Na edição de Fevereiro da revista "Repórter do Marão", publico um artigo de opinião sobre a crise em que estamos mergulhados e a forma como o Governo e a União Europeia estão a lidar com ela:
"Portugal iniciou 2012 debaixo de uma forte depressão. O Orçamento do Estado já tinha balizado os enormes sacrifícios que estão a ser pedidos aos portugueses, mas a realidade é sempre pior do que aquilo que se anuncia.
As fortes medidas de austeridade, a subida de impostos, o endividamento do Estado, a escassez de crédito, a crise do euro, a subida galopante dos juros da dívida pública, os mercados virados do avesso, tudo junto faz a receita ideal para uma contracção económica como há décadas não se vivia.
Em consequência desta negra realidade tem-se assistido a uma quebra significativa da produção industrial e do consumo, com a consequente destruição de emprego e do rendimento disponível. Os bancos, que já se tinham sacrificado no altar da dívida pública, foram obrigados a repor os níveis de capitais próprios e deixaram de ter dinheiro para emprestar às empresas. O número de falências e insolvências disparou em Portugal e a tendência deve agravar-se nos próximos meses. De tal modo que o Governo sentiu a necessidade de criar o programa “Revitalizar” para acudir às empresas em dificuldades e que manifestem junto do tribunal o propósito de recuperação.
Os portugueses interrogam-se para onde vai o seu país e questionam, justamente, se tanta austeridade vale a pena, já que a confiança em quem nos governa tem diminuído a cada dia que passa. O executivo de Passos Coelho tornou-se em alguns aspectos mais “troikista” que a troika. Neste momento vemos que são os representantes do FMI que defendem um travão na austeridade, pois já perceberam que as medidas implementadas não favorecem o crescimento económico. E sem esse crescimento não haverá criação de emprego e o país terá mais dificuldades para satisfazer os compromissos com os credores internacionais.
Como se a nossa realidade não fosse já suficientemente complexa, a Europa está também ela mergulhada numa crise profunda, que se estende às suas lideranças e contamina o próprio projecto europeu. A dupla “Merkozy” tem preferido combinar entre si o caminho a seguir, mas o que é certo é que as soluções encontradas não foram suficientes para colocar as economias mais frágeis do euro a salvo da cobiça dos mercados. A resposta titubeante e por vezes tardia aos problemas da Grécia, da Irlanda e de Portugal não impediu que Espanha e Itália ficassem na mira dos especuladores, o que assustou sobremaneira os líderes da zona euro.
É fundamental, pois, que a Europa crie mecanismos que possam auxiliar directamente os países necessitados. O Banco Central Europeu deve assumir-se como um aliado desses países, deitando mão dos instrumentos adequados, sejam os títulos de dívida pública – as famosas eurobonds – ou outros. É inaceitável ver os mercados escolherem como alvo as economias mais debilitadas, apostando no respectivo incumprimento, com o consequente aumento dos juros da dívida, enquanto se sucedem cimeiras europeias em que os dirigentes dos vários países se ocupam em discussões estéreis e parecem não perceber o que os rodeia.
Na ausência de uma estratégia concertada a nível europeu, discute-se no momento em que escrevo um novo plano de ajuda à Grécia e especula-se se Portugal precisará ou não de reforçar o pedido de assistência externa. A Europa continua a preferir pescar à linha, como se vê.
No que nos diz respeito, Portugal terá de cumprir os compromissos enunciados no memorando com a troika – e só esses – e manifestar convictamente tal propósito perante os seus parceiros. Com o decurso do ano se verá como evolui a economia nacional e a execução orçamental e só então se conseguirá perspectivar se é viável Portugal voltar aos mercados para se financiar já em 2013.
Sabe-se, porém, que a larga maioria dos economistas não acredita nessa possibilidade e aposta que será necessário introduzir alterações ao programa de assistência financeira, prolongando-o no tempo e reforçando o valor do empréstimo concedido. Penso o mesmo e nisso estou acompanhado pelo ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, como se viu há dias na reunião do Eurogrupo.
Curioso será ver Passos Coelho teimar e persistir até ao fim que não precisará de mais ajuda externa. Até não poder mais. Tal como Sócrates foi acusado de negar até ao fim a necessidade de recorrer à assistência da troika…".