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Nem calças nem calções
Em tempos que já lá vão, nas classes mais abonadas, a difícil passagem da infância para a adolescência tinha sinais curiosos. Um deles era este: os meninos em chegando a rapazes, digamos aí pelos oito, dez anos, abandonavam os calções curtos e passavam a usar umas calças que acabavam a meio tornozelo num franzido provocado por elásticos que lhes deixavam à mostra as meias. Eram as “calças à golf”.
Não faço ideia alguma se os jogadores de golfistas as usam mas, para os parcos leitores que se interessam recomendo-lhes uma pesquisa nos álbuns do Tintin. Este agora duvidoso herói da “bd” usa esse género de calças.
Mas por que é que isto vem à baila?
Pois por esta curiosa história da polémica Louça- Rui Tavares.
Este último, historiador e comentador de última página no “Público”, foi convidado pelo Bloco de Esquerda para integrar a lista do partido para o Parlamento Europeu. A escolha justificava-se: um independente, com uma obra histórica já interessante, um comentador com boa audiência e claramente um homem de Esquerda.
Não terá sido ele o responsável pela belíssima votação do Bloco (três eleitos) mas seguramente deu uma bela ajuda. E, depois da eleição, tem sido um comentador interessante, não deixando de manter alguma imparcialidade no que vai escrevendo quando, de algum modo, o tema cai na esfera do Bloco, dos interesses e causas do Bloco.
Tavares, terá até mostrado um brando distanciamento da ideia peregrina de não falar com a troika. Mas, mesmo isso, pouco significado tem, na medida em que até Louça veio (sem dúvida acossado pela violenta derrota eleitoral) afirmar que “talvez” tivesse valido a pena falar com os emissários sinistros do capital.
Como toda a gente sabe, o BE tem sido alvo de críticas fortíssimas vindas da nebulosa de eleitores independentes que nele viam uma alternativa aos dois tradicionais partidos da Esquerda. Mesmo sem fazer parte desses eleitores (ainda que justamente tenha por uma única e irrepetível vez, votado BE para o Parlamento Europeu (coisa de que, aliás, me não arrependo porquanto estes três deputados têm realizado um excelente trabalho), também eu entendo que, a continuar assim, o BE corre direito para a banalidade e para a irrelevância.
Todavia, não é para falar da triste situação do BE e das desgraças futuras que lhe prevejo que estou aqui a escrever.
De facto, Louçã, indubitavelmente a primeira figura deste curioso ajuntamento, resolveu ofender-se imenso com uma historieta sem qualquer importância. Ao que parece, alguém terá escrito que nos fundadores da agremiação figuravam Louçã, pelos trotskistas, Fazenda, pelos maoístas da UDP, Portas pelos ex-pc, qualquer coisa XXI, e Daniel Oliveira pelos independentes. Ó blasfémia, ó coisa tremenda e horrível! Logo Oliveira, agora tão critico da direcção do BE. Oliveira em vez de Fernando Rosas, outro historiador, com percurso PC e MRPP!!!
Louçã, naquela prosa vagamente jesuítica que é timbre da seita, muito se maravilha com esse infundado boato e deixou escrito no Facebook que tal aleivosia viria de Rui Tavares porquanto as duas fontes que propalavam a tese maldita teriam tido contactos com Tavares. Que “teria querido falsificar a história” (coisa que, como é sabido, ocorreu muito contra Trotsky (mesmo se, também, no campo dos seguidores deste estimável e sacrificado revolucionário, tenha havido forte adoçamento das arestas mais trágicas da história...)
Tavares, ao ler a acusação de Louçã, e sabedor por experiência profissional de como em certo sítios se constroem as verdades partidárias, saiu à liça, desmentindo ser origem ou veículo da notícia que mancha a história gloriosa da fundação do Bloco e exigindo públicas desculpas.
Louçã não se desculpa mas “regista” a declaração de Tavares. E nisto, neste “registo” vai um inteiro dicionário de má fé e mau perder.
Tavares, ofendido, sai do grupo parlamentar e junta-se aos “verdes” no Parlamento europeu. Os seus dois colegas acham “desproporcionada” esta atitude. Resta saber o que entenderão eles por “proporção” mas isso é outra história.
A jovem Marisa vai mesmo ao ponto de referir que talvez fosse mais correcto Tavares entregar o lugar ao Partido mas isso, diz ela “é com a consciência dele, Tavares”. Marisa já aprendeu mais do que devia para a sua tenra idade.
Pela parte que me toca, no lugar de Tavares, não sei bem o que faria. Por um lado, o coração diz-me que devia mandar toda aquela gentinha para um lugar feio mas, por outro, a cabecinha pensadora aconselha a remexer a faca na ferida. Isto é a não dar o lugar e faze-los ficar com água na boca, à espera do dia de S Nunca.
Agora, e para finalizar: estão a ver em que é que a privilegiada mente de Louçã se ocupa?
O seu partido cai para metade dos deputados e, mais grave, dos eleitores. Lá por dentro a discussão está que ferve. O BE não sabe o que fazer. As condições políticas em que se move são más. A sua oposição ao actual Governo é insignificante. Não tem um aparelho sindical ou autárquico que lhe permita criar frentes autónomas de combate. Corre o sério risco de ver debandar mais eleitores e simpatizantes para os baluartes mais seguros do PC ou do P.S. Em suma, é como se não existisse.
Mas o problema fundamental do partido é a lista dos fundadores!
Eu sempre tive uma fraca opinião de Louça. No seu melhor ângulo parecia-me um catequista jovem e vagamente prometedor. Noutros ângulos menos lisonjeiros, a criatura é uma espécie de tradução em calão envelhecido do pior que a Quarta Internacional produziu em longos longuíssimos anos de actividade política estéril e palavrosa. A herança de Leon Bronstein é parca mas os seus seguidores nem isso mereceram. São uma seita que se finge partido e um partido que se esfarela em outras, cada vez mais pequenas e inoperantes, seitas.
O velho leão da Revolução de 17, o tribuno admirável, o escritor de fôlego e o grande organizador do Exército Vermelho (mas também o carrasco de Kronstadt) não viu a ameaça, não percebeu os movimentos dentro do CC do PCb, depois PCUS, não conseguiu reunir adeptos, motivar uma corrente, e acabou miseravelmente expulso, expatriado e finalmente assassinado por um mercenário da NKVD chamado Ramón Mercader. Com um picador de gelo!
Espera-se que, do seu túmulo, ele não possa assistir a esta farsa com que se excitam imenso os seus lusos sequazes. Que, aliás, usam, métodos muito do agrado do seu mortal inimigo, Yossip Vissaronovitch Djugatchivili que, no século, se fazia chamar Stalin, o homem de aço...
De todo o modo, a imagem mais forte que me me fica de Louçã é mesmo a do rapazola com calças à golf. É que o homem parece não crescer...
*a gravura: poster russo de 1918 ou 1919. Trotsky, representado como S Jorge, patrono de Moscovo