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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Défice Orçamental e Paraísos Fiscais

JSC, 04.01.10

No primeiro dia do ano o Presidente da República fez de analista político e concluiu que o país estava numa “situação explosiva”. A causa de tanto mal está, disse, no desequilíbrio das contas públicas e no avolumar da dívida externa. Parece que os governantes têm feito investimentos públicos desmedidos (ainda todos nos lembramos do boom dos anos 90) que o PR, agora, quer ver mais controlados, sugerindo que o próximo Orçamento de Estado é o momento certo para o efeito. 

Na senda do PR, aparece agora o Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio, a anunciar que não se pode esperar mais, o que se tem de fazer, deve ser feito, ou seja, a prioridade não é a recuperação económica mas sim a redução do défice orçamental. 

 Desde há muito que aprecio esta obsessão constantiniana pela redução do défice. Penso, aliás, que esta é a grande batalha do Governador, que ainda não ganhou, a exemplo de todas as outras (BCP, BPN, BPP) que perdeu.

 Se a economia não funciona, se o emprego não aparece, como é que Vitor Constâncio ataca o défice? Obviamente, por mais impostos sobre os pagantes de sempre.

A complicar a estratégia do Vítor Constância está a a eliminação do chamado pagamento especial por conta, tributo criado por Manuela Ferreira Leite e que o PS considerava iníquo, mas que agora considera justo e necessário para garantir a redistribuição contributiva. Certo, certo, é que este tributo penalizava as pequenas e médias empresas, impondo a todas o pagamento de uma colecta sem relação directa com os resultados obtidos.   

 

Se esta medida da oposição ainda complicou mais a gestão orçamental das receitas, bem pode agora Vitor Constâncio procurar compensar esta perda fiscal com a pesquisa e controlo dos fundos que têm deixado o país, rumo a paraísos fiscais, como se pode leraqui.

Se o Banco de Portugal for eficiente no controlo das centenas de milhões euros que se esgueiram do país e fogem ao fisco, dará, certamente, um grande contributo no objectivo que persegue.

O problema é que é bem mais difícil esta tarefa do que a de lançar mão de mais um acréscimo de IVA ou da alteração, para mais, nos escalões do IRS.

 

Voltemos ao País real

JSC, 04.01.10

Noventa e tal mil assinaturas a favor do referendo. A primeira curiosidade da coisa é o escasso tempo (3 semanas) em que foram recolhidas tantas assinaturas. A segunda curiosidade é a multiplicidade de nomes sonantes (o mais destacado será o ex-PGR Souto Moura) e a abrangência ideológica dos subscritores.

 

Como será que o PS vai sair deste filme?

 

Au bonheur des Dames 216

d'oliveira, 01.01.10

À sombra dos amigos em flor

Eu sei, sei perfeitamente, que também tenho as minhas leituras, que  diabo!, que este título é um roubo descarado do meu homónimo Proust, aquele senhor de ar tímido e merencório que adorava comer madalenas (se é que em português também se usa o termo) e que são uns pasteis (e não o que alguma leitorinha atrevida e ainda obnubilada pelos festejos poderia pensar ...) e de que os comentadores proustianos se servem por tudo e por nada, só para chatear o indígena e impedir-nos de ler esse fresco monumental que é o “em busca do tempo perdido...” 

Roubei, pois, o título, mudei-o, e mudei-o bem mesmo se  à sombra das raparigas em flor” também seja coisa muito agradável (ia a dizer comestível, que ideia mais peregrina num cavalheiro de 68 anos feitos e perfeitos, apesar de haver um ditado que reza: a boi velho erva tenra).

Quem até aqui me leu, há-de dizer para os seus botões que o old chap mcr endoidou de vez, apanhou uma narsa de caixão à cova, que 2010 lhe está a fazer mal enfim um ror de coisas todas legítimas, todas consequentes mas absolutamente falsas, como verão.

É que, para citar uma vez mais o meu querido e sempre presente amigo Rui Feijó, estou como um cuco. Ontem recebemos cá em casa alguns poucos amigos, amigos de há muitos, muitos anos, para um jantarinho vagamente comemorativo do fim de ano. É uma tradição antiga, esta, de nos juntarmos por esta altura. Andava, a tradição, de monco caído, o Rui morreu entretanto, outras coisas se puseram de permeio e já não nos víamos há uns tempos. Felizmente, a Luísa Feijó telefonou antes do natal para os consabidos votos e aproveitei para a convidar para jantar. Nesse jantar combinou-se o seguinte que ontem teve lugar. Quebrou-se um enguiço de desencontros, a ver vamos se daqui para a frente, novo ano nova vida, nos reunimos mais vezes. E foi assim que uma parte dos convivas de passados fins de ano se reuniu à volta de um caril de camarão e caranguejo que, não é para me gabar, estava fosforecente. E passámos umas horas nesse género de conversas perdidas, cruzadas, feitas de tudo e de nada, de recordações e projectos, de observações e emoções de carinho e de saudade em que o velho fidalgo Rui Feijó mais uma vez esteve presente na emocionada recordação deste antigo grupo.

Costumo dizer que sou cão que conhece dono, fiel aos amigos, fiel de uma fidelidade sem reservas mesmo se lúcida. Na terra longe que me viu nascer diz-se “os amigos não têm defeitos”. Têm, claro que têm, mas esses defeitos são como o antigo contrapeso que os talhantes nos davam quando íamos por meio quilo de carne de bife. Os defeitos próprios e alheios dão-nos a dimensão da nossa humanidade e, no caso dos mais próximos, basta contrastá-los com a ternura e a amizade para sabermos onde estamos e com quem realmente contamos.

Um ano acabou, outro começa. Que seja melhor, dizemos. Melhor para todos, acrescento, que o ano que se foi não deixa grandes saudades.

Cá em casa, começou com arrumações que quando finalmente nos despedimos dos nossos hóspedes, era tarde de mais para pôr tudo em ordem. Fiel ao velho princípio de que basta despejar os cinzeiros e os copos e deixá-los com água, bem como o resto das louças, ficou para hoje a barrela geral. E depois, pela cidade deserta em busca de um café em flor. Nunca um café foi tão merecido quanto o que tomei numa providencial pastelaria aberta em dia feriado. Por uma vez sem exemplo nem tive saudades da minha esplanada aqui ao lado, tal a dose de gratidão que me assaltou ao ver um café aberto. É que o primeiro café da manhã tem de ser tomado em local apropriado, se possível em Paris (e, se mais possível, diante do jardim do Luxemburgo, pedir não custa. Sonhar também não, pelo que, já agora, à falta de Proust que era um noctívago, gostaria de reencontrar Umberto Eco com quem, uma vez inesquecível, partilhei mesa e conversa numa esplanada da place de Saint Sulpice. O homem falou de coisas espantosas mas o que mais me enterneceu foi quando derivámos para Verne, Salgari e Dumas e ele me informou que as casas de d’Artagnan, Athos e Porthos eram mesmo ali a dois passos. "E Aramis?", perguntei-lhe. "Não sei", respondeu. "Mas como ele era tão cheio de mistérios é provável que Dumas tenha feito de propósito ao não dizer onde é que morava", arrisquei eu. "Por que não?", retorquiu-me. E ficámos um longo minuto a meditar nesse magno problema literário que ainda não foi tema de nenhuma tese universitária sobre Dumas, “Aramis ou a parte escondida de Dumas, enquanto revolucionário garibaldino com saudades do passado”. Ora aqui está uma bela hipótese de trabalho para 2010. Aproveitem, leitoras e leitores com falta de imaginação. Como as coisas estão ainda vos doutoram numa dessas universidades onde se faz exame ao domingo.

E tenham bom ano......

 

Vai esta para muitos e excelentes amigos mas permitam-me que destaque dois destinatários: a Zé Albarran e o Rui Ferrão Lucas. Uma por que teve o atrevimento de pensar que ao meio dia eu ainda dormiria e outro por que queria um post com cheiro de caril. Ele que venha até cá e eu faço-lhe o caril..., ora essa!

a gravura: place de Saint Sulpice e o café que resta. O outro mais ao fundo e á direita de quem vê a fotografia foi comprado e substituído por  uma loja de carteiras caríssima. À direita e ao fundo a rue du Vieux Colombier, onde Porthos morava. Athos e d'Artagnan moravam respectivamente nas ruas Servandoni e Ferou. Esta última sai da praça mesmo em frente ao café e a outra é uma paralela dela um pouco mais á esquerda. Ou seja, fossem os mosqueteiros vivos e este café seria um ponto ideal de encontro, sobretudo por que nele passam, continuamente montes de jeunes filles en fleur.  

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