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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 234

d'oliveira, 30.06.10

Nas vascas da agonia... ou ainda pior!

Ai leitorinhas gentis, deu-me o tranglomango! Estou desde sexta-feira passada a passar as do Algarve. Vamos que hoje a febre entrou em queda e tendo começado com 37, pela fresca matina, ainda só vou com 37, 4 agora a meio da tarde. Em Deus querendo, e era bom que quisesse, amanhã isto já só será uma má recordação. Tudo começou com um súbito acesso de arrepios de frio a meia da tarde. “Mau, Maria!”, pensei isto cheira-me a gripe. Como tinha o meu irmão à ilharga, o homem que é médico e reconhecido no meio como um truta, fez-me aqueles exames do costume enquanto os arrepios aumentavam, as dores no corpo cresciam e as primeiras náuseas se anunciavam. Apalpou, auscultou, bateu, tosse agora, respira devagar, faz isto, faz aquilo, faz o pino, enfim os tratos de polé que os médicos prodigam aos paisanos que apanham mais à mão de semear. Tudo isto com aquele ar compenetrado, sério, profissional, distante que estas criaturas têm quando estão em práticas. “Tens gripe!”, declarou-me sempre com aquele ar de dúvida metódica que o tornou no conhecido no hospital de Santa Cruz. E receitou um anti-pirético.

“Ora, porra!”, para isso até eu dava, pensei. Mas calei-me que os esculápios são muito sensíveis. E os irmãos mais novos ainda mais.

No sábado, o meu estado era comatoso: febre alta, vómitos, má disposição, fotofobia, enfim um catálogo de padecimentos que faria inveja a um mártir do cristianismo primitivo. De sábado para domingo a coisa não diminuiu e aparecerem diarreias. Convém esclarecer que este vosso criado, logo que sente febre, se remete a uma dieta absoluta. Só água. A simples ideia de comida, põe-me o estômago e demais vísceras em polvorosa.

O ilustre clínico a quem eu, imprudente e candidamente, confiara a sorte da minha carcaça, franziu um sobrolho e toma lá um antibiótico. E olhou para mim com o mesmo ar pensativo que o senhor Bracourt usava. Estou a vê-lo, ao meu irmão, claro, metido num guarda-pó cinzento, encardido usado por anos e anos de armazém de papelaria, similares e o que mais for preciso, a olhar para mim, encolhido e dorido como quem olha para um lápis Viarco nº 2 de ponta esmurrada. E pensa, o senhor Bracourt desta vez, se há-de devolver o lápis ou se o impinge ao primeiro miúdo que venha por um caderno de linhas, aparos e lápis.

Não é confortável sermos analisados à dúbia luz de um Viarco nº 2. A grafite, mais do que a madeira, não é tecido que me convenha. Já me basta ter a boca a saber a papel de música.

Quando me ocorrem destas coisas a primeira coisa que faço é recorrer a um médico desses que vêm a casa e que agora pululam nas cidades. Esssa malta, não tem destes pruridos. Atiram para cima do cliente com um cocktail de anti-piréticos, antibióticos e outras mezinhas que é conhecido como bala dum-dum. Aquilo mata elefantes em corrida mesmo se o adversário é apenas um manso coelho. Os médicos sérios acham que não deve gastar demasiada cera em ruins defuntos  e procedem com estas cautelas que descrevo. Só o necessário que é para não estragar o cadáver do sofredor. É uma boa razão claro, mas, aqui entre nós, quem está prostrado, enjoado, moído, cansado, só quer uma coisa: que o tirem daquele poço onde se vê caindo. Eu estou-me nas tintas para saber se é uma bactéria, um vírus ou outra bicheza medonha que me está a atacar. Quero é ver-me livre daquilo. Todavia, filho de médico, já sei do que a casa gasta: obedeço às injunções sejam elas quais forem, faço o que me mandam e entrego-me a Hipócrates ou, como é o caso, ao seu representante cá em casa. E sofro em silêncio. estoicamente. O que mais me custa é não poder ler, sequer ir ao computador.

Porém hoje, quarta feira, graças ao sacrifício da selecção portuguesa que renunciou a jogar pensando na minha salvação, já me levantei, já fui comprar o jornal, já comecei a ler um belo recentíssimo livro do Luis Carlos Patraquim (A Canção de Zefánias Sforza, Porto Editora) que me tem feito deambular por Xilinguine (ou Lourenço Marques se preferirem, ou até Maputo que é uma tolice) e me recorda o falar saboroso daquela terra, sonhos perdidos, esperanças que ficaram pelo caminho, as batalhas que nós perdemos e sobretudo as que eles perderam. Ter sido anti-colonialista ainda em finais de cinquenta tem disto, por muito que eu me esforce por perceber que a história não é só feita por homens (ai não?...).

Voltando à vaca fria: eis-me semi-recomposto já com autorização de marcha para a casa, para a CG e para as gatas Ingrid e Kiki. Já não era sem tempo. A nossa casa é sempre a nossa casa e nestes apuros não há conforto que se chegue.

Graças ao sacrifício dos jogadores portugueses (e graças ao esmagador domínio de bola dos espanhóis, ao número de remates, de cantos etc... para já não falar do histórico  Portugal Espanha onde averbamos sete vitórias e de dezassete derrotas) estou salvo da maleita. Custa-me ter ficado bom à custa de um povo inteiro, de uma nação valente e imortal mas que querem?, quem está doente, até à Santinha da Ladeira, acende velas. Eu no estado de prostração em que me encontrava não pedi nada, nem forças tinha, mas vi que os “nossos” rapazes e o “nosso” Ronaldo, estavam a pensar em mim. Ou então, hipótese absurda e dolorosa, a equipa era fraquinha (quem terá tido a ideia de nos pôr num ranking com a Argentina, a Holanda e Alemanha por baixo de nós?) como se foi vendo, andou a tropeçar por tudo o que era equipa de segunda, chegámos ao apuramento por um bambúrrio e regressamos carregados de golos todos marcados contra a pior selecção que por lá andava. Bem que eu tinha dito que aqueles golos ainda nos iam fazer falta...

Quem viu, como eu, reduzido a um estado de anemia absoluta, as nossas televisões e as “opiniões” do “povo” que as têvês pressurosamente procuram, destacando sempre as mais alarves, as mais bacocas as mais tolas, sabe bem qual o estado de espírito que se tentava inocular. E já com o Brasil foi a mesma coisa: O Brasil era trigo limpo farinha amparo, ou seja estava no papo. Ninguém quis perceber, sequer ver, que o jogo Brasil Portugal foi gerido do princípio ao fim por este que queria à viva força o empate para não ter que apanhar com a Espanha pela frente. Porque, se fosse preciso, se aquilo não fosse a feijões, os brasucas ter-nos-iam feito dançar o samba à moda do morro Mata mais um. Os jornais que nessa altura não piaram e hoje atiram para cima de Queiroz as culpas prestam como de costume um mau serviço aos leitores mesmo se lhes afagam o ego. Perdemos porque não merecíamos ganhar. Não havia equipa, não havia ânimo, não havia pernas e como diz Mourinho, nem com o Ronaldo a 200. O cavalheiro Ronaldo deu, obviamente, um sinal de patetice ao mandar os jornalistas “perguntar ao Queiroz” as razões da derrota. Fez ele algo de interessante? Neste jogo ou no primeiro onde também perdemos?

Enquanto as culpas forem sempre dos outros as derrotas e as gripes voltam sempre.

 

O Governo e a banca

JSC, 28.06.10

 

O Primeiro ministro reuniu com os presidentes dos principais bancos, incluindo a CGD, com o objectivo de analisar a reconhecida indisponibilidade da banca para financiar as empresas.

 

 Como seria de esperar, os representantes da banca propuseram que o governo crie as condições políticas para facilitar o financiamento dos bancos junto das instituições financeiras internacionais.

 

Não se sabe quais as medidas ou expectativas que o primeiro ministro terá criado aos banqueiros. Pena é que Sócrates não se tenha feito assessorar, na dita reunião, pelo prémio Nobel da Economia Joseph Stiglitz, que no Público diz que se os bancos não emprestam os governos deveriam criar os seus próprios bancos”.

Au Bonheur des Dames 233

d'oliveira, 23.06.10

A memória em tumulto

 

Hoje passei toda a manhã e parte da tarde na Torre do Tombo. Consultei dois processos (e espero que sejam os últimos) em que a PIDE me mimoseia com múltiplas referências e um chorrilho delirante de acusações que vai ao ponto de me meter num grupo bombista. Lamento muito ter de, tantos anos depois, destruir tão vantajosa fama. Nunca vi uma bomba, nunca soube delas, nunca estive com alguém a preparar, discutir, sequer pensar, bombas. A minha guerra era outra e nunca brandi uma arma, sequer um canivete.

Por junto recordo um frente a frente com um grupo de estudantes de direita, à porta de uma sala nos Gerais, em que ergui um guarda-chuva ameaçador. Todavia, um dos adversários, uivou que guarda-chuvas não estavam previstos naquele torneio medieval e prontamente o recolhi. Se bem me lembro aquilo não passou de uns encontrões.

Na massa gigantesca de folhas desses dois processos (um dos quais com dez espessos volumes) escolhi cerca de seiscentas páginas que me dizem, directa ou indirectamente, respeito. No processo mais pequeno, o chamado P I(individual?, investigação?) 27946 (285 páginas seleccionadas) descobri, melhor dizendo “redescobri” uma história tristíssima. Uma criatura com o pseudónimo de “Catarina” conta histórias sobre todo o nosso grupo conspirativo. Ou seja, passada a crise de 69, licenciados quase todos nós, que fizéramos parte do CONGE, grupo informal que dirigira boa parte da luta estudantil, continuámos a reunir. Animávamos então a editora Centelha e cada um desenvolvia o seu pequeno trabalho subversivo. Essas reuniões esporádicas serviam para tentarmos elaborar uma plataforma teórica de futuras actuações políticas e duraram até termos, quase todos, aderido ao MES. Quase todos, repito que um ou outro desembocou na LUAR e vários entenderam aderir ao PCP.

A “Catarina” era mulher de um dos nossos melhores elementos. Casamento desigual, diga-se desde já que a rapariga era ignorante e não teria grandes estudos. Depois do 25 de Abril foi identificada e o marido foi cominado a abandoná-la. Coisa que ele não fez por razões sentimentais, mesmo se, e como era o caso, a “Catarina” fosse suspeita de ter dormido com um agente da PIDE que a seduzira para melhor obter informações. Convém dizer que boa parte dessas informações apesar de factuais não adquiriam uma dimensão trágica justamente por que a informante era burrinha e ignorante.

Boa parte do grupo cortou então relações com esse amigo. Eu não, embora não possa dizer porquê. Ou “exactamente” porquê. E fui amigo dele até à sua morte. Já agora há que dizer que morreu a cumprir uma missão de grande dignidade: dava consulta gratuita e semanal aos antigos clientes do pai.

A “Catarina” deve ainda estar por aí viva. Gostaria de pensar que tem remorsos, que sente a falta do marido, que se envergonha das denúncias que fez e das eventuais aventuras de cama com o pide. Mas também não faço muita questão disso.

Há mais informadores no mesmo processo, por exemplo um “Queiroz” que mais tarde tentarei saber quem é.

Vi este processo numa corrida. Mandei digitalizar as folhas que já referi portanto não estive para perder tempo. Mas, subitamente, os anos duros de 71-74 voltaram-me à memória  trouxeram com ele o fantasma desse amigo morto.

O outro processo é estranhíssimo. Corresponde a um momento bem mais difícil, porquanto estive preso, bem como todos os restantes citados nesse PC (processo crime) 290/71.

O que mais me admira é que nada, absolutamente nada, me liga aos restantes arguidos. Eu já estava formado, embora frequentasse o Curso Complementar de Ciências Jurídicas (6º ano de Direito). Eles eram todos estudantes, quadros importantes do “movimento associativo” e (todos ou bastantes) estariam associados à recentíssima UEC ou a algo anterior e semelhante. Eu, como no processo se faz menção, era tido como “pró-chinês”. E acusado de ligações com um grupo “marxista-leninista” sediado em Paris e dirigido por Hélder Costa.

Como resolvi guardar para mais tarde o estudo das partes processuais que pedi para serem digitalizadas, não posso desde já, dar muito mais informações sobre o que por lá se dirá. Bem me bastou ter de aviar doze volumes para escolher a parte mais substancial do processo.

A meio dessa corrida por páginas azuis, entendi ir almoçar. Saí da Torre do Tombo, cheguei-me ao Campo Grande em busca de pascigo e onde é que havia de entrar? No velho “Tatu”, uma relíquia dos anos 60 e de muita reunião conspirativo-cervejeira no ano de 62. Aquilo está decadente, claro, mas subitamente o perfume desses anos de brasa, a recordação de uma rapariga de cabelo negro e olhos azuis (Ai!....), os meus dezoito anos, as primeiras fugas à polícia, a certeza de que o mundo iria ser salvo por nós, a fé no materialismo dialéctico & associados, tudo me caiu em cima.

E de repente recordei os cafés lisboetas da época, a Nova-Iorque, a Grã-fina, o Vavá, o Clube Universitário de Jazz, os apartamentos onde dormíamos, eu e o Carlos Bravo, emissários da direcção da AAC a Lisboa, para informações, os nossos amigos das secções de propaganda das pró-associações de estudantes, a Casa dos Estudantes do Império, enfim aventuras só possíveis quando se tem a vida pela frente e a coragem da ingenuidade. E da generosidade...

Vai longa esta romagem ao passado mas não queria deixar de recordar os meus reencontrados co-arguidos no processo 290/71, Emília Ralha, Ana Paula Almeida, Rodrigo Santiago, Romeu Cunha Reis, Domingos Lopes, Luís TYeives, Carlos Fraião, João Pena dos Reis, Luís Alves, António Marinho Pinto, Maria José Teixeira Ribeiro, Celso Baptista, Carlos Viana Jorge e Alfredo Fernandes Martins.

E já agora: porque razão todos eles tiveram cauções de quatro ou sete contos e a mim, só a mim, couberam dez contos? Seria por ser mais velho? Por já estar licenciado? Ou, definitivamente, a PIDE tinha-me como o mais perigoso?

 

Vai esta em memória do Alfredo FM e do João B., amigos queridos e desaparecidos demasiado cedo.

* a gravura: entrada do reduto norte da prisão de Caxias

Estes dias que passam 208

d'oliveira, 22.06.10

Por essa auto-estrada fora...

 

De manhã, pela fresquinha, eis que me meti ao caminho, de longada até Lisboa onde venho  cumprir um calendário apertado mas jubiloso. Não só estar uns dias com a old lady que me fez, o que já não é coisa pouca, mas assistir ao lançamento do livro do Vasco, fazer uma razia pelos alfarrabistas (e pela feira dos mesmos no próximo sábado, mas também ver se estou com um par de amigos para umas cervejolas e má língua. E, finalmente, voltar à Torre do Tombo para ir consultar mais três processos meus de que não tinha conhecimento. Ao todo são, até à data, que eu já não ponho as mãos no fogo, oito. Acrescente-se um outro, do Porto, o último em data (1973), que os meus amigos e “conquistadores” da sede local da PIDE me trouxeram em mão. Vou brevemente entregá-lo ao Arquivo Nacional Torre do Tombo para ficar mais nítida a minha fraca biografia político-social.  Eu ia agora descrever em pormenor a tomada da pide portuense mas a coisa foi de tal modo surpreendente que decidi fazer um post só sobre isso. E previno desde já as leitoras gentis e os cavalheiros de bem que se dão ao trabalho de me ler que não resisto (não resistirei) a um pouco de fantasia no tempero com que envolverei essa historieta de que fui testemunha de primeiro balcão.

Estas minhas viagens até à “cidade de mármore e granito(?)”, são de carro. A família mais chegada vive em Oeiras pelo que seria uma maçada tremenda vir no comboio (que é óptimo, escrevi óptimo com p mudo, ó defensores do acordo!) pois depois teria de ir ao Cais do Sodré e andar sempre ao sabor dos horários dos comboios da linha.

Vindo de carro, uso uma série de auto-estradas seguindo um critério simples: prefiro as menos frequentadas. Ora, para quem vem do Porto, a lógica propõe a A29, a A25, a A17, a A8 a CREL e finalmente a A5 até Oeiras. Desta meia dúzia apenas há duas com um volume de tráfego intenso: a A29 até Espinho, maxime Ovar e a A5. A CREL tem um trânsito perfeitamente suportável, a A8 (Leiria CREL) tem longos trechos de solidão e a A17 (Aveiro, figueira, Leiria) é uma fervurinha.

Nestes trezentos e trinta quilómetros há (havia) 90 (Porto Mira) absolutamente gratuitos. E, suponho, a CREL, ainda não se paga. Se é assim, temos que um terço da viagem é à custa do Zé. Claro que, como pagador (obrigado) de impostos, também esportulei o cacauzinho com as estradas se fizeram.

O actual clamor contra o fim das SCUT irrita-me. Porque sei que muita scut tem alternativas razoáveis. E quando tal alternativa não existe, então sim, deveria haver identificadores para os moradores das zonas afectadas (e só esses) que os isentassem de pagamento. Também não me parece escandaloso que a Via do Infante seja scut. Quem se lembra da estrada 125 (rua 125 como dizia uma cantiga) percebe que ali a alternativa era uma aldrabice. Outros troços haverá igualmente miseráveis e dignos do mesmo tratamento. Porém a regra deverá ser sempre o princípio utilizador-pagador é o mais justo e o mais sensato. E o mais adequado num país que deveria habituar-se a viver com os parcos meios que tem. Com um limite: o fim das scut tem de ser geral e não faseado. Mesmo que alguma razão o aconselhasse conviria lembrar que uma medida destas é também política e anunciar o fim das scut só no norte é, no mínimo, uma patetice. Ou uma sacanice se eventualmente no sul se verificar uma longa espera para aplicar a lei.

Há uma cultura do transporte individual que cresceu exponencialmente com as auto-estradas e a suburbiorização do país. O carro, mesmo caro (e é caro, caríssimo) passou a ser um bem de consumo obrigatório. Passem por um bairro “social” com as rendas que se sabem e vejam o parque automóvel. Não tenho nada contra o direito de cada um ter um automóvel. Todavia, percebo mal como é que é possível fazer um esforço tão grande e, ao mesmo tempo, ter de recorrer à habitação social.

Fique claro que não pretendo impedir quem quer que seja do privilégio de ter o pópó e muito menos quero condenar quem não tem meios a viver na rua. Só que, mais uma vez, suspeito que aqui as contas se fazem no joelho. Como aqueloutras, lembram-se, da Câmara Municipal de Lisboa que atribuiu casas com rendas ridículas a um conjunto de pessoas (desde uma vereadora a um conhecido jornalista e escritor) como se de desprotegidos se tratasse.

Neste rincão somos todos pobres para pagar mas, mesmo com a crise, já se sabe que para as praias exóticas, para o Brasil e para a Dominicana não diminuíram as reservas. E também foi notícia que explodiu a venda de televisões de grande ecrã, incluindo, as de plasma.

Os senhores políticos falam da necessidade de sacrifícios, de reduzir as despesas do Estado, mas a ERC tem, imagine-se, pasme-se, mais de setenta funcionários. E deu lucro. O lucro, claro, vem das taxas das empresas de comunicação social e parece que vai em boa parte para esta surpreendente entidade cuja utilidade nunca percebi.

Uns senhores vereadores da CM Porto entenderam propor, entre outras medidas de extraordinário alcance, a instalação de uma casa de chá ou algo semelhante no jardim da Rotunda da Boavista. E provavelmente porque acham pouca a música da Casa da Música também se proporia qualquer coisa como um coreto. Para quem não saiba. A Rotunda da Boavista, de seu nome oficial, Praça Mousinho de Albuquerque, tem no seu perímetro quatro locais onde se toma café. Num raio de cinquenta metros tem mais oito. E num raio de cem metros outros tantos locais entre cafés pastelarias e restaurantes.

Esta mania camarária de competir com os privados erguendo, à custa dos contribuintes, locais de vocação eminentemente privada, tem um estarrecedor antecedente. Há uma boa dúzia de anos, ou mesmo mais, algum génio da edilidade ou similar entendeu dever construir na Avenida do Brasil, frente ao mar, um pavilhão com fins obviamente restaurativos. A coisa lá se fez, foi concessionada a uma criatura que rapidamente deu com os burrinhos na água. A casa fechou mas rapidamente reabriu graças à caridosa intervenção de uma conhecida marca de pizzas que provavelmente terá obtido aquilo por dez reis de mel coado. O mesmo, aliás ocorreu, com o famoso Edifício Transparente, uma coisa caríssima, encomendada a um arquitecto caríssimo para a qual, por mais que uma pessoa se esforce, não se vê razão de ser. Ao longo dos anos também os concessionários se baldaram até um salvador pegar naquilo e dar-lhe um uso medíocre. E a preço de saldo, está bom de ver.

Somos ricos, coitados de nós, sofremos do mal de Midas, transformamos em merda todo o ouro em que tocamos. E se, acaso, pensamos numa tolice não há descanso enquanto a não cometemos. Normalmente de forma excessiva, cumpre dizer.

Leitoras gentis. Eu não estou mal disposto, nem zangado com o mundo, bem pelo contrário. Mas as viagens em auto-estrada e sozinho pregam-me estas partidas. Com alguma coisa me hei-de entreter enquanto vou dando ao pedal sem ver vivalma.

 

 

OBZ, PPBS, Orçamento-Programa, OP

JSC, 22.06.10

Passos Coelho tirou um coelho da cartola e, perante os holofotes comunicacionais, propôs o Orçamento Base Zero para (pasme-se!) 2011. Depois, foi só esperar a propagação do eco. O mais certo é que a esmagadora maioria dos jornalistas e mesmo alguns fazedores de opinião e políticos que alimentam mesas redondas (princepescamente pagas), que falam e propagam a ideia de Passos Coelho, não fazem a mínima ideia do que é o OBZ.

 

Muitos falam de uma nova metodologia para elaborar orçamentos. Nova? O OBZ foi desenvolvido no início dos anos setenta. Enquanto metodologia foi aplicada, pontualmente, por uma ou outra administração, mas nunca foi adoptada como método duradouro por nenhum governo.

 

Digamos que o OBZ é uma excelente ideia mas de difícil, mesmo muito difícil, aplicação na administração pública. Desde logo, o OBZ implica uma atitude de mudança e de rompimento de paradigma na afectação dos recursos públicos, o que não se consegue por artes mágicas nem por números comunicacionais, para marcar a agenda política, que não valem mais do que isso. Aplicar o OBZ na administração pública portuguesa seria uma tarefa de anos, o que, obviamente, não se coaduna com o calendário político da governança nacional.

 

Passos Coelho, em vez de proclamar a ideia velha do Orçamento Base Zero, bem poderia acompanhar a modernidade e propor que o Orçamento para 2011 e anos seguintes fosse elaborado com base na metodologia do Orçamento Participativo. Deste modo Passos Coelho abriria à participação dos cidadãos a definição dos objectivos estratégios e dos programas de acção, contribuindo para elevar o processo de controlo dos cidadãos sobre as ecolhas públicas e a correspondente afectação de recursos.

 

Metodologias orçamentais há muitas.  O problema das finanças públicas não está na metodologia adoptada, ao contrário do que se pode inferir da posição transmitida por Passos Coelho. O problema está nas opções políticas que, durante décadas, presidiram e presidem à afectação dos recursos públicos.

a varapau 7

mcr, 21.06.10

Foice em seara alheia

Hoje um dos meus companheiros de tertúlia do café da manhã comentava que o fraco desempenho  das selecções europeias clássicas (França, Inglaterra ou Itália sem esquecer a Alemanha) se devia ao cansaço natural dos jogadores. Os campeonatos europeus são muito duros e os jogadores estão nas lonas.

Estaria disposto a acreditar nele não fora dar-se o caso de nesses mesmos campeonatos jogarem quase todos, se não todos, os grandes jogadores africanos e um bom número de sul-americanos. Pelos vistos as equipas africanas e latino-americanas deveriam sentir (em forte medida) os efeitos dos campeonatos ultra-competitivos onde as suas estrelas jogam.

Todavia não se passa isso, ou não se passa exactamente da mesma maneira.

Mas há mais. Como Vasco Pulido Valente já notou, a afluência notória e excessiva de jogadores vindos de outros continentes não permite a natural capacitação de jogadores europeus nos respectivos campeonatos. Simplesmente, não têm lugar nas equipas do seu país.

Também conviria lembrar que o “sistema” instalado no futebol dos grandes e médios países europeus em que as transferências internacionais são a regra relativiza o “patriotismo” dos jogadores e torna as selecções nacionais em mero mostruário destes. Ou seja, um campeonato europeu ou mundial é sobretudo uma ocasião para se aferir a cotação dos jogadores.

Basta ver a pouca convicção com que os hinos nacionais são cantados para perceber que a continua transumância de jogadores não torna o “trabalho” nas selecções mais importante ou interessante do que num qualquer clube nacional ou estrangeiro onde o jogador vai fazer um par de temporadas.

Perguntar-se-á então porque razão o sentimento nacional parece mais vivo entre latino-americanos e africanos. Provavelmente por que os seus jogadores imigrados na Europa rica não se integram totalmente. À uma pela cor, desde logo e depois porque é tão brutal a diferença de ambiente e condições de vida entre o pais de destino e o pais de origem que a integração no primeiro é geralmente defeituosa e mal assumida. Depois, finalmente, o jogador imigrante mesmo num episódico regresso ao país natal sente que neste o seu lugar se mantém ou melhor até melhorou. Regressa (mesmo se o regresso é provisório) aureolado pela fama conquistada num outro sítio e pelo dinheiro ganho. Não é a mesma coisa ser Drogba na Costa do Marfim ou Cristiano Ronaldo em Portugal...

Deixemos em último lugar esta anotação: O futebol internacional e a sua mais forte organização a FIFA é claramente controlado pelos europeus. O campeonato do mundo ocorre neste período mesmo com os jogadores “extenuados” por razões claras e evidentes. Os campeonatos nacionais são mais importantes e as delegações nacionais à FIFA sabem-no. Mesmo correndo o risco de verem algumas das mais clássicas e tradicionais nações futebolistas desfavorecidas no embate de um mundial.

Vir agora chorar sobre o leite derramado e lembrar a dureza dos campeonatos é apenas uma consolação para adeptos acríticos. E uma maneira cómoda de não pôr em causa as verdadeiras causas da eventual perda de qualidade do futebol europeu.

 

  • Sete golos sem resposta é mais do que uma vitória uma violência e um escândalo.
  • E um desperdício. Poderiam ter guardado dois ou três para os próximos jogos não vá fazerem falta.
  • Isto faz lembrar aquele outro jogo (grande jogo!)de há quase cinquenta anos onde o mais emblemático dos jogadores portugueses mostrou o que valia. Ele e os outros há que dizê-lo. Os coreanos devem achar que lhes trazemos azar.
  • Nem quero pensar nos jornais de amanhã. Apostamos que nem do luto vão falar?

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