Na edição de Outubro da revista "Repórter do Marão", publico um artigo de opinião sobre o momento político que vivemos:
"As próximas semanas ficarão marcadas pelo debate e votação do Orçamento do Estado (OE) para 2013, cujas linhas gerais, pelo menos do lado da receita fiscal, começam a ser conhecidas precisamente no momento em que escrevo estas linhas, após uma longa maratona para aprovação da proposta em Conselho de Ministros.
Palavras como terramoto e devastação foram de pronto usadas para classificar o agravamento fiscal que os portugueses vão sentir no próximo ano e que coloca o nosso país entre aqueles onde é maior a colecta fiscal por parte do Estado. Nada que não se esperasse depois dos anúncios “prometedores” do ministro Vítor Gaspar e das trapalhadas em que o Governo se enredou com as alterações na Taxa Social Única (TSU), em que se propunha reduzir as contribuições das empresas tendo como contrapartida o aumento de sete pontos percentuais nas contribuições dos trabalhadores.
O Governo, que viu o país manifestar-se nas ruas como há muito não sucedia, teve de recuar na medida e encetou uma fuga para a frente, aumentando os impostos de forma inaudita, ao arrepio de tudo aquilo que prometera. Contudo, não é apenas o potencial ganho com a TSU que é necessário compensar, mas sim a total incapacidade do executivo em conter a despesa pública em limites aceitáveis para a meta do défice orçamental. Aqui reside a raiz de todos os problemas.
O executivo de Passos Coelho não foi capaz de levar por diante as reformas necessárias para reduzir a despesa nos sectores mais sensíveis da administração e, em alternativa, prosseguiu o caminho de castigar os rendimentos do trabalho e as pensões, de reduzir os apoios sociais e de aumentar os impostos sobre o património. Estas sucessivas medidas de austeridade tiveram um efeito profundamente recessivo e contribuíram para que a economia nacional chegasse ao ponto em que se encontra.
Cresce o número de falências e insolvências, aumenta o desemprego e o número de empresas que fecham por incapacidade de financiamento e por ausência de mercado. Esta realidade deveria motivar o Governo a privilegiar alternativas que fomentem o apoio aos sectores transaccionáveis da economia, promovendo o investimento e a exportação. O esforço de consolidação das contas públicas deveria incidir mais sobre a penalização dos bens importados e não tanto sobre a diminuição dos rendimentos, como parece ditar a cartilha governamental. Assim, o país só pode continuar a definhar.
Vítor Gaspar tem insistido nas políticas recessivas, sem conseguir atingir os resultados a que se propusera. As metas orçamentais fixadas não foram alcançadas, as receitas fiscais têm ficado muito aquém do previsto e os limites do défice tiveram de ser renegociados com a troika. Malgré tout, o Governo carrega na mesma tecla para 2013, testando os limites dos portugueses.
Entretanto, o país foi confrontado com sérias divergências entre os dois partidos da maioria, que têm alimentado um autêntico jogo do gato e do rato em torno de questões centrais da governação. Paulo Portas distanciou-se da proposta da TSU e não têm faltado sinais de que o CDS, o “partido do contribuinte”, quer distanciar-se das políticas recessivas que têm atingido de forma gravosa o rendimentos dos particulares. Não faltaram mesmo vozes de actuais e antigos dirigentes do PSD e do CDS a admitirem que a coligação estava em causa.
Os sucessivos casos que foram manchando a reputação do executivo contribuíram para o desgaste da imagem do primeiro-ministro e do Governo e não é certo que uma remodelação governamental baste para dar um novo fôlego à maioria. É verdade que não me recordo de ver uma liderança ter sido posta em causa tão cedo e de forma tão veemente como acontece com a de Passos Coelho, mas não creio que seja viável, como muitos propõem, o surgimento de uma nova liderança no PSD e a indicação de um outro primeiro-ministro sem recurso a eleições legislativas. Os mandatos devem cumprir-se e a maioria PSD/CDS tem a responsabilidade de assegurar essa estabilidade governativa.
A discussão do OE para 2013 vai ser um duro teste à maioria. As resistências provenientes dos movimentos sociais, dos sindicatos e dos partidos da oposição, com o PS sem alternativa que não seja o voto contrário, vão dar voz ao descontentamento das populações e o Governo terá de provar que consegue vencer esse obstáculo e que é capaz de recuperar a confiança dos eleitores. Caso contrário, pode ficar em causa, definitivamente, a relação entre o executivo e os portugueses, o que resultaria numa crise política de contornos imprevisíveis."