Estes dias que passam 234
Perder tempo
Parece que o candidato Passos Coelho entendeu declarar que não se oporia a uma revisão da lei do aborto ou até, a um novo e estafado referendo, sobre a questão.
Deixemos de lado a oportunidade de uma tal declaração que, obviamente, parece, sob todos os pontos de vista um tiro no pé. Coelho (o que saiu da cartola de quem sabemos) não vai na primeira gaffe e seguramente que esta não será a última.
O que me espanta é o coro indignado que se seguiu. Qualquer pessoa de bom senso, ouvida a tolice, encolheria os ombros e seguiria em frente. Dar atenção a estas pataratices é perder tempo. Mas como tempo é sobretudo o que têm a mais todos os restantes concorrentes vieram a terreiro declarando uns o seu profundo carinho pelo aborto e outro a sua especial cautela (Portas, claro, que como já disse enfia vários dos colegas juntos ou por separado, num chinelo).
Uma senhora, de uma coisa que se chamará (não garanto) UMAR ou algo no mesmo estilo, teve mesmo direito a a um longo tempo de antena num dos noticiários televisivos. Em vez de dizer o óbvio, optou por declarar que o aborto foi o corolário da “luta das mulheres portuguesas” e, a partir de tão formidável proclamação tecer um punhado de banalidades que em nada, rigorosamente nada adiantou.
Claro que a lei do aborto não foi obra das mulheres portugueses mas apenas de algumas, muitas, uma multidão, de mulheres com muitos, outra multidão, de homens, à mistura.
Devo, entretanto, apontar que as leis nunca são eternas e, aliás, são geralmente perfeccionáveis pelo que dizer não a qualquer mexida em qualquer lei é sempre uma patetice. E um mau princípio.
Já estaria mais de acordo com a ideia de que os resultados dos referendos devem ter um período largo de garantia dos seus efeitos. Não se pode, e já vimos porquê, andar sempre a brincar aos referendos. Isto não é a Suíça e o povo tem votado com os pés, desertando essas solenes chamadas que, muitas vezes, apenas encobrem a cobardia dos políticos. Medida impopular a parecer necessária e eis que, lá do parlamento, nos remetem um referendo em linguagem arrevesada e a malta que se desenrasque. Já aqui o disse uma vez, e não vale a pena bater mais no ceguinho.
Mas no que toca a esta situação que, sempre me pareceu consensual, eu até gostava de ver Coelho a meter-se nessa alhada. E gostava porque a criatura não me convence e nada melhor para fundamentar o meu ponto de vista do que vê-lo apanhar uma pazada, no caso uma chumbada. Força, força, camarada Coelho que a malta cá te espera.
Às vezes nem se percebe a razão destas súbitas iluminações. Ignorância? Inconsciência? Ou apenas um favor ao adversário?
Sócrates tem fornecido a Coelho algumas boas ocasiões pelo que começo a suspeitar que este tenha metido esta argolada para retribuir a gentileza. Está-lhes nos genes: não sendo, de modo algum, ideólogos, não se preocupando, aliás, com essas questões, ei-los que para encher o tempo de antena, se metem nos ínvios caminhos da politique baratucha e pedonal. São farinha do mesmo saco, logo se vê, e não devem ver mais horizonte do que este abastardamento das grandes questões nacionais.
E como são matreiros e sabem de onde corre o vento alísio, com estas vagas boutades lá vão evitando discutir aquilo que nos apoquenta. Por exemplo: as listas. Estas listas monstras e horrendas que são atiradas à cara do votante e que inibem qualquer um de perceber em quem (pessoa) está a votar. Lisboa, Porto, Braga, Setúbal, Aveiro e Coimbra elegem mais de metade dos deputados. Os desgraçados eleitores defrontam-se com as listas de candidatos e suplentes que encheriam meia folha de papel almaço só com os nomes dos putativos pais e mães da pátria. É quase impossível dizermos mais de cinco nomes dos cavalheiros que se nos oferecem. É absolutamente impossível controlar o percurso posterior desses insignes ornamentos do parlamento. Os do partido vencedor emigram para o Governo, os altos cargos e as melhores prebendas. Alguns dos vencidos, descoroçoados, retiram-se para outros sítios mais interessantes financeiramente. E a Assembleia é invadida pela peonagem menor que, sem qualificações de monta, cultura, inteligência ou virtude reconhecida lá vai cumprir a via crucis de tentar não adormecer nos debates, de tentar compreender o que se discute, e de levantar e sentar o dito cujo à ordem do chefe da bancada.
Estes cavalheiros foram escolhidos pelos aparelhos entre os fieis, os serviçais, os obedientes e pouco ou nada os distingue. Ou melhor, distingue-os uma completa subserviência ao chefe geral, nacional, regional, municipal ou concelhio. São peões de brega, e só.
A qualidade dos nossos parlamentares roça o grotesco e só a falta de um Eça de Queirós os tem poupado à gargalhada geral da populaça. E mesmo assim, têm-se multiplicado os casos desde o fulano que abafa electrodomésticos atá ao que pedinchava uma cantina nocturna. Uma deputada que não é da minha simpatia e a que também se aplicaria o tema do “la dona è mobile” tão diversificados tem sido os seus préstimos e a sua contribuição à desgraçada e inerme “coisa pública”, classificou, uma vez, no seu tom mal educado e pouco gentil, um deputado metediço de “palhaço”. Fez bem mas pecou por defeito. Não é um, são dezenas!
São essas catatuas que, cedo ou tarde, irão discutir o orçamento, a crise, os juros e a Europa. Credo!