Na edição de Fevereiro da revista “Repórter do Marão", publico um artigo de opinião sobre o anunciado corte de quatro mil milhões de euros na despesa pública:
"O país tem estado mergulhado no debate sobre o corte de 4 mil milhões de euros na despesa pública que o Governo se comprometeu a apresentar à troika. O número nasceu sem que ninguém assuma a sua paternidade e a razão de ser do mesmo, mas a meta é por si só suficiente para deixar os portugueses apreensivos.
Defendo desde há muito que o Governo deveria ter avançado com uma profunda reforma do Estado, aliando a redução da despesa pública ao redesenho das funções a cargo da administração central e local. Essa era uma tarefa que devia ter-se iniciado logo no início do mandato, com o envolvimento dos partidos da oposição e dos parceiros sociais, mas que é impossível de realizar à pressa, em meia dúzia de meses.
Porquê, então, um corte de 4 mil milhões de euros na despesa? Por que não 3 mil milhões ou 3,5 mil milhões? Ninguém sabe responder com certeza a esta questão. Creio bem que o valor terá surgido nas conversas anteriores com a troika em resultado das derrapagens orçamentais que Vítor Gaspar não conseguiu evitar. Ao constatar que o Governo não conseguia cortar de forma efectiva na despesa, e antevendo que as metas estabelecidas para o défice nos próximos anos também não serão atingidas, a troika ditou as suas regras. Coincidência, ou talvez não, os 4 mil milhões de euros correspondem exactamente à diferença entre o défice previsto para 2013 (7,5 mil milhões) e 2015 (3,5 mil milhões de euros).
Contudo, é impossível caminhar para a consolidação orçamental com o foco centrado apenas na redução da despesa e no agravamento da carga fiscal. É necessário impulsionar o crescimento económico, sob pena de os cortes na despesa nunca serem suficientes para as metas fixadas. Além do mais, o Governo e a troika não podem esquecer o quadro económico e social que a Europa e Portugal vivem neste momento.
Nas últimas semanas ficámos a saber que a quebra do Produto Interno Bruto em 2012 foi de 3,2 %, superior portanto às previsões do executivo, e que a taxa de desemprego no final do ano transacto atingiu os 16,9%, abrangendo cerca de 923.000 portugueses. Estes números são preocupantes e acabam por ser também um reflexo da recessão que atinge a Europa, para onde se dirige mais de 70% das exportações nacionais.
Se contarmos com os activos que estão fora destas estatísticas, por já terem desistido de procurar emprego ou por não estarem disponíveis, Portugal terá cerca de 1,2 milhões de pessoas sem emprego, dos quais pouco mais de 400.000 recebem subsídio de desemprego. Com os cortes entretanto introduzidos nas prestações sociais, que já deixaram um número elevado de pessoas sem quaisquer rendimentos, está formado um quadro verdadeiramente explosivo em Portugal, que recomenda todas as prudências ao Governo no momento de desenhar a “refundação” do Estado.
Infelizmente, nos planos que têm vindo a público, não se vêem medidas estruturantes que vão para além de um ataque cerrado às funções sociais do Estado, na educação, na saúde e na segurança social.
Prestes a iniciar-se uma nova ronda de negociações com os emissários da troika, exige-se por isso que o Governo seja capaz de se bater para que o nosso país não seja condenado à miséria e à exaustão, a curto prazo. No mínimo, deve pugnar por um faseamento na implementação das medidas ao longo dos próximos anos, permitindo assim recuperar o envolvimento dos partidos da oposição e dos parceiros sociais disponíveis para o efeito.
A revelação de que será Paulo Portas o responsável pela coordenação do documento sobre a reforma do Estado parece uma tentativa de Passos Coelho para dar um cariz mais político e menos economicista a essas propostas. Mas também houve quem não visse nessa decisão mais do que a vontade de comprometer o CDS com os planos anunciados.
O que deve fazer o PS perante uma proposta séria de diálogo e concertação? Deve ir a jogo e defender a sua visão para a reforma do Estado. Não pode dar a imagem de que se furta ao debate por que não tem ideias sustentadas sobre uma reforma que é imprescindível para o nosso futuro colectivo.
Portugal tem um desafio pela frente que, por vezes, parece maior do que a capacidade daqueles que nos governam. Mas é nos momentos difíceis que se vê a massa de que são feitos os líderes. A quem está na oposição cabe demonstrar que não é movido pela política do quanto pior melhor e que tem uma perspectiva diferente quanto ao futuro do país. Os portugueses estarão atentos.”