diário Político 146
R.A.S. (rien a signaler) ou nada de novo
A notícia do fim de semana é uma não notícia. De facto ao decidir apoiar Manuel Alegre, o PS não fez mais do que se sabia que tinha de fazer. Realmente não havia outra alternativa por mais esforços que quatro ou cinco “conselheiros” (mal avisados conselheiros, digamos) tivessem feito. A ideia peregrina de não apoiar ninguém (deixando ao alvedrio de cada um dos militantes essa escolha, que aliás eles sempre têm) é de tal maneira tonta que nem se acredita que alguém tenha tido, mais do que a desfaçatez, a burrice de a lançar.
Alegre, como já Sampaio o fizera, forçando a mão aos grupos mais direitistas do PS (soaristas incluídos), cortou-lhes as saídas. Ao proclamar-se candidato, assegurou imediatamente numerosos apoios das bases (como se tem visto), secou o terreno dos eventuais adversários (que aliás ninguém viu) e criou uma dinâmica que esta votação singularmente de braço no ar (!!!) avalizou esmagadoramente.
Dirão alguns que a votação (dez votos contra e uma que outra abstenção, alem da saída da sala de um par de cavalheiros de que só por misericórdia não se revelam os nomes) é excessiva: eram de certeza mais, muitos mais, os inimigos de Alegre. Só que não foram capazes de sair a terreiro. Irão agora, a coberto de pequenas conspiratas, de conversas de bastidores e de intrigas e fuxicos, cortar na casaca do candidato, por que isto é gente que junta á falta de coragem um dom inato para o mexerico.
Todavia, o PS não tinha de facto um candidato. Nem sequer o cavalheiro monárquico que apoiou Cavaco e agora empurrado por alguns e fascinado pelas luzes aparece a candidatar-se. Parece que já anda a recolher assinaturas. Alguém duvida que aí anda também mãozinha de punho fechado?
De há muitos meses a esta parte, o PS “enrocou-se” como se diz em Espanha. A imagem vem do xadrês e significa uma jogada mais ou menos desesperada e defensiva em que se movimentam conjuntamente o rei e uma torre para tentar melhorar as possibilidades da defesa. Cortou as pontes com o melhor de si mesmo, com a sociedade civil que o apoiava desde os Estados Gerais e está a perder terreno desde a eleição de Passos Coelho. Há dias, uma sondagem dava pela primeira vez ao partido da oposição a maioria absoluta. Sondagens são sondagens e por cá o seu grau de fiabilidade é o que se sabe. Porém, não se devem menosprezar e com esta errática e desgovernada gestão da crise, começa a parecer normal que os futuros votantes olhem para o PPD como um salvador.
Sem Alegre, as coisas seriam ainda piores para o PS. Por isso, também, eis que sem festa, apoia o candidato que vem das suas fileiras. E apoia-o também porque não pode correr o risco de uma guerra civil nas suas hostes. Uma coisa é a má vontade de alguns dirigentes que de resto não têm muitas tropas. Outra é a arraia miúda, os incontroláveis, os que periodicamente esbracejam contra os instalados no Parlamento, nas prebendas, nas direcções regionais e nacional.
Sócrates terá (tem) defeitos por uma pá velha. É arrogante, autista e ambicioso. Mas não é tonto. Sabe bem que atrelando o seu carro ao de Alegre poderá sobreviver. Se este ganhar, ele ganha. Se este perder, ele perde pouco, quase nada. E mantém o leme pois ninguém o irá culpar de um eventual desastre eleitoral nas presidenciais. De certo modo instrumentaliza Alegre ou instrumentaliza-o mais do que este a ele.
Admiro-me até de não o ter visto há mais tempo a lançar mensagens de apoio ao candidato. Discretas, mas verificáveis. Andava, decerto, demasiadamente ocupado a tapar buracos.
Quanto ao dr Soares as coisas são diferentes. À medida que envelhece vai-se-lhe embotando o faro politico e evidenciando-se a sua contumaz oposição a tudo o que o contrarie. Soares que deve boa parte da sua carreira como Secretario Geral a Alegre (quando este “virou” o Congresso que Serra se propunha ganhar), não engoliu a afronta de ficar atrás de Alegre nas últimas presidenciais. Soares é de mau perder e já nada tem a perder. Ou muito pouco. As suas súbitas afeições por Chavez, a sua inesperada compreensão do fenómeno Fernando Nobre e mais uma boa dúzia de afirmações entre o pueril e fora de tom mostram com clareza que para ele, as escolhas ideológicas não são artigo de primeira necessidade. Contudo, também Soares pode pouco neste contexto. Isto não é exactamente a mesma coisa do que a segunda candidatura de Eanes (que, aliás ele duplamente perdeu: não foi seguido por ninguém e Eanes ganhou) e Alegre não é tão longínquo dos militantes quanto o era Salgado Zenha, que de “consciência moral” do PS passou praticamente a non person.
Questão diferente é saber se Alegre pode ganhar a Cavaco. É que aqui não é só o peso da Esquerda que conta. A Direita vai unir-se atrás do actual inquilino de Belém, ou o zunzum que metia Bagão Félix ao barulho vai continuar? E se sim, com um candidato mais credível? As declarações da Igreja e de um par de católicos mais exaltados retirarão apoios importantes a Cavaco?
Qual vai ser o peso da crise na eleição presidencial? Será que os eleitores rejeitarão Alegre por o julgarem mancomunado com o desvario governamental e o desnorte que se começa a tornar cada vez mais perceptível?
As eleições, por vezes, dependem de muito pouco, quase nada. Por exemplo um bofetão dado na Marinha Grande.... lembram-se?
*R.A.S. expressão francesa popularizada durante a guerra da Argélia
** imagem tirada do site indicado
31.05.10
d'Oliveira fecit