Estes dias que passam 190
Eles não compreendem
E eu também não!
O mundo, enfim, algum mundo, europeu e bem pensante está escandalizado (Kouchner dixit) com o voto dos suíços. Oh meu Deus, Jesus, Maria José, Credo, abrenuncio!
Provavelmente, graças a estas objurgatórias, ou outras menos educadas, parece que descobriram a solução: foi a Suíça rural quem votou!
Ideias genial: os campónios dos vales isolados armaram-se de foices (sem martelos...) e vieram de longada até às câmaras de voto e pimba!, toma lá que é pró minarete. As cidades e as pessoas civilizadas votaram obviamente “bem”.
É bonito! Mas é falso! A Suíça não terá mais do que uns cinco por cento de camponeses, se é que os tem. O campo suíço, as vaquinhas leiteiras e a restante parafernália rural é um cromo do passado, bom para fotografias. Agora até nas explorações agrícolas que subsistem há televisão, computadores e IPhones. E quartos para hóspedes estilo turismo rural.
A tal Suíça rural é obviamente citadina, vai á escola e tem os mesmíssimos anos de escolaridade dos outros. Dizer que três em cada cinco suíços são campónios que cristalizaram no ortorrômbico e odeiam os mouros é uma burrice de almanaque.
Foi a cidade, foram as zonas onde há emigrados, ou seja onde há empregos para estes que votaram contra os minaretes. Por medo? Provavelmente. Por um inconsciente assomo de uma maltratada identidade nacional? É possível. Porque na Líbia, um coronel mafioso e pistoleiro tem dois suíços presos para vingar uma afronta feita a um filhinho parvo e violento? Por que não?
Mas os patetas que enfiam as orelhinhas, os olhos e restantes partes do corpo na areia ainda não perceberam que estes suíços estão apenas, rebus sic stantibus, a dar largas a um mal estar difuso, a receios irracionais, a raivas acumuladas. E a extrema direita esfrega as mãos com a ajuda que politicas impensadas lhe vai dando. Há uns anos a França despertou de uma votação presidencial com um candidato da extrema direita (Le Pen) em segundo lugar, batendo largamente o candidato socialista (Jospin). Foi um ai Jesus do catorze. A coisa compôs-se juntando os votos todos em Chirac. E rezando para que a direita não conseguisse (como não conseguiu) explorar as consequências desse coice eleitoral dado por eleitores que nunca são ouvidos, tidos ou achados. A direita italiana, por mais escândalos em que Berlusconi se meta ganha eleições com uma tranquilidade que assusta. Assusta-me e assusta os ciganos que lá vivem e que vão sendo expulsos de cidade em cidade. Na Bélgica a direita flamenga “faz a chuva e o bom tempo”. Em Espanha, enche ruas e praças contra o aborto, contra as aulas sem religião e moral, contra o casamento dos homossexuais e outras minudências. Mais dia menos dia, temos o problema dos minaretes em Zamora ou em San Lúcar de Barrameda. Na Holanda houve ameaços. E nem se fala do antigo leste europeu onde fenómenos racistas de forte amplidão se registam quase diariamente.
Convenhamos: nós portugueses vivemos num paraíso no que toca a este ponto. Ora aqui está um ponto a nosso favor. Não que não haja aqui e ali um par de imbecis a tresloucarem mas genericamente nem a população se rala com a religião do outro, nem as comunidades emigrantes manifestam sinais de exclusão. O problema dos bairros pobres não se circunscreve a estrangeiros mesmo se uma forte proporção da sua população o é.
De resto, ainda hoje, li num prestigioso jornal francês os resultados de uma pesquisa sobre as expectativas de emigrados em França e curiosamente o resultado é animador. Uma maioria significativa de dois terços (rural?) da segunda e terceira gerações sente-se integrada ou pretende integrar-se completamente e crê num futuro interessante para si e para os seus no país que acolheu os pais. O optimismo perante o futuro é, em termos percentuais duas vezes superior ao dos franceses “de souche”, e quanto a multiculturalismo & assimilados, vou ali e já venho. Para uma certa opinião “esclarecida” e sempre no topo da onda, “tendance” e politicamente correcta, estes fulanos devem ser degenerados.
Rurais!
2 No noticiário do canal ARTE vi hoje que para um número incalculável de camponeses chineses empobrecidos a solução passa por vender duas vezes por mês o seu próprio sangue. Duas vezes por mês! A trinta euros mensais!
As autoridades da República Popular da China, esclarecem que os trinta euros (ou dinheiros?) não são o pagamento do sangue mas apenas uma compensação para os gastos de viagem que os dadores têm de fazer até aos centros de recolha.
Eu fui dador de sangue até ao limite de idade. Em princípio, o Instituto do sangue entendia que duas vezes por ano era o número de vezes ideal. Na China, pais em franco progresso, as coisas são diferentes pelos vistos. Ou os anos de cá valem lá meses, vá-se lá saber...