Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Leituras (4)

sociodialetica, 30.09.11

 

Martins, João Pedro. 2011. Suite 605. Lisboa: Associação Editorial Nexo Literário.

 

 

Do Prefácio

 

Os paraísos fiscais, comummente chamados de offshores, são aparentemente ignorados nos debates políticos, são esquecidos nas análises económicas, são, quando muito, no mundo do bem comportado científica e politicamente que nos afoga, glaciares flutuantes analisados apenas pela minúscula zona visível. É como se não existissem ou fossem socialmente irrelevantes.

No entanto é exatamente o contrário. Quando em 2004 caracterizei economicamente a globalização, fase do capitalismo iniciada nos anos oitenta do século passado, chamei a atenção que a financiarização da economia (isto é, a esmagadora importância do capital-dinheiro em relação ao capital-industrial, a sua livre circulação à escala mundial, o volume de transações nos mercados financeiros, oficiais ou não, o peso esmagador do capital fictício, desligado de qualquer atividade produtiva) e o crescimento da economia paralela (isto é, da economia não registada porque constitui uma fuga às obrigações fiscais, economia subterrânea, e porque são atividades ilegais, economia ilegal) são partes indissolúveis de um mesmo processo de reprodução da sociedade atual. Reprodução que tem conduzido a um brutal agravamento das desigualdades sociais, a uma subalternização social e ética do Homem.

Neste processo, os offshores funcionam como placa giratória entre o legal e o ilegal e, reciprocamente, entre o compromisso fiscal e a sua fuga, entre a democracia e o império obscuro do branqueamento de capitais, entre a apregoada “responsabilidade social das empresas” e o esmagamento do direito à dignidade dos povos.

É tão visível a ignomínia quando sabemos olhar para ela que os Estados e as instituições internacionais têm de usar toda a sua hipocrisia: fazer declarações de inquietude e de desagrado enquanto multiplicam as “praças financeiras” e reforçam as suas funções e o seu sigilo.

Olhar para esta realidade tétrica, mostrar a sua perversa função actual, contribuir para uma opinião pública mais esclarecida sobre o assunto tem sido uma das preocupações de João Pedro Martins. Uma revelação do seu empenhamento cívico, que todos devemos agradecer, até porque fazê-lo exige coragem e abnegação.

Incidir agora a sua análise no offshore da Madeira é de grande oportunidade política, pois grande parte dos problemas sociais com que a União Europeia se debate, a “crise da dívida pública”, é a expressão da possibilidade dos defraudadores de hoje serem os credores de amanhã.

A autoimagem que temos de nós próprios leva, por vezes, a aceitar a afirmação de que o “offshore da Madeira é diferente dos outros”. Pura fantasia política para enganar tolos. É parte do sistema mundial de desresponsabilização social, fraude e branqueamento de capitais. Algo que existe sem vantagens para a economia portuguesa, antes pelo contrário. Algo que nem impacto tem sobre o desenvolvimento regional do arquipélago.

Estou certo que depois da leitura deste livro muito do que nos rodeia surgir-nos-á mais claro.

 

Pergunta e resposta

 

Por debaixo do título do livro, acima indicado, pode-se ler esta explicação sobre o conteúdo: “História secreta de centenas de empresas que cabem numa sala de 100 m2”.

Poderão, então, perguntar: “Para que me interessa saber a história dessas empresas, muitas delas fantasma?”

A resposta é simples: “Interessa-lhe porque elucida um pouco a crise em que estamos e explica porque razão você e eu pagamos mais impostos do que seria fiscalmente justo.”


Os companheiros do Presidente

José Carlos Pereira, 30.09.11

O que há em comum entre Isaltino Morais, Valentim Loureiro, Duarte Lima, Dias Loureiro e Oliveira e Costa? Todos se iniciaram no exercício de funções públicas quando Cavaco Silva era presidente do PSD e primeiro-ministro. Entre condenados (em primeira instância), acusados e investigados, seja por razões que se prendem com os cargos públicos desempenhados ou com a sua actividade profissional, o poder deste grupo de altos quadros do PSD forjou-se sob a liderança do actual Presidente da República. Azar ou incompetência de Cavaco Silva na escolha dos colaboradores, dirigentes e autarcas do seu partido?

Isaltino Morais foi eleito pela primeira vez presidente da Câmara de Oeiras em 1985, presidiu à Distrital de Lisboa do PSD e foi ministro já com Durão Barroso. Valentim Loureiro tornou-se presidente da Câmara de Gondomar em 1993, presidiu à Distrital do Porto do PSD e esteve na administração da Metro do Porto. Duarte Lima foi um dos mais proeminentes líderes parlamentares dos tempos do cavaquismo e regressou ao Parlamento pela mão de Santana Lopes. Dias Loureiro foi ministro e secretário-geral do PSD, controlando o aparelho do partido antes de se abalançar para o mundo dos negócios e do BPN. Foi membro do Conselho de Estado depois de Cavaco chegar a Belém. Oliveira e Costa foi secretário de Estado e presidente da Distrital de Aveiro do PSD, tendo sido designado por Cavaco para administrador do Banco Europeu de Investimentos antes de criar o BPN.

Estivéssemos noutro país e não houvesse este clima pardacento entre a comunicação social e a Presidência da República e Cavaco Silva teria, pelo menos, de se haver com um apertado escrutínio público sobre a confiança que depositou nestas pessoas e o apoio, não apenas político, que deles recebeu. Como estamos em Portugal, no pasa nada, e Cavaco lá vai cantando e rindo por entre os pingos da chuva…

Diário Político 178

mcr, 30.09.11

carta a Garcia 3


 

Ao contrário das mitologias da Direita que, as mais das vezes, fedem a naftalina, a desforço e a omissão, poderia a Esquerda fazer o esforço de se libertar dos espantalhos que abundantemente semeou, da tralha delirante (e pequeno-burguesa) com que sobrecarregou meia dúzia de princípios simples e generosos, da retórica populista de que usa e abusa, e dedicar-se ao essencial, à luta política pelo rigor e pela transparência, à denúncia vigorosa dos clientelismos (que fartamente alimentou) ao culto do chefe e do providencialismo que a triste época Sócrates ilustrou ad nauseam, e começar a fazer caminho novo.

 

Já se sabe que, sem o poder, as melhores propostas, as mais inteligentes ou as mais práticas, podem ser recusadas pela aliança dos que efectivamente mandam. Em Portugal à oposição só se atribui um papel, o de “encher”. Perde-se, perdeu-se, com isso tempo, dinheiro, ideias e progresso. Perdeu-se também, e é pior, cidadania, sentido de Estado e sentido de pertença a essa teimosa realidade que há oito séculos perseguimos e não alcançamos ou só imperfeitamente alcançamos: uma pátria para todos, feita por todos e mátria de todos.

 

Mesmo assim, não há outro caminho se é que queremos deixar algo aos que vierem depois de nós.

 

Deixar algo que não seja este permanente sobressalto, esta contínua queixa contra “os outros”, a passividade atávica diante do poder, a tolerância vil ante atropelos, favores, corrupção (grande, média ou pequena, activa ou passiva, instalada por donde quer que se olhe).

 

É intolerável que se repita, em pleno século XXI!!!, um estado de espírito que desculpa os nossos e ataca os outros, que desculpa A ou B porque “rouba mas faz”, que aceita o esfarrapado argumento do “faço o que toda a gente faz”.

 

Quando, por exemplo, um par(a)lamentar se zanga com um jornalista e lhe furta, rouba, subtrai, escamoteia, tira, “gama”, “abafa” um gravador, ninguém, absolutamente ninguém, tem o direito de lhe vir pôr uma mão debaixo e “compreender” o gesto, aceitar o gesto, aplaudir (como ocorreu) o gesto. A este género de pessoas manda-se-lhe um cabo de esquadra a casa, porque isto não pode caber na definição da imunidade parlamentar.

 

Na América, e Deus sabe quantos defeitos aquilo tem, por menos, muito menos, vai uma carreira ao fundo. Ainda há pouco, por uns mails com fotografias do próprio em trajes menores – ou nem isso – enviados a mulheres que com ele se correspondiam, anda um congressista nas bocas do mundo. E não haja dúvidas: o homem vai mesmo perder o cargo, a reputação política e passar as passas do Algarve, mesmo que não saiba (não sabe) o que isso quer dizer.

 

Não interessa, aqui, que eu esteja ou não de acordo – não estou, pelo menos se é só isto. Apenas chamo a atenção para as exigências de uma sociedade e uma opinião pública que entendem a função política como algo que dignifica quem a exerce e dignifica o país. Como algo exigente e não como um emprego para amigalhaços do poder à espera de melhores dias.

 

Enquanto não houver, por cá, a mesma percepção, nada feito.

 

Vivemos tempos difíceis. Travamos uma “incerta batalha” contra os monstros que o sono da nossa razão criou. E contra mais alguns criados pela desrazão de outros.

 

Todavia,  por muitas medidas (e a maior parte delas é meramente avulsa) que se tomem, por muitos sacrifícios que se peçam, e se aceitem, só chegaremos a bom porto se houver uma mudança radical de mentalidade. Se voltarmos a pensarmo-nos como gente pobre, numa terra pobre e daí extrairmos as devidas consequências.

 

As discussões sobre o Estado do bem estar, o Estado social, a necessidade de defender privilégios, regalias ou uma vida europeia, necessitam de ser aferidos pelo que somos capazes de produzir, de fazer, de poupar. Em suma, temos de acordar do sonho cor de rosa que engendrámos pensando que bastava derrotar o Estado corporativo sem cuidar de tornar as débeis instituições públicas e privadas em algo de forte e de saudável. A única maneira de manter as famosas “promessas de Abril” é criar os meios sólidos e duradouros para que elas se cumpram. E isso só se faz com tempo, com esforço e com uma outra mentalidade. Digamos, sem ironia, nem apelos tontos, uma revolução cultural.

 

 

 

d’Oliveira 30.09.11 (aproveitando um borrão de texto anterior)

a ilustração:  Il quarto stato, 2ª versão, 1901 autor: Pelliza da Olmedo

 

 

 

 

 

Au Bonheur des Dames 297

d'oliveira, 29.09.11

 

 

O leitor zangado

 

Um leitor (ocasional, diz ele a salvaguardar-se do opróbio de ser leitor frequente) manda-me um mail sobre o meu último “au bonheur...”

 

Indo por pontos, começa por achar “machista” o título da série; continua dizendo que eu troço do operariado quando lamento o abandono de lixo no passeio onde me estatelei e, sobretudo, quando qualifico de revolucionária a atitude de deixarem um tampo de qualquer coisa elevado em relação ao passeio.

 

E termina numa farândola quando me acusa de ser um seguidor de Passos Coelho.

 

 

 

Entendamo-nos prezado mas ocasional leitor (que por mail foi avisado desta resposta e convidado a comentar tudo o que lhe aprouver):

 

Não só não sou um seguidor de Passos  mas já por aqui o zurzi, ainda o desinfeliz era apenas um candidato a primeiro ministro. Claro que, depois de Sócrates, até a cicuta sabe a vinho fino, mas daí a amar, enternecer-me, aturar, Passos vai uma distância que, juro, não percorrerei. Nem a pé, nem em qualquer meio de transporte, incluindo aquele metro fatal que queriam pôr na Avenida da Boavista ou o TGV que propunham para Vigo. Nem Passos nem o senhor dos Passos. Com Passos, passo. Passo à retaguarda.

 

Depois, leitor ocasional mas crítico, fique sabendo que eu aqui escrevo com a liberdade que se dá aos velhos estouvados. Não faço apologia de nenhum dos pais e mães da pátria que por aí andam a salvar Portugal, Madeira, Açores e as Berlengas. Deus me livre! Credo!!!

 

Entendo esta minha “cruzada” bloguística como uma cópia barata, mas confessada, das farpas de meu mestre Eça.  Bem sei que não lhe chego ao calcanhar esquerdo mas, já agora, antes ele que Saramago, se é que me entende.

 

Quando (como ocorreu quando me declarei votante de Alegre) quiser fazer deste cantinho um esquema de propaganda, aviso.

 

Deixemos pois Passos a braços com os embaraços deste mar de sargaços (ou da palha, se preferir) em que a politica nacional soçobra diariamente sem com isso nos refugiarmos na insegurança de Seguro, ou nas cantigas de sereia velha, feia e sem imaginação, dos rapazes do bloco. Tão pouco me valho de Jerónimo, mesmo sabendo que ele ostenta o nome de um dos mais veneráveis Padres da Igreja, tradutor da Bíblia para latim. A propósito, porque é que o raio do homem se chama Jerónimo, reconhecidamente um asceta, quando toda a gente sabe que ele é um bailarino de gabarito? Ascético por ascético antes o dr Cunhal que Lenin tenha em seu santo seio!  

 

Quanto á acusação de “machismo”, temo bem que o leitor ande um pouco desnorteado. “Au bonheur des dames” começou por ser um grande romance de Emil Zola. Depois, com o filme homónimo, com a proliferação dos grandes armazéns semelhantes ao descrito na narrativa, apareceu em Lisboa uma loja de modas com esse nome. Gostei tanto do prédio e do reclame ( que ainda lá está ) que o adoptei. Verdade se diga que pensei logo em multidões entusiasmadas de leitoras, loucura de cavalheiro entrado em anos mas lembrado de épocas melhores. Mas a verdade, a verdade verdadeira é esta, leitor fortuito: as mulheres lêem muito mais do que os homens. E eu tenho um pequeno mas aguerrido grupo de leitoras que muito prezo. Se me lesse, não digo sempre mas, pelo menos, espaçadamente, teria reparado na campanha que venho mantendo sobre a violência de género. E noutras do mesmo teor recusando sempre o machismo de que me acusa. A menos que o leitor me queira converter à admiração do sexo dito forte. Já não vou a tempo, leitor impaciente. Nem me apetece, veja lá. Mesmo a cair da tripeça ainda me enterneço com l’odore di femina, desculpe lá. Vivo de recordações já que, para acções, as forças não serão as mesmas.

 

E vamos então à acusação tremenda e medonha de ser anti proletariado. Leitor, leitor anti-capitalista,  amador dos trabalhadores e benemérito da causa da emancipação dos mesmos, se eu quisesse meter-me com as massas laboriosas, mesmo sendo estas profundamente diferentes daquelas que os seus eventuais manuais lhe descrevem (e faço-lhe o favor de acreditar que não andou a ler a horrenda Marta Harneker ou os epígonos dos epígonos tão em voga nas iletracia marxistóide  que alimenta os partidos que se reclamam da esquerda) teria dito outras coisas.

 

Por exemplo: que os tampões ocasionalmente acima do nível do passeio não eram fruto da distracção, da preguiça e da falta de inspecção, mas apenas um ardil das massas oprimidas para partir os dentes à reacção. De facto, nas horas em que faço o meu footing higiénico e retemperador, só percorrem as ruas outros como eu, fazendo por desporto aquilo que um trabalhador só faz porque é obrigado a ganhar a vida. Portanto, se o burguês tropeça e cai, apenas cumpre o destino histórico a que a luta de classes o remeteu. E o operário que deixou o tampão mal colocado no passeio cumpre uma obrigaçãorevolucionária mesmo se, com o seu gesto, abate apenas um inimigo de classe, o que pode ser tomado por um perigoso desvio anarquista dado o carácter individual da sua acção.

 

E poderia ainda dizer que enquanto os fainéants andam na rua à pata, os proletários puros e duros vão vender a força de trabalho de autocarro, de motorizada ou em automóvel próprio. E vão assim, porque, como se pode verificar passando por um bairro camarário, a viatura tornou-se mais do que um direito, uma obrigação para quem faz pela vida. É preciso não deixar o pavé apenas aos ricos e fazer do passé table rase. Os carros do povo trabalhador pelo seu número tornam mais difícil o passeio destemperado dos “rols-royce” dos capitalistas. E por aí fora.

 

Mas, infelizmente para si, leitor de acaso, nada disso escrevi. Não acusei o proletariado, sequer os seus aliados históricos, mas apenas referi uma incúria que (por acaso) é mais geral do que se supõe, denunciei o descaso pelas ruas e passeios, o ao deus dará de obras que se sobrepõem mas não se completam.

 

Tentei, sem êxito, verifico-o com amargura, rir-me dos meus males, da velhice, da nova moda dos corpos jovens e sem rugas, fazer humor à minha custa. Vejo que não consegui. Por junto, fora o JVC., o leitor Monchique e uma futura vítima do leitão que lá irei comer, resta-me V que aponta um dedo implacável e critico à minha jeremíada. Mas tudo tem o seu lado positivo: permitiu-me escrever esta desculpa esfarrapada que V desancará se fizer o favor de me ler.

 

Em temps de crise já é qualquer coisinha e, pelo menos não gasta os impostos de ninguém.

 

Ex corde

 

mcr     

Quando a preocupação é o sorriso das vacas

J.M. Coutinho Ribeiro, 29.09.11

Cavaco Silva anda muito opinativo, no que deve ser entendido como a manifestação prática da sua "magistratura activa". Até em matérias que não lhe dizem propriamente respeito, na sua qualidade de PR. Confesso, porém, que não dou muita importância às suas opiniões. Não é grave. Grave é que as suas opiniões sejam cada vez menos escutadas pelos outros líderes políticos. E quando digo que é grave, não é porque entenda que as suas opiniões devam ser seguidas - é apenas porque me parece que ninguém dá já muita importância ao que diz o PR, preocupado que anda com o sorriso das vacas açorianas.

Durante muitos anos mitificado por uma boa parte dos portugueses, Cavaco Silva tem assumido, nos últimos anos, a função de mero notário de marcação de eleições. Desconheço-lhe qualquer iniciativa para resolver as crises políticas que se instalaram no país. E, no entanto, podia tê-lo feito, quando o cenário de crise começou a pairar entre nós, forçando um acordo dos partidos para enfrentar a situação de emergência. Não. Deixou andar. Uma vez mais, Cavaco foi perito em colocar os seus interesses políticos acima dos interesses do país, de forma a assegurar a reeleição. Foi reeleito, à primeira volta, mas com um resultado aquém do esperado. Conseguiu o seu objectivo, mas não ajudou o país. Por estas e outras, há um objectivo que Cavaco não conseguirá: o de ter uma página brilhante na história de Portugal. Terá, quando muito, um pé de página. Sem brilho.

A Europa está a assustar a América?

JSC, 28.09.11


Muitos foram os que cantaram loas a Obama. Ainda era um simples candidato e por essa Europa fora olhava-se para Obama como o farol que iria trazer a paz e a prosperidade aos povos. Na gestão de expectativas e sem ter feito nada que o justificasse, bem pelo contrário, até lhe deram o prémio Nobel da Paz. Facto que não o libertou das amarras que controlam a política americana nem o impediu ou desmotivou de continuar a combater onde o seu antecessor combateu e até de alargar a intervenção a outros países.

 

Apesar disso continuava-se, na Europa, a acreditar no messiânico Obama.

 

A coisa começa a inverter-se. Muitos políticos da UE e comentadores começam a olhar de soslaio para Obama, que acossado pela crise interna e com o cutelo das eleições bem próximo, foi à ONU fazer um discurso desconchavado, para logo seguir a desatar a beliscar os amigos europeus.

 

Obama diz que a incapacidade dos governantes europeus em tomar decisões "está a assustar o mundo". Eu bem me parecia que no centro da crise e das tensões bélicas mundiais não estavam os EUA. Só que não sabia quem fazia esse papel. Agora sei-o: É a Europa.

 

Naquela simples frase, sabiamente proferida por Obama, pode estar um aviso muito sério aos governantes europeus. É que uma América assustada é muito perigosa. Nunca se sabe o que dali pode surgir. A não ser que Obama esteja a pensar num novo Plano para ajudar a Europa. Só que desta vez deve ser aplicado por uma Troika, que é quem manda de facto e deixa as marionetas entrar no filme.

 

Anoto que não deixo de concordar com o que diz no que toca à incapacidade dos senhores que mandam na Europa. Mas não deixa de ser caricato que o líder do país responsável pelo rebentar da crise venha agora culpabilizar os europeus pelos males que assolam a América (que Obama confunde com o mundo).

 

Por fim, enquanto o mundo anda assustado com a Europa, amplia-se a ocupação dos territórios palestinianos, problema que Obama retirou da esfera da ONU. Um exemplo notável de hipocrisia política.

Contratações

J.M. Coutinho Ribeiro, 28.09.11

Há tempos, escrevi já nem sei onde, que não valia de nada ao Benfica "torrar" milhões e milhões na compra de jogadores. E que a única forma de se equiparar ao FCP era contratar Pinto da Costa para liderar o clube. Disse o que disse meio a sério - penso mesmo isso - e meio a brincar - pela impossibilidade da contratação. O que eu não esperava é que a ideia fosse tão pouco original. Com efeito, leio hoje no Expresso online

 que o benfiquista Joe Berardo, quando dono do jornal Record, pensou precisamente o mesmo e chegou a propor contratar Pinto da Costa para presidente do Benfica a troco de 500 mil contos por cinco épocas. Estava bem visto.

A Circular

JSC, 27.09.11

 

A Direcção-Geral do Orçamento (DGO) proibiu todos os organismos da Administração Pública e as empresas públicas de assumirem qualquer despesa se não tiverem dotação orçamental disponível para cabimentar o correspondente encargo.


Até aqui nada de novo. A novidade está no tom que é usado para impor o cumprimento de uma regra tão específica e fundamental na contabilidade pública. Quem não cumprir, isto é, quem realizar despesas sem a prévia cabimentação, sofrerá sanções disciplinares, financeiras, civis e criminais. Esta responsabilidade pela execução orçamental será aplicada tanto aos titulares de cargos políticos como aos próprios funcionários da administração pública.


Os responsáveis pelos diversos serviços ficaram a saber, estranho é que ainda o não soubessem, que só podem fazer despesa com cabimento prévio. Ou seja, se não há cabimento não há despesa. Sempre foi assim e foi com a aplicação rígida desta regra que Salazar endireitou as finanças públicas. O problema (?) é que hoje a intervenção dos organismos públicos é bem mais ampla e complexa. Acresce a ausênciade de uma polícia política e a presença activa de sindicatos e partidos. Tudo mudou.


Estou curioso em saber se a orientação vai ser mesmo aplicada e em que medida. Pelo menos nos últimos 30 anos, todos, mas todos, os Ministros das Finanças conviveram com o não cumprimento desta regra sagrada e fundamental para uma gestão financeira equilibrada. O seu não cumprimento, por todas as entidades, levou-nos a primeira intervenção do FMI e colocou-nos agora nas mãos da troika.


Ou seja, a regra que tem presidido à gestão pública consiste em comprar primeiro e cabimentar depois, donde se ultrapassar, ano após ano, as dotações orçamentais. É assim que nascem e crescem os chamados buracos orçamentais.


Agora trata-se de saber como é que se pode passar de uma gestão financeira tão livre, com absoluta inversão da regra, para uma gestão tão apertada, com respeito pela regra da cabimentação prévia? Certamente que não será por golpe de mágica do Ministro. Ele deve ter alguma na manga que em momento oportuno nos vai revelar. Ou será que apenas está a tentar ver no que é que dá? Talvez seja mais isto.


Mas que é necessário e urgente disciplinar, financeiramente, os serviços, lá isso é.

REFORMAS PARA FAZER MANCHETES…

JSC, 26.09.11

 

Como se sabe a raiz do défice público está no número de funcionários públicos que, ano após ano, encheram a máquina do Estado e engordaram, eles próprios, na proporção do crescimento da dívida pública.


Andaram por aí uns tontos a responsabilizar os nefastos negócios realizados entre o Estado e empresas, a que chamaram Parcerias Público Privadas. Outros ou os mesmos também foram aprontando o dedo para a banca, designadamente, BPN, BPP e outros, ainda, para buracos orçamentais, que todos os dias vão aparecendo, a mostrar como devagarinho chegamos à Madeira.


Contudo, a verdadeira raiz do mal está nos trabalhadores da administração pública central e local. Donde todos verem com bons olhos o ataque, o serem considerados como o principal alvo das políticas governamentais. Primeiro, começaram por congelar os salários e retirar abonos. Depois, promoveram a redução as remunerações auferidas. A seguir ou quase concomitantemente lançaram um amplo programa de eliminação de trabalhadores da administração pública.


Os resultados começam a aparecer (apesar de pouco, muito pouco, terem influenciado o défice). O Boletim do Observatório do Emprego Público, hoje publicado, relata que no último ano o Estado reduziu em 16.054 funcionários, sendo que mais de 73% da redução ocorreu no segundo semestre de 2010.


 Nesta senda, o governo acaba de anunciar como objectivo imediato reduzir em 35% o número de Vereadores e em 31% o número de Vereadores a tempo inteiro. No que respeita ao pessoal dirigente o governo propõe-se diminuir em 52% o número de dirigentes, nada dizendo quanto à aplicação da regra de apenas entrar um por cada três (ou cinco?) que saiam.


Mas o primeiro ministro também anunciou, sem quantificar, a redução do número de freguesias e de municípios. A parte mais notável das declarações do primeiro ministro reporta-se à desejada extinção de um sem número de empresas municipais. A este propósito disse que apenas será permitida a existência de empresas municipais que tenham comprovada a utilidade pública e sustentabilidade financeira.


Ora, todas têm utilidade pública, na medida em que o seu objecto consiste em assegurar uma parcela das competências da autarquia. Sustentabilidade financeira, em princípio, também todas devem ter porque o acto da sua criação passou pela realização de um estudo de viabilidade económico-finmanceira, documento submetido à apreciação do Tribunal de Contas, como condição prévia à constituição da respectiva empresa. Posto isto, nem se entende bem o que pretendem para o sector empresarial local.


Quanto ao mais, o costume. Dizem que vão rever a Lei das finanças Locais com o objectivo de sempre: Libertar o financiamento das autarquias das receitas urbanísticas e restringir a capacidade de endividamento. E com o resultado de sempre: Receitas imobiliárias cada vez mais significavas e endividamento sempre a subir.


Entretanto, as manchetes e as conversas, como esta, ocupam-se destas coisas menores, que de modo algum contribuirão, significativamente, para a redução do défice, enquanto os senhores das Parcerias público Privadas continuam a facturar e os malfeitores do BPN, BPP e de outros buracos maiores pernoitam, silenciosamente, na companhia de outros poderes instituídos, sem serem acordados pela justiça ou pelos jornalistas levados pelo movimento factual que diariamente lhes servem.

Pág. 1/5