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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

O leitor (im)penitente 53

d'oliveira, 28.02.10

 Para a Póvoa com Magdalena Kozená

 

Tornar voglio al primo amore

Perché il chiede la mia fede

E l’esige il mio dovere

(Arsila Regina di Ponto)

 

Se eu conseguisse começar com um risinho sacana, ah, ah, ah... com que então pensavam que se livravam da Póvoa?, começava. Mas não. Não posso fazer essa desfeita à sublime Magdalena Kozená, cujo disco “Vivaldi” (com a Venice Baroque Orchestra, dirigida por Andrea Marcon, na Archiv) me fez companhia na estrada entre o Porto e a Póvoa. Ouçam-no e depois digam-me coisas. Se conseguirem, se ultrapassarem a emoção e o prazer que essa voz belíssima vos dará.

Mas voltemos à Póvoa. Do Varzim, essa mesmo que viu nascer Eça. Eça que, aproveitemos, é agora alvo de uma excelente biografia cerzida à mão por Campos Matos que é, digam o que disserem, o grande eciano do momento por muito que alguns “estudiosos” chatisimamente universitários pretendam o contrário.

Na Póvoa, pois. No decimo primeiro ano das “Correntes d’Escritas”. Na Póvoa que o meu caro confrade JJ Armas Marcelo promete celebrar no próximo número do ABCD, surpreendente suplemento cultural do Abc, jornal mais conservador do que um cardume de pescadas mas que em questão de caderno cultural ensina muito inclusivamente à Babelia o suplemento de artes e letras de El País. Ainda nos rimos a bandeiras despregadas, eu e o Francisco Belard (finíssimo leitor e melhor crítico) das histórias que o JJ nos contou sobre o mundillo literário espanhol. E das histórias que contou numa das mesas redondas em que participou. Armas Marcelo é um narrador de mão cheia e veio cá lançar “A ordem do Tigre” editado pela Teorema. A não perder.

A Póvoa do Varzim, graças a uma câmara municipal culta e inteligente e ao trabalho da Manuela Ribeiro e do Francisco Guedes (e à equipa que reuniram ao longo dos anos) anuncia todos os anos a primavera com esta festa de livros, leitores, autores e curiosos que enchem o auditório municipal no meio de uma alegre bagunça, com autores a visitarem escolas (e a serem bem recebidos pela miudagem!...) com noitadas que não acabam. Com encontros, reencontros e desencontros de amigos e conhecidos e vamos lá, com alguma repercussão em dois ou três jornais nacionais. Já não era sem tempo.

O que eu não consegui entender é por que outras câmaras (excluindo Matosinhos onde daqui a dois meses se celebra a quinta edição do “Literatura em Viagem” ainda não perceberam a mina que isto é, o fabuloso retorno publicitário (de que o artigo do JJ é exemplo) que uma festa destas pode trazer. Que diabos, sempre são umas boas dúzias de escritores de três continentes e outras tantas ou mais línguas a relatar em crónica os dias de convívio nestas terras nossas!

E já basta de considerandos. Voltemos à Póvoa (do Varzim e de Eça): boas surpresas, várias confirmações e algumas esperanças.

Agradou-me ver a Ministra da Educação contar com um entusiasmo que pareceu sincero a sua experiencia no Plano Nacional de Leitura. Talvez me tenha parecido demasiado esperançada mas antes isso do que uma cínica resignação. A leitura não depende só da Escola mas muito, cada vez mais, do ambiente familiar. Casa onde haja livros é meio caminho andado. Livros só na Escola mesmo se apoiados pela biblioteca escolar (falou-se em 3.000 ou fui eu que entendi mal?) não chegam. Mas foi bom ouvir uma Ministra falar português e não “eduquês", expor-se e arriscar-se. Depois da que tivemos antes, isto é a primavera, ou pelo menos a promessa dela.

E a livralhada? Pois das novidades que se apresentaram e que foram muitas, demasiadas talvez, reservei-me gulosamente algumas. Já citei Armas Marcelo e tenciono nos próximos dias comprar as edições originais (isto é espanholas) de Isaac Rosa (“O pais do Medo”, Planeta) Hector Abad Faciolince (Receitas de amor para mulheres tristes, Quetzal) Pablo Ramos (Origem da Tristeza, Quetzal). Dos portugueses fico-me, para já com “Cinco de Outubro” de Lourenço Pereira Coutinho (Sextante) e “A lucidez do amor" de Tânia Ganho (Asa). E finalmente o livro do brasileiro Zuenir Ventura, "Inveja, mal secreto" (Planeta).

Manda a justiça noticiar a saída de “Inversos – Poesia 1990-2010” de Ana Luísa Amaral (Dom Quixote). Curiosamente nunca consegui ser fiel leitor desta poetisa mas os meus amigos dizem dela grande bem e eu não quereria que uma má impressão minha sepultasse no silêncio um esforço que só a mim não comove.

É provável que esta recensão peque por defeito e que nesta escolha apressada falte alguma obra digna de menção. Paciência! Outros poderão corrigir-me, acrescentar-me ou até contradizer-me.

Falta referir o “grande acontecimento” ou o que foi assim anunciado: a saída da edição portuguesa de “Terceiro Reich” do falecido Roberto Bolaño. Quem me lê, sabe da minha admiração por “Os Detectives Selvagens” (Teorema) lido no original (Anagrama)  vai para uma boa dúzia de anos mas já aqui citado. Um grande romance a que se seguiram duas ou três novelas interessantes. Todavia, este afã descobridor de geniais romances no espólio do morto parece-me suspeito e sem ler de fio a pavio essas prometidas excelências prefiro não as vender sequer por dez reis de mel coado.

* nota final Os leitores interessados ficam a saber que nos primeiros dias de Março serão postos à venda em Espanha algumas novidades de encher o olho. Dentre elas: “Dicionário de Americanismos” (75.000 entradas!!!) da responsabilidade conjunta da Associação de Academias da Língua; “El Asédio” de Arturo Pérez-Reverte (sobre os dias exaltantes do cerco de Cádis, obra que vem na sequência de “Un dia de cólera” já traduzido em português); “Antologia verso e prosa” de Gabriela Mistral e “Antologia general” de Pablo Neruda, ambos os livros com fartas páginas e a preço de saldo.  

** como terra a Póvoa não é grande beleza. Todavia tem o mar e só isso já a salva. a fotografia foi pilhada na internet e trazia uma menção :"brandung"

Estes dias que passam, 201

d'oliveira, 28.02.10

 

Uma homenagem, um agradecimento, um apelo

 

Passam quarenta anos quase dia por dia sobre a fundação da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. 

Eram seus objectivos "a solidariedade para com os presos políticos, mediante ajuda material e apoio jurídico, informação à opinião pública e intervenção persistente junto das entidades oficiais no sentido de fazer respeitar os inalienáveis direitos das pessoas", como consta do primeiro comunicado (31 de Dezembro de 1970) da organização (cfr PRESOS POLÍTICOS, documentos 1970, 1971" livro editado pela Afrontamento e organizado por armando de Castro, Francisco Pereira de Moura e Luís Filipe Lindley Cintra. Porto, 1972).

Não tenho a certeza exacta de quantos eram ao todo mas a lista mais completa que conheço revela cinquenta nomes e desses mulheres e homens honrados e corajosos vinte de dois deram-me a honra de ser meus amigos pessoais. Muitos, porventura a maioria, já morreram. Alguns, mas não todos eram conhecidos (e reconhecidos) neste país que prefere, as mais das vezes, o fogacho e a purpurina, às honra e ao civismo e à cidadania. Outros partiram discretamente como discreta mas corajosamente viveram.

Agora, finalmente, corre uma petição de apoio a uma homenagem pública às actividades realizadas pela CNSPP.

Há já um site para o efeito que me apresso a divulgar: www.cnspp.org onde todos os leitores que deste blog poderão apor, querendo, as suas assinaturas. 

Na qualidade de antigo preso político e de beneficiário desse expresso apoio da CNSPP por ocasião de uma das prisões que sofri lanço um apelo  a todos os que me lêem para juntarem a sua voz à minha. 

A CNSPP foi, num país cinzento e indiferente, a voz da honra e da dignidade. E da coragem, que, desde o primeiro momento, demonstrou. Os seus membros foram vigiados, seguidos, perseguidos, por vezes presos e em ocasiões agredidos.

foram discriminados nas profissões, viram ser-lhes fechadas muitas oportunidades e sabe-se que sobre os seus amigos e familiares recaíram suspeitas e constrangimentos.

Nada disso os demoveu e durante os anos em que estiveram em actividade não descuraram, pese embora os escassos meios de que dispunham de exercer a sua digníssima actividade.

bom seria que, também nas ex-colónias, mormente Angola e Moçambique alguém recordasse a corajosa denúncia das prisões, das tortura e dos massacres a que a CNSPP deu publicidade.  

 

Em memória de Alfredo Fernandes Martins, António Portugal, António Rocha e Melo, Fernando Soares David, Henrique de Barros, Ilse Losa, Manuel Denis Jacinto, Jjudite Mendes de Abreu, Maria Manuel Antunes, Mário  Silva, Orlando de Carvalho, Paulo Quintela Rui Clímaco, Rui Feijó  e Sofia de Melo Breyner Andresen, meus amigos

e um profundo abraço de gratidão a Mário Brochado Coelho, Marta Cristina Araújo e Maria de Lurdes Almeida: convosco estive menos só em Caxias...

 

 

A serenidade de Assis

José Carlos Pereira, 26.02.10

O deputado Francisco Assis voltou nesta legislatura à liderança do grupo parlamentar do PS e tem sido um bom exemplo de equilíbrio e serenidade no seio da maioria socialista, contribuindo para o diálogo e a construção de entendimentos com a oposição. A sua (bem sucedida) experiência anterior no cargo, no tempo dos governos de António Guterres, terá sido o que motivou a escolha de José Sócrates para o lugar, numa legislatura em que a ausência de maioria obrigava a optar por um perfil mais friendly para a função.

No debate do orçamento, nas relações com o presidente da República, na forma como aplacou a deriva de alguns deputados que pretendiam publicitar as contas bancárias dos portugueses, na gestão que tem efectuado da questão presidencial no seio do PS, nunca extremando posições, Assis tem dado um forte contributo para unir o grupo parlamentar e focar o debate político no essencial.

Regressado de um mandato no Parlamento Europeu e depois de uma candidatura fracassada à presidência da Câmara do Porto em 2005, ainda assim menos má que a de Elisa Ferreira em 2009, Assis regressou ao primeiro plano da vida política nacional. Não sei se as suas expectativas terão sido defraudadas pelo facto de ter ficado fora do Governo, mas Sócrates pensou nele para o Parlamento e fez bem.

Aliás, a serenidade e a determinação de Assis ficaram bem evidentes no famoso episódio de Felgueiras, quando liderava a Distrital do Porto do PS, ou quando decidiu candidatar-se à Assembleia Municipal de Marco de Canaveses, em 2001, dando o seu contributo à oposição a Avelino Ferreira Torres. Apesar de termos sido contemporâneos na Faculdade de Letras do Porto, conheci melhor Francisco Assis nessa altura e sobretudo mais tarde, quando “patrocinou” a minha candidatura à liderança da Assembleia Municipal de Marco de Canaveses em 2005, sucedendo-lhe nessa missão. As ocasiões em que desde então convivi de perto com Assis, nomeadamente nos momentos mais informais, consolidaram a minha avaliação muito positiva quanto às suas qualidades pessoais e políticas.

Dúvida Metódica

JSC, 25.02.10

As coisas pareciam correr bem para Manuel Alegre. Não se vislumbrava outro candidato na esquerda, salvo o que viesse a ser apresentado pelo PC, para manter a tradição.

 
Era Manuel Alegre contra Cavaco Silva e vice-versa. Só que, mais cedo do que seria de esperar, emergiu das hostes monárquicas um candidato a Presidente da República. O mais natural era ver nesta candidatura uma não candidatura, qualquer coisa para marcar terreno e alargar a difusão da causa monárquica, que vem sendo empunhada pelo ex- banqueiro, também poeta.
 
Ao ler as notícias de hoje verifico a confusão que vai nas hostes do Bloco de Esquerda, apoiante apressado de Manuel Alegre. Figuras proeminentes do Bloco começam a vacilar e mostram simpatia pelo candidato monárquico.
 
Sempre me pareceu que o Bloco era uma amálgama ideológica. Mas apesar de tudo com alguma consistência. Mas não é só do Bloco que brota a onda de apoio a Fernando Nobre, que até se declara “apolítico”, coisa estranha para quem quer ser o alto magistrado da Nação. 

22% do PIB não registado

JSC, 24.02.10

O Prof. Carlos Pimenta, que tem dedicado muito do seu trabalho ao estudo da chamada “economia paralela”, também designada de “economia subterrânea”, a que qualifica de “economia não registada”. Ano após ano tem vindo a alertar para o desenvolvimento deste fenómeno em Portugal, sem que tal tenha tido grande audição na esfera política e mesmo comunicacional.

 

Ainda bem que o Parlamento resolveu dar a atenção a este fenómeno. Pena é que a comunicação social, de tão envolvida que anda nos mexericos da política e da justiça, tenha passado ao lado deste debate, bem mais importante e relevante para o futuro de todos nós. Parece que a excepção é este artigo do Público.

 

Au bonheur des Dames 223

d'oliveira, 23.02.10

 

Apostila a Au Bonheur 221  ou

baralhar para voltar a dar

 

No texto em referência referiram-se alguns dos pecados maiores que se costumam assacar à geração de sessenta. Poderia dizer, antes, atitudes cujo uso e abuso conduziu a pecados. É-me todavia indiferente a qualificação por uma simples razão: todas as ideologias, todas as teorias e um sem numero de santidades conduziram a excessos, a deturpações e a desastres. A história das religiões dá-nos disso exemplos frisantes sejam a sharia a torto e a direito ou a excomunhão e o que se lhe seguia. A fogueirinha redentora que aquecia as carnes pouco tenras do réprobo ou do judeu contumaz não diferem nos seus efeitos da chuva de pedras que se abate sobre o ímpio ou a mulher adúltera na Arábia dita (porventura por ironia) feliz. Os filhos de Rousseau são hoje expostos no pelourinho severo (e pouco caridoso) das justiceiras da Educação Nacional e os voltairianos são escarnecidos pela sua intolerância. Mais próximos, o endeusado Sartre é apontado pelo seu exaltado apego à História mesmo se isso se traduzisse (e traduziu) num desapego total do Homem. Camus, seu sereno adversário, a par de louvores e hagiografias a granel (os cinquentenários dão muito disso) continua a ser apontado como um tíbio filósofo para o sétimo ano dos liceus e um peão de brega do conservadorismo liberal (Não lhe perdoam a posição sobre o terrorismo argelino e não só mesmo se, actualmente há da parte de intelectuais do Magrebe uma forte e honrada reivindicação desse grande intelectual pied-noir).

No caso português, circulam, envergonhadamente, acusações ao terrorismo das “Brigadas Revolucionárias” depois de 25 de Abril, comenta-se o facto de a geração do flower power nacional ter transformado a sua critica radical em desafio permanente ao Estado Democrático, em contestação sistemática do Poder e atribui-se-lhe todas as cretinices resultantes do abuso do politicamente correcto.

Vejamos.

Os escassos (mas nem por isso desculpáveis) actos terroristas ocorridos nos anos post-revolucionários tiveram três caras: o ELP, as Brigadas e para abreviar os chamados “otelistas” ou “vintecinco abrilistas”. De toda essa agitação resultaram pouco mais de uma dezena de mortos, um quarteirão de bancos assaltados, várias bombas avulsas com seu cortejo de destruição e miséria gratuitas. Um cento de pessoas esteve preso por períodos diversos e os julgamentos desse punhado de crimes deixaram um rasto de interrogações.

Conviria esclarecer que do pouco que pareceu ficar apurado quer o terrorismo de Direita quer o das Brigadas tiveram mandantes de uma geração anterior à de sessenta e recorreram fundamentalmente a criaturas exaltadas, politicamente impreparadas quando não claramente ignorantes. E ao lumpen como, aliás, também ocorreu com parte dos recrutamentos feitos pelas forças populares 25 de Abril. Ler os seus textos ridículos mas tonitruantes é descer a uma ignorada esfera do Inferno de Dante que ele terá deixado no tinteiro por medíocre. Sobraram mortos, é verdade, mas essa tragédia não torna os executores mais nobres, apenas mais abjectos.

A segunda crítica à geração assenta no facto de ela ter eventualmente proclamado o estado de discussão e agitação permanentes. Isso significaria que ao exaltar a indisciplina sistemática se fortalece o poder das corporações dos grupos ad-hoc dos defensores de privilégios anti-democráticos (o exemplo está na memoria recente de todos).

Finalmente, a crítica conservadora aponta o triunfo do politicamente correcto e, por vezes, junta-lhe a tendência para as “propostas fracturantes” muito do agrado das jotinhas partidárias. Também aqui os tiros passam bastante ao lado não só por que numa sociedade global muita desta espuma dos dias é importada mas sobretudo porque a Direita também cede a boa parte dos encantos desta nova maneira de liofilizar a Política.

As responsabilidades geracionais existem mas a gestão que dos seus efeitos se faz cabe também (e/ou principalmente) a outras gerações mais recentes que subitamente esquecem o velho aforismo ubi commoda ibi incommoda se é que me faço entender. E não deixa de ser significativo que, subitamente, no rescaldo de uma crise sem precedentes, se venha oportunamente (ou oprtunisticamente?) lembrar telhados de vidro alheios. Ou de como algum anti-capitalismo mais ou menos inocente e enterrado pelos anos e pela realidade se vê co-responsabilizado com o ultra-liberalismo dos neo-cons e dos seus discípulos indígenas. Irra

* na gravura o círculo dos violentos do Inferno de Dante em versão jogo para computador e pilhado na internet 

 

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