O ridículo não mata
Um cavalheiro, de seu nome Filipe Pinhal, ex-administrador (ou algo que o valha) do BCP na gloriosa e nunca assaz chorada época de Jardim Gonçalves (outro herói do nosso tempo) entendeu liderar a fundação de um movimento de Reformados Indignados.
Este eminente indignado entende que as alcavalas que recaem sobre a sua modesta pensão de 70.000 € são, mais do que uma ofensa, um roubo. E vai daí, pés ao caminho e toca a formar um movimento indignado de reformados (MRI) eventualmente vindos do mesmo horizonte financeiro e laboral.
Parece que esta cruzada do senhor Pinhal caiu mal a dois outros movimentos de reformados: o Murpi e a APRE.
O primeiro, na linha que se conhece, considera o MRI uma provocação! Não se entende porquê, convenhamos. Os cortes nas pensões doem a todos e os cortes grandes mesmo nas pensões enormes devem doer que se farta. Eu mesmo, que não aspiro sequer a 6% da pensão do cidadão Pinhal, sinto-me ofendido, indignado, roubado, filhadaputeado, pela gentinha que nos taxa e sobretaxa, dia sim, dia sim.
E até acharia bem que os ricos (que nunca pagam crise alguma) se juntassem aos pés-rapados, aos paisanos que somos quase todos nós, os que têm a sorte de receber mais de 1350 euros mês.
A APRE, mais cautelosa e mais inteligente, entende que o MRI não vem ajudar a luta dos reformados. É provável que tenha razão mas também a não vem ostensivamente prejudicar. No mundo em que vivemos, há organizações que embandeiram em arco sempre que um tubarão da indústria critica o Governo. Porque razão não devemos regozijar-nos quando até os tubarões das reformas estão contra os cortes nas pensões. Não será isto um modo (enviesado, certamente) de alargar a frente de combate aos das Finanças?
Eu, pessoalmente, agora que estou em vias de me transformar em novo pobre, ou em novo remediado quase pobre, compreendo a angústia de Pinhal. É que 70.000 € (quase mil e quinhentas brasas das antigas, das do bom tempo) mal dão para umas férias na neve, uma vez por ano, para as trufas (as verdadeiras e não essa merda de chocolate) para o caviar (Beluga, se faz favor) sequer para um decente presunto belota com 36 meses de cura. E já nem falo no que teremos de deixar de beber, coitados de nós, que saudades do Chateau Petrus, do Montrachet e de outras pequenas preciosidades! Agora, fiquemo-nos pelo Barca Velha e é um pau. Nem um bom “Priorat” essa essência espanhola tão ao gosto de Manuel Vasquez Montalben. E minha, que lhe cheguei uma vez os beiços, uma vez sem exemplo, quando ainda era quase rico, classe média alta favorecida. (E confesso que uma outra vez, me regalei com um par de amigos numa orgia celestial que meteu o “petrus” já citado e o “montrachet”. Foi em Paris, há já uns vinte anos, em casa de um colecionador de vinhos que, felizmente borracho que nem um polaco, nos franqueou a garrafeira. Bem se deve ter arrependido quando a ressaca lhe revelou a sangria no vasilhame...)
É que não se lhe chega com estes cortes bárbaros.
Eu não sei o que é que o MURPI tem contra um trabalhador enérgico como terá sido o senhor Pinhal. Acaso quer ver este cavalheiro sob o fio agressivo de uma guilhotina ou num paredón peito às balas vindicativas de uma gloriosa revolução proletária, a mesma, aliás, que deu para o torto e produziu reformados ainda mais injustiçados que os murpiistas nacionais?
E, louvando, apesar de tudo, as cautelas da APRE, a que título se referem esses cavalheiros, a uma história de multas de 800.000 euros aplicadas ao senhor Pinhal por “deslizes financeiros”. Por uma vez sem exemplo, alguém teve que puxar dos carcanhóis num país em que os deslizes são incomensuravelmente maiores como sabidamente vemos com autoestradas e outras minúcias faraónicas com que fomos sendo confrontados desde há largos anos a esta parte. Oitocentos mil euros são trocos nesse oblíquo universo da negociata política impune que andamos a pagar.
E como argumento é descentrado.
Afinal, alguém no seu perfeito juízo, receia que Pinhal e os seus setenta amigos, roube protagonismo, capacidade interventiva, clamor social a associações notoriamente mais pobres mas exponencialmente mais estimadas e participadas?
Eu, quando li a do camarada Pinhal, primeiro ri-me, depois desliguei. “Ná! Desta personagem nem vale a pena falar ou escrever! Só lhe ia dar publicidade e para isso lá estão os jornais. Deixemos que um silêncio misericordioso o enterre na obscuridade ou no ridículo...” Mas não. Os alegados proprietários da marca reformado e indignado entenderam clamar a sua ira e trazer para a luz forte da opinião pública a ridicularia de um Pinhal que nem sequer tem a utilidade do de Leiria...
Estava este texto escrito (mas não publicado) há horas quando as televisões apareceram acotovelando-se à volta do senhor Pinhal e de um outro cavalheiro que se chamará, julgo, Afonso Diz. E viu-se uns indignados comissários políticos a acabrunhar o dito Pinhal, cortando-lhe o parlapié e cominando-o aos fogos da inquisição popular. Depois Diz disse que ele também era um pobre diabo a quem, numa pensão de 3000 euros, tinham ido buscar 800! Arre, que não foi exactamente um refresco!
De todo o modo: enquanto o pópulo se entretém com estes faits divers, a escandaleira gorda vai-se escafedendo silenciosa e intocada. Caímos que nem uns parrecos nesta conversa ao lado...
E há costas bem largas e merecedoras que folgam!...
* na ilustração: máscara Bozo (gazela ou antílope)
d'Oliveira fecit