Ora bolas!
Não, assim não|! O mundo, este imprestável “vale de lágrimas em que gememos e choramos”, se é que recordo bem o “salve Rainha” da minha estouvada e distante infância em que uma bondosa catequista tentou inculcar-me a doutrina cristã e, de passada, salvar-me a imprestável alma que, mesmo sem ser gentil, há-de partir mais dia menos dia, para a zona de sombra, o mundo, dizia eu, afinal não acabou.
Ou acabou e nem demos conta. Hoje de manhã, no excelente alfarrabista Campos Trindade (à rua do Alecrim, olhem que vale a pena) ainda tentei convencer um dos livreiros a fazer-me um desconto especial sobre uma molhada de livros. Respondeu-me que já me deduzira 10% e que nem na quaadra natalícia se faz mais!
E troçou grosseiramente do fim do mundo, dos maias, dos adivinhos em geral, dos profetas e sei lá de mais quem. Juntei-me a ele carregando sobre os astrólogos, as madames que nos escrevem os signos semanais prometendo um monte de coisas que nunca acontecem. Imaginem que há bem poucas semanas alguém me vaticinava um encontro “escaldante” de que eu sairia triunfante e deixando na outra parte uma recordação imorredoira e um atroz sentimento de frustração pela minha partida para um destino edénico lá para os mares do sul. Passei uma semana atormentada mas fora as gatas, a CG mal-humorada, a rapariga gorda do quiosque e quatro senhoras viúvas de venerável idade que tomam café na mesma esplanada, nada, rigorosamente nada ocorreu.
Mas regressemos ao fim do mundo e ao tunante do Nostradamus, outro que tal que até mereceu uma série inteira no canal “história”, na televisão por cabo.
Então nem o fim do mundo, porra? Bem pelo contrário, o dia estava glorioso, sol forte e quente “glorious sun a relembrar o “winter of our discontent” dos inícios do Ricardo III .
Ao que sei esta é a 185ª vez que se anuncia em boa e devida forma o fim do mundo. A malta excita-se, peca furiosamente nas semanas anteriores, gasta o que tem e o que não tem (não me estou a referir aos dez primeiros anos do século, era o que faltava, aquilo não foi gasto, foi investimento ou, como dizia uma patética ex-ministra da educação, aquilo foi a festa das escolas, da arquitectura e dela, claro. E do esbanjamento! E da burrice supina e obscena que permitiu que se fizessem escolas “lindas de morrer”, todas envidraçadas onde hoje, se houvesse aulas, as crianças estorricariam de calor, por falta de verba para o ar condicionado...), endivida-se até ao tutano e depois o fim do mundo tem falta de comparência!
Portanto, de fim do mundo, népia! Zero vírgula zero.
Vá lá que tivemos o fim (?) da novela TAP. A honra nacional está salva e temos outra vez uma “companhia de bandeira”. Temos isso e uma dívida brutal da mesmíssima companhia. Alguém vai ter de entrar com a massa, agora que o Efremovitch está fora da carroça.
Aqui para nós isto vai ser um sarilho dos gordos. Que eu saiba, a TAP só andou bem enquanto teve o monopólio das linhas coloniais e não havia “low cost”. Sem esse monopólio, com a concorrência das pequenas companhias e tendo que jogar na divisão dos grandes, a TAP parece um caso perdido. Sobretudo porque a legislação comunitária não permite que o Governo subsidie aquele emplastro. Ou seja, sem o cacau governamental, aliás nosso, a TAP mete água. Parece que mesmo assim, eu já ouvi um comentador a dizê-lo, há quem diga “que se lixe a lei comunitária”. A bandeira das quinas tem de estar presente nos céus de todo o mundo. E quem paga? Pois paga o Zé! Paga a festa das escolas, as auto-estradas, o aeroporto, o TVG, os aviões, os submarinos, a soldadesca, e a honra nacional. O Zé Povinho é agora, foi sempre, o Zé Pagante, o paganini de todos os desmandos, de todas as sacanices, de todas as vilezas, de todos os arranjos e arranjinhos de que um qualquer legislador se recorde. O Zé que não tem dinheiro para mandar meter uns fundilhos novos nas calças até paga os carros luxuosos de todos os senhores juízes de um certo Tribunal superior que vai estar muito na berra. Suas meritíssimas excelências têm direito a carro para todo o serviço (e a gazolina e manutenção). Parece que fica mais barato dar-lhes o pópó do que pagar uma dúzia de motoristas para ir buscar e trazer os meritórios julgadores. Ora toma!
Mas agora, com o fim do mundo, talvez tenham desistido dessas e doutras originais mordomias, superiores, acrescente-se, às dos outros juízes dos restantes tribunais superiores.
Mas deixemos estas bizarrias nacionais e voltemos ao mundo que (não) acabou: estartemos todos transformados em amáveis ectoplasmas que desconhecem que algo mudou para tudo ficar na mesma, para parafrasear o Príncipe Salina? Salina dr. Relvas, e não das salinas. Salina, na Itália, dr. Passos, a de Monti semi-defenestrado por um tal berlusconi. Felizmente, mesmo no mundo antigo, o único Monti que recentemente tivemos não passou de um sonho aberrante de três políticos em fim de carreira. Até mais ver, claro. Salina na Sicília que tem uma mafia oficial e com pergaminhos, nada que se compare com este pinhal da Azambuja em que se converteu o torraozinho de açúcar.
E por aqui me fico. À falta de fim do mundo, aqui se escreve FIM.