Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
publicado às 09:19
e nós?
O Museu do Louvre resolveu lançar uma petição ao público amador das artes: ajudar a comprar “as três graças” de Lucas Cranach. Quem contribuir poderá obter uma dedução fiscal idêntica a mais de 60% do valor doado desde que tal soma não ultrapasse 20% do rendimento colectável.
E entre nós?
Ah, ah, ah!, e mais não digo para não cair no palavrão soez.
Ainda hoje, num prestigiado alfarrabista vi o foral de S. João da Pesqueira, documento único para a história desse concelho. Ao que parece a Câmara local achou caro o preço (25000 euros). Provavelmente o mesmo que gastam nas festas concelhias entre dois concertos pimba, o fogo de artificio e pouco mais.
Dizem-me que a Torre do Tombo poderia estar interessada mas que também não tem o dinheiro. E se o seu presidente lançasse um desafio aos frequentadores e aos cidadãos em geral? Será difícil encontrar doadores mesmo sabendo que por cá os mecenas não são especialmente bem tratados?
E se o livreiro vende o foral a um estrangeiro? Será dele a culpa?
Alguém, desse lado do ecrã, dirá que o caso do Louvre é único, uma excepção na Europa, onde o Estado paranoicamente é o garante da cultura, do seu desenvolvimento, do seu financiamento. Com a geral aprovação dos filisteus (verdadeiros ou que se ignoram, tanto faz) e de toda a gente que não se quer incomodar e que ignora que a incomodidade é o signo distintivo da cidadania, maxime da democracia.
Todavia, lamentando desiludir, os casos de apelos ao público têm-se multiplicado. Foi a National Gallery inglesa, os Uffizi de Florença alguns pequenos mas excelentes museus provinciais franceses recorrem continuamente aos privados.
Os EUA constituíram extraordinários museus e bibliotecas com os donativos privados. Dos milionários, em primeiro lugar, dos cidadãos depois. Não há museu que não tenha entre os seus frequentadores uma especial categoria de frequentadores associados que mediante quotas variáveis têm direito a pequenos privilégios (vernissages especiais, informação prévia sobre exposições e outros acontecimentos culturais, pequenos descontos em catálogos, enfim, ideias simples, baratas que pouco ou nada pesam no orçamento do museu embora correspondam a donativos que, esses sim, são fundamentais para a sobrevivência ou para o aumento das colecções, melhoria das instalações e outros investimentos estratégicos.
Não há nada disso, por cá. A legislação, sendo melhor do que a que vigorava até aos anos oitenta, é tímida. O publico em geral não é suficientemente seduzido. Como se se ignorasse que as grandes sociedades anónimas dependem muito mais dos milhares de pequenos accionistas do que dos ricaços.
Vista estreita, desresponsabilização geral, eis parte do segredo da mesquinhice nacional. Assim não vamos lá. Nem agora, nem amanhã nem nunca.
publicado às 21:24
Assim, não!
Por mais que se queira não se respiga uma notícia que nos alegre. Tomemos, por exemplo, o jornal de ontem, segunda-feira, 14 de Novembro: aumentou a violência contra as mulheres (já são trinta (30!!!) as assassinadas no que vai de ano. Os pedidos à Caritas passaram de 5000 para 62.000. Os refeitórios comunitários das misericórdias registam um aumento da procura que ronda os 250%. O banco alimentar está a (tentar) ajudar um total de 280000 portugueses.
Estes são indicadores suficientes e dramáticos do estado a que chegámos. Em 2010, ano que nos prometiam fasto (ou já se esqueceram das parlapatices de Sócrates & assimilados durante a campanha eleitoral?) a crise espreita por todo o lado, abafa esperanças, afugenta os fortes, massacra os desempregados, uiva aos ouvidos dos que ainda têm um precário posto de trabalho.
Numa autista e irresponsável actuação, toda voltada para o seu cada vez mais reduzido bunker, e longe da realidade quotidiana, o Governo, faz que anda mas não anda, assina acordos que, veja-se o caso da alta velocidade, já está prestes a romper, esbraceja para todos os lados como o tolo que naufraga a dois passos da costa. Não sabe nadar, nunca quis aprender, e nem sequer se mexe na direcção certa.
Deixemos, porém, esta cacafonia obscena e passemos a outra notícia do (mesmo) dia. Três centenas de alegados agentes culturais juntaram-se no Teatro Municipal S Luiz. Eram, ao que se lê, pessoas vindas maioritariamente das áreas do teatro e da dança e, minoritariamente, da música, das artes visuais e do cinema.
Entendiam as criaturas protestar contra os cortes na “cultura” que sendo “ineficazes na diminuição do deficit”, comprometiam o “já tão fragilizado tecido cultural português e o direito constitucionalmente consagrado à fruição e criação culturais” (sic).
Independentemente da pouquíssima (a bem dizer nenhuma) simpatia que a ministra da Cultura inspira, da absoluta desconfiança quanto às suas capacidades para gerir esta área, temos de convir que num panorama tão espessamente negro como o que se confessa (e mais ainda, e pior, que se adivinha) esta reunião e a espécie de ultimato que dela saiu parece, mais do que um tiro no pé, uma tolice.
As pessoas, as que de algum modo ainda se interessam pelo que soe chamar-se actividade cultural, talvez não saibam, não sabem, de certeza, que grande parte da dita actividade é feita a expensas quase exclusivas do Estado. Isto é, não há, nunca houve, qualquer espécie de cuidado em criar públicos que sustentem a existência da esmagadora maioria dos grupos de teatro, das formações musicais, dos filmes que se produzem e se exibem. Há companhias de teatro, com dezenas de anos que morreriam subitamente se lhes faltassem os subsídios estatais. Trinta e tal anos e ainda não conseguiram afirmar-se. Mesmo nas grandes cidades! Dir-se-á que cumprem com finalidades culturais que “incumbiriam" (?!!!) ao Estado!. A afirmação não é inteiramente verdadeira, bem pelo contrario. O escasso repertório nacional raras vezes é levado á cena. Há autores portugueses que só por milagre são conhecidos do público. E há outros que nem a isso, a essa porção côngrua, tiveram direito. Poder-se-ia pensar que tal se deve à escassa qualidade de boa parte da nossa produção dramática. Nem isso. Não se levam à cena os razoáveis, os bons ou os essenciais. Gil Vicente é tão ausente quanto o Chiado ou Jaime Salazar Sampaio. Ou Brandão. Poderia ainda pensar-se que as numerosas companhias que, um pouco por todo o lado, surdiram, encenam o grande repertório mundial, de Shakespeare a Tchekov. Nada disso. Façam um breve exercício: vejam o que se anuncia nos teatros em actividade. E, excepção feita a duas ou três companhias de Lisboa, sempre as mesmas, de resto, digam-me por onde anda o teatro de sempre, ou pelo menos o teatro actual interessante.
Passemos à criação cinematográfica. Quanto custa cada filme português estreado? Quantos espectadores tem, em média? Quem paga a diferença? Dirão que há um diferencial cobrado nas entradas dos filmes comerciais que se destina a financiar as estruturas estatais que tutelam (só esta palavra é pavorosa!) o cinema nacional. Isso, em bom português, significa que cada um de nós, quando entra numa sala de cinema, está a pagar, queira ou não, um filme genial que, depois, morrerá nas salas após uma(s) semana(s) de atribulada exibição. Os espectadores portugueses fogem impatrioticamente do cinema português. Mesmo que, ocasionalmente, e em festivais menores, apareça um prémio. Os festivais adoram isso, premiar cinematografias desconhecidas, incipientes, longínquas. Com a vantagem de não perceberem a língua, de não verem a purpurina por debaixo do oiro falso que lhe servem.
Tenho a maior simpatia por quem se arrisca, por quem tenta singrar neste mundo imprevisível. Acho que se deve encorajar a criação. Não creio é que esse encorajamento deva ser sistemático, eterno. Isto devia ser como quando se ensina alguém a andar de bicicleta: ajuda-se a montar, a dar as primeiras pedaladas, a aguentar a bicicleta direita e à quarta volta, o novel ciclista que se aguente.
Dir-se-á que isto é de uma crueldade tremenda. Que poderemos estar a perder um génio teatral, balético ou musical.
É possível. Mas, sem fazer a apologia da miséria como aguilhão para o talento, sempre se dirá que assim, como cá se usa, se faz mera assistência a doentes terminais. Ou quase. A cultura “independente” portuguesa, nestes capítulos, é absolutamente dependente. Há alguns, bastantes, anos, um intelectual que servia no Ministério da Cultura dizia isso mesmo. “O único teatro independente, gracejava, é o comercial...”
Boa parte dos agentes culturais estão, em maior ou menor grau, funcionarizados. Aliás, nesses mesmos anos, ao discutir-se os subsídios de apoio ao teatro, que seria pago em duodécimos, alguém de uma companhia das mais reivindicativas ousou a pergunta: e o subsídio de férias? E o décimo terceiro mês?
É curioso ver que nestes ajuntamentos reivindicativos raras vezes (ou nunca) se encontram escritores, pintores, escultores e gravadores. Como se a sorte dos poetas e romancistas portugueses, dos pintores e escultores tivesse sido definitivamente remetida para o mercado. Aqui, ao que parece, o gosto do público é rei. Do mesmo público, acrescente-se, que deveria ir ao teatro, aos concertos e às récitas. Em que ficamos?
Claro que, de vez em quando, ouve-se alguém dessas bandas pedir mais ajuda á edição, às livrarias, às feiras do livro às galerias de arte. E também é verdade que, apesar de tudo, alguns incentivos são dados (à tradução de autores portugueses no estrangeiro, à participação em feiras e mostras artísticas, à premiação). Todavia, tudo isso é feito a posteriori. Não se traduz o primeiro maçarico que aparece de manuscrito na mão, teimando em comparar-se com Eça ou Cardoso Pires ou Lobo Antunes. Os candidatos a romancista penam que se fartam: mandam os manuscritos numa mão cheia de exemplares a dezenas de editores. As mais das vezes nem lhes respondem. Muito pintor (e sobretudo a grande maioria dos escultores) pena anos e anos no ensino antes de conseguir atrair a atenção de uma galeria.
Sou um comprador (e já agora, leitor) de livros. Por puro (mas raro) pudor não vou referir o número de livros que compro por ano, mês ou dia. Quem me atura aqui, sabe quantos livros, quantos discos, quantos dvd recomendo quando me dá para isso. Aliás, justamente por que recomendava em demasia, tenho tido mais cuidado e cautela. Durante anos percorri as galerias e posso dizer que se agora o faço menos, é apenas porque já não tenho espaço nas paredes. Nunca comprei fora das galerias, nunca pedi descontos, nunca (quando tinha funções no sector) aceitei ofertas que ultrapassassem o nível do catálogo ou, excepcionalmente, do múltiplo. Sou amigo de um bom quarteirão de artistas plásticos de uns tantos fotógrafos e não encontrarão um único que possa dizer que, de uma ou doutra maneira, lhes pedi um desconto ou, pior, uma obra. O que cá está foi comprado, ao preço corrente. Se um autor me oferece um livro (o que acontece com alguma frequência), sigo um conselho que o Joaquim Namorado me deu há muitos anos: vou à livraria e compro um outro exemplar para oferecer a alguém.
A menos que a dádiva seja um horror. Aí, faço das tripas coração, leio a coisa e agradeço a cortesia. mas não estrago a vida e a leitura de outrem.
Tenho a certeza absoluta de que sou um forte (fortíssimo) contribuinte líquido para a causa da cultura. E convém acrescentar que não sou rico. Que nunca fui às praias das Antilhas, que não uso carros caros, não frequento os bares da moda. O meu luxo é a livralhada, uns centos de filmes, uns largos milhares de discos e a pintura (e escultura) possível.
Quando vejo estes ajuntamentos, quando sei como as coisas estão e quando, agoirento, espero dias bem piores, a reivindicação desta gente faz-me mal. Se ao menos dez por cento valessem a pena...
publicado às 21:12
Na entrevista que concedeu ao jornal "Expresso" desta semana, Manuel Alegre foi questionado sobre se deixaria Teixeira dos Santos, ministro de Estado e das Finanças, discursar num comício da sua campanha. A resposta de Alegre foi a seguinte (depois de alguns risos...):
"- Acho que ele é suficientemente inteligente e boa pessoa para compreender que não seria um bom serviço que prestaria à minha candidatura."
Leio várias vezes e tenho dificuldade em compreender. Será que Manuel Alegre quer mesmo ter o apoio dos socialistas que suportam o actual Governo?
Teixeira dos Santos é o terceiro nome da hierarquia do Governo e tem dado a cara pela estratégia defendida pelo PS e pelo primeiro-ministro. Ainda no último comício da rentrée, em Matosinhos, foi um dos oradores em destaque. Vê-lo assim desconsiderado na palavra sobranceira de Manuel Alegre confirma a minha convicção de que Manuel Alegre está hoje bem mais próximo do bloco de Esquerda do que do PS.
Lá bem no fundo, Alegre tem de Teixeira dos Santos uma opinião semelhante à de Francisco Louçã, Luís Fazenda e do inefável Mário Tomé...
publicado às 00:20
Nas últimas semanas ganhou expressão uma certa onda, que Paulo Portas se apressou a cavalgar, sugerindo que o país só tem remédio se José Sócrates for substituído no lugar de primeiro-ministro.
Esquecem essas luminárias que o PS ganhou as eleições há pouco mais de um ano e que Sócrates é o seu líder indiscutido. Portanto, e não havendo dentro do partido vencedor das eleições de 2009 uma vaga de fundo contra o secretário-geral, o que levará os mentores dessa onda a concluir que Sócrates tem de sair? As sondagens, as greves e manifestações, os mercados, as antipatias pessoais e corporativas, os caprichos de alguns?
Sócrates não sai imaculado da governação neste ano de 2010, como é óbvio. Alguns erros foram cometidos e outros podiam ser evitados, mas fê-lo suportado por um partido que nunca deu sinais de divisão no parlamento ou fora dele. Não vislumbro, por isso, quaisquer razões para forçar a substituição do primeiro-ministro.
Aliás, a mudança de primeiro-ministro dentro do mesmo partido, sem eleições, só aconteceu por duas vezes em Portugal: a morte de Sá Carneiro permitiu a indigitação de Francisco Pinto Balsemão e a saída de Durão Barroso para a União Europeia conduziu à nomeação de Pedro Santana Lopes. Em ambos os casos, todavia, essas lideranças cedo foram postas em causa no interior do próprio PSD e não tiveram vida longa.
A verdade é que muitos analistas, comentadores e actores políticos têm uma especial “predilecção” por José Sócrates. Para esses, o que Sócrates não faz deveria ter feito e aquilo que faz não deveria fazer. É preso por ter cão e por não ter. E aí reside boa parte do mal-estar que atravessa a comunicação social e a blogosfera. Esquecem-se, no entanto, que uma coisa é a opinião publicada e outra bem diferente é a opinião pública. A que conta efectivamente.
Como independente que votou PS, gostava de ter visto algumas coisas feitas de forma diferente, preferia ver um conjunto de ministros mais determinados e combativos, com políticas coerentes e estratégias bem delineadas, com menor recurso a paliativos.
Os tempos não estão fáceis e não se compreende que Portugal tenha neste momento um Governo minoritário, mas a realidade do país e dos políticos que temos é esta. Sócrates e o PS têm toda a legitimidade política para governar e a obrigação de procurar estabelecer os consensos necessários para aprovar os documentos fundamentais para a estabilidade do país. Os partidos da oposição devem assumir as suas responsabilidades – para manter esta solução de Governo ou para a derrubar. Faites vos jeux!
publicado às 19:55
Si non é vero...
Vem no “Público”, manancial inesgotável. Um senhor juiz entendeu reduzir em duas horas diárias o seu trabalho por via dos impostos que lhe vão cair em cima.
Sª Ex.ª exarou um despacho onde, preto no branco, e com uma encantadora falta de gramática, afirma que o seu ordenado será reduzido em 600 euros por causa das “reduções a que as remunerações dos juízes irão ser sujeitos...”
Ao que parece, o Meritíssimo Juiz teme que também a remuneração da amantíssima esposa seja afectada.
Por estas ponderosas razões, vê-se forçado a reduzir o seu horário de trabalho “de modo a possibilitar que o seu agregado familiar honre os compromissos financeiros” entretanto assumidos.
O jornal, com uma incompreensível falta de imaginação, não vê a relação entre o aligeirar do horário e a assumpção dos compromissos financeiros.
Tentemos ajudar a jornalista autora da notícia. O que o distinto jurista vem significar, entrelinhas, é isto: a queda do seu rendimento disponível vai obrigá-lo a procurar algum trabalho remunerado cujo rendimento reponha o anterior saldo com que contava e, pelos vistos, lhe possibilitava quanto muito. viver apertadamente, não obstante constar que os ordenados dos juízes chegam a ser 4,2 vezes mais altos do que o salário médio da restante peonagem nacional (enquanto em países mais pobres, v.g. França ou Alemanha, a diferença se resuma a duas vezes). Isto sem falar no célebre subsídio de residência ( coisa pouca que não chega a ser o dobro do salário mínimo nacional...) que se prolonga para lá da cessação efectiva de funções.
E que trabalho?, perguntará a leitorinha desconfiada. De facto, aos senhores juízes estão vedadas quaisquer actividades remuneradas.
A resposta é, todavia, simples. S.ª Ex.ª ao olhar à sua volta, com o ar perdido do náufrago cercado de dívidas e compromissos que urge honrar, só viu uma solução: despedir o pessoal doméstico. A “mulher a dias”, melhor dizendo, já que dadas as condições económicas que se adivinham na sua pundonorosa escrita, não creio que se desse ao luxo de ter “empregada interna”, cozinheira, mordomo, motorista ou uma mera governanta.
E quando digo “mulher a dias”, limito-me a um modesto cálculo do que custará na terra onde o senhor juiz exerce o seu sacrificado múnus, uma empregada que entre cerca das oito da manhã e saia pelas quatro da tarde. Cinco dias por semana, ou seja 40 horas, mais os encargos com a segurança social e o seguro. E a alimentação da criatura, que essa gente come por tês, credo!
Passaremos, portanto, a ver S.ª Ex.ª com os seguintes horários e tarefas: segundas e quartas passa a roupa a ferro, aspira a sala e o corredor, prepara o jantar. Terças e quintas lavam-se as janelas, prepara-se a máquina da roupa (num dia a escura, noutro a clara), limpa-se o pó e aspiram-se os quartos. À sexta vai-se ao super para as compras semanais.
Fazer tudo isto em duas horas diárias releva do milagre e mostra bem a fibra do magistrado. Se ele consegue substituir cabalmente a serviçal provando, como se espera e fervorosamente se deseja, que o trabalho do patrão vale quatro vezes o da assalariada, então ficará também provada e esclarecida, de uma vez por todas, a diferença salarial entre juízes e media nacional acima referida (os famosos 4,2!...)
Provam-se, assim, e de uma penada, várias coisas. A começar, a razão, que nunca se questionou, do singular protesto do senhor juiz. Depois, a valorização da carreira da magistratura judicial que, mesmo sacrificada, se desdobra para além do conhecimento jurídico para o espinhoso e incompreendido domínio das “arts de la maison”. E finalmente, a consabida má fé das proletárias mulheres a dias que levam a luta de classes ao ponto de fazerem em oito horas o mesmo que um cidadão juiz faz em duas!
Ah!..., se pudéssemos começar a contratar senhoras e meninas com o curso completo de Direito e a frequência igualmente completa do CEJ para nos aliviarem das tarefas caseiras...
E por aqui me fico: tenho em agenda para hoje, uma lista de compras no super (laranjas, óleo, cebolas, sal, batatas, areia para as gatas, e uma coisa misteriosa chamada woolite (roupa escura!) E diospiros se forem maduros, doces e baratos – recomendação ameaçadora da CG). Se algum(a) senhor(a) juiz(a) me quiser dar uma mãozinha agradeço.
publicado às 11:36
ILUSÕES E UTOPIAS
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa
Manuel Alegre
("Trova do vento que passa")
Cavaco Silva, na sua campanha eleitoral disfarçada de exercício do cargo de Presidente, arranjou um estribilho: verbera aqueles que, segundo ele, "semeiam ilusões e utopias", referindo-se manifestamente ao seu mais directo opositor, Manuel Alegre, que assim acusa do "defeito" de ser poeta, o que, para ele Cavaco, seria incompatível com o cargo de Presidente da República. Esquece-se - ou melhor, finge não se lembrar - de que foi graças aos semeadores de "ilusões e utopias" como Manuel Alegre, Mário Soares, Jorge Sampaio e tantos outros como eles que foi possível derrubar o aparentemente inderrubável regime fascista em Portugal. Enquanto esses "poetas", em Portugal ou no exílio, na clandestinidade ou na prisão, "semeavam a utopia" da liberdade e da democracia, os prosaicos "realistas" como Cavaco davam-se bem com a ditadura, na qual iam tratando da sua vidinha, sem fazer ondas, mas à cautela evitando também comprometer-se demasiado com o regime, não viesse ele a ser derrubado pelos "utópicos", como veio a acontecer. Portugal precisa evidentemente de bons técnicos para governar, administrar e gerir o País, mas para a Presidência da República precisa de tudo menos de um tecnocrata ou um burocrático guarda-livros. Para a Presidência da República precisa de alguém com alma, que seja capaz de representar Portugal e o orgulho de ser português, de devolver aos portugueses a sua auto-estima, de "semear" a esperança e a confiança no futuro. Mário Soares e Jorge Sampaio também "semearam utopias" quando tal foi necessário, e foram grandes Presidentes da República. Manuel Alegre também o será!
posted by ahp
entendi, desta feita, dar voz a um velho grande amigo que sabe do que fala porque sentiu na carne o que era viver no antigo regime. Talvez por isso ele tem mais esperança do que eu na hipótese da candidatura Alegre ser vencedora. Todavia, para além disso, este texto aponta certeiramente para algo que cada vez mais falta á cultura política portuguesa, ou seja á capacidade de mobilizar pela ideia e pelo ideal a cidadania. Só por isso mereceria a divulgação deste texto entretanto aparecido no blog ponteeuropa.blogspot.com. agradeço-lhe, com um forte abraço a permissão para o republicar aqui. E respondo-lhe que sou eu que me sinto honrado com a sua generosa aquiescência em ser publicado neste espaço de liberdade e discussão.
publicado às 13:40
uma pequeníssima luz no fundo do túnel
A junta militar que dirige a Birmãnia (Burma ou Myamar, também) entendeu libertar a mais célebre prisioneira política (e uma das mais antigas no mundo) Aung san Suu Kye que, até hoje vivia em prisão domiciliária e estava impedida de comunicar com os seus partidários, com a imprensa e com os estrangeiros.
Não é ainda a democracia, sequer a liberdade, mas é um princípio. Aung san Suu Kye deve a sua liberdade a ela pr´pria em primeiro lugar, aos seus camaradas depois e um pouco à opinião pública internacional, ou à opinião pública que se interessava por esse longínquo e desconhecido país.
Convém não esquecer que muitos governos (e alguns dos mais poderosos na Ásia) fizeram orelhas moucas aos protestos dos democratas birmaneses e olharam para o lado. E também houve no "Ocidente"quem se esquecesse frequentemente desta mulher corajosa e daquele povo martirizado. é bom que se saiba como estas coisas funcionam...
A hora é, pois, de alegria. E de vigilância. Nada ou muito pouco mudou naquelas paragens. O exército controla firmemente o país, a oposição está atomizada, o povo tem medo. E tem fartas razões para ter medo que por lá os mortos contam-se às centenas ou mesmo aos milhares.
De todo o modo um passo foi dado. Que seja na boa direcção.
d'Oliveira fecit (13.10.2010)
publicado às 18:07
Depois do filme das negociações do OE e da subsequente pancadaria em torno das medidas acordadas, passamos a ser bombardeados pelo sobe e desce dos juros da dívida pública, que evoluiam na justa medida das discussões e desconfianças geradas.
Mesmo meios da comunicação social, conhecidos pelas manchetes que fazem sobre crime passaram a relevar, em primeira página, os juros da dívida. Um número passou a andar na boca de todos: 7%. Uma ameaça passou a pairar sobre a cabeça de todos: FMI.
A prédica dominante, incluindo políticos, passa um discurso de fracasso, próprio de quem acredita que o país caiu na bancarrota. O próprio Presidente da República, interrogado sobre a vinda do FMI, não conseguiu dizer mais do isto: “espero que não seja necessário é o que eu posso dizer”.
Parece óbvio que as políticas editoriais são definidas em função da difusão do medo, preparem-se que vem aí o caos, a bancarrota. Ainda ontem a Judite de Sousa insistia e tornava a insistir com o Presidente do BES para admitir a imperiosa vinda do FMI. Ele bem queria relevar o papel negativo que a Sr.ª Merkel tem tido em todo este processo de agravamento dos juros, mas a jornalista/comentadora não queria saber dessas coisas, apenas se interessava pelos aspectos da governação interna. Ele foi bem explícito ao dizer que não concordava com a vinda do FMI. Hoje, nos jornais e no rodapé das televisões, lá está: “Ricardo Salgado admite vinda do FMI”.
Ouvindo o leque de comentadores/analistas que proliferam na comunicação social parece que todos foram escolhidos a dedo para tornarem as notícias ainda mais negras. Por sua vez, os jornalistas/comentadores escolhem as perguntas de feição a que as respostas sejam no sentido de relevar o e agravar expectativas depressivas da economia e das pessoas. Uns e outros escudam-se no mercado. O próprio Presidente da República diz que não devemos culpabilizar o mercado, até porque isso não cria empregos, disse. O modo como falam parece que o mercado é uma força extraterrestre, talvez próxima de Deus, que não devemos criticar para não provocar a sua ira. Nada há de pior do que um Deus irado. Opinião diferente dos mercados tem Carlos Carvalhas, que não via nem ouvia há muito, muito tempo. Ouvi-o dizer que “o mercado tem bilhete de identidade”. Afinal de contas, ao contrário do que querem fazer querer, ainda há quem pense que o mercado não é uma força ignota. Carlos Carvalhas ia identificar os senhores do mercado, mas o tempo de antena expirou. Talvez entre os nomes estivesse o financiador da estação, logo não era prudente, por essa ou outra razão, levantar o véu e dar rostos ao mercado.
Retomando o tema da emissão das OT, não restam dúvidas da grande frustração que essa gente apanhou quando constatou que as taxas de juro da emissão de OT que o Estado colocou no mercado, no montante de 1.242 milhões de euros, se fixaram nos 6,8%, a 10 anos e cerca de 6,15%, a 6 anos. A frustração deve ter aumentado quando perceberam que a procura de OT duplicou a oferta.
Porque carregaram excessivamente nas tintas, a ponto de quase anunciarem a falência do Estado e a entrada imediata do FMI, “entra amanhã” terá dito Silva Lopes, a operação acabou por ser um sucesso, não tanto pelas taxas conseguidas – muito elevadas mas abaixo dos anunciados 7% – fundamentalmente, pelo volume da procura, que duplicou a oferta, a mostrar que, afinal de contas, o cenário de bancarrota está afastado, que o FMI não deve entrar, porque o País, apesar de tudo, ainda dispõe de crédito no mercado.
publicado às 11:42
Nostalgia e chá de rooibos
Como de costume foi à última da hora que a CG me encomendou “chás”.”Quais?, perguntei, como se não soubesse a resposta. “Os que encontrar desde que sejam tisanas...”
Há em Portugal, e provavelmente em muitos outros sítios, a mania de chamar chá a tudo o que se bebe quente e não seja café ou chocolate. Parece que a palavra tisana (talvez por rimar com sacana) não goza de simpatia sequer de popularidade.
Mas chá, o que se chama chá, o que vem da plantinha “carmelia sinensis” é uma coisa e as infusões são outra. Não que não sejam boas, que são, mas convém assinalar a falta da teína que lhes retira o efeito excitante e, vamos lá, lhes reduz ou transforma prodigiosamente o gosto. Os fervorosos do chá, chá, abominam as infusões mesmo se, eles próprios admitam chás combinados com aromas de vária espécie. E, já agora, mesmo se em boa verdade, o verdadeiro chazeiro (perdoem o neologismo) é aquele que bebe chás não lotados, a grande maioria dos consumidores bebe chás compostos.
Dito isto, que foi apenas para nos explicarmos, relembro com muita nostalgia, o dia, entre todos abençoado, em que fui introduzido nesse mundo subtil e perfumado do chá verdadeiro. Do chá com todos os seus rituais. Desde o sítio onde se fervia a água, um velho e bonito aquecedor a óleo, que mostrava a chama por trás de um vidro espesso, até ao bule que era primeiramente atestado de água a ferver, apenas para o aquecer, e depois, através de processos de enche e esvazia, se processar o chá. E os scones, as torradinhas com manteiga e outros mimos com que se acompanhava o chá (com ou sem o farrapinho de leite...) e as vezes sem conta que se enchia a chávena (será que chávena vem de chá?) e a conversa, mole pelo meio da tarde, no inverno, a doce quietude que nos envolvia...
Foi a Gladys Telles Grilo quem me apresentou o chá. Era uma velha amiga da família, especialmente da minha tia mais nova e o seu filho fora partejado pelo meu pai. Isso, a sua relativa juventude, a sua simpatia irradiante, a sua doçura tão british, fizeram com que os meus pais lá de longe lhe pedissem para ser a minha encarregada de educação quando fui frequentar o sexto ano do liceu em Coimbra. O casal Gladys e Alfredo Nogueira Dias recebiam-me fidalgamente à hora do chá e eu aproveitava para lanchar e pedir um livro emprestado. De tal modo me habituei à beberagem que só cheguei ao café dois anos depois.
E cheguei porque os meus amigos consideravam no mínimo surpreendente ver um maluco pedir um chá. Homem que se prezasse, nesses finais de cinquenta, anos de rock and roll e conspiratas contra Salazar, bebia café. Bica, bica escaldada, enquanto puxava do primeiro cigarro, outro ornamento indispensável da passagem da adolescência à maturidade. Chá era para o mulherio, para as tias antigas e do norte, para eventos de caridade, para tudo o que se quisesse, mas nunca para um jovem cavalheiro.
A contragosto, abandonei a prática do chá e entrei no mundo espesso e “masculino” do café. Café, café, entenda-se, nada dessas coisas estilo “bica abatanada” (o que seria?), “cevada”, “garoto”, “meia de leite” ou “carioca”, futilidades que um jovem com barba à passa piolho, ímpetos democráticos, farroncas de intelectual, não podia, sem desprestígio grave, beber.
Tardiamente, enfim lá para os idos de 61, apareceu na extraordinária Coimbra que se amontoava nos cafés da praça da República, um figurão chamado Gunderico, biólogo de profissão, com provas dadas nos trópicos, já honrado como padrinho de umas bichezas pequeninas, que, oh céus, apesar de ser licenciado num qualquer ramo de ciências, tinha de concluir o curso de biologia para poder ser promovido na repartição onde trabalhava, com êxito e fama, como biólogo!
O Gunderico, apareceu na nossa pensão, já quarentão, bem disposto, fama de comunista, casado e pai de filho(s), inveterado fumador de cachimbo e bebedor radical de chá. Era vê-lo, pendurado num cachimbo, caixa de fósforos sempre à mão, pedir com voz decidida um chá se faz favor. E dar conselhos sobre como confeccionar a bebida, aquecer o bule e outras miudezas. Os empregados do café olhavam aquele cavalheiro cercado de rapazolas, tomavam-no por professor e, pouco a pouco, aprendiam a trazer-lhe um chá decente.
Eu é que já não conseguia furtar-me à facilidade do café, à sua rapidez, e só de longe em longe acompanhava o Gunderico nas suas incursões teíferas.
Mais tarde, muito mais tarde, tive algumas recaídas no chá mas, azar dos azares, ficava sem pinta de sono, acordado até altas horas. De modo que, pouco a pouco, fui abandonando o chá verdadeiro que aliás, por precaução, só tomo até meio da tarde.
Valha a verdade que nunca me passei para as infusões, as camomilas, as tílias e outras. De facto, salvo gripe grave, aquilo sempre me soube a água quente e pouco mais. Até ao dia...
Até ao dia em que comecei a ler os livros do senhor Alexander Mc Call Smith, um cavalheiro de origem escocesa nado e criado na antiga Rodésia do Sul, hoje Zimbabue, professor de Direito na Universidade de Edimburgo e escritor talentoso.
Entre muitos outros títulos, criou uma série policial ambientada no Botsuana e tendo como personagem principal uma deliciosa senhora chamada Precious Ramotsoe, fundadora da “agência nº1 de mulheres detectives”. Esta senhora que alguém de má fé poderá considerar gorda quando ela se limita apenas a ter a “compleição natural das mulheres do Botsuana”, além de ser uma extraordinária observadora, dotada de um não menos extraordinário bom senso, passa metade da vida a tomar uma infusão de rooibos. Chá de rooibos, assim se anuncia por cá.
A minha curiosidade disparou. Que raio seria o tal chá de rooibos?
Até que há dias, e para obedecer à injunção da CG, fui pelas tisanas e, milagre, ali estavam as embalagens do chá de rooibos (rooibos quer dizer arbusto vermelho em africânder e a planta é originária da zona do Cabo, na África do Sul, e consumida em toda a região em infusão) que imediatamente comprei.
Logo que cheguei a casa, informei a minha enteada Ana (que agora nos frequenta pela tarde pois descobriu que no meu escritório nº 2 se trabalha confortavelmente. Como está a escrever a tese de mestrado, optou por se refugiar ali e parece que o ambiente é propício à criação jurídica) e fomos estrear-nos no chá de rooibos.
Nem vos digo nem vos conto. Aquilo é bom a valer. A começar pela cor, um belo vermelho, pelo aroma delicado, pelo sabor que quase dispensa açúcar e, sobretudo, pelo facto de se poder guardar a bebida por muitas horas.
Por momentos, sinto-me de regresso aos anos longínquos da minha oisive jeunesse de mistura com a África dos tempos de liceu, agora acompanhado por Mma Ramotsoe, detective impar e bem disposta cuja compleição tradicional tão bem se casa com a minha que, infelizmente não se pode gabar da mesma desculpa. Não nasci nos cafundós do Kalaari, estou gordo, diabos me levem!, e mantenho o mesmo sólido apetite de há muitos anos. A ver se as virtudes anti-oxidantes do rooibos me salvam de sarilhos maiores.
publicado às 10:44