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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 267

d'oliveira, 20.02.11

Claro! É isso mesmo!...

Sempre, ou pelo menos desde que fui um relapso aluno de catequese na risonha vila de Buarcos, soube de um saber feito de estudo e sacrifício da carne, que o pecado, mormente a luxúria e seus derivados, eram perigos absolutos não só para a nossa alma imortal mas também para partes diversas do corpo transitório que a envolve.

Não recordo bem os exactos males que correspondiam a cada acto de concupiscência e confesso que, nesses longínquos tempos, andava mais entusiasmado com o berlinde e o pião do que com a “chamada da carne” pelo Maligno (Va de retro...).

Lembro, isso sim, que o senhor prior nos terá dito que era mais fácil sair-nos o bacalhau, o cabrito e o ornitorrinco tudo em três rebuçados de meio tostão comprados na mesma feliz ocasião do que um pecador entrar no reino celestial. Expliquemo-nos: nesses tempos felizes e inocentes, havia uns coleccionáveis que se vendiam com uns rebuçados baratos, péssimos para a saúde mas óptimos para o paladar. À parte vendiam-se umas cadernetas manhosas onde era mister ir colando as imagens que iam aparecendo. Fundamentalmente as colecções eram três ou quatro: jogadores de futebol equipados a preceito, bandeiras de todo o mundo (a cores) e animais ( a preto e branco ou a cores). Normalmente vinham dentro dos papelinhos que embrulhavam os citados rebuçados mas depois, o progresso alucinante que se vivia no post guerra suprimiu miseravelmente as guloseimas e fornecia as figurinhas dentro de carteiras.

Na colecção em apreço, a dos bichos de todo o mundo, as figuras mais cobiçadas (o Rui Lucas que me corrija se estou enganado) eram os três animais acima citados. A miudagem, com o espírito empreendedor que sempre se lhe reconhece (e que, nessas épocas de escassez, era agudo) passava longas horas a trocar figurinhas, estabelecendo uma complicada teia de cotações que nem a mais sofisticada bolsa é capaz de reproduzir. Aliás, nesse tempo, trocava-se tudo, os já citados berlindes (e os cotadíssimos “abafadores”) piões, fisgas, lápis de cores e outros objectos de levado valor entre crianças irrequietas, entre eles uma maravilhosa arma chamada “estoque” que consistia num tubo de cana onde corria um êmbolo feito do mesmo material. Com isso disparavam-se projecteis feitos de casca de laranja (roubada e comida no acto) com a boca do “estoque” ia-se recortando a casca inútil” e pimba, “estocada” no companheiro de assalto ao pomar.

Tudo isto para falar dos pecados da carne!...

De facto, quando o confessor nos perguntava por isso, ficávamos atrapalhados. A puberdade andava longe, por um futuro a que chegaríamos depois da quarta classe ou até mais tarde, dependendo se éramos maus ou bons alunos. Os mistérios da carne eram ainda mais absolutos que o da Santíssima Trindade.

Anos depois, já os piões estavam guardados num qualquer baú de velharias e os berlindes perdidos, lá começaram a falar-nos nos perigos da masturbação. Parece que esse perigoso mas divertido exercício tinha nos seus praticantes um efeito terrível: surdez! Quando mais intensa fosse a manipulação mais depressa nos caía em cima o silêncio opressivo. Tenho ideia que essa ameaça medonha era ineficaz. Digamos, para não sairmos deste campo, que nos entrava por um ouvido e saía, mais apressada, pelo outro...

Com o correr dos anos e dos humores a coisa foi-se tornando mais diversificada e interessante. Os pecados da carne apareciam mais diversificados e, custa-me dizê-lo, mais atraentes. Os castigos eram anunciados mas quem é que pára a “juventud divino tesoro”?

A imaginação fértil das igrejas, sejam elas quais forem, não era dique capaz para a enxurrada libidinosa que nos percorria. Os conselhos médicos também não resultavam nesses anos difíceis e primitivos. As doenças venéreas lá se iam curando e a sida era desconhecida. Todavia, a sexualidade desregrada (e eu nunca vi tal coisa seguindo as nobres regras da cavalaria ou do boxe) nunca suscitara a ameaça que na gravura (enviada pelo sempre frenético JVC) se descobre.

Parece que nesse Médio Oriente, subitamente prodigioso e em movimento, um clérigo (e não dos menores, visto ser ayatola e imã da importante oração das sextas feiras em Teerão)  chiita afirmou que as relações sexuais ilícitas são a causa provada dos sismos. A coisa começaria com as mulheres (no Irão, nom de Dieu!) atrevidamente vestidas a suscitar na gens masculina um aumento da produção de testosterona. Uma vez alcançada a velocidade de cruzeiro desta última, zás, catrapás!,  aí vai disto. Actos sexuais ilícitos à fartazana, num desafio lúbrico á paz dos pasdaran e dos mollás! Pior ainda se for á sexta-feira, atrevo-me a pensar esperando que por esta impiedade menor não me caia em cima uma fatwa medonha.

Claro que, isto, esta descoberta de incalculável alcance militar era tremenda. imaginam um pais qualquer a exportar para o território inimigo um aguerrido exército de amazonas dispostas ao sacrifício supremo de perverter a juventude ingénua da terra assaltada e por isso mesmo a destruir pela fúria genésica cidades e aldeias do odiado adversário? Muito mais barato que as bombas termonucleares e, sobretudo, muito mais insidioso.

Mas desenganem-se os que pensam que estas coisas são fruto de mentes enlouquecidas pelo deserto e pela visão aterrada de burkas e véus tentadores. Nos Estados Unidos (o Grande Satã) progridem as campanhas de virgindade até idades francamente desinteressantes. Há Estados, ou mesmo condados e cidades onde imperam leis extraordinárias. Não posso, agora, encontrar o recorte onde, preto no branco, se proibiam certas variações sexuais (que o decoro me impede de referir, pelo que terão de recorrer aos vossos catálogos pessoais de fantasmas) mesmo se praticadas no recôndito do lar, longe das vistas do público. E a coisa dava pena de prisão!!! Como é que se descobririam os pecadores é que me faz espécie. Não que não saiba que há, sempre houve, em toda a parte “espreitas”, (que nas américas se chamarão  Peeping Tom mesmo se este personagem fosse ,sobretudo, o curioso da lenda da Lady Godiva. Na Europa culta e mais sofisticada, chama-se voyeur e desde a belle époque, se tem por uma das belas artes amatórias.  Eu, educado na praia de Buarcos, não vejo nessa inútil tarefa nenhum interesse mas parece que vai prosperando, ainda que sob a forma de leitores das revistas do coração. Confesso que não me toca a ideia de saber quantos orgasmos - e como – sacudirão as nossas socialites. Antes: tremo só de pensar que elas os terão. Estão a ver aquelas peles esticadas por vinte cirurgias e dez botoxes a serem alvo de um espasmo? Credo! Abrenúncio!)

Voltando ás nossas devoções: a brilhante elucubração do clérigo persa não é assim tão mal pensada. O sexo, mesmo o clássico, foi sempre algo de ameaçador. No Egipto antigo havia várias regras a observar sobretudo quanto ás posições. Por exemplo, se a lide amorosa ocorria durante o dia, só era permitida uma posição que vedasse a ambos os participantes olhar para o sol. Para Osíris, para ser mais correcto. E de tal modo isso foi imposto que por todo o Médio Oriente se falava da posição egípcia. No Ocidente, vá lá saber-se porquê a posição do missionário foi a mais canónica e recomendada. No primeiro caso, o egípcio, temia-se que o equilíbrio cósmico fosse afectado pelas criaturas fornicantes. Não sei se previam um sismo mas à cautela... Na literatura erótica fala-se muito da sensação orgásmica que se traduz por sentir o mundo mover-se. Será que o raio do chiita tem razão?

E o velho conto grego da greve ao sexo, artimanha feminina para parar a guerra incontrolada feita pelos homens não quererá, de forma mais elaborada e superior, dizer quase o mesmo? Porque é que o sexo desperta assim tantos demónios, tantas profecias tremendas, tanto medo?

Estou velho. Já tenho direito a desconto nos museus e nos comboios. Confesso porém que à falta de vergonha ainda devo acrescentar outros e péssimos sentimentos: não resisto a uma cara bonita, e comove-me sempre (e falar em comoção é ser comedido mas prudente) a visão de uma mulher. Será que é por isso que o palerma do imã das sextas feiras refere o perigo do temor de terra? Por mim vem de carrinho, estou-me nas tintas e pronto a arriscar. Se isto não é uma encapotada forma de assedio sexual ás leitoras então já não sei o que é.

 

este texto vai para os rapazes da minha geração, a saber Zé CP, Vítor M. João VC e Rui FL (estarei errado, meus amigos?)

A ilustração foi cedida pelo irrequieto (ia a dizer libidinoso mas isso não se faz) JVC

 

 

 

Expediente 12

d'oliveira, 18.02.11

 

Até sempre!

 

morreu hoje o Luís (Abreu Lima) Ramos. O nome dirá muito aos que viveram Coimbra 1969. O Luís foi um dos mais dedicados activistas da  Junta de Ciências e, se não me engano, foi eleito para a direcção da AAC em 71. Perdi-o de vista quase completamente a menos que nos tenhamos encontrado nas comemorações da crise dez ou vinte anos depois.

Era professor na Universidade de Aveiro e escreveu, que eu saiba, um romance (Os meses anteriores) que, por imponderáveis da distribuição catastrófica fora do circuito das grandes editoras nunca me apareceu pela frente.

Mesmo tarde, irei por ele, hoje mesmo, através da Wook. é a última possível homenagem a um homem de bem, um homem corajoso e um bom camarada de luta.

Estamos a ficar velhos e a ser dizimados. É o nosso destino, claro, que para mais novo e mais saudável ninguém vai. custa, porém, custa muito, ver partir aqueles que partilharam connosco alegrias, emoções, perseguições e não vieram depois pedir medalhas ou recompensas.

Em 1971 partilhámos a mesma cadeia (Caxias) e, se não estou em erro a mesma circular solidária e corajosa da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos onde apareço quase com pseudónimo (M. "Corrado" Ribeiro).

O Luís, ligado, a um organismo de juventude do PC ainda foi a julgamento nesse mesmo ano. suponho que todos os processados terão sido absolvidos dada a fragilidade das provas apresentadas pela pide.

Aos companheiros de Coimbra que, eventualmente, esta lerem, um abraço.

 

*espero que a fotografia pilhada na internet seja mesmo a do Luís. Tudo indica que sim e preferi pôr esta em vez de uma mais recente (lançamento do livro, onde ele aparecia envelhecido e magríssimo, quiçá já doente.

Uma má notícia para Durão Barroso?

JSC, 17.02.11

Au Bonheur des Dames 266

d'oliveira, 17.02.11

 

Aventuras gastronómicas

Vou um dia destes jantar a casa de um gourmet que ainda por cima sabe cozinhar, inventa receitas, escreve crítica gastronómica, enfim, um perigo público absoluto.

Gentilmente, entendeu perguntar aos comensais (eu sou apenas um deles) de que é que não gostavam ou, melhor: se gostavam de várias coisas incluindo polvo.

Eu sei que vou ser trucidado por uma multidão de leitores mas acontece que odeio polvo. A razão é simples. Nos tempos da escola primária, fiz a duas primeiras classes perto de uma seca de polvo. Nesse tempo, era assim. Vocês, Leitoras gentis e distintos Cavalheiros , provavelmente nunca viram uma seca de polvo e se a viram, não estiveram perto. E se estiveram, estavam constipados a ponto de não sentir o medonho cheiro daquilo. É pior ainda que as secas africanas de peixe, para já não falar das de carne. O adjectivo correcto é nauseabundo.

Vem daí a minha ojeriza ao polvo feito seja de que maneira for. Não vou ao ponto de fugir de uma mesa onde o haja. Basta-me não ter de o comer. Tanto mais que tenho de reconhecer que hoje em dia come-se essencialmente polvo fresco e que o polvo cozinhado, tendo o seu particular aroma (reparem na delicadeza: aroma!) não faz fugir ninguém.

Tenho outras idiossincrasias alimentares. Não sou um entusiasta do vinagre mas aturo-o em dose côngrua, não morro por grão de bico, recuso-me a comer cabidela, não pelo sangue mas pelo gosto, e por aí fora. A cabidela, já agora, constituiu um dos piores campos de batalha que travei com a minha primeira sogra, uma mulher excelente e enérgica, demasiado enérgica, por vzes. Convencida de que o meu horror à cabidela era fruto de juizos pouco recomendáveis, resolveu que isso, essa aberrante mania, se devia ao facto de em anteriores tentativas o galináceo não ser do tipo “pica o chão”. Quando lhe disse que não, passou ao modo de cozinhar. E para provar que eu estava era mal acostumado, convocou para um especial ágape, uma cunhada, a tia Edite, recordista olímpica, a meias com uma empregada gorda e simpática, da medalha de ouro de cabidelas & assimilados. A tia Edite, o respectivo marido, um homem bondoso e sorridente que se chamava Celso, e a empregada desembarcaram em casa dos meus sogros perante um sentido e incontido “Ah!!!” que ressumava gula e concupiscência (E luxúria. E lascívia. E mais um par de pecados mortais que já não recordo...). Traziam todos os “precisos”, desde a galinha anafada até uma panela gigantesca. O meu povo babava-se de excitação. Eu, a um canto, aterrado.  Preparada com o esmero de que só as velhas tias do Norte são capazes, sobretudo se acolitadas por empregadas que valem o seu peso em diamantes (e esta, já o disse, era goooorda, cem quilos de carne limpa mais a ossada a condizer), lá veio a cabidela para a mesa. E eu aterrado.

Claro que á primeira e cerimoniosa garfada (com toda a gente suspensa) tive de dizer que continuava a não gostar mas que esta cabidela era, seguramente a melhor cabidela de que ao longo de uma vida de estúrdia e vício, eu provara. E comi a segunda e última garfada.  Sujei o prato e fiquei com uma fome negra.

Nos colégios por onde penei, por inteira culpa minha, vezes e vezes sem conta não comi o que me davam. A comida dos colégios desse tempo (colégios que não recebiam um centavo do Estado e pagavam se bem recordo forte contribuição) era ligeiramente melhor do que o rancho da cadeia de Caxias, e nesse género de prisões para subversores da ordem politica e moral do Estado Novo, a comida era ela própria um segundo castigo. Há mesmo quem diga que a tuberculose que me afectou no meu sétimo ano do liceu se devia á forçada dieta que me impunha. Pode ser, mesmo se eu desconfie da mão divina  por usar a capela para me evadir á noite daquele campo de concentração.

Não sou, creiam, um totó esquisito; como coisas vulgares, o meu peixe favorito é a sardinha, o marisco que mais me comove é o modesto mexilhão (já que só em dias festivos me atrevo aos percebes),  sou pouco de cozinhas modernas e não dou dois passos para essas esquisitices com imensos nomes a disfarçar um prato de carne com batatas e dois vagos vegetais.

Nisso sou quase como o meu saudoso amigo Rui Feijó que declarava que comia tudo excepto fígado de porco. A CG ainda no tempo do convite à valsa, declarou-me corajosa que até de fígado de porco gostava. Mania desta gente a de comer vísceras! Uma namorada holandesa, boa de ver e melhor de apalpar, entendia que eu devia comer ao pequeno almoço rins! Rins preparados por ela com carinho e eventual reconhecimento... Jesus, Maria, José, os sacrifícios que se fazem por uma namorada!.... Outra tentou convencer-me a comer dobrada! Dobrada! Fugi a sete pés. Alguém acenou-me com um almocinho de tripas á moda do porto seguido de... Chutei para canto. A gastronomia portuense tem ainda um outro prato detestável : a francesinha. Agora até há um festival da dita cuja. Uma vaga sanduíche de bifana, salsicha, linguiça, queijo e fiambre tudo a monte a nadar numa molhanga apicantada é a negação daquela velha cozinha burguesa de que o Porto se orgulhava. Digamos que a francesinha é a réplica em calão do hamburger. Que também não vai longe em matéria de gastronomia, Deus me perdoe.

O meu amigo gastrónomo e cozinheiro e amável promete converter-me ao polvo á micaelense queira isso dizer o que quer que seja. Tenho o maior respeito pelas gentes dos Açores, em geral, e pelas de S Miguel, em particular. Gosto da música açoriana, do chá que eles cultivam, dos vulcões com que eles se divertem, do sotaque. Estou até pronto a apreciar o dr João Bosco da Mota Amaral e a perdoar alguma brejeirice do senhor Carlos César. Mas para tudo há limites. E o polvo está bem para lá das fronteiras que estou disposto a atravessar. Bastaram-me numa vida de sacrifício, as cabidelas, os rins grelhados, a língua de vaca, as iscas de fígado e genericamente aquelas cartilagens  que metem no belo cozido á portuguesa só para o estragar.

Será que terei de levar um foquim (adorável termo piscatório, trazido da Terra Nova, para significar uma lancheira cilíndrica de madeira  pintada com motivos populares, onde se levava a comida para o barco) carregado de vitualhas que substituam a inominável bicheza à micaelense?

Boas Notícias 3

O meu olhar, 16.02.11

Prémios

                            

 

A Airports Council International (ACI) distinguiu o aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, como o segundo melhor da Europa e o quinto a nível mundial.

 

O jornal i venceu o prémio máximo da Society for News Design (SND). O júri considerou que o matutino lançado em 2009 tem o “melhor design do mundo”.

 

Os leitores do site Arch Daily, que se apresenta como "o site para arquitectos mais visitado do mundo distinguiu três obras de arquitectos portugueses, todos eles da Faculdade de Arquitectura do Porto. As obras eleitas estão todas elas situadas no Porto: Edifício Vodafone, dos arquitectos José António Barbosa e Pedro Lopes Guimarães, distinguido na categoria de Arquitectura Institucional; Closet House, de Marta Costa e Henrique Pinto, que arrebatou o prémio para o melhor projecto de interiores; um bar temporário da autoria de Diogo Aguiar e Teresa Otto, instalado no Parque da Cidade do Porto durante a Queima das Fitas, que venceu na categoria Hotéis e Restaurantes.

estes dias que passam 222

d'oliveira, 15.02.11

 

Absolutamente patético

 

Ver o que se passa no fissurado Bloco de Esquerda mais do que uma lição sobre as aberrações do passado é sobretudo uma viagem dolorosa às raízes da derrota global da esquerda nestes mal assombrados tempos que correm.

Hoje, pela voz de um experiente militante, homem vindo da escola de quadros (funcionários) do PC, entrado em dissensão e recolhido ao caravanserail dos doutores Louçã e Fazenda, lá se pronunciou a frase que faltava. A frase que ilustrou todos os tenores da ala maioritária do partido comunista soviético mesmo se essa ala variasse constantemente consoante o vento e a vontade do Secretário Geral. Pronunciaram-na Zdanov ou Vichinsky, murmurou-a, cavernoso, Beria, gritou-a aos quatro ventos Krustchov antes, claro, de ser silenciado por Brejnev. Como de costume a frase (já lá iremos) foi usada até á exaustão pelos partidos do Bloco de Leste e obviamente pelos ocidentais.

De facto, hoje, na televisão, ouvi, pasmado ou nem tanto, que as actuais divergências no Bloco são obra de um grupo que sistematicamente se tem mostrado contrario à Direcção. Um “grupo anti-partido” para usar a terminologia habitual e estratificada da langue de bois soviética.

O grupo anti-partido no último caso era constituído por Molotov e Malenkov dois proeminentes membros da cúpula do Partido e do Estado vindos dos tempos de Stalin. Não era o primeiro mas foi o que ficou mais famoso.

Desde a morte de Lenin que tais grupos foram sendo “forjados” no seio do Comité Central do PCUS. Forjados em todos os sentidos que a palavra comporta. Bastava, a certa altura, verificar que um ou dois, ou dez militantes, estavam em ruptura (real ou imaginada) com as directivas do partido, a linha geral e toda a restante parafernália para os juntar por mais diversos que fossem e apresentá-los á porta do matadouro para abate. Seria fastidioso para os leitores pôr aqui a lista mesmo se só nos limitássemos aos membros das direcções leninistas. Bastará afirmar que mais de 80% destes foram executados como traidores e anti-partido numa dantesca perseguição que não se limitava a liquidar os alegados divergentes mas também a fazê-los confessar em julgamentos públicos e infamantes a sua trajectória desleal e traidora.

Por isso quando se fala de grupos a conspirar dentro de um partido, mesmo que o dito partido seja esse volúvel aglomerado de ambições e ilusões chamado Bloco, a coisa cheira-me a esturro, a montagem, a desfaçatez e a delírio.

Aliás, e se, de facto, houvesse  um grupo oposto à Direcção do Bloco? Acaso um partido, mesmo este, feito por ex-revisionistas, ex-maoístas, ex-trotskistas e outras subespécies da chamada “doença infantil”, não pode ter diferentes sensibilidades, diferentes perspectivas e pelo menos discussão?

Neste género de agremiações, a unanimidade não é um ponto de chega mas sim de partida. Pior, a unanimidade é condição sine qua non para o funcionamento da máquina. Aqui, está-se sempre de acordo, mesmo se, para tal, for necessário expurgar a organização de tempos em tempos. A “linha justa” constrói-se assim. É preciso que, volta e meia, apareçam uns dissidentes, ou alguém que possa ser tido por tal,  para numa enorme missa purificadora serem competentemente expulsos do paraíso futuro e da cruzada anti-capitalista. E de passada reforçar a unidade partidária e o poder da direcção.

Hoje, na televisão, assistimos ao primórdio da manobra. Sereno e de voz pausada, um membro influente da bancada parlamentar do Bloco deduziu a acusação. Há um grupo. Repare-se que não foi Fazenda, Louçã, Pureza, desgastados pela polémica e pelo escândalo da cacafonia instalada pela diferença de posições sucessivas quanto à moção de censura mas sim um outro elemento vindo de outra cultura organizativa e de outra sensibilidade. Valha a verdade que, para este género de acusações, nada vale um ex-militante do autêntico partido dos processos políticos a sério. Dá garantias a quem ouve. Aquela gente não brincava em serviço. Faziam o que prometiam, sobretudo quando prometiam o castigo dos desvios.

Perguntar-se-á por que diabo de razão me ocupo com isto. Não sou do Bloco, nunca fui adepto da URSS, votei muitas vezes (quase sempre) ps olhando envergonhado para o lado, enfim, sou um esquerdista mole, sem rédea nem camaradas, ou como uma vez me disse um inspector da pide que tentava extorquir-me debalde (manda a verdade que o diga) uma confissão: Pelo que vejo o senhor doutor é um “revolucionário por conta própria”. Nem mais, respondi-lhe encantado e aliviado. E lá fui penar para um quartinho com vistas de rio e de auto-estrada em Caxias sur mer.

Nestas aventuras que me levaram algumas vezes a inóspitos albergues do Estado fui conhecendo muitos cavalheiros do género destes que ora ocupam a duvidosa ribalta política. E, por os conhecer, fugi sempre deles como se foge da peçonha e das quartãs.

Mas, mesmo de fora, não se escapa. “Eles” são como o vírus da gripe. Mudam todos os anos mesmo se a gripe parece sempre a mesma. Ou, por outras palavras, o Príncipe Salina tinha razão. Só que no caso dele temos para gozo nosso o magnífico “O Leopardo”. E neste, tão português  e tão mais próximo, temos isto: uma história de faca e alguidar escrita por um analfabeto  para um público cada vez mais ausente.

É o nosso fado.

Arre!

 

* a ilustração: O nunca suficientemente chorado Vichinsky (ao centro) no processo contra Radek e Piatakov

 

Recado para os Deolinda

JSC, 15.02.11

  

 

Aproveitando a onda das manifs, está em curso a preparação de uma manif em terras lusas, para mostrar que não há uma “geração parva”, “o país é que está a ser parvo”. Confesso que fiquei confundido com a profundidade da coisa. Acredito que milhares de jovens na rua vão conseguir mostrar que não são eles os parvos mas sim o país a que pertencem.

 

Tudo isto partiu de uma canção dos Deolinda, que muitos elegeram a hino de uma geração, ombreando-a com canções do Zeca, do Sérgio Godinho e do Mário Branco.  A tal canção dos Deolinda nada tem de especial, salvo constatar uma realidade, que o pessoal hoje não desampara a loja dos pais, o que mostra que esta geração de parva não tem nada.

 

 Os promotores da manif dizem que são a geração mais qualificada. Acredito que sim. O problema é que muitas das qualificações que têm de pouco servem para o país. Foram fornadas de licenciados em relações públicas, marketing, relações internacionais, estudos europeus, literaturas comparadas, direito, estudos sociais, ciências da natureza, jornalismo, ciências da educação, estudos medievais, filosofia e outros tantos cursos superiores que apesar de fazerem elevar as estatísticas das qualificações académicas, não tinham País nem mercado para tanta competência em domínios tão generalistas e de difícil aplicabilidade.

 

Entretanto, faltavam os licenciados na área das engenharias tecnológicas, da medicina, da gestão. E porque é que faltavam? Pela simples razão que estes cursos obrigavam a mais trabalho, a dominar as matemáticas, a física, química, a biologia. Será que os Deolinda sabem disso? A geração parva dos Deolinda não o é pelas razões que os Deolinda parecem indicar, antes pelas opções académicas que esses jovens fizeram no seu percurso escolar.

 

Boas Notícias 2

O meu olhar, 14.02.11

 Leaf

 

 

Leaf, é assim que se chama o carro eléctrico que a Nissan apresentou na madrugada de Domingo em Yokohama . Este carro deverá chegar aos mercados japonês, europeu e norte-americano no próximo ano e as baterias, componente central do veículo eléctrico, serão fabricadas em três unidades a instalar em Portugal, Inglaterra e França. O investimento em Portugal ronda os 156 milhões, cria 200 empregos especializados e aponta para uma produção anual de 50 mil unidades. A fábrica está a ser instalada em Cacias, Aveiro. Esta é uma boa notícia por duas razões: a primeira porque o futuro do automóvel vai passar pelo carro eléctrico, que apresenta inúmeras vantagens, como seja zero emissões e baixíssimo custo de utilização; a segunda razão porque este investimento em Portugal consolida a aposta em projectos tecnológicos inovadores e de grande importância para o desenvolvimento económico.
Quanto aos problemas de autonomia e preço essas são as grandes apostas das construtoras que investiram no carro eléctrico, como é o caso da Nissan, VW, da Honda e da Toyota. Seguramente o preço vai tender a cair progressivamente e a autonomia a aumentar. A minha próxima opção de viatura será, sem dúvida, um carro eléctrico.

 

 

Au Bonheur des Dames 265

d'oliveira, 14.02.11

 

Nem por acaso.....

 

Não gosto de estragar a festa mas, na verdade, é o que me está destinado. A minha amiga e camarada nesta barca, “o meu olhar” talvez por estar atacada por uma incómoda gripe, resolveu iniciar uma coluna só de coisas boas que nos sucedem. Forte risco, perigosa aventura. As boas notícias, como já tive oportunidade de lhe dizer, reduzem-se, infelizmente, à falta de más notícias.

“O meu olhar” acha que anda por aí uma pandemia maliciosa (no seu verdadeiro e antigo sentido) de exploração dos males e obliteração do bem. Não tem razão. Desde que o Deus dos hebreus, fez o mundo e descansou ao sétimo dia, o mal tem espreitado desde as profundezas infernais e nunca se eximiu a dar um ar da sua graça. Mesmo quando nem era mal, como ela, “o meu olhar”, filha de Eva, decerto saberá. Razões absurdas fizeram com que desde o início dos tempos a Mulher tivesse sido sobrecarregada com todos os pecados do mundo, mesmo o de ser mãe dos homens...

Eu, perdoe-me “o meu olhar” nunca li um livro que não tivesse o seu argumento centrado no mal. Há um mal e, depois de muitas canseiras e trabalhos, pode ocorrer que o Bem vença. Mas nem sempre.

O mesmo ocorre com as boas notícias. Ler no jornal, logo pela manhã, entre o sumo de laranja e as torradas,  que um pobrezinho encontrou uma carteira com mil euros e a foi devolver ao aflito cidadão que a perdeu não é notícia. Ou só o é porque só por milagre, ou quase, acontece.

E vejam só: no exacto momento em que, aí abaixo, “o meu olhar” se enternece com o uso virtuoso de bicicletas na Murtosa (no Inverno, “o meu olhar”? Ao frio, ao vento e à chuva?) logo os jornais numa medonha conspiração, noticiam que depois da senhora que esteve morta e esquecida um ror de anos no seu andar de Sintra, mais dois velhos (um em Cantanhede e outro em Matosinhos) morreram abandonados e esquecidos. Disse velhos, e repito. A palavra idoso é muito politicamente correcta e serve para disfarçar o indisfarçável. Velhos, portanto. Velhos como umas largas dezenas de concidadãos nossos, espalhados pelo torrãozinho de açúcar, sós e isolados, sem uma visita de familiares, os amigos já desaparecidos, as dificuldades crescentes da crise e de uma modernidade que eles não entendem e desprezo dos poderes públicos e assimilados.

Um país que trata assim os seus velhos (e três numa semana é já uma multidão)é um país que está abaixo dos padrões mínimos e, seguramente, dos mínimos dos mínimos europeus. bom seria que olhássemos para África (em que, enchendo a boca, andamos quinhentos anos) para ver que mesmo aí com tantas tragédias e misérias os velhos têm melhor tratamento e muita, incomensuravelmente muita, maior consideração. Có ao que se vê os velhos servem para morrer e deixar alguma pobre herança aos que em vida os abandonam e desprezam. Podia dizer-se que este não é um pa´ís para velhos. Nem para gente decente se a há.

Eu, que sou criatura de maus fígados já tinha por aqui engatilhado um post sobre o assunto mas, como de costume, deixei-o meio pronto, num escaninho deste computador, a abeberar todo o fim de semana. Ressuscito-o agora, bastante modificado, esperando que hoje não apareça mais outro cadáver olvidado pelos homens e por Deus dentro de um pardieiro miserável.

Mas vejamos um pouco mais longe. Eu (e seguramente quem faz as notícias, diariamente) não me divirto nem me conforto com o que está mal. Bem pelo contrário. Tento usar esta tribuna justamente para ver se o que está mal é corrigido. O que está bem, bem está e não precisa do meu fraco amparo. Ou como em comentário escrevi: “Pas de nouvelles? Bonnes nouvelles!” (não temos novas de alguém? Então é provável que tudo lhe esteja a correr de feição) A menos que esse alguém  de quem não temos novidades esteja como no poema jazendo morto e arrefecer “no plaino abandonado que a morna brisa aquece...”

Voltaire, num dos seus mais lúcidos textos (Candide ou l’optimisme) toca neste ponto. A ingenuidade – em princípio uma boa característica – corre sérios riscos no confronto com a dura realidade.

E se é verdade que as más notícias deprimem as pessoas e não só as mais dadas à depressão, não menos verdade é que só as más notícias nos armam contra a adversidade.

Eu, que adoro bicicletas (e tenho até duas: uma velha pasteleira e uma recente com um pequeno motor eléctrico auxiliar que exige que se pedale mas alivia muito o esforço nas subidas),  fico muito feliz com a iniciativa do senhor edil da Murtosa. Digamos que nem é exactamente uma novidade absoluta. Na vizinha Aveiro há, se não erro, as “biclas” e toda a região tem excepcionais condições para este excelente meio de transporte. Claro que a chuva e o mau tempo pedem alguma prudência e algum desvio ao seu uso não vá o remédio pregar alguma partida aos voluntariosos pedaladores. Mas teria gostado de ler que, na região, como por exemplo, aqui para o Norte, nazona do desemprego têxtil, um empresário (os Aquinos) abriu uma nova fábrica que vai dar emprego directo e imediato a pelo menos cento e cinquenta pessoas. É pouco? É. Mas é muito para as vítimas do desemprego de longa duração que atinge a região. Pode constituir a salvação (moderada) de cento e cinquenta famílias. É ecológico? Provavelmente nem tanto mas entre isso e a miséria, antes isso.

Eu quando oiço uma boa notícia basto com o nó do dedo na madeira. À cautela, esperando que a deusa omnipresente da inveja não repare e venha do Olimpo até cá para estragar. No que crea en brujas pêro que las hay, las hay.

De todo o modo, força, força, companheira “o meu olhar”. Persista que eu cá estou para aplaudir e para prevenir.

E boas melhoras.

Sempre seu

Amigo e admirador

mcr

 

* na gravura: Wladimir Kandinsky, pintor que é muito da simpatia de "o meu olhar" e minha, claro