Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Cavaco fala ao país

José Carlos Pereira, 31.03.11

O país treme à espera da comunicação de Cavaco Silva, daqui a pouco. Depois de longos dias de silêncio e introspecção, o presidente vem dizer o óbvio, naturalmente.

Em tempos de crise como a que vivemos, uma crise política, económica, financeira, mas também de valores, a palavra do presidente da República deveria fazer-se ouvir para conciliar posições, para chamar à razão os intervenientes, para interpelar os partidos políticos e a Assembleia da República, para dar repercussão pública das suas acções junto dos diversos agentes, para transmitir ao país uma mensagem firme, mas de confiança no futuro.

Acredito que seria pedir demasiado a Cavaco Silva.

Estes dias que passam 233

d'oliveira, 31.03.11

Como é que foi possível?


A pergunta, que não deve ser tomada como absolutamente retórica, é feita pelo comentador Pedro Lomba na última página do Público de hoje, quinta feira, 31 de Março.

Lomba, um jovem conservador, interroga-se como é que, de há largos anos a esta parte, nos fomos aproximando, alegres e saltitantes, do pavoroso abismo que se anuncia.

E responde com a consabida ideia de que, neste torrãozinho de açúcar à beira mar plantado, o sistema deixa os cidadãos nas mãos do Governo. Pelo imenso poder que este detém, seja qual for o partido que esteja em funções; pela “extraordinária capacidade de representar a realidade como quer e lhe convém”.

Esquece Lomba uma coisa simples mas que eventualmente não convém lembrar quando se é de Direita. Caíram as máscaras mais gastas mas manteve-se tudo. O anterior regime era autoritário e repousava na força absoluta do Executivo. O novo regime manteve um executivo igualmente forte mesmo quando o temperou com um Parlamento mais autónomo. Mais, não muito. Em primeiro lugar o sistema unicameral perde o contrapeso de um Senado. De uma segunda câmara que contrabalançasse o poder das maiorias criadas na outra. Depois, o facto de os deputados serem eleitos em lista e não individualmente faz com que se perca a sua ligação ás populações que eles deveriam representar. Atente-se nos exemplos mais incómodos do Porto e de Lisboa e tente-se explicar como é que aquelas dúzias de cavalheiros representam a Amadora ou o centro envelhecido do Porto. Assim sendo, o deputado faz o que o partido lhe manda e ri-se da indignação dos paroquianos que o elegeram. Não depende deles mas apenas e só da máquina.  Finalmente, ninguém se lembrou de desconcentrar poderes e atribuições. Tudo, aliás, em nome de uma futura e putativa regionalização sem sentido em que, de resto, e pelo que se vê, a franca maioria dos portugueses não se revê.

Em resumidos termos: em matéria de estímulo à cidadania nada, ou muito pouco, mudou. Súbditos éramos, súbditos continuamos. 

Esquece,  finalmente, Lomba, et pour cause, uma característica dramática da nossa mentalidade lusitana. Nós acomodamo-nos. Ou fomos forçados a isso. Somos manipuláveis, deixamo-nos enternecer por qualquer tiranete com ar de toureiro que prometa varrer a feira à cacetada. Somos obedientes. Não criticamos. A critica, em Portugal, é apanágio de incréus, de pedreiros livres, de traidores à pátria de ...estrangeirados!

E isto, desde sempre. A populaça mansa, mesmo quando, num repelão transforma a sua passividade num fogo de palha rápido e mortífero, teme a autoridade. E a Igreja. E os caciques. E o senhor doutor. E o padrinho. “Eles” é que sabem. Se alguém os lá pôs é por que são os melhores.

Salazar, sempre esse icónico fantasma do nosso século XX, consagrou aquela célebre expressão: se todos soubessem quanto custa mandar, prefeririam obedecer sempre. (Ou algo do género).

Quando o antigo regime caiu, sem honra nem glória, diante de um punhado de soldados mal armados (vai para 36 anos, mais dia menos dia) tomou-se por revolução o que era tão só um “pronunciamiento”, o fecho indolor da passeata festiva do 28 de Maio de 1926. Que, aliás, mais não foi do que a consequência lógica da pouco dramática jornada do 5 de Outubro  de 1910, na Rotunda. Se nesta última ainda houve um par de mortos, o mesmo já não aconteceu depois. O país, cansado e desiludido, evacuava um poder que caía de podre, sem esforço nem oposição. E, de consciência tranquila e mais aliviado retomava a mesma lenta e penosa caminhada. Como se, de facto, nada, ou muito pouco, tivesse mudado.

Como é de calcular, ficaram pelo caminho os que pensavam mal, que pensavam torto e que, quais obscuras e avinagradas sibilas, prediziam catástrofes horríveis. Os estrangeirados, numa palavra.

É curioso como, ao longo de uma história velha de séculos, se repetem estas situações. Detenhamo-nos, por um momento, na figura trágica de D Pedro, o de Alfarrobeira, que do estrangeiro escrevia ao seu irmão Duarte sobre a boa governação. Se ambos ficaram na História outro irmão se sobrepôs: Henrique. Por artes ou malasartes ficou com o pelouro da glória e da epopeia, mesmo se por culpa própria o Infante Santo morresse na cadeia mourisca por um Tânger inútil e dispendioso. Também, nesse afã, de ocultar a sensatez, a razão e a ideia de progresso, ficou escondido, nas dobras da memória, a recordação de um outro infante, mais novo e politicamente mais brilhante: João, Mestre de Santiago, oa cabeça política pensante da Ínclita Geração.

E o ganhador da história acabou por ser Afonso, o filho bastardo, o que se casou com a jovem Alvares Pereira e constituiu o mais rico feudo de toda a nossa História. E que cento e cinquenta anos depois, daria origem à mais tristonha e baça das dinastias reinantes em Portugal. 

Vozes livres e críticas houve e muitas. Livres é um modo de dizer. Foram livres até ao momento em que se tentaram fazer ouvir. Depois, é o que se sabe. À força ou brandamente, foram silenciadas. A prisão e o exílio tornaram-se o destino normal dos “mal pensantes”. Cá mesmo, neste blog, o camarada d’Oliveira celebra o Cavaleiro do mesmo nome que se escapou a tempo para as cortes europeias que o tornaram famoso. Mesmo fugindo, passou pela vergonha de ser queimado em efígie. Ele terá dito que nunca sentira tanto frio como nesse dia. Mas isso é mera ironia de exilado. 

Dizer a verdade, apontar os erros, é em Portugal, ainda hoje, uma tarefa ingrata. E anti-nacional! Mesmo agora, quando à nossa volta o naufrágio ameaça, dizer alto e bom som que este desgoverno que nos coube suportar não soube, não quis nem foi, sequer, capaz de perceber o que aí vinha, é um vício de protestantes profissionais e não uma missão cidadã.

Deixo às leitoras e leitores o cuidado de ler o que por aqui fui escrevendo quase desde o primeiro dia em que entrei nesta barca. Isso, claro, se conseguirem, chegar aos primeiros posts, coisa que ainda não se consegue fazer sem trabalhos redobrados. Mais vale tentar ir à nossa antiga sede “incursoes.blogspot.com” para ler sem demasiada dificuldade o que se escreveu antes da mudança para o nosso actual endereço.

Não quero, Deus me livre  -a mim, um ateu! – passar por um profeta tardiamente ou nunca reconhecido. Era o que me faltava. Todavia, louvo-me de ter continuamente tentado fotografar, com os parcos meios ao meu alcance, uma realidade que outros pretendiam prazenteira. Nunca embandeirei em arco com fugazes vitórias nacionais na exacta medida em que elas só representavam episódios, epifenómenos, que pouco ou nada tinham a ver com a fundamental realidade que nos atormentava e atormenta. É que sob a crua e feia realidade não convém atirar um manto de fantasia. E foi isso o que sucedeu. Todos, ou quase todos, desouvimos os avisos, ignorámos os sinais. Mesmo a chamada oposição. Na esquerda, quando tudo ruía, propunham-se elefantes brancos ainda mais espaventosos que o TGV. E produção, muita produção. De quê, não se sabe, mas a ideia era produzir, vender, melhorar os salários e comprar, investir. Enternecedor!

À direita, o único líder que via vir a tormenta, aliás a única líder, a dr.ª Manuela Lerreira Leite, esquecia piedosamente os anos recentes em que tratara das contas. Mas que, na sua aridez política, previa qual Cassandra enjoada, muito do que veio a verificar-se. A senhora sabe do que fala e, valha a verdade, também não foi a única. Porém, os dos seu bando, provavelmente com a aquiescência de Belém, preferiram defenestrá-la e promover aquele rapaz Passos Coelho (tirado de uma cartola sem uso) que nem sequer tem a garra do “animal feroz” que nos dizimou a capoeira.

Estamos entregues aos bichos, sejam eles qual forem. Em tempos mais remotos, e numa outra  Europa e num outro mundo, ainda poderíamos ter esperança nuns “lendemains qui chantent” num sobressalto revolucionário, numa rua a cantar a carmagnole  ou a internacional, nos aristocrates a la lanterne, mas agora nem isso. Para esse peditório já se deu e o resultado foi o que se viu. Valha a verdade que não tivemos Marat, Danton ou Robespierre, sequer Lafayette ou Mirabeau. E o gesto revolucionário por excelência reduziu-se a um juramento de bandeira de rapazolas mal barbeados e de punho fechado. E inúteis, do ponto de vista militar.

Aqui mesmo, alguns camaradas de blog referem a garraiada infantil que ocorre na Assembleia. Ele é projectos de resolução, mais de cinquenta dizem, arremessados á Mesa só para dizer aos votantes que o partido cumpriu a sua palavra. E debates gargarejados que só pecam por inúteis e tardios. A campanha eleitoral começou em todo o seu horrendo esplendor. Felizmente estamos poupados à maçadoria da sessão comemorativa do 25 de Abril. Neste clima de miasmas aquilo deveria ser pior que Fukushima no dia do maremoto.    

 

 

 

 

 

 

 

Passos Coelho a justificar a reprovação do PECIV

O meu olhar, 31.03.11

 

Passos Coelho para português ver:

“As medidas (do PEC IV) agora anunciadas traduzem uma incompreensível insistência no erro porque voltam a lançar exigências adicionais sobre aqueles que sempre são sacrificados.”

 

Passos Coelho para  inglês / alemão/ mercados verem:

“As medidas (do PEC IV) foram reprovadas porque as medidas não eram suficientes nem suficientemente eficientes para resolver os problemas.

 

Mais um número dos senhores deputados em fim de ciclo

JSC, 30.03.11

Tenho acompanhado marginalmente a conversa em torno do novo diploma que altera os limites para autorização de despesa pública. O modo como o assunto vinha sendo abordado parecia-me que o novo regime vinha facilitar a realização de despesa pública e retirar transparência ao acto de adjudicação, podendo reduzir a concorrência entre os fornecedores da administração pública.

 

 Ao ver o diplomapublicado no Diário da República concluo, penso que bem, que o mesmo não altera nenhum dos procedimentos até aqui impostos para a contratação pública: “ajuste directo”, concurso por consulta…”, “concurso público”. Também não altera o limite a partir do qual as entidades estão obrigadas a seguir um ou outro procedimento. A ser assim, todo o barulho que estão a fazer, com o pretexto de que o novo regime vai facilitar a realização de despesa e reduzir a concorrência, é absolutamente falso, donde se poder concluir que os senhores deputados que votaram a revogação do diploma com base neste convencimento foram ludibriados, tal como terá sido a comunicação social em peso e através desta o pessoal em geral.

 

Uma coisa é o limite para autorização de despesa que baliza a actuação dos governantes e da classe dirigente da administração pública. Outra coisa é o limite que define o procedimento a adoptar para a realização de despesa pública. O diploma apenas altera o primeiro.

 

Em boa verdade, até nem concordo com a ampliação dos limites para autorização de despesa que o diploma instituía, pela simples razão que entendo que os valores que estavam em vigor já eram excessivos. Também me parece obtusa a fundamentação usada no preambulo do diploma para as alterações em causa, desde logo porque o objectivo de “actualizar montantes” é contrariado pela evolução económica verificada no período de vigência do anterior regime. Mas isto é a minha opinião.

 

Mas já me parece acertada a medida de não criar constrangimentos administrativos aos processos de despesa com projectos e acções que constam dos planos anuais aprovados. Sempre me pareceu um absurdo que a administração-executiva não tivesse poder para autorizar uma despesa que não era mais do que a concretização do que já constava do plano. Neste particular, o diploma, agora revogado, representava uma evolução no sentido de agilizar a gestão e reduzir os designados custos de contexto. Sem perda de transparência e sem reduzir a concorrência porque os procedimentos concursais não foram alterados.

 

A única verdade é que a confusão instalou-se e o que passou a ser verdade, como sempre, é o que a comunicação social releva, de tal modo que o próprio Tribunal de Contas teve de vir a terreiro desmentir o que por aí ia passando, com o esclarecimento seguinte:

 

«Na sequência da manchete do Diário de Notícias de 27 de Março onde se afirma que “Ministros, autarcas, directores-gerais, todos estão autorizados a gastar mais dinheiro sem concurso público e sem controlo do Tribunal de Contas…” esclarece-se que qualquer acto ou contrato gerador de despesa, quer seja por concurso público ou por ajuste directo (acima dos 350 mil euros), está sujeito a visto do Tribunal de Contas, não tendo havido qualquer alteração nesta matéria

 

Pelos vistos a oposição, no seu todo, mais uma vez, resolveu fazer um ruído dos diabos por coisa pouca. Pelos menos podiriam ter sido verdadeiros em vez de andarem a alarmar o pessoal com o pavor de que o que se pretendia era mais e mais despesa pública. Aliás mesmo que os procedimentos concursais tivessem sido alterados nunca poderia ocorrer a realização de uma despesa superior às dotações orçamentais aprovadas, porque são estas que balizam o limite da despesa pública, independentemente dos montantes que governantes ou outros tenham para autorizar despesas.

Au Bonheur des Dames 277

d'oliveira, 30.03.11

Um ângelo passa....

 

Morreu um intransigente. Vencido pelo cancro mas não pela mediocridade reinante. Cinquenta anos de pintura, cinquenta anos de insatisfação, outros tantos de critica ao politicamente correcto. O Ângelo de Sousa era assim. Mordaz e veemente dentro de portas. Um humor ferino e raro. Escassez de palavras e de paleta. Se se pode dizer (pintar) com pouco, para quê o excesso? Conheci-o em meados de sessenta, na Árvore na exposição de “Os Quatro Vintes”. Ou melhor: tê-lo-ei entrevisto (antes?) numa parede da “Divulgação”, depois Livraria Leitura, quando esta tinha um espaço expositivo. E terei, oh quão ignorante e jovem e presunçoso!!!, passado como quem passa por vinha vindimada. Não era fácil gostar do Ângelo, nunca foi fácil. Quando pensávamos já conhecer as chaves da sua obra, eis que o mafarrico mudava tudo. De todo o modo, um momento essencial (para mim, claro...) foi quando vi uma pintura dele pendurada na “Casa de chá da Boa Nova”, essa criação única do Álvaro Sisa. Namorei-a durante anos. Em sonhos mais audazes e exaltados via-me a comprá-la, a roubá-la a tê-la cá em casa. De repente, durante os anos confusos, a peça desapareceu. Bem que gostaria de a pôr aqui mas nicles. Nem na internet encontro rasto dela. Por isto se percebe que o meu “Ângelo” é o desses anos rumorosos, mais do que o último, o dos anos 80, 90 e depois. O meu “Ângelo” pintor, evidentemente, que o amigo, esse, sempre me surpreendeu e enterneceu. Gostava do seu sarcasmo, da sua recusa do comercial (“Olha pá já tenho frigorífico e máquina de lavar... não preciso dessa merda...”),do frenesi da moda, da mundanidade. Não creio que fosse bem visto e bem querido por todos os colegas. Muito menos por essa multidão de filisteus, madamas da cultura pret-a-porter, cavalheiros ligados ao ubre generoso da crítica por encomenda. E, todavia, suscitava entusiasmos e fanáticos. Não sei se acreditava em tudo o que eles diziam sobre si e sobre a obra. É que, além do ar travesso e jovem que sempre teve, havia nele, um forte sentido auto-crítico que, julgo, o poupou a qualquer espécie de condescendência consigo mesmo. Também não sei se deixa alguma marca porque, hoje e aqui, as marcas sucedem-se em catadupa graças à critica acrítica e à ignorância generalizada. De uma coisa, porém, estou certo. Durante uns tempos, as obras dele hão-de disputar-se a preço forte. Morreu, já não produz mais, eis um bom momento para “investir”. Já hoje, ouvi alguém a referir-se ao Ângelo e por quatro vezes seguidas. Tudo no espaço de uma escassa hora. Falou mais dele hoje que durante os últimos dez anos... E chamou-o “modernista"!!... Ora toma!

Há pouco, junto ao seu caixão, um grupo pequeno de amigos, despedia-se. Lentamente, porque o enterro só se realiza depois de amanhã. Há bicha para a cremação e apenas um crematório. E falávamos desses anos de desafio, de irrupção do moderno, dos novos tempos, dos intelectuais que se batiam (e o Ângelo sempre presente!) de um mercado que começava a abrir-se. E dos pequenos compradores de pintura como nós, que amealhávamos tostão sobre tostão para ter em casa obras que agora começam a ter preços vertiginosos (enfim, vertiginosos, cá dentro). E da cooperativa Árvore em que todos estivemos, do Teatro Experimental do Porto, idem, e das batalhas cineclubísticas, aspas, aspas. E de tempos duros mas carregados de promessas. E de políticos que sabiam quem eram estes rapazes atrevidos cujas exposições escandalizavam. Que diferença para estes dias penosos, para este quotidiano insulto, para esta conspiração contra todos nós. E, por um breve momento, entretivemo-nos a pôr na boca do Ângelo todas as picardias que nos vinham à cabeça. que ele, para isso, não pedia meças a ninguém.

E fiquei com a impressão (nesta idade a gente começa a alucinar) que o sacana de dentro do féretro se ria baixinho.

Até um dia destes, Ângelo, a gente, mais tarde ou mais cedo, vê-se por aí.

“Para o inglês ver”

sociodialetica, 29.03.11

Quando é “para o inglês ver” o acontecimento não se inscreve na nossa realidade. O que interessa não é “a nudez dura da realidade”, mas sim “o manto diáfano da fantasia”. Cada povo cria as suas próprias defesas contras as formas de dominação. Os escravos inventaram a “capoeira” como forma de dança e luta. Os portugueses utilizaram a argúcia, quiçá a “esperteza saloia”,  para tentarem enganar “a nossa mais velha aliada”, a Inglaterra. Esse país com quem estabelecemos uma aliança desde o tratado de Windsor (1386), a quem cedemos o lançamento da nossa industrialização no Tratado de Methuen (1703), que nos ajudou a apagar os sinais na Revolução Francesa quando das invasões Napoleónicas (1807/10), que deram nome às marcas de vinho do Porto e outros comércios, cujos súbditos continuam a visitar-nos no Algarve, onde mantêm uma parte da propriedade.

Quando se entrou na Comunidade Económica Europeia, hoje União Europeia, muitos analistas concluíram de imediato que essa dependência de Portugal iria diminuir, mas que certamente outras surgiriam, tais a debilidades da nossa estrutura produtiva. Já então se antevia que a sabedoria popular deveria juntar ao “para o inglês ver” o “para o alemão ver”. Antevisão validada e reforçada quando Portugal sobranceiramente aderiu ao jovem euro e a Inglaterra optou por outros percursos.

Talvez porque a linguagem da populaça não é tão sábia, talvez porque o “alemão” é mais dissonante que o “inglês”, talvez pela subordinação da iniciativa à tradição, a "populaça" continuou a designar o logro, o fingimento, a não inscrição, o faz de conta por “para o inglês ver”, enquanto os eruditos foram reconstruindo a linguagem aplicável às mesmas situações: “para os mercados verem”.

Honra seja feita. “Mercado” soa melhor que “alemão”. “Mercado” é uma terminologia mais correcta porque hoje a relação de dependência não é apenas entre nações, como o era nos séculos passados, mas entre nações e empresas, entre nações e fundos de investimento, entre nações e especuladores financeiros, entre nações e máfias infiltradas no tecido empresarial e nos mercados financeiros. E para todos eles, honestos ou desonestos, a designação de “mercado” é mais bonita.

Viva a criatividade dos economistas e políticos!

Au Bonheur des Dames 276

d'oliveira, 29.03.11

 

 

Bizarrias

 

Os brigadeiros políticos portugueses (cfr. Eça versus Pinheiro Chagas), observam a pátria com olhos húmidos de comoção. Tudo é paradisíaco no “torrãozinho de açúcar”, também chamado “jardim à beira mar plantado”. Quem for de longada por esses sertões pátrios verificará que, em matéria de jardins nem sempre as coisas são tão excelentes como á primeira vista poderia parecer, mas paciência.

É que, mesmo quando a Natureza se mostra despudoradamente generosa para com estes seus ingratos lusitanos, a regra é deixar andar. Aqui á frente, para não ir mais longe, os meus vizinhos que passeiam os cães acham natural que os pobres bichos caguem por todo o lado e que ninguém, ninguém!, lhes apanhe as caganitas. O jardim é da Câmara, ou seja de ninguém, pelo que competirá aos pouco briosos jardineiros que aparecem de longe em longe o tratamento dos dejectos. Se, porventura, uma crioança brinca no jardim sem a atenção previdente de um familiar, o mais certo é regressar a casa com a marca pouco aromática da passagem dos cãezinhos.

E quando os papás ou as mamãs, mais estas do que aqueles, vigiam a miudagem, tal tarefa apenas diz respeito ao cuidado para não pisar os excrementos. De resto, o jardim pode ser alegremente maltratado.

Em países menos civilizados, a França para não ir mais longe, grande parte dos jardins são gradeados e fechados durante a noite para evitar os estropícios de todo o género que humanos pouco cuidadosos e arrogantes cometem.

E há multas e proibições e cuidado com a propriedade público. A ideia é convencer o cidadão de que isto também lhe pertence e que ele é responsável pela qualidade de vida na sua cidade.

Deixemos, porém, a jardinagem que, no momento actual é o menor dos nossos desgraçados problemas, e atentemos na singularidade dos prazos que limitam a nossa escassa vida política. Por exemplo, os prazos eleitorais.

Eu não sei se em mais algum país da União Europeia haverá tão dilatados prazos para marcar eleições, apresentar candidaturas e apurar os resultados do acto eleitoral.

Nunca percebi por que é que o prazo entre a convocação de eleições e a publicação dos resultados demora 80 dias, quase três meses (e resta-me averiguar se esses dias são úteis ou se continuados. Não tenho aqui a lei e não vou perder tempo com isso. É verdade que o CDS propôs (com a aquiescência relutante de um ou mais partidos, já não recordo) a antecipação para 50 dias que, mesmo assim me parece excessivo. E parece-me excessivo por que não vejo como é que o apuramento do acto eleitoral demora dez dias. Estamos na época dos computadores, que diabo! Também recordo (ou julgo recordar) que há uma proposta para reduzir a quatro dias este disparate. Direi, todavia, que mesmo esses 4 dias são demasiados. É que continua a haver computadores, mesmo se algumas vezes, e seguramente devido ao clima propenso a tsunamis e outros desastres, nem sempre os computadores portugueses funcionem com a celeridade e eficiência que lhes é atribuída.

Outro prazo patusco (para usar uma expressão não ofensiva) é o que permite aos partidos gastar 40 dias  para apresentar candidaturas. Quarenta dias! Tantos quantos Jesus passou no deserto a meditar. Só que isso foi há dois mil e tal anos, quando as pessoas andavam a pé e não pensavam no FMI, no PEC4 nas agencias de rating e noutras minudências do mesmo género.

Será que, em Portugal, ditosa pátria nossa amada, é asim tão difícil ter sempre pronta uma lista de candidatos ás eleições? Será que é nesses 40 dias de meditação partidária que tudo se resolve de cabo a rabo, como se nada tivesse antes sido pensado, estudado, decidido?

Nos sabemos como essas extraordinárias organizações funcionam (se é que o termo funcionar não é demasiado forte para definir o estado de latente letargia política e de frenética luta de bastidores que se costuma presenciar) mas isto esta absurda espera pelo fumo branco partidário apenas parece indiciar uma cultura de arranjismo, de combinatas à última hora, de golpes de teatro, de cumplicidades, silêncios e conspiração.

A própria marcação de eleições pelo Presidente da República tem um prazo peremptório de 60 dias!!! Dois meses!

Eu percebo que, nos primeiros anos de democracia se tenha pensado rodear estas delicadas operações do máximo cuidado. Era preciso habituar os cidadãos silenciados durante longuíssimos anos a pensar as coisas, a medir a importância da sua intervenção, a pesar os prós e os contras dos programas que lhes eram apresentados, a verificar a idoneidade dos candidatos.

Claro que tudo isto é sério e merece reflexão. Mesmo se, nos principais círculos eleitorais (Lisboa Porto, Braga Setúbal Aveiro e Coimbra – onde aliás rudo se decide) tal tarefa pelo menos no que toca à apreciação dos candidatos se mostre como impossível. O sistema tolhe qualquer hipótese de apreciação. Quem é que em consciência pode comparar as putativas virtudes e os possíveis vícios de uma multidão de candidatos (e dos substitutos), dos cinco principais partidos? Quem é que não sabe que os cinco, dez ou quinze primeiros candidatos nunca farão parte da Assembleia no caso de vitória do Partido que os arrolou. Vota-se numa duvidosa plêiade de pais da pátria e meia dúzia de dias depois da verificação de mandatos no Parlamento aparece-nos um ajuntamento informe e medíocre de segundas e terceiras linhas cuja única missão é levantar e sentar o traseiro durante as votações. E bater palmas! Às vezes de pé! E vozear, nem sempre com elegância.

Dependentes do Partido que os fez eleger, viciados na pobre prebenda que a situação de sentados à mesa do orçamento, os livra do anonimato e das profissões mal pagas, devem tudo ao Partido, não conseguirão nunca apelar aos seus eleitores porque os não têm, nem por estes foram responsabilizados, por que os desconhecem, eis que os parlamentares estão ali, como num curro. À voz e à ordem do seu dono. 

Não é difícil que, assim, só se distingam os deputados dos pequenos grupos ou aqueles que, “por obras valerosas se vão da lei da morte libertando” (estava a pensar na lúdica actividade de roubar gravadores aos jornalistas ou aqueloutra de fazer de palhaço durante as intervenções de algum adversário. Isto sem querer relembrar um robusto talento parlamentar, de seu nome Morgado, que afiançou urbi et orbe que a cópula servia apenas para o acto de procriar.). O público, ou pelo menos, o público mais atento que ainda se dá ao trabalho de ler os relatos das sessões (será que ainda existe o “Diário das Sessões”, autêntica recolha de prodígios e anedotas?) que a imprensa mais séria ainda publica mesmo se em resumo, diverte-se  ou fica chocado, ou as duas coisas ao mesmo tempo com o que lê da autoria dos seus representantes.

Todavia, e para voltar à vaca fria, esses cuidados adolescentes com a nossa democracia já não parecem ser necessários. Há trinta anos que se vive em claro regime parlamentar pelo que os cidadãos (ou os que ainda não se desiludiram completamente)  já estão suficientemente rodados para não necessitarem destes longos e penosos prazos. É que, com tantas cautelas, a nau lá se vai afundando de rating em rating de notícia em notícia...      

 

Ele ou nós?

sociodialetica, 27.03.11

1. São conhecimentos antigos e frequentemente referidos: “Não se pode (duradoiramente) repartir o que não se produziu”; “Para garantir maior produção é fundamental o investimento (todo ele)”; “a moeda (equivalente geral) só existe porque há produção e troca de bens”.

Qualquer estudante de economia deve ter presente estes princípios básicos. Li-os pela primeira vez em Problemas Fundamentais de Economia, do saudoso Francisco Pereira de Moura, no início dos anos 60.

Bastaria ter estes aspectos em consideração para se saber que um projecto duradoiro de moeda única em diversos países, que abdicariam da sua moeda, logo de uma parte da sua soberania e da sua capacidade de regular a sociedade, passaria inevitavelmente por estratégias de aproximação produtiva entre regiões. Uma moeda única entre diversos países passaria por o que se costuma designar por “convergência real”.

Contudo, quando se começou a falar da criação da moeda única europeia os políticos, por ignorância, interesse ou soberba, afastaram a “convergência real” da agenda política. Foi substituída pela veleidade da “convergência nominal”: os países continuam com profundas desigualdades produtivas, competitivas, redistributivas, logo estratégicas, mas” acertariam o passo” em termos orçamentais, fiscais, de inflação.  Como se diria na gíria popular, constrói-se a casa a partir do telhado. Nem todos os países estariam nessa situação, porque a moeda única era feita à medida de alguns, mas estariam todos os que têm menores capacidades de produtividade e competitividade.

Produtividade e competitividade que podem melhorar com o voluntarismo, mas que essencialmente dependem da produção e de procedimentos formativos de longo prazo.

Teve-se a soberba de construir a moeda única de cima para baixo, sabendo desde sempre que a capacidade dos países para fazerem face, mesmo em conjunto, a eventuais especulações sobre as moedas seria pequena. Os especuladores internacionais eram mais poderosos. Sabia-se quando o projecto foi avançado, agravou-se quando foi concretizado, intoxicou-se com a actual crise.

 

2. Discutir hoje o euro deveria ter em conta tudo isto e reconhecer os erros cometidos. É preciso salvar o euro? Não tenho nada contra, antes pelo contrário. Mas a prioridade é sabermos como salvar os cidadãos dos países da moeda única, todos e cada um deles. Salvemos o euro só e apenas só se isso for compatível com salvarmos as populações e as nações.

Se tal é possível, só será concretizável com uma estratégia de longo prazo, obviamente atenta ao presente, mas não hipotecada a ele. Que os políticos, os domínios e as subordinações não gerem novas fugas em frente.

Não gerarão mesmo?!

Oportunismo

JSC, 25.03.11

A oposição, liderada pelo PSD, sem mais, decidiu por fim à avaliação dos professores. O modelo de avaliação, ao que julgo saber, foi encomendado a uma multinacional, a Hay Group, especialista neste domínio, que terá recebido centenas de milhares de euros pela concepção e aplicação do modelo.

 

Na sua implementação, ao que se sabe, o Estado despendeu uma pipa de massa em acções de formação, na monitoragem e supervisão do processo. Milhares de professores envolveram-se no processo, que apesar de contestado por muitos, também teve muitos casos de público sucesso.

 

Agora, sem mais, vai tudo para o lixo. A oposição, liderada pelo PSD, não apresentou um modelo alternativo, nada, limitou-se a aprovar que acabou a avaliação. Os professores que se empenharam no desenvolvimento do processo de avaliação sentem-se agora traídos. Quem contestou o sistema vê-se agora compensado.

 

Notável foi a reacção das organizações sindicais. Regozijaram!

 

É pena que as organizações sindicais não tenham dito que assim não vale. Que não tenham dito que não aceitam deixar de ser avaliados. Que não tenham dito aos senhores parlamentares que o que estes deveriam ter feito era analisar os pontos fracos e fortes do sistema e concluir pela sua melhoria.

 

Esperemos que o regozijo actual dos senhores dirigentes sindicais não dê lugar, a muito curto prazo, a uma grande dor de cabeça para a classe.

Pág. 1/6