O leitor (im)penitente 53
Para a Póvoa com Magdalena Kozená
Tornar voglio al primo amore
Perché il chiede la mia fede
E l’esige il mio dovere
(Arsila Regina di Ponto)
Se eu conseguisse começar com um risinho sacana, ah, ah, ah... com que então pensavam que se livravam da Póvoa?, começava. Mas não. Não posso fazer essa desfeita à sublime Magdalena Kozená, cujo disco “Vivaldi” (com a Venice Baroque Orchestra, dirigida por Andrea Marcon, na Archiv) me fez companhia na estrada entre o Porto e a Póvoa. Ouçam-no e depois digam-me coisas. Se conseguirem, se ultrapassarem a emoção e o prazer que essa voz belíssima vos dará.
Mas voltemos à Póvoa. Do Varzim, essa mesmo que viu nascer Eça. Eça que, aproveitemos, é agora alvo de uma excelente biografia cerzida à mão por Campos Matos que é, digam o que disserem, o grande eciano do momento por muito que alguns “estudiosos” chatisimamente universitários pretendam o contrário.
Na Póvoa, pois. No decimo primeiro ano das “Correntes d’Escritas”. Na Póvoa que o meu caro confrade JJ Armas Marcelo promete celebrar no próximo número do ABCD, surpreendente suplemento cultural do Abc, jornal mais conservador do que um cardume de pescadas mas que em questão de caderno cultural ensina muito inclusivamente à Babelia o suplemento de artes e letras de El País. Ainda nos rimos a bandeiras despregadas, eu e o Francisco Belard (finíssimo leitor e melhor crítico) das histórias que o JJ nos contou sobre o mundillo literário espanhol. E das histórias que contou numa das mesas redondas em que participou. Armas Marcelo é um narrador de mão cheia e veio cá lançar “A ordem do Tigre” editado pela Teorema. A não perder.
A Póvoa do Varzim, graças a uma câmara municipal culta e inteligente e ao trabalho da Manuela Ribeiro e do Francisco Guedes (e à equipa que reuniram ao longo dos anos) anuncia todos os anos a primavera com esta festa de livros, leitores, autores e curiosos que enchem o auditório municipal no meio de uma alegre bagunça, com autores a visitarem escolas (e a serem bem recebidos pela miudagem!...) com noitadas que não acabam. Com encontros, reencontros e desencontros de amigos e conhecidos e vamos lá, com alguma repercussão em dois ou três jornais nacionais. Já não era sem tempo.
O que eu não consegui entender é por que outras câmaras (excluindo Matosinhos onde daqui a dois meses se celebra a quinta edição do “Literatura em Viagem” ainda não perceberam a mina que isto é, o fabuloso retorno publicitário (de que o artigo do JJ é exemplo) que uma festa destas pode trazer. Que diabos, sempre são umas boas dúzias de escritores de três continentes e outras tantas ou mais línguas a relatar em crónica os dias de convívio nestas terras nossas!
E já basta de considerandos. Voltemos à Póvoa (do Varzim e de Eça): boas surpresas, várias confirmações e algumas esperanças.
Agradou-me ver a Ministra da Educação contar com um entusiasmo que pareceu sincero a sua experiencia no Plano Nacional de Leitura. Talvez me tenha parecido demasiado esperançada mas antes isso do que uma cínica resignação. A leitura não depende só da Escola mas muito, cada vez mais, do ambiente familiar. Casa onde haja livros é meio caminho andado. Livros só na Escola mesmo se apoiados pela biblioteca escolar (falou-se em 3.000 ou fui eu que entendi mal?) não chegam. Mas foi bom ouvir uma Ministra falar português e não “eduquês", expor-se e arriscar-se. Depois da que tivemos antes, isto é a primavera, ou pelo menos a promessa dela.
E a livralhada? Pois das novidades que se apresentaram e que foram muitas, demasiadas talvez, reservei-me gulosamente algumas. Já citei Armas Marcelo e tenciono nos próximos dias comprar as edições originais (isto é espanholas) de Isaac Rosa (“O pais do Medo”, Planeta) Hector Abad Faciolince (Receitas de amor para mulheres tristes, Quetzal) Pablo Ramos (Origem da Tristeza, Quetzal). Dos portugueses fico-me, para já com “Cinco de Outubro” de Lourenço Pereira Coutinho (Sextante) e “A lucidez do amor" de Tânia Ganho (Asa). E finalmente o livro do brasileiro Zuenir Ventura, "Inveja, mal secreto" (Planeta).
Manda a justiça noticiar a saída de “Inversos – Poesia 1990-2010” de Ana Luísa Amaral (Dom Quixote). Curiosamente nunca consegui ser fiel leitor desta poetisa mas os meus amigos dizem dela grande bem e eu não quereria que uma má impressão minha sepultasse no silêncio um esforço que só a mim não comove.
É provável que esta recensão peque por defeito e que nesta escolha apressada falte alguma obra digna de menção. Paciência! Outros poderão corrigir-me, acrescentar-me ou até contradizer-me.
Falta referir o “grande acontecimento” ou o que foi assim anunciado: a saída da edição portuguesa de “Terceiro Reich” do falecido Roberto Bolaño. Quem me lê, sabe da minha admiração por “Os Detectives Selvagens” (Teorema) lido no original (Anagrama) vai para uma boa dúzia de anos mas já aqui citado. Um grande romance a que se seguiram duas ou três novelas interessantes. Todavia, este afã descobridor de geniais romances no espólio do morto parece-me suspeito e sem ler de fio a pavio essas prometidas excelências prefiro não as vender sequer por dez reis de mel coado.
* nota final Os leitores interessados ficam a saber que nos primeiros dias de Março serão postos à venda em Espanha algumas novidades de encher o olho. Dentre elas: “Dicionário de Americanismos” (75.000 entradas!!!) da responsabilidade conjunta da Associação de Academias da Língua; “El Asédio” de Arturo Pérez-Reverte (sobre os dias exaltantes do cerco de Cádis, obra que vem na sequência de “Un dia de cólera” já traduzido em português); “Antologia verso e prosa” de Gabriela Mistral e “Antologia general” de Pablo Neruda, ambos os livros com fartas páginas e a preço de saldo.
** como terra a Póvoa não é grande beleza. Todavia tem o mar e só isso já a salva. a fotografia foi pilhada na internet e trazia uma menção :"brandung"