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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des Dames 215

d'oliveira, 31.12.09

Fecho de contas? Não, só de ano.

Vou receber cá em casa um pequeno grupo de amigos. A CG prometeu-lhes, em meu nome, vejam bem, um caril de camarão. E quem é que fará o caril? Pois este vosso criado! A pretexto que o meu caril (na realidade nem meu é, é apenas uma adaptação de um caril que ensinaram á minha mãe e a que, como e costume, introduzi umas variantes) é bom, eis-me condenado a um par de horas de trabalho. Nem sequer me descascam os camarões!...

Ah que inveja tenho dos meus amigos cozinheiros e que gostam de o ser. Por exemplo o João Vasconcelos Costa que, além de cientista, é gourmet e cozinheiro e faz coisas dificílimas (até já escreveu um livro de receitas!...) como quem faz uma omeleta de cebola.

Ou então, aqueles outros, a maioria, que nem sequer sabem fritar um ovo e que, são expulsos da cozinha por imprestáveis. Desses ainda tenho mais inveja. Sai daqui ó caramelo que a tua simples presença desarranja o forno!

A inveja vai ser a companhia desta última noite do ano. Os convidados na maior e eu a dar ás meninges, a provar o molho, a calcular as fervuras para o maldito caril se poder apresentar decentemente!

 

 

E por que raios a CG escolheu um caril para o último dia do ano? Não ficaria melhor o tradicional bacalhau  ou algum prato mais adequado á noite das boas intenções que se não irão cumprir? Desconfio que ela resolveu castigar-me e pôr-me de serviço só por que inveja a minha merecida reforma, as manhãs na esplanada, as rusgas intermináveis aos alfarrabistas, o ser dono de todo o meu tempo e não ter de prestar contas a quem quer que seja.

Eu sou pouco de votos de fim de ano. Muito pouco, mesmo. Mas, a exemplo do compadre d’Oliveira vai daqui um abraço para o Miguel Esteves Cardoso e para a mulher, sobretudo para ela. Conheci o MEC num longínquo festival de cinema da Figueira e pude ser-lhe vagamente útil num conflito entre ele e o director do festival. Já não o vejo há muito, leio-o assiduamente e partilho a sua angústia, a sua esperança e a coragem da Maria João. E sei que muitos leitores a as partilham comigo. Para esses, para todos aqui ficam votos de um ano melhor do que por agora finda. Que diabo isto não é pedir muito, pois não?

Na gravura: uma fotografia enviada pelo JVC, velho companheiro com um título muito conforme com esta crónica.   

Diário Político 134

mcr, 30.12.09

 Ano vai, ano vem

Nessa invenção europeia que se chama Kosovo e que existe por obra e graça de bombardeamentos e de ajuda maciça internacional vigora algo que relembra o mais detestável do passado recente: no caso quem apanha são as suas minorias locais: os ciganos e os sérvios. Hoje, um noticiário retratava a vida das comunidades ciganas nessa hipótese remota de país. Não basta o estarem privados dos mais elementares direitos (desde a segurança social até à educação pois de um lado não os reconhecem e de outro não os recebem) mas sabe-se agora que mesmo com policia internacional e nas barbas das ONG das instituições internacionais de ajuda e controle há diariamente espancamentos, perseguições e ameaças. Milhares de ciganos vivem na mais aflitiva situação tanto mais que ninguém os quer receber. Uns por que entendem que eles devem permanecer na terra natal, outros por que os não querem pura e simplesmente.

O ano de 2010 não vai ser melhor, evidentemente mas tem grandes hipóteses de ser pior para estes outros europeus.

Um terrorista nigeriano embarcou tranquilamente com a sua carga mortal num avião com destino aos Estados Unidos. Só a sua imperícia evitou um massacre tanto mais que a explosão que preparava ocorreria sobre o aeroporto. As boas almas acham que a prevenção nos aeroportos e as medidas a ela associadas são uma intromissão desmesurada nos direitos humanos! Têm razão: um terrorista só se realiza matando. Matando muitos e cegamente. Culpados e inocentes. Muitos, de qualquer modo. Se o impedem de fazer isso o pobre homem fica sem um destino. E sem os jardins de Alá e as huris que o esperam no paraíso para o premiar.

O ano de 2010 começa sobre perspectivas risonhas. E esotéricas. E eróticas ao que se supõe, a menos que as huris sejam como os anjos assexuadas...

No “torrãozinho de açúcar” reina a calma. Chove, como é hábito, as viagens para destinos quentes e aconchegados bateram recordes, não há lugares disponíveis nos salões de festa, os saldos começaram batendo as expectativas mais optimistas dos comerciantes, enfim, parece que a crise é apenas uma invenção da oposição. Será?

 

Jornais e revistas fazem o “balanço da década”. Como se os números quisessem significar qualquer coisa e a magia do 10 fosse uma fronteira entre um antes cinzento e um depois dourado. Os balanços valem o que valem ou seja muito pouco. Sobretudo se feitos a quente e baseados num número que nada quer dizer. Dispenso-me dessa tarefa sem, todavia, me dispensar de vos desejar um Bom Ano. Com uma pequena prevenção: somos nós (e um pouco a nossa circunstância, é verdade) quem faz o futuro. Se formos mais cidadãos, menos circunspectos, mais exigentes, mais solidários, mais interessados na coisa pública, é possível que o ano que começa em breve seja ligeiramente mais agradável do que o que passou. Desejo-vos, pois, a paz e a indignação, a alegria e a vigilância, o amor e o humor. E o amor, outra vez.

Seja-me permitido um voto absolutamente particular: o Miguel Esteves Cardoso e a mulher, Maria João, se não me engano, estão a enfrentar um cancro na mama. Estão porque, pelo que leio, o Miguel acompanha a mulher em tudo e anima-a, estimula-a e sente. Um ateu como este que se assina apenas pode desejar-lhes que 2010 seja o ano da vitória, da primeira vitória por que depois há cinco anos incertos pela frente.  Força Maria João, um abraço Miguel.

D’Oliveira fecit 

a gravura serve para homenagear o grande David Levine, morto há dias. quanto ao Marx, apeteceu-me. antes ele que os medíocres arautos do socialismo que agora se pavoneiam por este mundo.  

Crise? Qual crise?

José Carlos Pereira, 30.12.09

Os meios de comunicação relataram nos últimos dias que neste Natal foi atingido um novo recorde nos levantamentos na rede multibanco e nos pagamentos em terminais automáticos. Até 26 de Dezembro, os portugueses gastaram 4.708 milhões de euros contra 4.408 milhões no ano transacto.

Quando todos falam em crise, material e psicológica, e se perspectivava uma diminuição na febre consumista que se costuma abater sobre o período natalício, aí estão os portugueses a gastar dinheiro à "tripa forra". Provavelmente sem pensar no dia de amanhã...nem no mês de Janeiro!

Pelo Natal

JSC, 26.12.09
A notícia diz que mais uns tantos palestinianos foram mortos pelo exército israelita. Estas notícias já não têm impacto nem incomodam o pessoal. As pessoas andam demasiado preocupadas com a maluquinha que queria abraçar o Papa, falam acerca do outro que bem poderia criar mais uma tragédia nos céus dos EUA ou da neve todos os invernos invade os próprios EUA, outros nem isso apenas se preocupam com a compra das fatiotas para a passagem do ano. Acho piada ver o tempo de antena que os noticiários dão às tempestades de neve nos EUA. Dos milhares de pessoas que, há um ano, na Palestina, ficaram sem casa, sem electricidade, sem hospitais, sem escolas, destes nada se sabe, porque os repórteres não chegam lá. Há um muro que aprisiona aquelas gentes. Não é apenas o muro de betão é o muro da comunicação social. Quando a esquerda tinha alguns princípios ainda fazia uns números a mostrar o drama palestiniano. Há muito que isso acabou. O que resta é o abandono cada vez maior daquelas gentes à sua sorte e aos livres arbítrios. Provavelmente, é uma pura coincidência a época do Natal ser sempre acompanhada de um pico de violência naquelas paragens. Um civil matou um colono (que palavra esta). Eis um bom pretexto para o exército bombardear mais umas tantas casas e matar mais umas tantas pessoas. Qualquer provocação serve para mandar uns aviões ou uns tanques bombardear a desgraça. É claro que a culpa é do civil que matou o colono. Quem pensar o contrário está profundamente errado.

Au Bonheur des Dames 214

d'oliveira, 24.12.09

Fruta da época

Convenhamos: as festas são uma enorme estopada mesmo se, como é o caso se disfarcem de “festa da família”. Há pouco, pediram-me, aflitivamente, para ir por uns pacotes de leite, ao supermercado aqui mesmo ao lado. Eu, estava acampado num cafezote manhoso mas que tinha uma mesa livre a tentar ler o jornal. Todos os outros me tinham dado tampa: mesas arrumadas a um canto e bolaria à venda.

Lá fui para o super sem grande desgosto pois, de facto, fazia-me falta a velha esplanada, o par de amigos, o jardim em frente, os cães que por lá correm e o gato, o gato cinzento, que agora é o incontestável proprietário do espaço. Sem isso chega-me um café bebido à pressa.

O super estava a rebentar pelas costuras. Diante de cada caixa uma boa dúzia e meia de pessoas com carrinhos carregados até dizer chega. "É a crise", murmurava um filósofo ao meu lado, agarrado a duas garrafas de whisky e uns pacotes de aperitivos. Já te estou a topar, pensei eu, vais encher a mula e apanhar uma bezana das antigas. E mirei-lhe o garrafame para ver que tal se tratava. Pois nada mal, não senhor, duas garrafinhas de vinte anos, coisa decente e apropriada à festividade. E pus-me a tentar perceber se aquilo era para consumo próprio ou se o cidadão , carregado de fraternidade e amor cristãos, ia dividir com amigos e familiares.

"Temos para três quartos de hora ou mais", informou-me ele quando viu o meu olhar cúmplice. Mais, cortou alguém lá da frente, "já aqui estou há trinta e cinco minutos e isto nem anda nem desanda."

Ai ele é isso?, perguntei-me a mim próprio. E abandonei as embalagens do leite (na mesma estante de onde as tirara, quand même) e telefonei à CG avisando que se tudo estivesse como aquele supermercado ela bem poderia desistir de fazer o seu famoso arroz doce que aliás já ia em meio. Mas está toda a gente à espera..., retorquiu-me pesarosa. E é verdade: há duas inteiras casas de família que se lambem só de pensar no arroz doce da CG. Quando o vêem atiram-se a ele que nem gatos a bofe, uma vergonha! Já dei por um sobrinho, não vou dizer qual, que à sorrelfa comia uma garfada do tradicional bacalhau e duas colheradas de um pratinho de arroz doce escondido atrás dele.

E não é caso único que uma vez, preparei uma lebre das verdadeiras, das bravas, caçada sei lá onde, e convidei o nosso relapso confrade Simas Santos. A mesa que estava preparada para a festa incluía uns pratinhos de bombons belgas (um primor de bombons, desses que apetece comer sozinho para não perder sequer um, mas eu generoso, ou melhor a minha perdulária cara-metade, pusera-os inadvertidamente na mesa). Pois o nosso SS devorou a lebre que lhe competia entremeando cada garfada com um bombom. Quando fomos por eles, sobrava uma escassa meia dúzia que deviam a sobrevivência ao facto de estarem demasiado longe da mão daquele desgraçado guloso.

Bom, já me perdi, como é meu hábito. Eu (que remédio!) falava do natal da tribo Correia Ribeiro e aliados. Uma lufa-lufa! Felizmente, é o meu irmão (mais novo mas mais prolífico) quem se encarrega de receber-nos. Nós vimos de longe, com um par de prendas, alguma fome e o tal arroz doce. Dantes a minha mãe (em cuja casa nos aposentamos nestas faenas) ainda fazia as rabanadas mas, aos oitenta e três anos, proclamou a sua independência: ”Acabou-se. Se quiserem pago a quem as faça mas eu é que não!”

Houve um ano em que assumi tal encargo (honrosamente cumprido, com palmas e volta à arena) mas agora nem isso. A minha desculpa é que não me entendo com o fogão a gás... E não me entendo, mesmo, graças a Deus!

De maneira que, lá mais para a noitinha, transportarei a old lady, o arroz doce, as prendas, agora só para os mais novos (que os adultos decidiram –graças e louvores sejam dados ao proponente! – abolir as prendas entre os “economicamente independentes”. Ai que alivio, leitorinhas gentis! O que eu passava, o que eu espremia as meninges para inventar prendas interessantes, originais, diferentes, de ano para ano. Agora, que é só para a juventude impecuniosa corro-os todos a livros e filmes. Com a vantagem que podem emprestá-los depois uns aos outros. Este ano vão conhecer Ítalo Calvino e a trilogia alucinante do cavaleiro inexistente, do barão trepador e do visconde cortado ao meio. Espero que gostem que aquilo é do melhor que há.

E por aqui me fico. Trouxe uma reserva de revistas que amanhã não há jornais, tenho o Expresso pronto a ler, farei uma autentica gincana à procura de um sítio decente para beber os meus cafés da manhã, encontrarei outros tantos peregrinos à procura do mesmo, comerei demais, falarei demais e lembrar-me-ei demais dos antepassados próximos que, nesta altura, tomam silenciosos e graves, o seu lugar à mesa da alegria e da melancolia. Limparei com as costas da mão alguma furtiva lágrima e, como bom ateu que sou, pedir-lhes-ei que velem pela tribo, pelos mais novos e indefesos, pelos mais velhos também, rogando-lhes que intercedam à Senhora da Encarnação, padroeira oficiosa de Buarcos, pelos que estão, pelos que não estão e pelos que, cedo ou tarde, irão. Alegria à mesa e uma boa morte quando a nossa hora chegar.

E bom natal para vocês todos que me vão aturando e até aqui chegaram.

A gravura deste postal: a gata Ingrid Bergman, a maníaca da água e, como se vê, do fogo. Mete a pata, queima-se, lambe, volta a meter e assim sucessivamente...

Atenção

O meu olhar, 22.12.09
   
Estamos na era da comunicação multimédia, em que se fazem “amigos” aos pacotes na ponta de um clique. Comunicar e pôr em comunicação parece ser a palavra de ordem. Paradoxalmente parece que cada vez estamos mais distantes de nos conhecermos verdadeiramente, de darmos espaço ao nosso íntimo e á sua partilha com alguém querido.
Tudo isso a propósito das televisões instaladas nos carros. Sinceramente fico chocada com a opção de se preferir colocar os miúdos a ver um filme em vez de se aproveitar o pouco tempo livre com os filhos para falar, trocar impressões, ouvir. Depois fica-se espantado porque na adolescência eles têm pouco para nos dizer. Criar o hábito de conversar, nem que sejam futilidades, é criar oportunidades de trocas de carinho pelas palavras.
Há quem lhe chame atenção. Simplesmente.
 

missanga a pataco 78

d'oliveira, 19.12.09

 

Também os remadores jantam

 

Pois é leitorinhas gentis e leitores conspícuos (entre os quais o meu especial amigo JVC que se rói de inveja por eu ter leitoras) também nós, os deste lado do ecrã, ou seja os incursionistas, jantamos. Mais uma vez se realizou o tradicional ágape de inverno. Mais uma vez, JCP teve o encargo de encontrar restaurante, marcar o jantar e animar as hostes. Desenganem-se, porém, os que esperam que eu refira o charuto que ele tradicionalmente acende e fuma. JCP acata a lei do tabaco e nem se moveu da mesa. Terá deixado o vício? Zangou-se com Cuba? Foi alvo de ameaças terríveis se for apanhado a fumar? Fez uma promessa para o tempo natalício (comer pouco, não fumar não......)?

Coutinho Ribeiro, o fugido carteiro, mais misterioso do que nunca, não se abriu quanto á sua escassa participação. Que se passa? Que se não passa? Centenas de leitoras (ou milhares?) interrogam-se sobre este mistério. Não serei eu quem levante o véu mas na verdade gostei de ver o velho amigo todo lampeiro.

O Mocho Atento, sempre afobado por afazeres de índole espiritual (o homem vai a todas, ele é escuteiros, organizações de solidariedade social, agora  dá uma mãozinha ao Bispo, enfim não pára) chegou –como já também é tradicional – atrasado! Mas com o bom humor de sempre no que foi secundado pela dupla “o meu olhar”/JSC. Faltaram Simas Santos que agora anda de avô babado, Kamikaze, vice-raínha dos Algarves, às voltas com a sua livraria de Faro, e a nossa ministra plenipotenciária em Copacabana, Sílvia Chueire que, entretanto, mandou um poema, Saravah Sílvia!

Comeu-se, pois, forte e feio, discutiu-se, como é da praxe, tudo acabando mesmo na rua onde durante uns bons quarenta minutos continuou a conversata à temperatura comprovada de cinco () graus. Arre!, que isto é mesmo gosto em estar juntos. Quando o Coutinho Ribeiro achou que estava quase congelado despediu-se e a tropa destroçou: leitinho, xixi e cama.

Andamos nisto há já uns anos. Com altos e baixos, como todos os blogs, mas com uma consoladora, reconfortante, média de leitores e alguns picos francamente interessantes. Isso me basta ( e nos basta) para continuar. Andamos nisto porque nos divertimos, porque ninguém impõe nada a ninguém, porque discutimos se nos apetece, porque somos todos diferentes e respeitamos essas diferenças. E, pelos vistos, vamos continuar assim: um grupo de desalinhados sem complexos, de mulheres e homens com causas mas sem arcas encoiradas. Provavelmente este pequeno grupo subsiste porque é uma imagem a la minute do país, da nossa comunidade de leitores e amigos. Se isso for verdade, que honra!

 

 

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