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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Estes dias que passam 197

d'oliveira, 27.01.10

Quem mata uma pessoa mata todas as pessoas

Permitam os leitores que o meu título modifique uma sentença hebraica que, segundo creio, se aplica à noção de “justo entre as nações”. De facto, o texto certo é “quem salva um homem salva todos os homens”, se é que cito bem.

Do ponto de vista ético ambas as frases parecem certas. Uma condena o crime, outra exalta a misericórdia.  E, aliás, completam-se. Os justos que salvaram os judeus (e os outros todos: comunistas, socialistas, ciganos, mestiços negros das antigas colónias africanas, homossexuais, “untermenschen” – polacos, russos eslavos do sul -) opuseram-se com risco da própria vida aos executores nazis, aos seus cúmplices de todas as nacionalidades (que houve nazis e assimilados em toda a Europa, é bom não o esquecer) e finalmente venceram. Uma amarga vitória, uma vitória sob a sombra de milhões de mortos, mas uma vitória.

Uma vitória porque hoje, por exemplo, podemos falar de Auschwitz com objectividade mesmo se o coração nos pedir indignação, raiva, vingança. Falar de Auschwitz, sessenta anos depois da libertação do campo por tropas soviéticas, significa que não esquecemos. Significa que o peso desses anos terríveis continua a pairar sobre a consciência humana, a alertá-la, a mobilizá-la. 

Dito isto, convirá, outra vez, e outra e outra, todas quantas forem necessárias, dizer que se é verdade, terrível verdade, que os judeus foram o alvo principal e absolutamente maioritário das campanhas de extermínio, não menos certo é que outros grupos sofreram perdas atrozes e foram também eles alvo da ferocidade dos nazis (e dos seus aliados). E isto, esta modesta verdade, não pode ser postergada, minimizada apenas por que a tónica anti-semita atingiu foros de fanatismo intoleráveis.

Um bispo polaco foi duramente criticado por ter dito mais ou menos a mesma coisa. É provável que não tenha usado as melhores expressões, ou que tenha insistido no poder da comunidade judaica americana e na sua capacidade para sustentar campanhas de denúncia na imprensa. Mesmo assim, no fundo, o bispo tem razão. Houve mais mortos, muitos mais mortos e todos os mortos merecem ser recordados. A tragédia judaica não fica diminuída se dissermos isto, se dissermos a verdade.

É provável quase certo, aliás, que a única campanha de extermínio sistemática tenha sido a levada a cabo contra as comunidades judaicas. Todavia, a perseguição dos ciganos assumiu características muito semelhantes, mesmo que não tenha sido alvo do mesmo requinte de preparação, não tenha mobilizado os mesmos impressionantes recursos humanos e logísticos nem suscitado o mesmo catálogo de justificações. Mas os ciganos sobreviventes aí estão para nos lembrar que devem muito à sua peculiar forma de viver, a pertinaz e tradicional desconfiança que sentem por qualquer autoridade, e a uma cultura de itinerância furtiva que em muito os ajudou a escapar ao cerco dos assassinos.

Mesmo assim, os grupos minoritários (que  á escala de milhões de pessoas são sempre enormes) merecem ser citados. Porque foram vítimas. E porque apagá-los da história ou convertê-los em mero adereço de um cenário infame não torna mais exemplar a Shoa. 

* a gravura, bastante anódina, é justificada. Esquece-se muito quem libertou o campo e mais ainda os esforços notáveis dos soldados e do pessoal de saúde soviéticos para salvar o maior número de pessoas. Todavia, para os amadores de horror, nem é preciso uma gravura. Basta lembrar que nos armazéns do campo havia, p-ex. sete toneladas de cabelos humanos!        

Manta de retalhos

O meu olhar, 27.01.10

               

 
O senhor Manuel foi emigrante e quis reviver com a neta a viagem de dez horas que fez do Bombarral para Vilar Formoso, quando tentou o "salto" para a França em 1968. Pensando que hoje a coisa era mais rápida, nem consultou horários e apresentou-se na estação do Bombarral para o comboio das oito da manhã.
Para saber o que aconteceu ao Sr. Manuel, mas também ao Sr. Silva, ao casal Gonçalves e a outros personagens, ler aqui.

 

missanga a pataco 79

d'oliveira, 25.01.10

Django está vivo.......(em disco, claro)

Em tempos bem antigos dizia-se de um sanguinário que atormentou meia Europa que “estava vivo nos nossos corações”. Bem no meu não, que eu, para tal peditório, não dei. Mas a verdade é que havia uns rapazolas que, alucinados pela acne politica, achavam que o camarada Yossip Djugatchivilli, conhecido no século por Stalin, estava vivo. Não estava, graças a Deus, estava até bem morto e enterrado, mas para uma jubilosa e ignorante proto-esquerda o cavalheiro estava fresquinho, pronto a servir.

E Django? Django Reinhardt, ao completo, guitarrista de jazz emérito, manouche de boa cepa, fundador do Hot Club de França, companheiro e cúmplice de Stéphane Grapelli?

Pois Django faria hoje cem anos, bonita idade não fora dar-se o caso de ter morrido em 53 depois de uma vida extraordinária. De facto, era um verdadeiro autodidacta, incapaz de ler música mas com um ouvido e uma intuição absolutamente excepcionais. Mais excepcional ainda é o facto de ter perdido o uso de dois dedos da mão esquerda, devido a um incêndio na casa onde vivia. Mesmo assim, e os discos estão aí para o confirmar, o seu virtuosismo é mais que evidente.

Passou a guerra em Paris e, diz-se, teve a vida salva graças a um oficial alemão amador de jazz que terá conseguido livrá-lo das perseguições de que os ciganos eram vítimas.

Foi igualmente um dos primeiros músicos brancos e não americanos a ser reconhecido nos Estados Unidos onde tocou com Ellington. Deixou nesse pais um rasto de admiração e há inclusive algumas composições celebrando-o. De regresso a França trouxe na bagagem o bee-bop de que foi um defensor e um percursor na Europa. Ainda hoje o seu modo de tocar, as suas invenções são seguidos e imitados a pontos de se falar num jazz manouche ou jazz cigano, ainda que, talvez, se possa dizer com expressão limitada à França. Fora de dúvida é seguramente a sua ainda forte influência nos seguidores da guitarra jazz. E a sua música essa, felizmente, continua a ser ouvida e editada (até cá!).      

Au bonheur des Dames 217

d'oliveira, 25.01.10

Divagações num dia cinzento

O tempo não permite grandes especulações. Choveu que se fartou durante uma inteira semana, a pontos de encher o Alqueva, enfim a barragem do dito cujo, e de garantir que não haverá falta de água no Alentejo durante os próximos três anos. Boa notícia. Que seria ainda melhor se, na passada, anunciassem que não haveria falta de empregos na mesma região e durante algum tempo mais.

Depois da chuva, regressa o frio. Lá para o Leste já se bate o dente. 31 graus abaixo de zero na Roménia. Afortunadamente com poucas vítimas: só uns idosos sem abrigo, garantem as autoridades locais. Só! Se calhar devemos bater palmas. Poucas vítimas, idosos imprestáveis, associais ou coisa parecida. Sem abrigo em todo o caso, o que, no inverno romeno, não é aconselhável. Apeteceria dizer que o Haiti está perto. Não está.

O Haiti está perto de Deus e, neste momento, ainda bem, está perto dos Estados Unidos. Parece que o senhor presidente da França está zangado com os americanos que entram à bruta na antiga colónia (já agora na colónia que os venceu limpamente, louvores se dêem a Toussaint Louverture que, de resto, era sanguinário. Mas a verdade é que o Haiti, por uma vez sem exemplo, está perto da Califórnia. E por isso há uma cadeia ininterrupta de aviões a trazer feridos e a tentar salvá-los enquanto o presidente Sarkozy medita na grandeur  ofendida do seu país. Cento e cinquenta mil haitianos mortos debaixo de destroços de prédios (alguns deles modernos e luxuosos!...) e vivendo desde há dias no meio de uma gigantesca e caótica balbúrdia que é o must de todas as televisões. Nada funciona naquele país, sequer a ajuda internacional. Mas há sempre um bom ângulo nestas coisas, um rapaz que aguentou onze dias debaixo dos escombros do supermercado onde trabalhava. Sorte a dele que ficou mesmo perto das bolachas e coca-cola. As televisões deliram com histórias destas, tão humanas, tão televisivas. Neste momento, parece que o senhor presidente Chavez, esse mesmo, o da revolução bolivariana, signifique isso o que significar, apesar de preocupado com a invasão do Haiti se mostra mais preocupado ainda com uma emissora privada que teve a ousadia de não transmitir o seu discurso à boquiaberta nação venezuelana. Vai daí cortou-lhe o sinal. Criou a primeira televisão invisível da América Latina. Notem bem: não a proibiu, não a nacionalizou, não mandou os seus “tonton-macoutes” invadir as instalações da mafeitora. Cortou-lhe o sinal...

Nesta linha, sempre surpreendente, de casos que não são notícia, aproveito uma deixa de um amigo meu, que reflecte sobre Angola. O meu amigo corrige uma imprecisa ideia sobre o futuro do presidente José Eduardo dos Santos que, como sabem, com enorme sentido de Estado e incomensurável sacrifício vem assegurando desde há trinta anos os destinos da nação lusófona. Agora, um projecto de constituição, propõe a eleição indirecta do presidente. Parece que as eleições directas davam imenso trabalho (terá sido por isso mesmo que não se realizaram nunca) e não eram suficientemente democráticas. Agora e quando acabar o actual mandato de JES, será o parlamento quem votará. Em JES provavelmente. Mas só por mais dois mandatos, explica o meu amigo que leu os artigos 100ºe 104º da futura constituição. Depois disso, JES, poderá dedicar-se à pesca do salmão no rio Zaire, ou ao gamão, jogo muito estimado entre as elites locais.

Sabido que o salário de Presidente da República é uma miséria, prevê-se que seja a filha Isabel a dar uma ajuda ao idoso pai que, por se dedicar apenas à governação do país, não pode seguir o brilhante exemplo desta filha excepcional cuja tenacidade, inteligência, diligência e capacidade para o negocio, converteram numa das mais ricas pessoas do mundo. Só em Portugal, antiga metrópole, já investiu umas largas centenas de milhões de euros. O que prova, se fosse necessário, que a independência das colónias é muito melhor do que a dependência das metrópoles. Ora aqui está um exemplo de que o João V.C. ou eu nunca nos lembraríamos quando, em tempos felizmente distantes, apoiávamos os esforços dos nacionalistas africanos. Eu explico: nesses loucos mas sombrios anos, éramos muito “anti-capitalistas” e a ideia de que eventualmente poderíamos estar a criar uma burguesia “compradora” em Angola horrorizar-nos-ia. Felizmente, éramos demasiadamente ignorantes e sofrivelmente ingénuos, a pontos de pensar que o petróleo (que aliás é sobretudo de Cabinda, protectorado que não estava associado a Angola, sequer fisicamente) iria servir para fazer estradas e pontes, escolas e hospitais e banir para sempre a miséria dos angolanos. Bem se vê quão tolos éramos. Se os dinheiros tivessem sido tão mal distribuídos, Angola seria, quanto muito, um país remediado mas não teria essas elites político-financeiras que tanto bem fazem à debilitada economia portuguesa, para já não falar na subsistência de certas lojas de luxo de que uma capital como Lisboa não pode prescindir mas que só se aguentam graças aos clientes angolanos. Às vezes a descolonização dá bons resultados, não dá?      

À esquerda e à direita

José Carlos Pereira, 23.01.10

As negociações sobre o orçamento de Estado para 2010 e a anunciada disponibilidade de Manuel Alegre para se candidatar a presidente da República vieram evidenciar mais uma vez os constrangimentos que o PS sente com os partidos e movimentos à sua esquerda.

Para assegurar a governabilidade (e a viabilidade...) do país, o PS vê-se obrigado a negociar com o PSD e o CDS um conjunto de alterações ao orçamento. Só estes partidos se disponibilizaram para o fazer, talvez porque acabam por ter o sentido de Estado que outros não demonstram. PCP e Bloco de Esquerda colocam-se à margem, numa estratégia de quanto pior (para o PS) melhor. O seu adversário preferencial, há que dizê-lo, é o PS.

Com as presidenciais sucede algo de parecido. Alegre avança - e tem todo o direito a fazê-lo - mas logo salta Louçã para a arena, como que a dizer "o candidato é meu!". Alegre e  Louçã criam um sério problema ao PS e o maior partido português não pode ficar refém dessas estratégias. Alegre percebe o que quer o Bloco ou anda distraído com as suas proclamações? 

Dicionário do Caraças

JSC, 22.01.10

 

                            

 

Eis mais um contributo para o desenvolvimento da regionalização, penso eu de que. Segundo uma outra notícia, o dicionário não está fechado, aceitam novos contributos desde que não venham de murcões e mouros.

Mudar com Ideias Antigas

JSC, 21.01.10

A CGD injectou 4190 milhões de euros no BPN. 4,1 mil milhões de euros é o valor próximo do investimento a realizar para construir o Aeroporto de Alcochete. Mas este dinheiro não serviu para construir coisa nenhuma porque é apenas o valor que até à data a CGD enfiou no BPN. O Presidente da Caixa explica que se tratou de um “apoio de liquidez”, “sem risco”, para a CGD, porque, diz, “os financiamentos da CGD ao BPN têm garantia do Estado”. E é por esta razão, porque tem o aval do Estado, que o Presidente da Caixa diz, com verdade, que este financiamento ao BPN não afecta os resultados da Caixa.

Muitos se interrogam como é que o BPN bateu no fundo. As notícias que por aí vão circulando são esclarecedoras. Gamanço,luvas, empréstimos a fundo perdido, aquisições e vendas fraudulentas parecem ter sido estes os mecanismos de delapidação do Banco, sem que ninguém desse por nada, nem os auditores internos nem externos. Aquilo deveria ter uma engenharia contabilística muito sofisticada, tão complexa que nem os auditores e reguladores conseguiram decifrar. Depois, quando o caso estoirou, lá apareceu a CGD, com o aval dos contribuintes, para dar sustentabilidade ao sistema.

4,1 Mil milhões de euros é muito dinheiro. Tanto dinheiro até deveria tolher a quem aponta a crise (e não a roubalheira) como a causa de todos os males. Outra notícia do dia, que só aparentemente nada tem a ver com isto, é a apresentação de um livro que tem por titulo “Mudar”. E o que é que o seu autor nos sugere? Que tem que se «estar disponível para medidas difíceis que consigam diminuir a despesa do Estado, e convencer as famílias a gastarem menos e melhor». Portugal, diz, «gasta mais do que produz, e é isso que se tem de inverter».

 Há décadas que nos andam a pedir para estar disponíveis para medidas difíceis. FMI, PEC- Política de Estabilidade e Crescimento, défice orçamental, crise. Gasta-se mais do que aquilo que se tem, mas quando se pretende “convencer as famílias a gastar menos e melhor”, quer-se dizer exactamente o quê e está-se a falar de que famílas?

Em finais dos anos setenta, o Ministério das Finanças publicou um anunciou em vários jornais, que dizia mais ou menos isto: “Temos de viver com aquilo que temos”. É curioso ver como a permanência desta ideia se manteve, a ponto de agora ser repescada, reformulada, e transformada em bandeira política.