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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au Bonheur des Dames 291

d'oliveira, 29.07.11

 

 

Memória de Verão

Hoje estreei as ameixas. E foi preciso a CG dizer-me com ar guloso que as ameixas eram de estalo. Convém esclarecer que ainda por cima fui eu quem as comprou. Cá em casa, a guerra dos sexos é assim: o moço de recados sou eu, mesmo se de moço já nada me reste.

 

Compras de alimentos, produtos de limpeza, areia para as gatas & similares foram declarados meu pelouro. De certo modo, até nem me importo. Sempre que a CG me convoca para ir com ela auma grande superfície, é um desastre.

 

À uma ela demora-se diante da cada artigo, vá ou não no rol das compras. Depois, quando a tento apressar, rosna que nunca sai e que não está para pressas.

 

O rol que diligentemente escreveu deixa de ter qualquer importância e é rapidamente ultrapassado. Se lhe aponto esse desvio ao seu método científico (a CG leva estas coisas muito a sério e um rol de compras mais parece a formula do ADN do que um lembrete) ela afirma grave e ameaçadoramente que não é obrigada a lembrar-se de tudo, que eu sou um zangão irresponsável e que qualquer outra mulher com dois dedos de testa já me tinha trocado sabe-se lá por quê.

 

Tudo isto, mesmo se é certo que noventa e nove por cento das compras são por mim feitas!

 

As ameixas fazem parte desta história. Eu, logo pela manhã, bem cedo, verifico algumas falhas (leite, laranjas, pão, cervejinhas –mirem-me este diminutivo carinhoso)! – e zás!, avanço para o primeiro café da manhã com leitura dos jornais.

 

Ao mesmo tempo, verifico as falhas de outros géneros diligentemente apontadas pela empregada num português imaginativo e pela CG.

 

E regresso horas depois, carregado de livros, das compras com a consciência do dever cumprido. É nessa altura que ouço o primeiro remoque: estamos sem fruta nenhuma!

 

Poderia, obviamente, retorquir que raramente como fruta, a bem dizer, quase nunca, que existe um caderninho onde se apontam as falhas, enfim as trivialidades que a lógica e o bom senso consideram. Nada, porém, tem efeito. Falta fruta.

 

Qual?, arrisco a pergunta. A resposta varia entre o silêncio desdenhoso, um apelo à minha baça imaginação e uma longa elegia sobre as virtudes da fruta antiga que sabia a fruta e era barata.

 

De modos que, no dia seguinte, lá vou pela fruta. Se trago maçãs vermelhas, apontam-me que as verdes é que são boas, que as bananas v~em demasiado maduras, que uvas em Maio são importadas, que cerejas da mesma altura ainda não estão no ponto, ou estão mas são caras, enfim, reclamações que algum treino e um admirável sangue frio fazem com entrem a cem e saiam, acto contínuo, a duzentos.

 

Porém, hoje, eis que a CG não só me previne que as ameixas são boas (pelo menos as amarelas, avisa) e pergunta se eu quero que ela diligentemente me lave uma e ma traga aqui enquanto jogo bridge contra o computador.

 

Até a gata Ingrid Bergmann que trotava ao lado da mais que tudo parecia admirada. Terá também comido alguma ameixa?

 

Estupefacto mas querendo acabar o jogo, lá respondi que mais tarde iria pelas ameixas. Aliás, não gosto de as lavar. Mesmo sabendo que estas pobres frutas, já não são colhidas sem mais da árvore, prefiro os eventuais venenos de que as carregam do que lavá-las.

 

E lá fui, minutos depois, provar a fruta. Estavam boas, diabos me levem. As amarelas e as vermelhas! Sabiam quase ás ameixas que, em pequenos, pela calada, como índios sioux (ou seria comanches?) nós íamos roubar aos jardins de vizinhos distantes. E que bem sabiam, mesmo quando estavam verdes! Sabiam a fruta, a liberdade, a aventura, a Verão que começava, a férias, a praia, a um mundo novo e inocente como nós, meninos de Buarcos, irmanados ainda na escola do senhor professor Cachulo, nos longuíssimos e disputadíssimos jogos de futebol na praia, a preparar outros de grande responsabilidade contra a malta que viria de Coimbra e, mais responsabilidade ainda, contra os espanhóis cuja colónia se apresentava em peso logo nos primeiros dias de Julho, famílias inteiras, criadas fardadas, um tagarelar impossível de seguir todo em gritaria mira la mar! (como se o mar fosse feminino, via-se logo que eram espanhóis e que tinham apanhado nas trombas em Aljubarrota!)  Hola, que tal? E outras balivérnias de que vos dispenso, pois o sério, o verdadeiramente sério era a longa sucessão de jogos internacionais, Portugal Espanha, ali na praia a que os señoritos não estavam habituados: aquilo era uma razia!

 

 Pelo menos até ao fim da primeira semana de Agosto, quando os visitantes já estavam suficientemente calejados e habituados à areia e aos imprevisíveis humores de uma bola em tal terreno. Vingávamos, assim, as derrotas injustas, infames e dolorosas que no futebol mais sénior e com regras nos era infligido pelos “nuestros hermanos”. 

 

A pátria nunca nos reconheceu o patriotismo deste desforço   heróico digno da Padeira e da nossa briosa selecção de hóquei em patins (Emídio, Raio, Edgar, Jesus Correia e Correia dos Santos, tomem lá que para saberem!) que essa sim era a melhor do mundo ou quase.

 

E foi tudo isto que duas inocentes ameixas comidas na cozinha, sob o olhar amável da Kiki de Montparnasse, a outra gata que, indignada me via comer a fruta que ela adora guardar, sempre na mira de um bicharoco alado que venha ao cheiro do maduro. A Kiki é uma expert em caçar moscas em pleno voo e a zona da fruteira é o seu território de caça favorito. Se calhar acha que as moscas são espanholas.   

 

(1) CICLO DE NEGÓCIO, crise e crise do euro

sociodialetica, 29.07.11

1. Falemos em empresa para designar o conjunto de actividades sociais que criam bens e serviços e, por essa forma, criam valor.

No ciclo de vida de uma empresa tem de haver, à partida, dinheiro (D). É com ele que os proprietários da empresa podem comprar máquinas e equipamento, matérias-primas e energia. É com esse dinheiro que as empresas contratam inicialmente os trabalhadores que, utilizando os equipamentos, vão criar mercadorias, isto é, os tais bens e serviços que vão ser adquiridos e utilizados por outros membros da sociedade (outras empresas e famílias, nacionais ou estrangeiras). Com o dinheiro compram-se mercadorias (M) que vão ser utilizadas num processo produtivo (...P...), seja ele qual for, para produzir outro tipo de mercadorias (M’). Vendidas estas, as empresas voltam a obter dinheiro, que lhes permite reiniciar um novo ciclo produtivo.

Sinteticamente

D – M ...P... M’ – D’

 

em que M’ são os bens e serviços produzidos, diferentes das máquinas, matérias-primas e força de trabalho inicialmente adquiridos (M). Diferentes nas suas características e no seu valor (D’ é maior que D), sendo a diferença o lucro.

 

2. Falemos agora da sociedade, da sociedade transformada pela Revolução Industrial, na qual continuamos a viver (dramaticamente redescoberta por alguns na presente crise) embora, obviamente, com um conjunto de especificidades (tecnológicas, informativas, éticas, ambientais; com outros espaços sociais de realização e outros tempos de realização). Historicamente o dinheiro (mais genericamente a moeda) é posterior à produção de bens e serviços, mesmo posterior a aquelas serem produzidas para outrem, serem mercadorias: (M – D).

É a produção que permite criar valor novo, rendimento. É este que permite aumentar a quantidade de bens e serviços durante um dado período, acumulando-se sob a forma de riqueza (individual e colectiva): ...P... é o ponto de partida da dinâmica social.

Por outras palavras, a dinâmica das empresas (e poderíamos dizer outro tanto das famílias) e da sociedade são diferentes, podendo funcionar em harmonia (complementaridade) ou conflito (oposição das respectivas dinâmicas).

 

3. As empresas precisam de dinheiro hoje para obterem maior quantidade de dinheiro amanhã. Se hoje obtiverem mais dinheiro amanhã também terão ainda mais. É individual e socialmente (aqui há harmonia) vantajoso antecipar ciclos de negócios. Para tal há que aumentar a importância do capital alheio (emprestado) em relação ao capital próprio (sendo também vantajoso aumentar este, sobretudo se não puser em causa a propriedade da empresa).

Estas funções foram preenchidas através de duas instituições.

Em primeiro lugar pelos bancos, eles próprios anteriores à Revolução Industrial, há muito especializados em conceder crédito e obter uma remuneração adicional por essa actividade. A sua função específica é transferir dinheiro de quem o tem disponível para quem necessita dele. A sua importância aumenta quando se vão apercebendo que não precisam de ter no cofre todo o dinheiro que foi neles depositado e passa a haver um sistema de compensação nos pagamentos entre os bancos.

Em segundo lugar pelas bolsas de valores, que surgiram mais tarde, inicialmente destinadas a compra e venda de acções (forma das empresas aumentarem o capital próprio) e obrigações (forma de obterem capital alheio). Durante muitos e muitos anos esta era a actividade principal das bolsas de valores: permitirem às empresas aumentar a actividade produtiva antecipando dinheiro. Quem emprestava comprava obrigações, e pretendia receber periodicamente um juro; quem participava com o seu dinheiro no capital da empresa comprava acções e pretendia obter uma parte dos seus lucros, receber dividendos.

É certo que sempre foi possível “jogar na bolsa”: comprar acções hoje para vender amanhã, fazer o mesmo com as obrigações. Se tudo lhes correr bem obtêm um rendimento adicional. Essas aplicações financeiras são, para ele, capital. Mas essas sucessivas compras e vendas nada têm a ver com o processo produtivo, porque o financiamento das empresas já foi anteriormente feito: do ponto de vista social esse “capital” não cria nova riqueza, é fictício. Utilizando a terminologia anterior referida, aqui há conflito entre o individual e o social.

As bolsas de valores permitem capital fictício, mas a sua importância foi, até os anos 80 do século passado, reduzida. Também os bancos permitem o crédito ao consumo, embora socialmente a sua função principal seja a o crédito à produção.

 

4. E tudo funciona bem enquanto os negócios vão bem, o que não acontece quando se aproxima uma crise, quando esta se manifesta.

Veremos oportunamente como é que tudo acontece e como os acontecimentos evoluíram desde meados do século XIX até aos dias de hoje.

Será matéria da próxima conversa.

Au Bonheur des Dames 290

d'oliveira, 27.07.11

Antes de me pirar para a praia

 

Enfim, para a praia é um exagero. Eu, agora, que vou envelhecendo intranquilamente, faço um uso mais do que moderado da praia. Duas horas e meia pela manhã e está feito. Se houvesse ondas, iria também à tarde mas a falta das ondas desgraça-me!

 

Aquilo de “entrar docemente” na água mole e fria da ria galega pode soar a Dylan Thomas (ora tomem lá ó leitores que irão amanhã receber os prometidos livros, já lá vamos que eu explico tudo, agarrem-me esta que também dá prémio...) mas é horrível. A água fria vai subindo lentamente, muito lentamente, a cada passo que a maldita ria tem pé até casa do tio Guedes. E é um suplício quando atinge o paralelo 38! Volta e meia, ouve-se um berro, um uivo, uma imprecação. Nem é preciso olhar. É um pobre cavalheiro, entrado em anos e em carnes  que tenta banhar a carcaça. O dia quente, o sol a prumo, a calorina estival e, de repente, o contacto da água fria e das vergonhas escondidas!

 

É que nem sequer dá para, numa corrida, se dar um mergulho. Há que penar uns metros de água fria (sobretudo para quem vem do calor) até poder fazer lanço e tentar não partir o pescoço com uma mergulhadela.

 

Bom, voltemos ao título: eu, há uma ou duas semanas, falei numas criaturas (Delfeil de Ton e Stanislau Ponte Preta) que me deram várias alegrias ao longo dos anos. Alegrias literárias, claro, mas alegrias quand-même. E desafiava os raros leitores que ainda me aturam a saber quem era tal gente. E oferecia brindes! Três leitores, aliás uma leitora e dois cavalheiros alfabetizados (coisa já rara na pátria) deram-se ao trabalho de investigar e responder. Seguiram hoje, em correio verde os brindes prometidos.

 

Demorei, pensarão alguns. Claro que demorei!

 

Para já é preciso fazer render o peixe, fazer as pessoas esperar nem que seja por umas prosas publicadas por um discreto mcr.

 

Depois, tudo demora neste abençoado torrãozinho de açúcar. Eu não sou Deus, o tal que fez o mundo em seis dias e descansou ao sétimo. À uma não fiz o mundo. Depois, não sei se o quereria fazer. E mesmo que quisesse poderia dar para o torto que eu não sou lá muito capaz dessas coisas (também é verdade que nunca tentei).

 

Depois nunca conseguiria fazer a coisa em tão pouco tempo. Ainda sou do tempo das licenciaturas de cinco anos que, as mais das vezes, eram de seis ou mais ainda. (agora é que, com o progresso e as universidades privadas, a coisa se faz num esfregar de olhos, com exames ao domingo – cala-te boca injuriadora! – e num technical ingliche de fazer corar John “chauffeur russo”, perdão Bull -e esta ó leitores literatos? Quem a apanha? -) Reivindico um patriótico atraso. Isto não é a Alemanha da Merkel, deus nos livre! Aquela gente, os teutónicos, não sabe viver. Nem comer! E embebedam-se só aos sábados (se calhar andaram a fazer o mundo).

 

Finalmente, antes tarde do que nunca, que é a desculpa pífia que se ouve constantemente. Marca-se uma reunião para as nove e a malta começa a aparecer meia hora depois. E pedem licença para ir tomar um café para acordar. E depois, quando a reunião começa, está-se outra hora a partir pedra e a fazer o que as pessoas não fizeram em casa. 

 

Portanto, vou para Areas de coração sossegado. Os livros foram entregues ao cuidado de um senhor rubicundo e jovial no correio mais próximo que me jurou que o correio verde é rápido e eficaz. “Mesmo para ponta Delgada?”, perguntei a medo. “Até para aí”, retorquiu. “A menos que haja algum vulcão novo. Aquilo não é a Bananolândia do Jardim”, rematou.

 

Saí tranquilo e fui a Viana do Castelo buscar os últimos cento e tal exemplares de um livro que cometi há uma boa década. Vá lá, sempre se venderam cerca de 80% dos exemplares! Ainda por cima sem sequer entregarem o livro a um distribuidor!!! Mão em mão, boca a boca, pedido aqui, pedido ali, e o livrinho lá foi navegando à bolina.

 

Terá alegrado algum leitor depressivo? Terá alguma leitora insone conciliado o sono depois de duas páginas à luz difícil duma vela (eu adorava ter leitoras românticas com velas antigas e chá de tília e torradas. E um gato velho e fidalgo a dormir-lhe aos pés)?

 

Alguém me disse que fora o título (“a pedra no sapato, a pata na poça”) que o seduzira. “E o conteúdo?”, arrisquei, melancólico e incógnito. “Fixe, boa onda, meu...” foi a resposta um tanto ou quanto incongruente dado o ar normalíssimo do meu inquirido. “fixe era o Soares, porra”, apeteceu-me dizer-lhe mas preferi desandar em boa ordem antes de ouvir algo que mais me desgostasse.

 

De regresso de Viana, deparei-me com uma lista de coisas a levar para férias. A CG enlouqueceu mas lá a convenci que boa parte das coisas se arranjam no local. E notem que já andamos nisto há mais de dez anos. Será que as batatas espanholas são piores do que as nacionais? Ou os spaghetti?

 

As mulheres surpreendem-me sempre. Mas há dias em que a coisa me ultrapassa absolutamente. Mistério ainda maior do que mar sem ondas!

 

 

 

PS: esqueci-me desta: se eu fosse Deus, punha mar em Paris e era lá que passava a estação calmosa. A CG a molhar o pé mimoso e eu bavardando, bavardando e a encher-me de moules mariniére, de belos queijos, de patés e uns tintos temporões. 

 

*na gravura Paris plages iniciativa inteligente da mairie de Paris. 

 

Assis e a vitória de Seguro

José Carlos Pereira, 25.07.11

António José Seguro venceu claramente as eleições para secretário-geral do PS, como é sabido, com cerca de 68% dos votos contra os 32% de Francisco Assis, num universo superior a 35.000 votantes. Nada que não fosse esperado, atendendo à forma como um e outro se posicionaram perante os militantes e as estruturas do partido ao longos dos últimos anos e aos ecos daquilo que foram dizendo na campanha eleitoral.

Francisco Assis refere hoje no "JN" que não fará oposição interna, não se revendo nessa atitude, mas que não renuncia a apresentar listas próprias aos órgãos nacionais do partido no próximo congresso. Reclama para si, também, um período de menor exposição e acredita que as ideias que defendeu poderão fazer o seu próprio caminho.

Assis sai claramente derrotado deste combate, mas estou certo que não contribuirá para divisões no seio do PS. Caberá a Seguro, por sua vez, trabalhar em prol da união dos socialistas. Como, por exemplo, José Sócrates soube fazer em relação aos apoiantes de Manuel Alegre e João Soares quando os defrontou.

Estes dias que passam 238

d'oliveira, 24.07.11

A semana (ou a banana?)

 

Entre a fome no corno de África, a guerra que se arrasta no Líbia, a que se aproxima na Síria, o naufrágio do “News of the world”, as bravatas dos republicanos americanos e o massacre na Noruega, poder-se-ia dizer que não sobra espaço para as mitigadas novas que nos vêm da  Europa e os novos dados quanto à dívida soberana. Escapámos, ou poderemos escapar, por pouco, a um desastre gigantesco mesmo se saibamos que a dívida ainda aí está e que há muito boa gente que aposta em continuar a mantê-la em nome de um estranho “Estado social” que nos últimos anos era mais auto-estradas, estádios, tgv e cada vez maior distância entre ricos e pobres. E prebendas para filhos e afilhados, justiça em bolandas, corrupção crescente e autismo puro.

 

Mas as televisões estão aí para, mesmo que em pequena porção, nos informarem dos resultados do duelo Seguro Assis. Convenhamos que, num país, ou num sistema, que deixa a oposição no desconfortável papel de “ver a caravana passar”, a televisão portuguesa até se portou bem.

 

Sobretudo se nos lembrarmos da infinita tristura do confronto entre ambos os candidatos que conseguiram dizer ainda menos do que nas entrelinhas se vai vendo.

 

Agora, como noticia um jornal  de referência, aliás o único a conceder ao caso alguma notoriedade, começam a desatar-se as línguas.

 

Como por exemplo na secção do P.S. em Lever (Gaia) onde o mais antigo militante, em idade e em inscrição, afirma que a única pessoa que o desiludiu foi o ex-secretário geral que, sic, “apareceu no P.S. mas antes tinha estado no PSD e eu nunca estive no PSD” ou um outro mais jovem que diz que o mesmo cavalheiro “era conhecido por vender ilusões”.

 

Nos próximos meses ou mesmo semanas, escondidos entre as tolices da silly season, outros comentários do mesmo teor começarão a surdir de entre os panos do luto e no congresso que aí vem vamos assistir ao milagre da multiplicação dos peixes, dos pães e dos que nunca estiveram com a linha dominante nem com os coreanos resultados do congresso de Matosinhos, que foi há três escassos meses.

 

Que Seguro iria ganhar foi coisa assente desde o momento em que este saiu do bizarro mutismo a que se tinha votado. O silêncio, que por cá, se diz ser de oiro, é apenas silêncio e nunca me pareceu ser outra coisa. Quem não fala, não critica, não protesta, não afirma. Nada. Todavia, a vozearia estridente dos outros, a empáfia, a soberba autista dos outros concedeu a este silêncio inesperadas sonoridades e converteu-o numa bandeira, numa escapatória envergonhada para todos quantos, passada a “magia” se deram conta do deserto que poderão ser obrigados a atravessar. O voto Seguro é um modo discreto, seguro e apolítico de começar a criticar os anos de culto frenético da personalidade do ex-líder.

 

O castelo de cartas ruiu e os militantes começam a perceber que o mundo continuou a girar sem eles, contra eles. Nessa paisagem inóspita, Seguro, é a figura possível, a crítica possível.   

 

Por outro lado, Assis, mesmo que o quisesse, nunca poderia dizer que tinha ideias novas para o Partido. Demasiado comprometido com Sócrates, demasiado colado ao retrato de um partido trapalhão que acolhe qual filho pródigo uma criatura que se apodera de gravadores alheios, demasiado lisonjeiro (e estou a medir misericordiosamente as minhas palavras) para o anterior líder, Assis nem sequer conseguiu mostrar que não era um mero passageiro de um comboio que António Costa decidira não tomar e muito menos ser o maquinista.

 

O P.S. adia-se, vai para banhos, regressará no fim do Verão, eventualmente mais queimado, já com algumas questões políticas urgentes resolvidas (bem ou mal, mas isso compete ao Governo).

 

A oposição, essa, andará por aí em lume brando, pelo menos o Bloco que também deve andar pela praia a meter a cabecinha na areia para fingir que não vê o olhar critico dos eleitores que o abandonaram e mesmo dos outros que devem estar à espera de saber quando é que o seu sacristão geral se decide a tirar umas férias.

 

O PC prepara a sua festa anual, do Avante (“vperiod”, em russo, como alguém decerto recordará), mesmo se o avante comunista pareça cada vez mais o do caranguejo (outra metáfora de “fino” sabor estival!..., desculpem lá, mas o calor aperta e eu não dou para mais).

 

Em resumo, estamos no “intervalo”. Por todas as razões incluindo as meteorológicas. E depois, como acima enunciei, as notícias importantes não passam por cá. Isto não é Somália, tão pouco a Escandinávia, não consta que haja guerra civil, tirante a da Madeira que, infelizmente, nunca mais proclama a independência, único meio de nos vermos livres de Jardim, Jaime Ramos & comandita, ao mesmo tempo que deixávamos de pagar um balúrdio para manter os habitantes do arquipélago na gloriosa condição de vítimas dum Portugal madrasto e cubano que os oprime dia sim, dia não ou melhor: dia sim dia sim.

 

Então malta, façam um esforço. A tropa metropolitana retira, mesmo se só os bombardearem com bananas. Vá lá! Libertem-se!  

 

 

 

 

Incompatibilidades

José Carlos Pereira, 22.07.11

Nos últimos dias a questão das incompatibilidades relacionadas com o exercício de cargos públicos voltou a estar na ordem do dia. Veio a novel associação cívica Transparência e Integridade denunciar o elevado número de deputados que, na legislatura anterior, estavam ligadas a empresas públicas ou a empresas privadas de obras públicas, assim como a grande quantidade de advogados ligados a sociedades que mantêm relações com o Estado. Também o bastonário da Ordem dos Advogados tinha defendido anteriormente que os deputados eleitos para a Assembleia da República deveriam suspender a sua actividade profissional, como forma de evitar sobreposição de interesses.

Esta matéria da transparência e das incompatibilidades merecia, de facto, ser vista com todo o cuidado e rigor, de uma vez por todas. A verdade é que, entre a muita legislação criada para o efeito, não faltam alçapões. Uns maiores e outros mais pequenos, em função do respectivo patamar de exercício do poder. Exige-se que os partidos políticos olhem para esta questão de forma global e transversal, antes de legislarem sobre o transvase de pessoas e interesses entre o público e o privado.

A título de exemplo, um amigo viu-se obrigado, há poucas semanas, a declinar um convite para chefe de gabinete de um secretário de Estado do actual Governo pelo facto de ser sócio de uma pequena empresa que presta serviços a algumas autarquias. Não quis fazer uma “alienação à medida” para ficar a salvo dessa incompatibilidade. Fez bem. Conheço, no entanto, o caso de um chefe de gabinete de outro secretário de Estado que estava em condições semelhantes, mas que deve ter recorrido à venda da sua participação empresarial a “amigos convenientes”, para poder assumir o lugar. É conforme a vontade do freguês...

A lei vai estabelecendo limites, como é sabido, mas deixa algumas situações completamente no vazio. Recorrendo ainda a casos com que me deparei na minha experiência autárquica, continua a ser possível que deputados municipais sejam fornecedores do município e concorram com as suas empresas a obras públicas promovidas pela autarquia. Ou seja, participam em decisões, aprovam orçamentos e contas e fiscalizam a actividade do executivo autárquico que decide adjudicações às suas próprias empresas. Denunciei casos destes e reclamei contra essas atitudes, mas vejo hoje que de nada valeu. Não há crime, pelo que tudo compensa.

Há ainda um longo caminho a percorrer, mas espero, sinceramente, que os ventos da troika possam conduzir à adopção de regras mais apertadas no domínio das incompatibilidades.

A despromoção da oposição

O meu olhar, 22.07.11

A oposição não está na moda. Podem surgir as medidas mais polémicas, mais gravosas, da parte do Governo que a oposição só é chamada a dar a sua posição depois de termos ouvido a versão oficial dos factos e das medidas pelo menos umas dez vezes. Longe vão os tempos em que, a propósito de tudo, absolutamente tudo, tínhamos a opinião de todos os partidos representados na Assembleia. Longe, disse eu? Desculpem o engano. Foi só há tês meses.

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