Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Folhetins da riqueza e da pobreza (1)

sociodialetica, 15.06.12

Pontos de partida

 

1. Partamos de três hipóteses que podem ser provadas, mas que dispensamos de o fazer:

  1. Produzir é criar valor novo, é aumentar a massa do rendimento existente. Criar valor novo exige a realização de trabalho humano. Claro que na atividade produtiva não basta trabalho, tem de haver máquinas e equipamentos, matérias-primas, energia e organização. Todos estes recursos produtivos são importantes, todos estes recursos produtivos permitem que uns produzam mais do que outros e que, mesmo criando a mesma quantidade de valor novo se apropriem de mais ou menos do que os outros, utilizando para tal a concorrência, os preços. Esse valor novo depois de produzido é repartido (salários e honorários, lucros das empresas, juros, rendas, impostos, etc.) e utilizado (para aumentar a produção, para consumir, para doar, etc.).
  2. A sociedade não é homogénea, antes pelo contrário. Uns nascem em berço de ouro e terão tudo toda a vida sem necessitarem de trabalhar e outros trabalham duro toda a vida e não têm o que necessitam para tratar adequadamente da saúde, da educação, da habitação, da própria sobrevivência quotidiana. Chamemos a essas diversas camadas grupos sociais. Muitos dos comportamentos desses grupos sociais podem ser convergentes (ex. promoção da cultura, democratização do ensino, defesa das liberdades formais, etc.) e outros nunca o poderão, porque o que é bom para uns pode ser mau para outros (ex. liberdade material, aumento das diferenças na distribuição do rendimento, influência na atividade política, etc.). Há grupos sociais que têm características próximas de outros, há grupos que são radicalmente diferentes. Se falarmos em termos estritamente económicos podemos dizer que esses grupos são classes sociais. Se incluirmos nesta designação a autoconsciência da sua posição na sociedade, do que os diferencia e do que os aproxima, então muitos grupos sociais não chegam a ser classes sociais. Entre o grupo e a classe entrepõe-se a organização política e ideológica, a força dos meios de comunicação.
  3. A sociedade em que vivemos é capitalista, tendo definido os seus contornos modernos com a revolução industrial inglesa que progressivamente se espalhou por todo o mundo. Uns são proprietários de riqueza, de terras, de fábricas, de serviços, de títulos da bolsa, outros não têm nenhuma propriedade. Entre estes dois extremos há várias intensidades de propriedade. Propriedade é poder de múltiplas formas, desde maiores possibilidades de educação e a integração em redes sociais de elites, desde controlar a produção de coisas decisivas para as populações até terem maiores possibilidades de influenciar a forma como as pessoas em geral pensam, nomeadamente via meios de informação. Há pessoas que conseguem furar individual esta forma de organização fortemente hierarquizada, há muitas formas e processos de alterar a correlação de forças sociais, mas grosso modo poder económico, mais propriedade, e mais nevrálgicas, significa maior possibilidade de influenciar as opções culturais, as ideias que circulam e aquelas que nunca circulam, de fazer opinião pública, de “encostar a faca ao pescoço” dos interesses coletivos, de pertencer a uma elite que partilha entre si o poder político. Por palavras simples, de uma forma estrutural e global o poder económico influencia decisivamente e controla a atividade política e ideológica da sociedade. A democracia altera a forma como tal se processa (por exemplo, em vez da censura ou da proibição de divulgação de “ideias subversivas” organiza-se de certo modo os meios de informação e quase se silencia as leituras diferentes do “politicamente correto”.

2. É partindo destas premissas que vamos fazer uma incursão histórica sobre diversas formas assumidas ao longo dos anos o que podemos designar pela luta entre a vontade de aumentar a apropriação do valor novo por parte dos proprietários da riqueza e dos meios de produção (entenda-se, da grande riqueza e dos grandes meios de negócio) e as dificuldades com que se defrontam. Conflito entre querer ganhar mais e isso exigir ganhar menos do que desejariam. Conflito que desemboca em novas formas de organização do capitalismo, isto é, da sociedade em que vivemos. Incursão histórica que poderá ajudar a entender melhor a situação que atualmente vivemos.

 

 

Salários: custo e mercado

 

3. O primeiro conflito resulta do simples facto de que o aumento dos salários da generalidade dos trabalhadores por conta de outrem faz diminuir os lucros, mantendo-se tudo o resto constante. Assim sendo, e pretendendo os proprietários de empresas terem o maior lucro possível dentro das estratégias que definiram, o mais conveniente seria diminuir os salários. E como podem diminuir os salários? Uma forma é diminuir o montante pago em remunerações, não podendo ir abaixo do que é estritamente necessário para a sobrevivência e reprodução biológica no quadro de uma determinada sociedade. Admitindo que os trabalhadores não estão disponíveis para “solução” surgem diferentes formas de luta e embora os empresários tenham sempre mais força que os seus opositores, o que ganham por uma lado (pagando menos) perdem por outro, pelo menos em parte (greves, instabilidade organizativa, ausência de uma cultura de empresa, etc.). Então, como foi recomendado frequentemente, uma alternativa é através do aumento dos preços, aquilo que frequentemente se designa por inflação. Eis maneiras eficientes de diminuir o salário.

Surge uma dificuldade. Ter lucros não é só produzir mercadorias, sejam elas bens materiais ou serviços, é preciso vendê-las. Estando demonstrada a impossibilidade de só se produzir e vender bens de luxo, se diminuem os salários da generalidade dos trabalhadores por conta de outrem (e profissões liberais), grande maioria da população, estão a diminuir o seu mercado, isto é, a restringir as possibilidades de efetivamente terem lucros expressos em moeda.

“Preso por ter cão e presos por não o ter”. Um dilema, que poderia o bom senso tentar resolver dizendo uma frase sábia: “é preciso encontrar o equilíbrio, é nas opções intermédias que está a sensatez”. Afirmação que morre à nascença porque os capitalistas não raciocinam coletivamente. Raciocinam e atuam individualmente, num processo de concorrência dentro do sector, no país ou à escala mundial, mesmo entre sectores, procurando diversificar as atividades e aproveitar o que é mais rentável. Mas há sempre uma saída, um caminho que agrada a quem tem o poder económico e capacidade de levar à prática as grandes inovações.

A história mostrou duas saídas. Uma primeira é frequentemente atribuída a Ford: “salários mais altos e maior produtividade”. Por um lado aumenta-se estrondosamente a produtividade do sector industrial (ex. produção em cadeia, automação), o que permite que os lucros aumentem mesmo com a manutenção dos salários. Por outro lado o aumento da produtividade diminui os preços das mercadorias pelo que com os mesmos salários os trabalhadores podem melhorar o seu poder aquisitivo. Por outro estão criadas as condições para se poder também aumentar os salários nominais porque o aumento dos lucros permite isso. e assim se alarga o seu próprio mercado, criando poder de compra para absorver os bens que são postos à venda.

Façamos um parêntesis. Do que foi disto não se pode deduzir que só se pode aumentar os salários se houver um aumento da produtividade. Essa afirmação não é uma constatação empírica, é um juízo normativo: para se mantarem os lucros, para se manter a mesma carga tributária sobre as empresas e admitindo que tudo o resto se mantem constante só um aumento da produtividade permite um aumento dos salários. Uma normatividade que muitas vezes não se verifica, como muitos testes econométricos o demonstram. Além disso a relação entre produtividade e salários não é só daquela para estes. Também há a relação inversa: em algumas situações históricas foram os salários mais elevados que geraram desenvolvimento. Estes estimularam o aumento da produtividade, estimularam a utilização de mão-de-obra mais qualificada, estimularam a inovação.

Mas não se fica por aí as possibilidades de resolver o conflito. Infelizmente as empresas precisam dos trabalhadores, pensarão muitos que olham para as suas empresas não como um espaço social mas como um “porquinho de capitalização”. Ainda não há robots que não comem, não precisam de habitação, não têm ambições educativas e culturais e para se reproduzirem não precisam de sexo. E o tal desenvolvimento tecnológico exige trabalhadores mais qualificados, com mais educação. E a educação para além de conhecimentos transmite conceções de dignidade, de leitura da sociedade, de acesso a conhecimentos científicos “subversivos”. E se sempre que vão para o desemprego correm o risco a morrerem de fome pode gerar-se escassez de braços e cérebros para trabalhar, sobretudo em épocas em que os negócios correm às mil maravilhas. E se estão doentes, não se correrá também esse risco? Se precisam de trabalhadores que não morrem quando estão no desemprego, que se podem tratar e educar, só parece haver uma hipótese: pagar salários que permitam eles precaverem-se nessas fases funestas, que possam aprender e melhoras as suas capacidades. A não ser que… é verdade, há outra saída, ser o Estado a tratar disso: educação pública, assistência pública na doença, um conjunto de serviços pagos pelo Estado. Dessa forma poder-se-ia conseguir pagar menos salários, mesmo que uma parte desse valor retido tenha que ser gasto em impostos.

E assim se foi fazendo muitos anos. O que se designa frequentemente por Estado-Providência é o resultado de três movimentos totalmente diferentes, é uma “unidade na ação” de forças antagónicas. Por um lado esse expediente é uma forma de cada empresa pagar menos salários e de uma parte dos encargos com essas atividades ser suportada pelos próprios trabalhadores por conta de outrem. Por um outro corresponde às exigências desses mesmos trabalhadores, é um pequeno resultado da sua luta por uma vida mais digna, lembrando que são cidadãos e não mão-de-obra. Este seria um filme a ser contado noutras histórias, em que se constataria que o chamado Estado Previdência foi a expressão política da afirmação do individualismo, fundamental para a própria expansão do capitalismo.

Retomando o nosso fio da miada e resumindo o que dissemos aqui estamos num dilema: aumentar ou diminuir lucros? Melhor, como conciliar reduzir salários e aumentar as vendas? Este é o primeiro conflito, tanto mais grave quanto estamos num capitalismo em que o seu núcleo central é a indústria, em que o crescimento e desenvolvimento económico passam fortemente pela expansão do mercado interno.

 

4. Como esta conversa já vai longa. Na próxima procuraremos referir o problema do abastecimento de matérias-primas.

Au Bonheur des Dames 321

d'oliveira, 14.06.12

 

 

 

 

 

L’amour, toujours l’amour .....

 

"le plus souvent ce qu’on prend chez une femme pour de la jalousie, c’est de la rivalité"

 Anatole France, Le jardin d’Epicure


 

 

Sou um francófilo da velha guarda. Nasci e cresci num tempo e num ambiente em que a França, a sua cultura, a sua política, o seu charme faisaient le beau et le mauvais temps.

 

A primeira vez que cheguei a Paris, até as ruas me pareciam conhecidas. Ou, pelo menos os seus nomes. Por aqui tinham vivido os três mosqueteiros, por ali tinham-se erguido as barricadas.

 

Quando andava na faculdade, o meu luxo era comprar o “Monde”, raras vezes “l’expres”. Quando queria saber alguma coisa era dos pequenos manuais da “que sais je?” que me servia e li muita da melhor literatura nos “poche” fossem eles os verdadeiros ou todas as outras edições baratas que se lhes seguiram.

 

Quando posso, ala que se faz tarde: Paris, sempre Saint Germain des Prés, o pequeno hotel acolhedor, os bistrots que frequento há quarenta anos, as livrarias de toda a vida, a começar pela velha Gibert na esquina da r. de l’école de Medicine e do bd de Saint Michel. Se tivesse dinheiro habitaria (oh sonho antigo e impossível!) num apartamento da r. Medicis, em frente ao Luxemburgo (para apanhar o sol da tarde!). E tomo como uma ofensa pessoal o encerramento de um restaurante (e já lá vão alguns ou de uma livraria e já lá vai mais de uma dúzia.

 

Sei que estou fora de moda (démodé) mas antes isso do que fazer a triste figura de certas personalidades locais que só se lembram da França quando uma eleição lhes traz algum eventual aliado.

 

Não se admirarão os leitores se por estas simples razões me tenha debruçado (e divertido, cela va de soi) com a escaramuça entre as (actual e a antiga) companheiras de François Hollande.

 

Admitindo como provável que uma boa parte dos que me aturam desconheça as linhas gerais deste fait divers aqui vão alguns dados e a história toda.

 

Ségolene Royal foi durante muitos anos a companheira de Hollande, actual Presidente da República, é mãe dos seus quatro filhos, foi, também ela, candidata ao mesmo lugar, foi presidente de uma importante região, enfim é o que se chama une femme comblée. E ambiciosa. Resolveu, por isso – e foi apoiada pela direcção nacional do PS – candidatar-se por uma das circunscrições de La Rochelle, cidade em que imperava o socialista Olivier Falorni que, amigo de longa data de hollande, estaria disposto a aceitar que a “sua” circunscrição fosse confiada a uma mulher desde que ele a escolhesse e se apresentasse como seu substituto. Todavia, não foi essa a decisão e Mme  Royal foi “paraquedistada” (chamam-se paraquedistas os candidatos sem ligação alguma ao meio por que esperam ser eleitos. Trata-se normalmente de protegidos da Direcção Nacional do Partido, a quem convém assegurar um local seguro para serem eleitos).

 

O senhor Falorni, entendeu que andavam a gozá-lo e apresentou-se à eleição e conseguiu para já tornar mais do que problemática  a eleição de Ségoléne.

 

Ségoléne que, entretanto, anunciara já a intenção de se candidatar à Presidência da Assembleia Nacional desde que o povo, o bom povo de La Rochelle (la belle et rebelle!...) lhe deszse “a imensa honra” de a eleger.

 

É evidente que todo o PS oficial apoia Royal e ataca Falorni que até já terá sido expulso.

 

Todo? Nem por isso.

 

A actual companheira de Hollande, Valerie Trierweiler entendeu “twitar” um claro apoio a Falorni, declarando que há anos que ele se bate desinteressadamente por La Rochelle.

 

Boum! Zás, catrapáz! Pimba!   

 

Em meia dúzia de palavras, a senhora Trierweiler embaraça (e de que maneira!) o namorado, põe em polvorosa o PS, dá uma estocada eventualmente mortal ( toque de Lagardére, se alguém ainda se lembra) na anterior companheira do Presidente e poderá mesmo ter tornado as hipóteses de Falorni ainda maiores.

 

É que são raras as vezes em que os eleitores se resignam a aceitar submissamente os candidatos que lhes são impostos. Depois, com que delicia não votarão em Falorni todos os eleitores de direita? A simples ideia de pôr o Presidente em dificuldade, de contrariar o PS que avança em boa velocidade para a maioria absoluta deve soar como um hino aos ouvidos de muito rochelês.

 

A França sempre teve, nestas coisas de política, um subtil odore di femina. Um dos mais inoperantes presidentes da República, o sr Félix Faure, tornou-se uma espécie de herói popular ao morrer nos braços da amante, em pleno palácio do Eliseu. Mort au champ de l’honneur! Se porventura tivesse sobrevivido teria a eleição assegurada por muitos anos e ainda hoje é recordado com simpatia e admiração por muito cidadão francês.

 

Desde os temps longínquos de Dianne de Poitiers, até às aventuras extra-conjugais de Mitterrand, a política francesa teve sempre, na penumbra indiscreta uma mulher (ou várias, basta lembrar Luis XIV) poderosa que, de algum modo garantia as virtudes afrodisíacas do poder. Algumas, justa ou injustamente, pagaram com a cabeça (Maria Antonieta de Aústria)  essa demasiada proximidade com quem manda.

 

Neste século que começa, com os ilimitados meios que um simples computador permite, verifica-se que uma twitadela, que é tudo menos um descuido, pode provocar uma pequena revolução. Ou uma gargalhada. 

A vous de choisir.

 

*na gravura  Dianne de Poitiers

 

 

 

estes dias que passam 277

d'oliveira, 10.06.12

Deus não dorme

 

 

 

Mesmo que o autor do folhetim seja pouco dado a títulos deste género; mesmo que, no caso, Deus deveria estar fora destas elucubrações humanas, demasiado humanas; mesmo que, finalmente, seja permitido pensar que são as mulheres e os homens franceses quem ao votar decidem da sorte de um par de personalidades, convenhamos que a derrota do sr Melenchon e a quase certa derrota do sr Bayrou são notícias reconfortantes para quem está farto de assistir aos caprichosos saltos de humor e de orientação política destes dois cavalheiros.

 

Em ambos, basta ver o que disseram, há a ideia de que são eles os detentores da razão e que os eleitores, essas crianças grandes, não os compreendem. E não os compreendendo, erram.

 

Bayrou, homem que ninguém de bom senso confunde com a Esquerda, veio dizer que os “seus” (os “seus”!...) eleitores não perceberam o seu voto em Hollande à 2ª volta das presidenciais! Claro que não perceberam! E, sobretudo, não perdoaram! Como se vê.

 

O sr Melenchon, de ziguezagueante percurso pelos labirintos da esquerda gaulesa, foi radicalmente afastado da 2ª volta na circunscrição para onde se atirou. A criatura deveria pensar que a sua augusta presença seria suficiente para derrotar vergonhosamente Marine Le Pen, e afastar sem mais rodeios a candidatura socialista. Melenchon que tem mais ego do que é recomendável a um cavalheiro de Esquerda não percebeu nunca que o eleitorado lhe é desfavorável. Todo o eleitorado, ou pelo menos a grande maioria dele. Todavia, para este género de criaturas que se crêem ungidas do Senhor, o eleitorado é uma abstracção servil e domesticável.

 

Porém, o seu discurso de reconhecimento da derrota é significativo. O seu movimento teve um ganho líquido de mil votos (em relação ás presidenciais...) enquanto a “outra força de esquerda” (sic) perdia oito mil vozes. Mesmo assim, essa “outra” e eventualmente anónima força vai tentar derrotar Marine Le Pen. Será difícil mesmo que os eleitores de Melenchon transfiram totalmente os seus votos para o PS. A dinâmica de vitória da extrema direita (FN) vai seguramente funcionar. Só um milagre deterá a senhora Le Pen.

 

Pessoalmente, não tenho nenhum gosto em a ver na Assembleia Nacional mas também me parece surpreendente que um partido creditado com 14% dos votos expressos não entre no areópago. Será que a democracia ganha com a falta desta gente? Será que o facto de não estar no órgão legislativo melhora a eficácia deste’? A verdade é que desde há vinte anos que o Parlamento francês não vê um deputado da FN.

 

Pessoalmente prefiro ver a Direita Radical no Parlamento do que num sótão a conspirar e a fabricar bombas.

 

Os resultados desta 1ª volta são coerentes com os da votação presidencial. A Esquerda progride, tem a maioria absoluta ao seu alcance e, no pior dos cenários o PS terá de se aliar aos verdes e aos escombros do partido do sr Melenchon (que, espera-se, estará em retiro prolongado a tentar perceber a ingratidão dos franceses). A Direita poderá aprender (mas duvida-se que o faça) as razões por que o povo eleitor a castiga de modo tão violento. E pode começar a procurar alguém banalmente normal (como Hollande) para corrigir o efeito tonitruante de Sarkozy, Já nem me lembrava de ver um presidente francês não repetir o mandato. Que lição.

 

Ai como gosto de eleições!

 

E de Deus quando tem insónias!

 

 

 

Santo Condestável em bolandas na toponímia portuense

José Carlos Pereira, 08.06.12

A experiência que tenho vivido enquanto membro da Comissão Municipal de Toponímia de Marco de Canaveses já me permitiu comprovar as dificuldades que se colocam para definir regras orientadoras que balizem e enquadrem as propostas que chegam à Câmara Municipal. E então num município onde durante décadas imperou o livre arbítrio nesta matéria, isso ainda se torna mais notório. Igualmente delicada é a substituição de topónimos já consolidados, situação que causa sempre desconforto e é mal recebida pelos residentes nesses locais.

Ao que se lê, a Câmara do Porto anda agora muito preocupada com as matérias da toponímia e tem feito disso ponto central das suas últimas discussões. Na reunião desta semana, foram aprovadas duas (!) propostas para atribuir o nome do Rei D. Pedro IV à toponímia da cidade – uma ao actual Largo da Lapa, que seria reformulado segundo a proposta do PS, e outra à futura via que ligará a Praça do Império à Avenida da Boavista, de acordo com a proposta da maioria PSD/CDS. Aguarda-se pelo excitante desempate!

Sucede que essa via, há tantos anos adiada e cujo projecto estará próximo do fim, segundo adiantou Rui Rio, estava há muito “baptizada” como Via Nun’Álvares, pelo que o presidente da Câmara propôs que o nome do Santo Condestável fosse atribuído à Via de Cintura Interna (VCI), na área que atravessa a cidade. Ora, esta proposta é absolutamente disparatada.

Os portuenses conhecem a Via de Cintura Interna por esse nome, mais até pela sigla VCI, desconhecendo a maior parte deles que a mesma tem a designação oficial no plano de estradas nacional de A20 (entre a ponte do Freixo e o nó de Francos) e de A28 (no troço entre o nó de Francos e a ponte da Arrábida). Acrescentar-lhe agora o topónimo de Via Nun’Álvares será o mesmo que nada. A VCI será sempre a VCI e o nome de Nun’Álvares ficará escondido numa qualquer placa na berma da estrada.

Espera-se que a Comissão de Toponímia da autarquia traga ponderação e bom senso a esta discussão…

Estes dias que passam 276

d'oliveira, 08.06.12

 

 

 

 

 

 

Retratos da desordem corrente

 

 

 

1 Uns centos ou uns milhares de pássaros nascidos e a nascer numa zona protegida vão morrer à míngua de água. Parece que a que há apenas chega para regar o campo de golf vizinho. É no maravilhoso Alllgarve alarve. O jornal Público parece ser o único a dar a cara pela bicharada. No caso uma área especificamente protegida, a lagoa dos Salgados em Albufeira. Que sempre foi local de nidificação de aves peregrinas. E que, mesmo nos anos maus, recebendo águas poluídas, lá ia cumprindo a “lei do Senhor”, ou seja permitir que a passarada crescesse e se multiplicasse.

 

Depois, ao que dizem, construíram uma ETAR cujas águas tratadas iriam regar um terreno de voo de uns estranhos bichos chamados bolas de golf. Dos restos ainda se arranjava água para a lagoa.

 

Agora, nem por isso. A aguinha que há é para meia dúzia de pimpões se passearem entre verdes vertiginosos e, do outro lado, entre desertos sequiosos. As excelentíssimas autoridades sacodem a água (sempre ela!) do capote e juram que a razão está do lado dos golfistas e dos que fazem vidinha a ganhar com a vinda deles. Portugal pode ser uma merda mas em campos de golfe (e de futebol, lembram-se?) ninguém nos bate!

E que o golf está licenciado e que isto e que aquilo. 

A passarada não está licenciada. São emigrantes sazonais e clandestinos. Só cá vêm comer e parir. Não trazem divisas mas também não roubam ninguém. enfim, pedem água q.b. e que nãos chateiem. 

 

Ora aqui estava uma boa altura para o senhor mistro Relvas intervir. E já agora para os ex-espiões darem uma ajudinha regando a lagoa. Com o que têm regado nos processos, fazia-se ali um lago, um mar, um oceano.

 

 

 

2 Mais a norte, especificamente no Tua, rio que não deve dizer nada a quem tem menos de quarenta anos e não teve (coitadinho!...) de ser obrigado a estudar os rios e as montanhas pátrias, andam a fazer uma barragem totalmente desnecessária. Há capacidade instalada a mais, há obras previstas para outras barragens, e nada, absolutamente nada, excepto a ganância de umas produtoras eléctricas que pactuaram com os Governos anteriores uns contratos leoninos, recomenda mais monstruosidades.

 

A senhora Ministra Cristas acha que aquilo é mau mas parece que se defende jurando não ter dinheiro para parar as obras. No meio de tudo isto paira a ameaça de o Douro perder o estatuto mundial que tem.

 

Eu, que nunca levei a sério, aquele Ministro Carrilho ainda me lembro dele ter parado tudo o que se ia fazer no Côa. Mesmo tendo em linha de conta que nenhum dos pressupostos económicos e de progresso regional se tenham sequer começado a realizar.

 

No Tua para além do crime paisagístico, não há garantia alguma que a riqueza nacional aumente sequer meio euro furado. E há a forte probabilidade de ferir de morte o património mundial atribuído ao rio principal, o Douro (esta é apenas para quem não estudou porque alguém sempre bondoso e progressista entendeu que as criancinhas não devem decorar ou aprender os nomes dos rios, os afluentes e outras minúcias do mesmo teor, criando assim com mais outros pozinhos de eduquês, a geração mais inculta e impreparada de que há memória).

 

 

 

3 Numa revisteca de mais que duvidoso interesse aparece, na capa, uma fotografia do Mercado do Bolhão (Porto) de um prédio onde um enorme grafiti assevera “Rio és um fdp”.  Acontece que tal grafiti, no dizer camarário e, sobretudo, no dizer de um ror de testemunhas, nunca existiu. Tratar-se-á de uma fotomontagem.

 

A revisteca vive de anunciar a troco de algum cacau, supõe-se, um par de bizarrias e negociatas citadinas e é distribuída nos espaços municipais. A Câmara anunciou que a vai processar. O inteligente director da revista afirma, na sua esquálida e imbecil defesa, que “Rio” é um substantivo e “fdp” três letras! Alguns inteligentes leitores do “público on line” sugeriam que fdp seria algo como “franco defensor do Porto” o que, como ironia, parece ser um pouco menos que medíocre.

 

Eu não gosto de Rui Rio. Nunca o votei e, aqui mesmo, já lhe mandei umas pazadas. Todavia, ver uma revista, que só existe pelos favores autárquicos e institucionais, falsificar uma inscrição paqrece-me uma ratazanice canalha que se avoluma com a defesa do senhor Leitão, director da dita publicação. Sobretudo por só agora, no fim do mandato de Rio, se atrever à facécia. A cobardia tem muitas faces e esta é uma das mais odiosas.

 

4 A jornalista Maria José Oliveira (a do caso Relvas) abandonou o “Público”. Não a conheço de lado nenhum mas, se na sua decisão pesou a contra-ofensiva do homem forte do PPD, estou a seu lado.

 

5 O jornalista Nuno Simas que foi alvo de uma abjecta investigação dos serviços secretos e de uma intolerável escuta telefónica, é actualmente dirigente da LUSA. Alguém pôs a correr que o é por influências de gente ligada aos mesmos serviços, ou a Relvas ou a qualquer poder oculto. Até à data apenas se conhece um “comunicado de repúdio” da gentinha da Lusa que nada diz sobre a substância da acusação. Será que eles acham que nós não merecemos saber, ou, pior, que pensam que com o repúdio tolo nos desviam a atenção? Ou anda alguém a querer tramar o Simas?

 

 

 

PS Amanhã há futebol. Será que a nossa triste condição melhora com uma vitória? E que isto vai tudo para o charco com uma derrota? Se Portugal (enfim a selecção portuguesa) perder pedirão a cabeça de Passos coelho (tirado da cartola de quem nós sabemos)? E se ganharmos, alguém oferecerá a cabeça de Seguro numa bandeja?

 

 

Até o futebol… nos desampara

JSC, 05.06.12

 

Até no futebol as coisas não vão bem. Não é que a crise que se abateu sobre a selecção tenha alguma coisa a ver com a crise que se abateu sobre o país.


 Não sobre o país todo, porque há uma minoria que não pára de aumentar  a sua fortuna. Fazem jus ao princípio de que a crise é uma oportunidade…

No futebol, a crise é de outra natureza. É uma crise de excessos e excesso de dinheiro. Claro que também não no futebol todo. Mas a selecção é o expoente dessa crise. Manuel José, que sabe de futebóis há muitos anos, olha para a selecção como um circo, um circo de vaidades, de penteados vistosos, de carros poucos vistos e charretes.


Os jogadores esgotam-se nas tarefas sociais, em protocolos mais ou menos oportunistas, a fingir patriotismo, mesmo quando o patriotismo também já não é o que era, como disse o Ministro Relvas. Mas os jogadores também se cansam nos cabeleireiros, nos tatuadores e distraem-se a acenar para o povo, que os inveja, aplaude e insulta.


Depois, quando entram em campo não esquecem a imagem que acabaram de compor em frente ao espelho. Grande é a preocupação com a imagem que querem passar. A bola é o acessório que serve para compor a imagem.


Até pode ser que as coisas corram bem ou razoavelmente bem. Pode ser. A verdade é que tem tudo para correr mal. E quando assim é, corre mal de certeza.


De qualquer modo, para os jogadores o impacto é quase o mesmo. No final, seja qual for o desfecho, cada um vai para o seu clube ou até muda de clube. É neste particular que Jogadores da selecção e políticos se encontram. Uns e outros, no fim do jogo, têm assegurado continuar a jogar e, com alguma engenharia, até podem subir de patamar. Conclusão, a selecção pode perder. Os membros da equipa sairão sempre a ganhar. Tal como os do governo pátrio.

Um País que já não se reconhece nem encaixa no modelo económico adoptado

JSC, 04.06.12

 

O Ministro das Finanças acaba de anunciar que "a nossa economia está a revelar recuperação notável", afirmação desmentida pelo progressivo crescimento da taxa de desemprego e de falências singulares.

 

Também ouvi, hoje, na TVI, Miguel Relvas dizer que os nossos jovens já perderam o sentido da pátria e que até já nem sentem saudade quando vão trabalhar para o estrangeiro, no caso parece que se referia a Moçambique. Na mesma reportagem, o Secretário de Estado do Emprego recusava a palavra emigração que substituía pelo “exercício do direito à mobilidade”. Afinal de contas o êxodo não é mais do que o exercício da mobilidade.


 Tudo isto no mesmo dia em que Passos Coelho aproveitou a janela de oportunidade, aberta por António Borges, para garantir que não estava a pensar em nenhuma redução de salários, até porque, sente-se, os salários já estão a ser reduzidos pelo efeito da inflação, uma vez que não haverá actualizações de salários e pensões durante o período de intervenção da Troika. Passos Coelho nada disse quanto aos lucros nem se referiu aos prémios com que as administrações se auto remuneram.


Digamos que hoje foi um dia em cheio para os nossos governantes, que mostraram grande capacidade inventiva para anestesir o pessoal e justificar a paralisação da economia e o crescente desemprego, cuja taxa, por ser tão elevada, até surpreendeu o Ministro da Economia, por não se enquadrar nas previsões macroeconómicas geradas pelo modelo que utiliza para definir as medidas de acção política.


O problema não é do Governo. O problema está no País que não encaixa no modelo previsional adoptado.

au Bonheur des Dames 320

d'oliveira, 03.06.12

As senhoras parlamentares e as quotas

 

 

 

A bem dizer isto nem sequer é uma crónica mas, tão só, um “suelto”. Uma espreguiçadela, um desabafo.

 

Hoje, a propósito da igualdade de sexos e da sua projecção na vida política, ouvi com estas que a terra há de comer, um par de coisas que me deixaram prostrado.

 

Convém dizer, em meu abono, que cá em casa, cozinho tantas ou mais vezes do que a CG. Ou, se não cozinhamos, sou sempre eu que vai tratar de arranjar algo para jantar. Se entendemos trazer comida de fora sou eu quem a vai buscar. Sempre! E nunca sem antes pedira à minha metade do céu, indicações (nem digo ordens, notem bem) sobre o que devo trazer.

 

Sou eu quem vai ao supermercado. Sempre! Ou em 99% das vezes. Aliás, devo aqui confessar-vos, muito à puridade, que uma excursão a um super com a CG é uma provação que deveria ser erigida em castigo para criminosos contumazes.

 

A CG, que se toma por mulher rigorosa, faz uma lista que normalmente é maior do que a légua da Póvoa. É nessa altura que começo a tremer.

 

Depois, quando penetramos no ring, isto é, no super, ela decide ver cada estante, cada prateleira, cada artigo.

 

Faço-lhe notar que já temos uma lista e ele, olhando-me como quem olha para um tolinho, desses de atar, responde que não conhece aquele estabelecimento e que precisa de ver as coisas com critério. Reponto que todos os supers em todas as cidades deste abençoado torrãozinho de açúcar, tem a mesma organização, a mesma distribuição de produtos. Ela nem responde. Nem ouve. Ou ouve mas não liga. E atira-me à cara que eu não comparo preços!

 

É verdade! Mas não me deixo seduzir por produtos (novidades milagrosas) para lavar a loiça, o chão, os vidros, a roupa! Cá para mim, os que já deram provas não serão piores. E não duplico, triplico ou quadruplico esse género de mercadorias para o lar.
A minha teoria é que o velho produto, a água da torneira, um esfregão e as luvas chegam para a nossa empregada trazer a casa limpa. Claro que ela e a CG acham-me um reaccionário, uma pessoa incapaz de ver o fulgurante caminho do progresso dos detergentes emergentes.

 

 

 

É por isso que me ofereço, lampeiro e amável, para ir ao super sozinho. E á farmácia. E ao lugar da fruta. À mercearia da esquina. Antes só do que passar lá três horas.

 

Ora, pelos vistos, as senhoras parlamentares, interrogadas sobre a sua árdua tarefa, entenderam sussurrar que é nos intervalos para o almoço que elas se escapam para o supermercado. Então e os maridinhos, os queriduchos? Pelos vistos estão no trabalho e nem sequer almoçam pelo que não podem ir por umas bifanas, uma dúzia de ovos, leite semi-gordo, e uma embalagem de batatas fritas. Nem sabem onde é que fica o super, quanto mais a padaria ou o sapateiro que lhes aplica meias solas no sapatinho.

 

E as crianças? Quem é que vai buscar as crianças ao colégio? E o jantar? Quem o faz? E, e... e?

 

Isto foi dito por todas as ilustres mães da pátria que a televisão entrevistou. Que a lei que obriga a eleger um determinado número de mulheres, esquece que depois, lá dentro, nas câmaras, as põem a fazer de sopeiras, de secretárias, de adorno. Coitadinhas! Como no caso dos amantíssimos maridos, elas é que aguentam e eles olé, olé.

 

Francamente, as coisas parecem-me um pouco estranhas. Se eu fizesse isso à CG, acho que ela me mandava dar uma volta (ou duas) ao bilhar grande. Isto, no caso, de eu sequer achar que era assim que dividiríamos as responsabilidades cá por casa. Mas não acho. Nunca achei. Devo ser feminista, tendência Beauvoir (Jesus, Maria, José, abrenúncio! ) ou parvo. Ou de esquerda. Será isso? Serei um bolchevista de faca nos dentes a pregar as virtudes da Revolução Proletária (que é note-se, feminina) ou da Ditadura do Proletariado que é meio por meio a menos que não seja a ditadura mas somente a dita dura que aliás, por cá, e na Europa em geral, esta mais mole que uma lesma em fim de carreira. Isto, claro, se é que ainda há proletariado, coisa de que, desculpem, lá ó rapazes que juram pelo “novo partido” salvífico que vai restaurar a glória imortal de Portugal. Me parece algo de francamente improvável.

 

Mas disseram mais as senhoras parlamentares. Uma deputada comunista, confrontada com o facto do Partidao ser contra as “quotas” de mulheres, advertiu que não é por se ser mulher que se defendem os direitos das mulheres. E apontou, claro, uma vileza qualquer recente de aumento de horas de trabalho que iria prejudicar as mulheres. E que tinham sido as outras mulheres dos outros partidos a votar. Só elas, ó querida emula da tovarich Kollontai? Só elas? E o rapazinho deputado cmunista que partilha o gabinete desta reformadora social, acrescentava que só achava que o parlamento deveria ter mais mulheres se elas fossem comunistas! E com isso, escondia a ridícula quota de mulheres nas instancias de poder do seu partido, envelhecido, machista, apartado da história e das multidões votantes.

 

Uma senhora deputada, esta era do PS, que preside a uma comissão parlamentar (a única que tem presidência feminina – em quinze! ) abundou nas mesmas generalidades e na mesma cantilena do supermercado e das criancinhas!  A jovem que defendia as cores do Bloco, ajudou à mesma missa.

 

Escuso de falar nas senhoras de Direita que curiosamente criticaram a côngrua política que lhes é atribuída. Mas, cheias de esperança (e de fé e de caridade) acham que as coisas estão melhores.

 

Eu não sou mulher, muito menos deputada (Deus me livre) ponho-me a pensar nestas coisas, naqueles desabafos, e pergunto-me: será que mesmo assim, as criaturas não protestam? Vão para o parlamento, fazer o quê? Dar-lhe um toque de cor, de elegância, de beleza? De outra merda qualquer? Ai meu rico santo Antoninho! Fora eu fêmea sequer por uma hora e que berreiro faria naquele areópago de inutilidades confortadas!

 

Mas não. As senhoras parlamentares acham mal mas aguentam. E os rapazolas seus colegas lá vão fazendo pela vidinha, trepando na hierarquia partidária, nas comissões parlamentares, nos belos jobs for the boys quando saem de S. Bento. E jobs for the girls? Há? Ou as santinhas voltam às tarefas domesticas, ao voluntariado no Banco Alimentar e nos hospitais e á educação dos monstrinhos que fazem as vezes dos filhos e que saem de casa com a cabeça feita tal e qual a dos papás, dos vovós e restante s antepassados?

 

Ai meu são joãozinho milagreiro! Que bom ser homem!

 

E não ser deputado!     

 

 

Os Borges

JSC, 03.06.12

 

António Borges é daquelas pessoas que se acreditava ter nascido para lhe ser assacado o papel de líder.


Durante anos muitos viram nele a reserva natural para liderar o PSD. Dizia-se, na altura, que ele não vinha porque desempenhava cargos muito importantes lá fora. Mas o nome de António Borges não caía no esquecimento e sempre que o conturbado PSD ia a votos muitos olhavam para António Borges, como potencial e desejado líder. A figura de António Borges ia assim ganhando dimensão e proveito. Muitos até viam nele o salvador do PSD e do país, achavam que ele poderia ser o primeiro-ministro que o país precisava.


Contudo, António Borges nunca se chegou à frente para liderar o PSD e muitos menos o país. A sua vida corria noutras arenas. Até que, por artes mágicas, António Borges aterrou em Portugal à procura de novas oportunidades. E as novas oportunidades logo apareceram. Designaram-no, sem necessidade de concurso público, para chefiar a missão das privatizações. Negócio de milhões de milhões.


E quando tudo parecia estar a correr bem, até porque a oposição PS lida bem com estas situações, eis que acontecem dois factos que colocam António Borges na berlinda. Logo agora que a vidinha estava a ir bem.


O primeiro, aparentemente da iniciativa do próprio, quando veio dizer que “diminuir salários não é uma política, é uma urgência”. O segundo, por iniciativa de um jornalista que veio levantar algumas questões, onde entra a mãe de todas as patifarias financeiras, e dizer-nos que afinal de contas o regresso à pátria deveu-se a ter sido corrido do FMI.

 

Confesso que nada sei desta segunda parte. Contudo, no que respeita imperativo nacional de reduzir os salários, invocado por António Borges, não restam dúvidas de que esta gente vive num quadro mental que está muito para além da desonestidade.

 

Eles são e vão continuar a ser muito bem pagos para propor e justificar a redução dos salários da maioria, que ainda por cima paga os impostos que suportam o seu vencimento. Parece absurdo, mas é assim.

 

Como dizia ontem o Público, citando não sei quem, para que roubar por meios ilícitos se se pode atingir o mesmo fim por meios lícitos.