![]()
Como é que foi possível?
A pergunta, que não deve ser tomada como absolutamente retórica, é feita pelo comentador Pedro Lomba na última página do Público de hoje, quinta feira, 31 de Março.
Lomba, um jovem conservador, interroga-se como é que, de há largos anos a esta parte, nos fomos aproximando, alegres e saltitantes, do pavoroso abismo que se anuncia.
E responde com a consabida ideia de que, neste torrãozinho de açúcar à beira mar plantado, o sistema deixa os cidadãos nas mãos do Governo. Pelo imenso poder que este detém, seja qual for o partido que esteja em funções; pela “extraordinária capacidade de representar a realidade como quer e lhe convém”.
Esquece Lomba uma coisa simples mas que eventualmente não convém lembrar quando se é de Direita. Caíram as máscaras mais gastas mas manteve-se tudo. O anterior regime era autoritário e repousava na força absoluta do Executivo. O novo regime manteve um executivo igualmente forte mesmo quando o temperou com um Parlamento mais autónomo. Mais, não muito. Em primeiro lugar o sistema unicameral perde o contrapeso de um Senado. De uma segunda câmara que contrabalançasse o poder das maiorias criadas na outra. Depois, o facto de os deputados serem eleitos em lista e não individualmente faz com que se perca a sua ligação ás populações que eles deveriam representar. Atente-se nos exemplos mais incómodos do Porto e de Lisboa e tente-se explicar como é que aquelas dúzias de cavalheiros representam a Amadora ou o centro envelhecido do Porto. Assim sendo, o deputado faz o que o partido lhe manda e ri-se da indignação dos paroquianos que o elegeram. Não depende deles mas apenas e só da máquina. Finalmente, ninguém se lembrou de desconcentrar poderes e atribuições. Tudo, aliás, em nome de uma futura e putativa regionalização sem sentido em que, de resto, e pelo que se vê, a franca maioria dos portugueses não se revê.
Em resumidos termos: em matéria de estímulo à cidadania nada, ou muito pouco, mudou. Súbditos éramos, súbditos continuamos.
Esquece, finalmente, Lomba, et pour cause, uma característica dramática da nossa mentalidade lusitana. Nós acomodamo-nos. Ou fomos forçados a isso. Somos manipuláveis, deixamo-nos enternecer por qualquer tiranete com ar de toureiro que prometa varrer a feira à cacetada. Somos obedientes. Não criticamos. A critica, em Portugal, é apanágio de incréus, de pedreiros livres, de traidores à pátria de ...estrangeirados!
E isto, desde sempre. A populaça mansa, mesmo quando, num repelão transforma a sua passividade num fogo de palha rápido e mortífero, teme a autoridade. E a Igreja. E os caciques. E o senhor doutor. E o padrinho. “Eles” é que sabem. Se alguém os lá pôs é por que são os melhores.
Salazar, sempre esse icónico fantasma do nosso século XX, consagrou aquela célebre expressão: se todos soubessem quanto custa mandar, prefeririam obedecer sempre. (Ou algo do género).
Quando o antigo regime caiu, sem honra nem glória, diante de um punhado de soldados mal armados (vai para 36 anos, mais dia menos dia) tomou-se por revolução o que era tão só um “pronunciamiento”, o fecho indolor da passeata festiva do 28 de Maio de 1926. Que, aliás, mais não foi do que a consequência lógica da pouco dramática jornada do 5 de Outubro de 1910, na Rotunda. Se nesta última ainda houve um par de mortos, o mesmo já não aconteceu depois. O país, cansado e desiludido, evacuava um poder que caía de podre, sem esforço nem oposição. E, de consciência tranquila e mais aliviado retomava a mesma lenta e penosa caminhada. Como se, de facto, nada, ou muito pouco, tivesse mudado.
Como é de calcular, ficaram pelo caminho os que pensavam mal, que pensavam torto e que, quais obscuras e avinagradas sibilas, prediziam catástrofes horríveis. Os estrangeirados, numa palavra.
É curioso como, ao longo de uma história velha de séculos, se repetem estas situações. Detenhamo-nos, por um momento, na figura trágica de D Pedro, o de Alfarrobeira, que do estrangeiro escrevia ao seu irmão Duarte sobre a boa governação. Se ambos ficaram na História outro irmão se sobrepôs: Henrique. Por artes ou malasartes ficou com o pelouro da glória e da epopeia, mesmo se por culpa própria o Infante Santo morresse na cadeia mourisca por um Tânger inútil e dispendioso. Também, nesse afã, de ocultar a sensatez, a razão e a ideia de progresso, ficou escondido, nas dobras da memória, a recordação de um outro infante, mais novo e politicamente mais brilhante: João, Mestre de Santiago, oa cabeça política pensante da Ínclita Geração.
E o ganhador da história acabou por ser Afonso, o filho bastardo, o que se casou com a jovem Alvares Pereira e constituiu o mais rico feudo de toda a nossa História. E que cento e cinquenta anos depois, daria origem à mais tristonha e baça das dinastias reinantes em Portugal.
Vozes livres e críticas houve e muitas. Livres é um modo de dizer. Foram livres até ao momento em que se tentaram fazer ouvir. Depois, é o que se sabe. À força ou brandamente, foram silenciadas. A prisão e o exílio tornaram-se o destino normal dos “mal pensantes”. Cá mesmo, neste blog, o camarada d’Oliveira celebra o Cavaleiro do mesmo nome que se escapou a tempo para as cortes europeias que o tornaram famoso. Mesmo fugindo, passou pela vergonha de ser queimado em efígie. Ele terá dito que nunca sentira tanto frio como nesse dia. Mas isso é mera ironia de exilado.
Dizer a verdade, apontar os erros, é em Portugal, ainda hoje, uma tarefa ingrata. E anti-nacional! Mesmo agora, quando à nossa volta o naufrágio ameaça, dizer alto e bom som que este desgoverno que nos coube suportar não soube, não quis nem foi, sequer, capaz de perceber o que aí vinha, é um vício de protestantes profissionais e não uma missão cidadã.
Deixo às leitoras e leitores o cuidado de ler o que por aqui fui escrevendo quase desde o primeiro dia em que entrei nesta barca. Isso, claro, se conseguirem, chegar aos primeiros posts, coisa que ainda não se consegue fazer sem trabalhos redobrados. Mais vale tentar ir à nossa antiga sede “incursoes.blogspot.com” para ler sem demasiada dificuldade o que se escreveu antes da mudança para o nosso actual endereço.
Não quero, Deus me livre -a mim, um ateu! – passar por um profeta tardiamente ou nunca reconhecido. Era o que me faltava. Todavia, louvo-me de ter continuamente tentado fotografar, com os parcos meios ao meu alcance, uma realidade que outros pretendiam prazenteira. Nunca embandeirei em arco com fugazes vitórias nacionais na exacta medida em que elas só representavam episódios, epifenómenos, que pouco ou nada tinham a ver com a fundamental realidade que nos atormentava e atormenta. É que sob a crua e feia realidade não convém atirar um manto de fantasia. E foi isso o que sucedeu. Todos, ou quase todos, desouvimos os avisos, ignorámos os sinais. Mesmo a chamada oposição. Na esquerda, quando tudo ruía, propunham-se elefantes brancos ainda mais espaventosos que o TGV. E produção, muita produção. De quê, não se sabe, mas a ideia era produzir, vender, melhorar os salários e comprar, investir. Enternecedor!
À direita, o único líder que via vir a tormenta, aliás a única líder, a dr.ª Manuela Lerreira Leite, esquecia piedosamente os anos recentes em que tratara das contas. Mas que, na sua aridez política, previa qual Cassandra enjoada, muito do que veio a verificar-se. A senhora sabe do que fala e, valha a verdade, também não foi a única. Porém, os dos seu bando, provavelmente com a aquiescência de Belém, preferiram defenestrá-la e promover aquele rapaz Passos Coelho (tirado de uma cartola sem uso) que nem sequer tem a garra do “animal feroz” que nos dizimou a capoeira.
Estamos entregues aos bichos, sejam eles qual forem. Em tempos mais remotos, e numa outra Europa e num outro mundo, ainda poderíamos ter esperança nuns “lendemains qui chantent” num sobressalto revolucionário, numa rua a cantar a carmagnole ou a internacional, nos aristocrates a la lanterne, mas agora nem isso. Para esse peditório já se deu e o resultado foi o que se viu. Valha a verdade que não tivemos Marat, Danton ou Robespierre, sequer Lafayette ou Mirabeau. E o gesto revolucionário por excelência reduziu-se a um juramento de bandeira de rapazolas mal barbeados e de punho fechado. E inúteis, do ponto de vista militar.
Aqui mesmo, alguns camaradas de blog referem a garraiada infantil que ocorre na Assembleia. Ele é projectos de resolução, mais de cinquenta dizem, arremessados á Mesa só para dizer aos votantes que o partido cumpriu a sua palavra. E debates gargarejados que só pecam por inúteis e tardios. A campanha eleitoral começou em todo o seu horrendo esplendor. Felizmente estamos poupados à maçadoria da sessão comemorativa do 25 de Abril. Neste clima de miasmas aquilo deveria ser pior que Fukushima no dia do maremoto.