Y los años han pasado
Ah, Barbara,
Quelle connerie la guerre
(Prévert, Paroles)
Passam setenta e cinco anos do início da guerra civil espanhola, conflito que divide com as invasões francesas a triste glória de ser o mais violento e dramático da longa história peninsular.
Ainda hoje, se verifica que nem todas as contas estão saldadas, nem todas as vítimas reconhecidas, nem todos os agravos esquecidos ou perdoados.
Sobram por toda a Espanha, milhares de fossas comuns, muitas ainda por descobrir e quase todas por explorar.
Enterrar os mortos é, na nossa cultura europeia, um imperioso dever. Raros serão (e eu conto-me entre eles) os que nenhum interesse têm nas suas ossadas. Por mim, deitem-me ao mar para alimento (ou veneno) de peixes & outras espécies marítimas). Todavia, para uma enorme maioria de pessoas, enterrar os seus é uma obrigação e mais do que isso um acto de amor e de fé numa outra vida.
A guerra de Espanha foi de uma crueldade extrema, escusado é dizê-lo. As guerras civis trazem consigo mais esse estigma da violência sem limites.
Em Espanha, a rebelião contra a República, desatou duas carnificinas imediatas.
Por um lado, os primeiros meses, nas zonas fieis ao governo republicano, foram tumultuários. Brigadas de enfurecidos republicanos, com forte participação anarquista, mas não só, desencadearam uma repressão incontrolável contra os suspeitos de simpatias com os revoltosos. Mais de dois mil religiosos foram caçados como ratos e executados, como castigo a uma Igreja que se mostrou cúmplice da “cruzada” franquista, abençoando inclusive as tropas mouras que constituíam a ponta de lança do avanço rebelde no sul.
As prisões foram assaltadas e milhares de presos, levados em “sacas” (de sacar) foram assassinados. Por todo o lado, a delação, a inveja ou a vingança, tornaram cidadãos inocentes ou pelo menos não directamente envolvidos na rebelião, vítimas propiciatórias destas multidões exaltadas.
Não havia Estado, ou havia um Estado demasiado débil nesses primeiros meses. E assim foram massacrados cidadãos sem julgamento nem misericórdia.
No outro campo, o franquista, as coisas foram ainda piores, se é possível fazer comparações. À medida que as unidades rebeldes progrediam no terreno, eram meticulosamente fuzilados todos quantos, por alguma razão tivessem servido a República. Quando conseguiam escapar ou esconder-se, os falangistas iam pelas mulheres deles e, depois de conscienciosamente as violarem ( “a las mujeres de los rojos hay que mostrarles la verdadera hombria de los españoles”. Queipo de Llano numa das suas emissões aliás filmada e passada ainda há pouco num noticiario espanhol), eram presas, conduzidas a um local ermo e fuziladas. Como na pequena aldeia de Villena!
As tropas franquistas não queriam deixar para trás das suas linhas eventuais adversários.
Contas feitas, segundo Paul Preston, a coisa andou por cinquenta mil vítimas no lado republicano e cento e cinquenta mil no rebelde.
Isto quanto aos mortos durante a guerra, deixando de lado as baixas sofridas pelos exércitos em luta, as derivadas de bombardeamentos nas cidades republicanas A aviação republicana, ainda que de alguma qualidade não pode conduzir operações de bombardeamento ao território inimigo sobretudo por ser toda ela necessária para conter as vagas de aviões alemães e italianos que atacavam as suas posições.
Depois da guerra, a repressão alcançou extremos inéditos, podendo, hoje, consultar-se cerca de quatro milhões de “expedientes” (processos) abertos contra o mesmo número de pessoas. E nestes processos não constam todos quantos foram vítimas. Não há, por exemplo, no Arquivo de Salamanca, o processo de Lorca. Lorca, como tantos outros, nem sequer a isso teve direito: foi morto por um par de criaturas cobardes, que agiram mais ou menos por sua livre iniciativa (cfr: Miedo, olvido y fantasia. Crónica de la investigación de Agustin Penon sbre Federico Garcia Lorca (1955-1956) Comares, Granada 2009. Ou Ian Gibson, “Vida pasión y muerte de Federico Garcia Lorca”, Debolsillo, 2006) e não perderam tempo a escrever sequer um miserável auto de prisão. Obviamente, este número inclui, mortos, presos, fugidos, exilados, guerrilheiros, políticos, artistas e sindicalistas, enfim, a elite da República.
Setenta e cinco anos e ainda hoje, há um frisson quando se fala do assunto. Nem os acordos da “transição”, nem a morte da esmagadora maioria dos intervenientes na contenda, puseram fim à discussão. A guerra de Espanha alimentou e alimenta ainda, uma soma gigantesca de livros, romances, ensaios e histórias para todo o gosto. E, sobretudo, os desaparecidos. E as tumbas anónimas que se vão descobrindo. E as entradas na Enciclopédia sobre os espanhóis. E o caso Garzón. E... e...e...
*fotogramas de "La guerre est finie" de Robert Bresson, argumento de Jorge Semprum