuiu a já escassa margem de critica e de liberdade permitida a militantes e dirigentes. Finalmente, e como não podia deixar de ser, lançou o partido alemão na senda do sectarismo e isolou-o completamente. Pelo caminho, ficaram também muitos socialistas combatidos de modo terrorista pelo PC.

Mas há mais.

Hitler cresceu e tornou-se ousado. E a sua ousadia teve inesperados dividendos quando em vésperas da guerra, consegue levar a cabo o pacto germano-soviético, garantindo assim a tranquilidade das fronteiras orientais, ganhando na passagem metade da Polónia enquanto os soviéticos ficavam com mãos livres para a outra metade que ocuparam bem como os países bálticos.

Em termos claros, simples, evidentes: o pacto germano-soviético teve não só o resultado já enunciado acima mas também, e não é coisa pouca, o silenciamento da propaganda anti-nazista por parte dos grandes partidos comunistas ocidentais especialmente o francês. É bom não esquecer que, já com os alemães em Paris, ainda houve edições do Humanité à venda! E o PCF só passou, enquanto organização, à resistência depois da invasão da União soviética pelos alemães, já a guerra tinha quase dois anos.

Vir agora, um especialista em sistemas de comunicação e informação tirar castanhas do lume sobre a ascensão de Hitler sem recordar estas triviais verdades parece no mínimo tonto. Aliás deste mesmo especialista saiu ainda há pouco um outro artigo onde, numa redacção deficiente, se tentava minimizar o gulag, o número de vítimas e consequentemente o numero de crimes políticos cometidos pelo poder na ex-União Soviética. Quando leio coisas deste teor apenas penso em como seria interessante ver estes escribas metidos naquela sociedade e naquele tempo. Que é quel lhes teria acontecido?

Teriam desaparecido também na “noite e nevoeiro” siberianos ou seriam apenas meros guardas na Lubianka?

 

* A fotografia: assinatura do pacto germano soviético. Reconhecem-se Stalin, Molotov e Ribbentrop. Tão amigos que eles eram.... 

Coisas Boas 2

O meu olhar, 26.11.09

             

Segundo notícia da Lusa a China anunciou hoje que vai reduzir, até 2020, a intensidade das emissões de dióxido de carbono por unidade do Produto Interno Bruto (PIB) em 40 a 45 por cento relativamente aos níveis de 2005. Foi a primeira vez que o governo chinês precisou aquela meta. A China é o maior emissor mundial de gases com efeito de estufa.
Esta notícia associada a uma outra, no DN, que nos dá conta da confirmação da presença de  Obama em Copenhaga, faz renascer a esperança relativamente  à possibilidade de um acordo consistente na luta contra o aquecimento global. A cimeira contará com a presença de mais de  60 chefes de Estado e de governo e vai-se realizar entre 7 e 18 de Dezembro.
Trata-se de boas notícias se compararmos com as práticas e discursos recentes nesses dois países. Esperemos que as expectativas se cumpram.

diário Político 130

mcr, 26.11.09

 

a verdade, a áspera verdade...*

Não queria estragar o triunfo da cantora Mariza e, muito menos, a esforçada tentativa de mostrar o país sob um aspecto menos desagradável. Percebo que em épocas de escuridão seja necessário um pouco de luz (Mehr Licht, terá murmurado Goethe no leito de morte... mas isso eram outroa tempos). Todavia, por muito que um disco de world music conforte os auditores, tenho por mim, que hoje, as notícias são definitivamente menos lisonjeiras.

Já aqui falei da infâmia absoluta que é o acosso das mulheres. Em Portugal no que vai de corrente ano, vinte e seis foram assassinadas pelos seus cônjuges, ex-cônjuges companheiros ou ex-companheiros. Ainda não estamos na média da Espanha (uma morta por semana) mas para lá vamos.

Também o quadro das mulheres agredidas merece algum relevo: este ano, ou, melhor, nos primeiros nove meses deste ano registaram-se 8.400 mulheres agredidas. Registaram-se, notem bem, faltam na lista as que calaram por vergonha ou por medo. Ao que parece isto representa mais 700 (10%) de agredidas do que no ano passado.

As notícias dizem igualmente que os assassinatos foram mais violentos, as agressões mais ferozes e que começam cada vez mais cedo.

A segunda notícia do dia diz respeito ao escândalo BNP. Ao que se sabe, foram desviados 9700 milhões de euros através de um balcão virtual no tal “banco insular”. Nove mil e setecentos milhões! Alguém daí faz ideia do que representa esta pipa de massa? Não vos dá vertigens?

Bem, ao banqueiro não deu. Onde é que pára esse dinheiro e quem é que vai recuperar o que, depois, lá se meteu imprudente e impudentemente? À boleia de um nunca provado risco sistémico, pagámos todos os muitos centos de milhões que se atiraram para aquele buraco negro. E iremos pagar, estejam descansados, os depósitos dos depositantes que ainda hoje ocuparam desesperados mais uma dependência do banco.

Ainda não estamos ao nível do Madoff (ou lá como se chama o homem) mas para lá caminhamos. Depressa, e a passo de corrida...

A terceira novidade é ainda mais intrigante. A Associação dos Senhorios Portugueses verificou que cerca de 20% dos contratos de arrendamento não são cumpridos pelos inquilinos. Não pagam. Assim de simples. Ao fim do mês, mandam dizer que não estão. No segundo mês idem e assim por diante.

E não são despejados?, pergunta alguém. Alguém muito ingénuo. Em Portugal uma acção de despejo dura eternidades. Cinco, seis anos, diz-se. Os senhorios, que não podem esperar do Estado senão impostos, dos tribunais senão demora, resolveram criar um ficheiro de devedores.

A curiosa associação dos inquilinos portugueses veio gravemente dizer que isso é uma infâmia e um abuso. Senhorio é especulador e rico e mau. E não faz obras. E pede mundos e fundos. Por tudo isso e por mais coisas que não me lembro, eis que acusam os senhorios que pretendem defender-se dos maus pagadores profissionais. Até poderia parecer que na briosa e honrada associação dos inquilinos há também uns rapazes dados à falcatrua. Não há, claro. Aquilo é boa gente. Tem de ser, senão seriam senhorios e não inquilinos.  O número de débitos atinge, só no patamar das rendas superiores a 500 euros, mais de vinte mil contratos. Em conta simples isto significa mais de cinco milhões de euros mês. Coisa pouca ao lado do BNP ou da autorização de emissão de dívida pública apresentada ao parlamento (4900 milhões de euros!)

(Diga-se em abono do governo que a soma ora pedida é inferior ao saque do BPN.)

As boas almas indignam-se com a aleivosa intenção dos senhorios e falam da lei da protecção de dados. Esquecem que para as dívidas do telefone já existe autorização para a lista negra. Claro que aqui não são os senhorios os beneficiados mas apenas três ou quatro bondosos grupos capitalistas que gastam em publicidade o equivalente a um largo par de meses de rendas em atraso. E têm sucesso! E investem no estrangeiro. E são famosos lá. Como a Mariza, por exemplo....

*expressão atribuída a Danton

d'Oliveira fecit  

 

Au bonheur des Dames 209

d'oliveira, 25.11.09

Balada de Outono

O título é roubado, já sei. Ao Zeca, aliás. Tenho uma desculpa. Conheci-o desde muito cedo, fui amigo dele, li em primeira ou segunda mão alguns dos seus mais emblemáticos poemas e, com dois magníficos amigos (António Mendes de Abreu e João Nazaré) guardámos alguns poemas e cantigas que mais tarde lhe recordámos (entre essas o “Canto Moço” que o Zeca, pasmado, dizia, ó pá isto é bom, é mesmo bom, enquanto os dois alucinados cantavam a perdida canção). Eu que desafino até meter dó (ou seja eu desafino na escala completa do ao si sem apelo nem agravo) tinha apenas a função de corrigir algum eventual desvio da letra.

E a propósito de Zeca devo dizer que li já a fotobiografia da Irene Pimentel. Direi que há por lá um par de erros de datas e de circunstâncias que são de alguma consequência. Também me parece que se dá por oiro de lei alguns desabafos do Zeca que era temperamental até dizer basta. Por exemplo sobre a Coimbra dos anos sessenta que o admirava e sempre o convidou ao contrário do que parece ter afirmado. E, já agora, gostaria de acrescentar que o Estado Português, ou pelo menos uma sua emanação, a Secretaria de Estado da Cultura, via Delegação Regional de Cultura do Norte, reconheceu o seu talento e a sua importãncia ao convidá-lo para cantar no Auditório Nacional Carlos Alberto. Aliás, esse memorável concerto abriu portas dos teatros do Estado  todos os outros cantores de “intervenção” (Vitorino, Sérgio, Zé Mário etc...) que depois e pela mesma instituição foram convidados a apresentar-se no Porto.

Tal actividade, realizada durante o consulado de Rui Feijó, o primeiro Delegado Regional do Norte, foi asperamente criticada nos corredores da SEC e este vosso criado ouviu muitas e fortes à conta dessa nossa pretensa “actividade filo-comunista”. Poderia citar (descansem entretanto os seus autores) nomes de pessoas com tabuleta na porta da praça das Artes e Letras que desancaram o Rui (e mais a mim, que era quem estava á mão) por esta aventura. Ah, anos oitenta...

 

Perdi-me. Eu só queria justificar o título e o que aí vai. Só queria falar deste outono que entra e sai, que parece umas vezes Verão retardado, outras Inverno encolhido. Assim ninguém se entende. Nem alguns (vários) amigos meus que desataram a dar-me os parabéns por um aniversário que está perto mas ainda não foi. Não que eu não queira fazer anos. Ou perfazer que é mais exacto. Mas este ano, com esta loucura climática, anda tudo numa lufa-lufa. Até tentaram pôr-me no quadrado dos escorpiões. Escorpião eu? Sou, ao que parece, que disso nada sei, Sagitário de pura cepa. Nem sequer estou nesse(s) dia(s) fronteiriço mas sim e francamente nos dias do amável signo do arqueiro.

A CG que se afirma igualmente descrente destas balivérnias astrológicas (enfim, descrente o que se diz descrente, nem tanto. É mais para o cartesiana: tem dúvidas hoje e certezas ontem. Ou vice-versa, vá-se lá saber) está solidária comigo. Também é verdade que passei largos dias a partir nozes que ela comia com um desenfado digno de menção. Mais duas, pedia. E eu, zás!, agarrava em duas nozes e esmagava-as uma conta a outra na mão. E mais. E mais duas só... Até que, cansado, e vendo que não conseguia sequer provar uma noz, a ensinei a fazer o mesmo e agora é vê-la a aviar nozes mais depressa do que um esquilo vermelho.

Espero que o meu antigo colega Daniel me leia e me mande mais nozes que o saco que mandou já é só memoria.

 

Mudemos entretanto de bitola: eu há dias descobri estupefacto que boa parte da minha genial colaboração para o inc estava assinada por um misterioso incursões. Não se perdia grande coisa mas a verdade verdadeira é que aquilo me tocou. Anda um quiddam para aqui a dar ao dedinho computacional e depois nem isso lhe atribuem.

Uma das almirantes desta barca bem me sussurrou que eu fora avisado dessa possibilidade e que (para espanto dela) encolhera metaforicamente os ombros como quem diz para a frente que atrás vem gente. Só por gentileza é que a amabilíssima colega pode pensar que eu sequer percebi o que ela me dizia. Declaro aos quatro ventos que sou um analfabeto nestas coisas mas ela provavelmente não terá avaliado a profundidade da minha ignorância nem a espessura da minha inépcia. Bom, seja como seja, o caso está resolvido. Aquelas croniquetas (e parece que eram bastantes) regressaram como o filho pródigo à casa paterna e eu perdi uma oportunidade de apontar “uma perseguição soez ao meu génio incompreendido” à cara do país.

A propósito de génios incompreendidos, um houve que, ainda que bom poeta, alimentou contra a pátria madrasta uma desesperada zanga. Eu sempre achei que muitos, a maioria, dos intelectuais têm genericamente uma alta opinião de si próprios. Neste caso, a coisa raiava o doentio. Nada o acalmava muito menos os elogios. Que eram provas de uma descabelada má fé, ataques insidiosos, sei lá que mais.   

Depois de morto, apareceu nos escaparates um livro com tanto fel quanto falta de qualidade literária,  ética e profissional. Nele vinham canhestra mas vilmente atacados muitos dos que, mal ou bem, mais mal do que bem, eram tidos pelo autor como émulos, adversários ou inimigos. O livro, preparado minuciosamente, apareceu apenas depois da morte do autor. Uma vingançazinha. Uma cobardia e uma canalhice. Ou de como o outono da nossa vida nos prega partidas.

Outonal, mas em paz comigo e com o mundo, recuso-me a dar o nome do escritor mal-humorado. A sua poesia salva-o enquanto poeta e os mortos devem permanecer assim. Mortos e enterrados. Definitivamente.

Relembrando outro outono, o de há vinte anos, li, entre espantado e divertido, as descrições líricas de alguns intelectuais (arre!) sobre a vida na antiga RDA, vulgo Alemanha de Leste. Eu não vivi lá. Limitei-me a ir a Berlim e daí a passar o muro vezes sem conta. Primeiro em 1970 e depois em 76! Já aqui deixei algumas impressões dessas estadias. A pobreza, a polícia omnipresente, o medo, a resignação, a falta gritante de artigos ridículos (até de bananas!), as conversas sussurradas, os milhões de fichas da Stasi, os mortos na tentativa de passar o muro, a descrença, o delírio económico – a gigantesca bancarrota que se lhe seguiu – nada disso comoveu estes nossos compatriotas que na  RDA estudaram. Claro que nem terão percebido que eram privilegiados em relação aos cidadãos comuns do país que os recebia, que eram tidos como representantes dos partidos irmãos do SED (o partido único este-alemão) e por isso cordialmente detestados, alvo de desconfiança.

Todas essas evidências  gritantes que negavam a pura palavra “socialismo” eram atiradas para o ligeiríssimo “deve” contra o forte “haver”  que eles traduzem em ballet, em museus, em orquestras, no teatro. Pobre gente: desconhecem que a liberdade é a única condição sine qua non da cultura. Sem isso a orquestra desafina, o teatro é revisteiro, o bailado manco e os museus cemitérios.

Dir-se-á, todavia, que nesse leste policiado e fechado a sete chaves havia igualdade. Nem isso é verdade. Havia alguns que eram mais iguais que outros. Havia os membros do partido e as massas. Havia a nomenklatura e o resto.

E depois... nas prisões também é costume dizer que os presos são todos iguais! Iguais mas presos! E nem assim tão iguais, como se sabe.

Os muros, e o muro propriamente dito, caíram pois por milagre para estas nossas gentis boas consciências.  E os milagres, é sabido, são sempre reaccionários. Mesmo este de apresentar como paraíso um inferno de tristeza e desespero.

A ilustração: Quarto stato de G. Peliza da Volpedo (Milão , Museo del Ottocento)

Coisas Boas 1

O meu olhar, 25.11.09

  


Cansada de só ver destaques de ocorrências negativas decidi iniciar com este post uma nova “rubrica” que resolvi baptizar de Coisas Boas.
Ora aqui vai a primeira:
 
O jornal britânico The Times elegeu o álbum Fado Curvo de Mariza, editado em 2003, como um dos melhores registos de World Music da década.

 

Direito ao nome 2

O meu olhar, 24.11.09

 
Num post que pode ser lido aqui mcr queixava-se, cheio de razão, que lhe tinham “roubado” a autoria dos seus posts mais antigos. E tinha razão. Eu avisara-o na altura que a importação para a Sapo, em Março deste ano, tinha tido esse efeito colateral. Na altura reagiu bem, coisa que muito me admirou porque, se fosse comigo, teria ficado um pouco mais aborrecida. Percebi depois que ele não me tinha entendido, ou dito de uma forma mais assertiva: eu não fui muito clara na altura.
Há dias, face ao choque da descoberta, o mcr desabafou aqui no Incursões. Falamos sobre isso e informei-o que o Pedro, da Sapo se disponibilizara para investigar a possibilidade de resolução. Tive hoje a confirmação que conseguiu! Fico muitíssimo satisfeita. Não era justo que o mcr, que é o que mais contribui para dar vida ao Inc tivesse sido o alvo de tal azar.
 
Está resolvido! Agradeço ao Pedro toda a sua disponibilidade para nos ajudar quando precisamos. A resolução deste problema não deve ter sido pêra doce. Muito obrigada!
 
Aproveito esta situação para prestar um esclarecimento, que peca por tardio, aos antigos Incursionistas que não fazem parte da equipa actualmente: LC, Rui do Carmo, Primo de Amarante e Rebeldino Anaximandro. Quando se fez a mudança todos os que contribuem para o Inc tiveram que efectuar a sua inscrição no Sapo para que, na importação da informação, o seu nome aparecesse nos posts da sua autoria. Em todos os outros posts dos antigos incursionistas ficou a aparecer Incursões em substituição do nome de cada um. Lamento muito que não tivesse sido tecnicamente possível fazer de outra forma mas só soubemos dessa informação após a importação.
 
Claro que indo à antiga versão tudo está intacto. O acesso, para quem quiser consultar é indicado na barra ao lado em Alguns blogs Incursões (antiga versão).

Rotinas de Outono

O meu olhar, 23.11.09

Há coisas que podemos sempre esperar que aconteçam no Outono: a queda das folhas, as castanhas quentinhas, a chuva, o início do frio e as declarações de Vítor Constâncio sobre os aumentos salariais. Não falha. Falta acrescentar um pequeníssimo pormenor: essas declarações são, invariavelmente, a apresentar as razões pelas quais o sector privado, ou o público, ou ambos, não podem/devem aumentar os vencimentos. São estas rotinas que me fazem sentir aconchegada com a vida e com a sua previsibilidade.

Fica-me uma curiosidade: Vítor Constâncio ainda mantém aquele vencimento escandaloso superior ao do seu homólogo americano?

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