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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

O dilema de Passos Coelho

José Carlos Pereira, 25.02.11

A menos de duas semanas da discussão da moção de censura que o Bloco de Esquerda prometeu apresentar, são visíveis as pressões que se fazem sentir sobre a liderança do PSD. Logo depois de Passos Coelho ter declarado, muito a custo, que o PSD se absteria na votação da moção bloquista, começou a preparação do day after parlamentar.

Uns sectores defendem que se devia preparar uma acção concertada com o PCP (!) visando o derrube do Governo daqui a poucos meses, outros são apologistas de que se deve esperar pelos resultados da execução orçamental e pelo orçamento para 2012 para julgar Sócrates, outros ainda, mais institucionalistas, privilegiam a estabilidade e gostariam de ver a legislatura prolongar-se enquanto houver condições políticas para isso, não perdendo de vista que as últimas eleições legislativas ocorreram há menos de um ano e meio.

Passos Coelho mostra não estar apressado em aceder ao poder e parece mais interessado em conquistá-lo do que em recebê-lo numa bandeja. A sua fasquia parece fixar-se na necessidade de Portugal ter de recorrer à ajuda financeira internacional. Resta saber a força que terá a entourage de dirigentes como Marco António Costa, apostada em chegar ao poder já e depressa. Além do mais, Passos Coelho sabe que a suposta união do partido – tirando os tiros ao alvo que aqui e ali vai recebendo… – será colocada à prova logo que haja lugares para preencher e escolhas a fazer, seja nas listas de deputados ou nos lugares do Estado.

O líder do PSD, que por esta altura também receberá uns sermões dos seus parceiros europeus do PPE, está assim perante um dilema que o deve atormentar. Força a realização de eleições e procura tirar partido do descontentamento latente com o Governo ou, pelo contrário, espera pacientemente pela sua vez e aguarda que o poder caia de maduro, como acontece normalmente por essa Europa fora. Sondagens como a que o “Diário Económico” e a TSF publicam hoje podem animar, mas apenas os mais desatentos, já que esses resultados que anunciam a maioria do PSD foram obtidos com base nuns míseros 140 inquiridos efectivos (taxa de resposta de 17,5%).

Quem lê a internet e a blogosfera acreditará que o Governo e o PS estão de rastos e a cair aos pedaços, mas a realidade de uma disputa eleitoral é bem diferente e não estou a ver os votantes do centro-esquerda, ainda que descontentes com Sócrates, irem em massa votar nas políticas liberais de Passos Coelho. Este sabe bem disso, o que talvez o faça ser mais cauteloso do que muitos dos seus apaniguados…

Au Bonheur des Dames 268

d'oliveira, 25.02.11

 

 

 

Lucullus Lucullo edit

 

É isso mesmo, caros leitores. Hoje isto vai fiar fino, finíssimo. Comi ontem em casa de um amigo, de um velho amigo, de um excelente amigo, dado o cuidado com que se ocupou não da salvação da minha alma imprestável mas do meu corpinho mimoso e naturalmente necessitado de carinho gastronómico.

Este amigo, convém dize-lo é uma criatura das arábias, feita ainda no tempo da guerra (a 2ª e mundial) com os cuidados e a atenção que esses desvairados anos pediam. Feito à mão, artesanal, está bem de ver. Com a passagem dos dias cresceu, fez as tropelias políticas do costume (do costume, o tanas! Fez as tropelias de que só uns quantos happy few podem gabar-se – mas não se gabam) e que davam direito a muitos e variados dissabores, tornou-se um professor emérito, cientista de renome especializado em bichezas pequeninas e horrendas que para encurtar são os vírus e as bactérias, tudo ou quase coisas malignas ou que se tomam como tal. Não contente com esta inusitada ocupação, é um leitor sôfrego, um cinéfilo viciado e vicioso, um amador da boa música e, pasme-se!, um cozinheiro de mão cheia. O raio do homem até publicou um livro de receitas, coisa tremenda que só de a ler já nos entra pelas carnes um colesterol dos diabos.

Eu e mais dois desregrados companheiros da Coimbra de lavados ares (ou isso presumíamos) já nos tínhamos feito ao piso. Que gostaríamos de provar alguns daqueles pitéus que ele inventara ou simplesmente recolhera com amor e tenacidade. Mas a criatura ou não ouvia, ou fazia que não ouvia. Chutava para canto. Até que o mais atrevido dos três lhe terá posto a faca aos peitos. E o João baqueou. E marcou o repasto. Para ontem. Ameaçando servir-me um polvo em vinho tinto à moda da sua ilha natal (S Miguel). Protestei porquanto, antecipadamente lhe declarara a minha absoluta incapacidade para ingurgita o raio do cefalópode, ódio antigo e de estimação que vem da alvorada dos tempos, dos meus, pelo menos, da escola de Buarcos para ser mais preciso.

E o João acrescentou ao menu inicial umas favas com língua e baço  salteado e fígado de porco com especiarias. Uma belíssima senhora a quem só posso apontar o defeito de aturar o João, entendeu dar um ar da sua graça com um feijão à angolana (com azeite de dendém, ah!, o azeite de dendém....) acompanhado de sua farofa e de uns enchidos amáveis.

Convenhamos que para jantar a ementa era, digamos, audaciosa. E peso as minhas palavras!

Valha a verdade que isto era, afinal, o pretexto para um par de horas (foram seis|!!!) de conversa, de discussão de piadas, enfim, umas horas de encontro entre amigos que já dobraram os sessenta anos e que só se vêem de longe em muito longe. Melhor dizendo, agora temo-nos visto com alguma, escassa frequência, sabemos uns dos outros por mail e por interpostos blogs e respectivas caixas de comentários, mas na verdade andámos dezenas de anos sem nos encontrarmos. E foi graças ao João, que também passou algum tempo em Coimbra, que nos juntámos de novo há uns meses.

Que dizer do que comi, excepto que dei ao dente com apetite (traduza-se gula pecaminosa) que lhe perdoei o fígado, víscera que, desde os anos de colégio interno, quase bani da minha mesa, o baço (outra que tal e que terá sido para mim uma estreia absoluta) ou mesmo das favas (que eram deliciosas favas secas e não as que tradicionalmente se comem por aí. Do feijão, já acima deixei implícito que estava que fervia, bom até dizer basta. Foi aliás a prova de que o mundo injusto: uma mulher bonita, simpática e inteligente e que sabe cozinhar!!! Onde é que já se viu disto? A minha particular teoria é que algum defeito medonho terá. E escondido! Será que, à semelhança do conto das Lendas e Narrativas de Herculano, terá pé de cabra? Será o diabo disfarçado, ou, carrément, uma diaba vinda de propósito desses afrodisíacos infernos tropicais para perder a alminha ingénua e inquieta do João, natural de terras já de si vulcânicas e enxofrosas? Seja como for: tantas qualidades reunidas numa única pessoa são a prova provada que os ateus necessitam para afirmar que não há Deus. Anda por aí tanto camafeu, tanta burrinha de atar, tanto susto, que aparecer de repente, como que surdindo do mar, a senhora em questão, me parece pelo menos grave destempero ou erro absoluto e grosseiro por alturas da Criação do mundo.

E o título?, perguntarão os que do latim nada sabem. Pois o título, à letra, quer dizer Lúculo come em casa de Lúculo. Este cavalheiro foi um notável general romano que passou à posteridade mais pela qualidade da sua mesa do que pela indiscutível bravura com que se portou à frente das suas legiões vitoriosas. Tão bem se comia em sua casa que, um dia, funesto dia, em que não tinha convidados, o cozinheiro lhe apresentou uma refeição menos conseguida. Furioso chamou o servo que se justificou da menor qualidade do repasto alegando que não havia convidados. Lúculo majestosamente ter-lhe-á retorquido que havia, sim senhor, que nesse dia, malfadado, Lúculo ele próprio comia em casa de Lúculo. Se non é vero...

A expressão passou a significar que se comeu excelentemente. Aliás e se me permitem, ouso este entorse à frase célebre: Marcellus Lucullo edit.   

 

Lucros Potenciados pela Crise do Petróleo

JSC, 25.02.11

 

O secretário geral da Associação das Empresas Petrolíferas é de opinião que o preço dos combustíveis vai continuar a subir, caso a situação na Líbia não acalme, disse.

 

Um analista que, diariamente, fala da situação da Bolsa também disse que as Acções da GALP vão continuar a subir, em resultado das expectativas de maior lucro derivado do aumento do preço do barril. É absurdo mas é verdade. Neste negócio o aumento do preço da matéria prima implica o aumento do lucro.

 

Os lucros obtidos pela GALP em 2010 confirmam como a crise do petróleo é boa para os accionistas da GALP e para o Estado (arrecada mais impostos) e má para as empresas e consumidores portugueses. Os lucros da GALP cresceram 43%, cifrando-se nos 306 milhões de euros, que corresponde aos melhores resultados de sempre. No ano de 2010 a GALP obteve um lucro de 840 mil euros/dia.

 

Mas não é só a GALP que beneficia com a crise do petróleo. A espanhola REPSOL registou lucros de 4.693 milhões de euros em 2010, tendo triplicado os lucros obtidos no ano anterior. Por sua vez, também no sector da energia, a IBERDROLA, que detém uma participação significativa na EDP, registou em 2010 o maior lucro da sua história: 2.870 milhões de euros.

 

É bom que as empresas obtenham lucros. Mas é escandaloso que a chamada crise do petróleo sirva para alavancar os lucros em sectores tão determinantes para o desenvolvimento económico e que mexem com o dia a dia das pessoas, sem que entidades reguladores ou quem quer que seja faça qualquer coisa para impor moralidade ao sistema.

Estes dias que passam 229

d'oliveira, 22.02.11

 

 

Nós e os outros ou Os bons e os maus

 

Tenho um imenso gosto em ler dois colaboradores do Público. Escrevem bem, pensam melhor, e o seu português é, mais que impecável, bonito. Apreciá-los não significa, porém, que dê por certo tudo o que defendem. E presentemente, se é que os não li com demasiada ligeireza, parece-me notar neles um descaso surpreendente sobre o que se passa no mundo árabe. Um jura que aquilo não é uma revolução, coisa que só algumas criaturas efémeras entenderam tonitruar. Que os media tenham seguido estas buliçosas inventoras do pensamento prêt-a-porter não justifica que este tenha pés para andar. Chamar a atenção para isso é saudável mas daí dar uma cabriola para a impossibilidade de modificações revolucionárias e de cariz democrático no mundo árabe ou mesmo no mundo islâmico parece-me preconceituoso. Isso mesmo: preconceituoso.

O mesmo se aplica ao artigo do outro que radica no Islão a incapacidade desses países viverem em pleno uma vida democrática.

Convém fazer uma declaração de interesses. Não tenho grande apetência pelas maravilhas que alguns descobrem na civilização árabe. Não gosto, aliás, detesto os tiranetes que por lá fizeram carreira, as selvajarias da aplicação das normas da charia (a charia é em si mesma uma abominação) acho insuportável os tchadors as burkas e os véus mesmo curtos e tirante Omar Kayham, Hafiz, (ambos persas mas muçulmanos) As mil e uma noites, Naguib Mafouz e Ali Ahmad Said (Adónis) poeta sírio libanês que merecia o Nobel, não aprecio a sua eminente cultura. Também não gosto da música e menos ainda da cozinha. Gente que não come porco e não bebe vinho poderá ser respeitabilíssima, decerto que o é, mas não me desperta simpatia. Deve haver em mim, que sou do litoral, um profundo sentimento contra a pirataria histórica dos magrebinos que assolava a costa.  Portanto: nada me entusiasma nestes países, naquela religião e nas políticas que por lá esboçaram.

Todavia, o direito á liberdade, à igualdade e à fraternidade são, para mim, pilares essenciais da vida (política e não só). E é disso que se trata.

Não sei se estas explosões em cadeia, esta não tão repentina (mas não tão surpreendente) fúria contra os governos infames da Argélia, da Líbia, do Egipto, da Tunísia, do Yémen e dos outros, desembocarão numa sociedade mais igualitária, mais livre, mais aceitável a meus olhos e empedernido (e não arrependido) ocidental e europeu. Espero bem que sim, mas não sei como, quanto tempo, o processo ora iniciado vai (ou não) trazer ao Magrebe e ao Médio Oriente uma forma mais sã, mais convivente de vida.

Na  Europa a coisa demorou o que demorou. Foi uma sangueira tremenda mesmo nos países mais pacíficos. O ódio durou gerações e ainda há, hoje, gente que vomita de ódio à simples menção da palavra democracia.

A separação da Igreja e do Estado (que ainda não acabou realmente mesmo na  Europa da União) deu origem a lutas medonhas, a assassínios em massa, e o que, até hoje, se conseguiu não esconde (não devia esconder) a reacção da Igreja (e não só a Católica, está bom de ver. Relembremos a Grécia actual, para não ir mais longe nem mais fundo. E bem preciso era mas deixemos para outra altura o registo do que se passa.)

Não convém também, já que falámos de duas “religiões do livro”, esquecer a terceira. De facto, neste xadrez sem regras, é bom recordar que a famosa democracia israelita comporta uns cidadãos de segunda, mormente árabes, nados e criados em Israel. E que os assentamentos ilegais em territórios ocupados são uma forma encapotada (ou nem isso) de aumentar continuamente o já ilegalmente aumentado espaço nacional israelita. Também considero inaceitável (e vi isso há escassos dias num dos canais temáticos da televisão) a ideia de que aqueles territórios foram objecto de um contrato entre o Deus de Abraão e os judeus. E que isso, essa bíblica promessa, seja fundamento legal para a existência de um país que desapareceu em meados do século II DC e que foi ressuscitado em 1948. E que assentou essencialmente numa região, a Palestina, habitada maioritariamente por árabes de obediência islâmica, drusa e cristã. Havia também um pequeno núcleo de judeus ortodoxos na zona de Jerusalém. Com a emigração, forte a partir da Declaração Balfour, começou a haver um aumento de população judaica que, não obstante, nunca foi maioritária, mesmo com as ondas de refugiados posteriores ao fim da 2ª Guerra. 

Conviria perguntar, mesmo correndo os consabidos riscos, se uma nação nascida deste singular contrato entre Jeová e os judeus do século. XII AC, que mantém territórios alheios sob ocupação militar, que permite que cidadãos seus, nascidos em território seu, não desfrutem dos mesmos direitos dos cidadãos de confissão judaica, é de facto uma democracia. Ou se a religião judaica na sua forma mais ortodoxa é mais propensa à democracia do que o Islão. Ou se ambas são menos democratizáveis do que o Cristianismo tal qual se concebia no século XVIII. Ou, indo mais longe, se há na organização interna da Igreja Católica algo que, de perto ou de longe lembre a democracia.

Ou, até, se a Igreja aceitou sem fortíssima resistência (desde pegar em armas à excomunhão) a separação dela e do Estado. 

Poderia continuar neste rosário de perguntas toda a noite. Decerto que isso incomodaria os leitores, mas que querem? A mim o que me incomoda é o subtil racismo que reserva para o Ocidente a possibilidade de uma vida melhor e deixa aos árabes o inferno na terra. E que se consolem com as huris no outro mundo prometido pelo Profeta...  

 

na gravura: inscrição que diz:Não ha outra divindade senão Deus e Maomé é o seu profeta 

No Pingo Doce os Sindicatos não entram

JSC, 22.02.11

Há dias, em declarações passadas na TV, sem qualquer comentário crítico, o patrão da Jerónimo Martins, por entre remoques ao primeiro ministro, disse que não entendia como se perdia tanto tempo a debater “a porcaria do aumento do salário mínimo” . Confesso que foi esta parte que me chocou e me levou a colocar, definitivamente, aquele Senhor na lista das pessoas (eticamente) pouco recomendáveis.

 

Esta notícia do Público mostra os princípios laborais dos patrões do grupo Pingo Doce. Agora percebe-se melhor os lucros de quarenta e tal por cento. Tamanhos lucros só poderiam ter origem em resultados extraordinários (o que parece não ter sido o caso); prática de preços bem acima do aceitável (o que também não é o caso, veja-se a publicidade e a concorrência) ou do pagamento aos trabalhadores bem abaixo do valor justo e aceitável.

 

É de crer que os lucros milionários obtidos em 2010 resultaram não só de baixos salários, como do silenciamento e esmagamento de qualquer acção reivindicativa.

É por isso que o badalado slogan “No pingo Doce o IVA não entra” deve ser substituído por:  “No Pingo Doce os Sindicatos não entram”.

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