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Ex.º Sr. Pedro Passos Coelho
Perdoará V.ª Ex.ª que não use o habitual "dr." com que, pelos vistos e à falta de qualquer qualificação profissional que motive o respeito dos cidadãos, se adornam alguns políticos.
De facto, sabidos que são os casos de engenheiros que não passam de engenhosos e de licenciados à conta de universidades de terceira via, entendi, em homenagem à Sua modesta reputação, tratá-lo apenas por Senhor.
E comecemos por aí: a reputação de V.ª Ex.ª.
A pessoa Passos Coelho foi sempre tida por alguém com uma carreira profissional débil e com uma carreira política não especialmente robusta. Presidente de uma jota, vagamente deputado, escorraçado pela drª Manuela (posteriormente defenestrada por ele e seus amigos). E bom homem, bom pai de família, casa modesta em Massamá e um gosto por alguma sólida cozinha portuguesa tradicional.
Não consta, nos meios políticos ou sociais (sequer nos mentideros do costume), que V.º Ex.ª seja conhecido por especiais dotes profissionais, por um sólido conhecimento de Economia, por um moderado amor às artes, à literatura, enfim à Cultura em geral. Não que daí venha mal ao mundo. Milhões de compatriotas desconhecem quem foi Emanuel Nunes, Cardoso Pires ou Eduardo Batarda. Todavia, há, entre eles e V.ª Ex.ª, uma diferença. Esses patrícios limitam-se a votar de quatro em quatro anos ou nem isso. Não governam sequer uma freguesia nem teorizam sobre a TSU. Não se dirigem à Nação nem semanalmente juram, de voz embargada e expressão humilde, servir a Pátria.
V.ª Ex.ª, por obscuras razões, ou nem isso, começou a ser notícia (de 2ª ou 3ª página, mas notícia de todo o modo) quando, como já referi foi vítima de uma “fatwa” da drª Ferreira Leite. Corrido da lista de candidatos a deputados, sem apelo nem agravo. Começou, nesse dia sinistro mas glorioso, a agigantar-se o eternamente jovem promissor Passos Coelho. Recordemos: Sócrates (outra vibrante promessa deste país de maravalhas políticas e da Santinha da Ladeira) governava. Por muito que o pais resmungasse (e resmungava) a criatura parecia imbatível, pelo menos até ao fim da legislatura (que pelas minhas contas terminaria agora).
Sabido como é que os períodos de oposição são de vacas magras, esqueléticas, para quem não detém o poder, eis que a súbita infelicidade de V:ª Ex.ª o tornou uma bandeira simpática para os barões do PPD. Estavam de fora e, durante esses anos de travessia do deserto, qualquer quiddam servia. (o mesmo ocorre agora com aquela apagada personalidade que representa o PS. Está por ali enquanto o dr Costa se entretêm na Câmara de Lisboa, a inventar maneira de tornar a travessia do Marques de Pombal ainda mais problemática).
No momento de se ir a votos, então, numa daquelas reviravoltas de que o sistema político é useiro e vezeiro, arranja-se um Congresso e nessa altura é “eleito” o verdadeiro Messias eleitoral.
A crise, que em boa hora mandou Sócrates para Paris estudar não se sabe bem o quê, apanhou toda a gente de surpresa e já não houve tempo de enviar V.ª Ex.ª para férias politicas. Foi eleito com a maioria que se sabe, não por mérito próprio, custa-me dizer-lho, mas por demérito do adversário. A população portuguesa, chamada a votar, nem pestanejou: Mal por mal, venha outro!
E veio V.ª Ex.ª. Veio aureolado pela simpatia, pela ar modesto, pela casinha de Massamá, pelas juras várias de promover as medidas necessárias á salvação de Portugal, ao bem estar do (nobre) Povo e à regeneração da nossa sociedade e da Economia.
Não vou referir o programa eleitoral que o PPD apresentou ao País. Promessas deste teor não são para levar a sério. Porém, foram tais e tantas as críticas aos PEC de Sócrates que a boa fé indígena julgou que algo de diferente se ia passar.
Não se passou.
Tudo, ou quase, desde a ideia ridícula de ter um Governo mínimo, até às desastradas comunicações de V.ª Ex.ª vai ao arrepio das promessas, do programa, das esperanças e das ilusões (ilusões!) dos votantes. Dos cidadãos, já agora. Cidadãos e não súbditos, como eventualmente alguém poderia pensar ao ver a sobranceria com que V.ª Ex.ª se referiu a nós na passada entrevista em que explicou o inexplicável deixando no ar a ideia (acaso justa e razoável) que nos domínios da Economia Política e das Finanças Públicas, V.ª Ex.ª, patina de modo confrangedor. Desliza em direcção ao abismo da ingenuidade ou da ignorância ou das duas ao mesmo tempo.
A menos... A menos que V.ª Ex.ª seja, como o meu amigo K assegura, um “iluminado”. Detenhamo-nos nesse ponto: Um “iluminado” é alguém que se move por motivos sem consistência racional, sem raiz na realidade. É a fé que o guia, seja ele um pasdaran iraniano, um estudante de teologia afegão, um pregador evangelista radical americano. Ou (oh há quanto tempo, já...) um kmer vermelho, um fundibulário da revolução cultural (atenção leitor “atónito”) um bolchevique puro e duro (dos de antes dos “processos de Moscovo”), um SS (melhor ainda, um SA) dos saudosos tempos do Reich milenário.
Em Portugal, provavelmente por atraso, por indolência, por inépcia ou por muito “sol, sal e sul”, nunca tivemos disso. Por junto, aturamos a formiga branca, os nacionais sindicalistas do senhor Rolão Preto e quatro criaturas que, entre o final dos anos 70 e meados de 80, acreditavam numa coisa chamada “projecto global” e num mítico cavalheiro cujo risível pseudónimo era “Óscar”. Meia dúzia de mortos, esperanças traídas, conivência com a polícia, e uma indigente visão política atiraram com essa última e tresloucada aventura para o caixote da história.
Ora, diz-me K, quando nada o fazia prever, eis que reaparece o fenómeno “iluminados”. Desta feita, trazem uma fé inabalável no mercado, na auto-regeneração do mesmo, na absoluta verdade dos modelos económicos e na sua incontornável necessidade. Esquecem, melhor: repudiam, que, em Ciências Sociais, nada é verdadeiro durante muito tempo e a paleta de cores ao nosso alcance é infinita. Em Ciências sociais (e a Economia é uma delas) um grão de areia pode pôr tudo de pantanas. Mais: não há universalidade nas soluções bem pelo contrario: cada país, cada povo, cada região é um caso e como um caso devem ser tratados.
Vº Ex.ª que disto, do neo-liberalismo, parece ter, se tem!..., uma muito vaga noção, deve ter bebido da experiência americana. Não de Reagan que é muito distante, para os Seus verdes anos, sequer de Bush pai mas muito certamente de Bush filho e da sua pequena quadrilha de políticos ambiciosos e sem escrúpulos.
E de um par de europeus que, perante uma esquerda inerme e de terceira via, se atreveram a pensar que tudo isto era terra de missão e Berlusconi o seu profeta.
Não querendo, et pour cause, copiar os passos da sua antecessora no partido, eis que V.ª Ex.ª se atira para do avião não de pára-quedas (o que seria aconselhável) mas apenas de guarda chuva, coisa que demora muito a abrir, se é que, no caso em apreço, se abriu.
Neste momento, depois de 600.000 portugueses desorganizados terem saído para a rua (e olhe que eu apenas refiro este número que já é de tal modo gigantesco que nem precisa da ajudinha inflacionadora dos entusiastas de serviço), V.ª Ex.ª, no caso de ser como K assevera um “iluminado”, está a preparar-se para a guerra civil. Guerra civil, repito que os iluminados estão tão certos das suas convicções e análises que preferem liquidar o povo a ceder um milímetro.
Mais moderado e mais velho, ahimé!, eu apenas tenho V.ª Ex.ª como um bom rapaz, mediano em tudo, cheio de boa vontade, falho de conhecimentos essenciais, mal aconselhado e pior acompanhado (se é que entende o que pretendo dizer quando digo que nem toda a azeitona é de Elvas).
Está a tempo de recuar um pouco para não ter de ceder em tudo. Como diria o Príncipe Salina que talvez conheça do cinema, “é preciso que algo mude para que tudo fique na mesma”. A máxima é cínica mas neste caso pode ser útil.
V quer o bem da Pátria. Como Portas, parceiro hesitante e perigosamente mais inteligente, mais culto, mais sensível e mais politico. Como Seguro, mesmo se também ele não vá muito longe. Como os senhores Louçã ou Jerónimo. Queira V. ou não, eles são também patriotas. Têm, também, família, filhos, uma ideia para Portugal. Como os patrões e os sindicalistas que não querem ouvir falar da TSU. Como eu que, mesmo sem ter filhos, gostaria que o pais não acabasse com a mesma rapidez com que (é a lei da idade) provavelmente acabarei.
Como, sobretudo, os 600.000 portugueses que saíram de casa no domingo.
Para já não estão organizados. Tema o dia (que poderá não estar assim tão distante...) em que, por eles mesmos ou com ajuda, se organizarem. Começa a verificar-se, um pouco por todo o lado, ajuntamentos de pessoas que, ao saberem da visita de um Ministro ou de um Secretário de Estado, parecem dispostos a dizer-lhe umas verdades, quiçá dar-lhe um par de sopapos. Não posso dizer que os não compreenda, mesmo se, por toda uma vida, sempre tenha defendido a luta democrática e não violenta. Estou, ao contrário de V.ª Ex.ª, que não conheceu esses penosos tempos, habilitado a dar-lhe um conselho gratuito mas urgente. Não alimente o grito, o desespero e a raiva. Descomprima a situação. Pare, olhe e escute: há um comboio desgovernado a aproximar-se. V.ª Ex.ª poderá ser colhido (e não estou a falar metaforicamente) por ele. Ou pelos passageiros que é o mesmo.
Não foram os cidadãos que criaram este clima de cortar à faca. Foi V.ª Ex.ª: Por feitio ou por inabilidade. Por fé ou por ingenuidade. Por ignorância ou por tolice.
Até à reunião do Conselho de Estado (que, espero, decorrerá serenamente sem ajuntamento à porta) há tempo para “modular”, para “balancear”, para adiar, para abandonar, para renegar a negregada ideia de sacrificar o Zé e aliviar o senhor comendador. Sei que isto parece tirado de um panfleto de mau gosto e mais fraca ideologia mas é essa exactamente a ideia que centenas de milhares de compatriotas nossos estão a registar.
Li que V.º Ex.ª não está apegado ao poder e não receia perder as próximas eleições. É bonito e fica bem mas não chega. Conviria que também não estivesse disposto a deitar um cartuxo de dinamite para a fogueira que, com a ajuda do anterior governo, foi ateada. É que, nestas questões de dinamite, há bombas para todos os gostos. Anteontem, um rapaz, mais bebido do que convinha, ateou fogo a si próprio. Amanhã, alguém, menos bebido mas igualmente excitado, poderá ter a peregrina ideia de fogachar quem ele supõe ser a causa de todas as suas misérias: Vª Ex.ª!
O país, consta, é de brandos costumes. Não é. Nunca foi e, sobretudo, desde o início do século XIX, começou a demonstrar com evidente prazer que em questões de violência política, não ficávamos atrás dos melhores. A guerra contra o ocupante francês, a selvajaria com que foi levada a cabo nos bucólicos campos pátrios, a guerra civil seguinte, as revoluções patuleias e outras que ocuparam largos estratos da população até meados do século, o regicídio, a desordem republicana, a repressão violenta do “reviralho” poderão estar esquecidas mas não andam assim tão longe do imaginário popular. Umas dezenas de anos (1850-1900; 1950 -2010) de vida confortável atiraram velhos instintos não borda fora mas apenas para o sótão. Em mudando as coisas, é só subir um lanço de escadas para armar as raivas e os medos. E estamos perto disso.
Passe V.ª Ex.ª tão bem quanto possível, durma se conseguir, mas não se queixe de falta de aviso.
Seu compatriota (e não seu súbdito)
mcr