Leituras (4)
Martins, João Pedro. 2011. Suite 605. Lisboa: Associação Editorial Nexo Literário.
Do Prefácio
Os paraísos fiscais, comummente chamados de offshores, são aparentemente ignorados nos debates políticos, são esquecidos nas análises económicas, são, quando muito, no mundo do bem comportado científica e politicamente que nos afoga, glaciares flutuantes analisados apenas pela minúscula zona visível. É como se não existissem ou fossem socialmente irrelevantes.
No entanto é exatamente o contrário. Quando em 2004 caracterizei economicamente a globalização, fase do capitalismo iniciada nos anos oitenta do século passado, chamei a atenção que a financiarização da economia (isto é, a esmagadora importância do capital-dinheiro em relação ao capital-industrial, a sua livre circulação à escala mundial, o volume de transações nos mercados financeiros, oficiais ou não, o peso esmagador do capital fictício, desligado de qualquer atividade produtiva) e o crescimento da economia paralela (isto é, da economia não registada porque constitui uma fuga às obrigações fiscais, economia subterrânea, e porque são atividades ilegais, economia ilegal) são partes indissolúveis de um mesmo processo de reprodução da sociedade atual. Reprodução que tem conduzido a um brutal agravamento das desigualdades sociais, a uma subalternização social e ética do Homem.
Neste processo, os offshores funcionam como placa giratória entre o legal e o ilegal e, reciprocamente, entre o compromisso fiscal e a sua fuga, entre a democracia e o império obscuro do branqueamento de capitais, entre a apregoada “responsabilidade social das empresas” e o esmagamento do direito à dignidade dos povos.
É tão visível a ignomínia quando sabemos olhar para ela que os Estados e as instituições internacionais têm de usar toda a sua hipocrisia: fazer declarações de inquietude e de desagrado enquanto multiplicam as “praças financeiras” e reforçam as suas funções e o seu sigilo.
Olhar para esta realidade tétrica, mostrar a sua perversa função actual, contribuir para uma opinião pública mais esclarecida sobre o assunto tem sido uma das preocupações de João Pedro Martins. Uma revelação do seu empenhamento cívico, que todos devemos agradecer, até porque fazê-lo exige coragem e abnegação.
Incidir agora a sua análise no offshore da Madeira é de grande oportunidade política, pois grande parte dos problemas sociais com que a União Europeia se debate, a “crise da dívida pública”, é a expressão da possibilidade dos defraudadores de hoje serem os credores de amanhã.
A autoimagem que temos de nós próprios leva, por vezes, a aceitar a afirmação de que o “offshore da Madeira é diferente dos outros”. Pura fantasia política para enganar tolos. É parte do sistema mundial de desresponsabilização social, fraude e branqueamento de capitais. Algo que existe sem vantagens para a economia portuguesa, antes pelo contrário. Algo que nem impacto tem sobre o desenvolvimento regional do arquipélago.
Estou certo que depois da leitura deste livro muito do que nos rodeia surgir-nos-á mais claro.
Pergunta e resposta
Por debaixo do título do livro, acima indicado, pode-se ler esta explicação sobre o conteúdo: “História secreta de centenas de empresas que cabem numa sala de 100 m2”.
Poderão, então, perguntar: “Para que me interessa saber a história dessas empresas, muitas delas fantasma?”
A resposta é simples: “Interessa-lhe porque elucida um pouco a crise em que estamos e explica porque razão você e eu pagamos mais impostos do que seria fiscalmente justo.”