Au Bonheur des Dames 234
Nas vascas da agonia... ou ainda pior!
Ai leitorinhas gentis, deu-me o tranglomango! Estou desde sexta-feira passada a passar as do Algarve. Vamos que hoje a febre entrou em queda e tendo começado com 37, pela fresca matina, ainda só vou com 37, 4 agora a meio da tarde. Em Deus querendo, e era bom que quisesse, amanhã isto já só será uma má recordação. Tudo começou com um súbito acesso de arrepios de frio a meia da tarde. “Mau, Maria!”, pensei isto cheira-me a gripe. Como tinha o meu irmão à ilharga, o homem que é médico e reconhecido no meio como um truta, fez-me aqueles exames do costume enquanto os arrepios aumentavam, as dores no corpo cresciam e as primeiras náuseas se anunciavam. Apalpou, auscultou, bateu, tosse agora, respira devagar, faz isto, faz aquilo, faz o pino, enfim os tratos de polé que os médicos prodigam aos paisanos que apanham mais à mão de semear. Tudo isto com aquele ar compenetrado, sério, profissional, distante que estas criaturas têm quando estão em práticas. “Tens gripe!”, declarou-me sempre com aquele ar de dúvida metódica que o tornou no conhecido no hospital de Santa Cruz. E receitou um anti-pirético.
“Ora, porra!”, para isso até eu dava, pensei. Mas calei-me que os esculápios são muito sensíveis. E os irmãos mais novos ainda mais.
No sábado, o meu estado era comatoso: febre alta, vómitos, má disposição, fotofobia, enfim um catálogo de padecimentos que faria inveja a um mártir do cristianismo primitivo. De sábado para domingo a coisa não diminuiu e aparecerem diarreias. Convém esclarecer que este vosso criado, logo que sente febre, se remete a uma dieta absoluta. Só água. A simples ideia de comida, põe-me o estômago e demais vísceras em polvorosa.
O ilustre clínico a quem eu, imprudente e candidamente, confiara a sorte da minha carcaça, franziu um sobrolho e toma lá um antibiótico. E olhou para mim com o mesmo ar pensativo que o senhor Bracourt usava. Estou a vê-lo, ao meu irmão, claro, metido num guarda-pó cinzento, encardido usado por anos e anos de armazém de papelaria, similares e o que mais for preciso, a olhar para mim, encolhido e dorido como quem olha para um lápis Viarco nº 2 de ponta esmurrada. E pensa, o senhor Bracourt desta vez, se há-de devolver o lápis ou se o impinge ao primeiro miúdo que venha por um caderno de linhas, aparos e lápis.
Não é confortável sermos analisados à dúbia luz de um Viarco nº 2. A grafite, mais do que a madeira, não é tecido que me convenha. Já me basta ter a boca a saber a papel de música.
Quando me ocorrem destas coisas a primeira coisa que faço é recorrer a um médico desses que vêm a casa e que agora pululam nas cidades. Esssa malta, não tem destes pruridos. Atiram para cima do cliente com um cocktail de anti-piréticos, antibióticos e outras mezinhas que é conhecido como bala dum-dum. Aquilo mata elefantes em corrida mesmo se o adversário é apenas um manso coelho. Os médicos sérios acham que não deve gastar demasiada cera em ruins defuntos e procedem com estas cautelas que descrevo. Só o necessário que é para não estragar o cadáver do sofredor. É uma boa razão claro, mas, aqui entre nós, quem está prostrado, enjoado, moído, cansado, só quer uma coisa: que o tirem daquele poço onde se vê caindo. Eu estou-me nas tintas para saber se é uma bactéria, um vírus ou outra bicheza medonha que me está a atacar. Quero é ver-me livre daquilo. Todavia, filho de médico, já sei do que a casa gasta: obedeço às injunções sejam elas quais forem, faço o que me mandam e entrego-me a Hipócrates ou, como é o caso, ao seu representante cá em casa. E sofro em silêncio. estoicamente. O que mais me custa é não poder ler, sequer ir ao computador.
Porém hoje, quarta feira, graças ao sacrifício da selecção portuguesa que renunciou a jogar pensando na minha salvação, já me levantei, já fui comprar o jornal, já comecei a ler um belo recentíssimo livro do Luis Carlos Patraquim (A Canção de Zefánias Sforza, Porto Editora) que me tem feito deambular por Xilinguine (ou Lourenço Marques se preferirem, ou até Maputo que é uma tolice) e me recorda o falar saboroso daquela terra, sonhos perdidos, esperanças que ficaram pelo caminho, as batalhas que nós perdemos e sobretudo as que eles perderam. Ter sido anti-colonialista ainda em finais de cinquenta tem disto, por muito que eu me esforce por perceber que a história não é só feita por homens (ai não?...).
Voltando à vaca fria: eis-me semi-recomposto já com autorização de marcha para a casa, para a CG e para as gatas Ingrid e Kiki. Já não era sem tempo. A nossa casa é sempre a nossa casa e nestes apuros não há conforto que se chegue.
Graças ao sacrifício dos jogadores portugueses (e graças ao esmagador domínio de bola dos espanhóis, ao número de remates, de cantos etc... para já não falar do histórico Portugal Espanha onde averbamos sete vitórias e de dezassete derrotas) estou salvo da maleita. Custa-me ter ficado bom à custa de um povo inteiro, de uma nação valente e imortal mas que querem?, quem está doente, até à Santinha da Ladeira, acende velas. Eu no estado de prostração em que me encontrava não pedi nada, nem forças tinha, mas vi que os “nossos” rapazes e o “nosso” Ronaldo, estavam a pensar em mim. Ou então, hipótese absurda e dolorosa, a equipa era fraquinha (quem terá tido a ideia de nos pôr num ranking com a Argentina, a Holanda e Alemanha por baixo de nós?) como se foi vendo, andou a tropeçar por tudo o que era equipa de segunda, chegámos ao apuramento por um bambúrrio e regressamos carregados de golos todos marcados contra a pior selecção que por lá andava. Bem que eu tinha dito que aqueles golos ainda nos iam fazer falta...
Quem viu, como eu, reduzido a um estado de anemia absoluta, as nossas televisões e as “opiniões” do “povo” que as têvês pressurosamente procuram, destacando sempre as mais alarves, as mais bacocas as mais tolas, sabe bem qual o estado de espírito que se tentava inocular. E já com o Brasil foi a mesma coisa: O Brasil era trigo limpo farinha amparo, ou seja estava no papo. Ninguém quis perceber, sequer ver, que o jogo Brasil Portugal foi gerido do princípio ao fim por este que queria à viva força o empate para não ter que apanhar com a Espanha pela frente. Porque, se fosse preciso, se aquilo não fosse a feijões, os brasucas ter-nos-iam feito dançar o samba à moda do morro Mata mais um. Os jornais que nessa altura não piaram e hoje atiram para cima de Queiroz as culpas prestam como de costume um mau serviço aos leitores mesmo se lhes afagam o ego. Perdemos porque não merecíamos ganhar. Não havia equipa, não havia ânimo, não havia pernas e como diz Mourinho, nem com o Ronaldo a 200. O cavalheiro Ronaldo deu, obviamente, um sinal de patetice ao mandar os jornalistas “perguntar ao Queiroz” as razões da derrota. Fez ele algo de interessante? Neste jogo ou no primeiro onde também perdemos?
Enquanto as culpas forem sempre dos outros as derrotas e as gripes voltam sempre.