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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

au Bonheur des Dames 337

d'oliveira, 04.03.13

Uma pequena mentira destrói uma imensa verdade

 

 

Esta vai para os militantes do movimento “que se lixe a troika”.

Comecemos pelo enorme êxito da manifestação que reuniu em várias dezenas de localidades uma multidão sem precedentes próximos. Apenas vi o noticiário mas aquilo impressionava. Claro que sem fins claros, sem palavras de ordem precisas, sem meta táctica ou, muito menos estratégica. Reduzida a questão à indignação (o que já não assim tão pouco) poderá ser mais fácil reunir gente de variados sectores de opinião, militantes social-democratas e populares incluídos.

Portanto, uma primeira verificação: era gente que nunca mais acabava. E todos de acordo com algo relativamente obvio: assim as coisas não vão bem, assim a crise não acaba, assim as pessoas não vivem e algumas, muitas, dificilmente sobrevivem.

Posto isto, e antes de considerações politicas, vamos trabalhar uma estúpida afirmação. Melhor,  um feixe de afirmações estúpidas que aproveitam a quem não se sente atingido por esta política do actual Governo.

Afirmar que no Porto se manifestaram 400.000 (quatrocentas mil) pessoas não é sequer um erro. É uma burrice gigantesca! A cidade do Porto tem pouco mais de 250.000 habitantes e os pólos urbanos mais próximos terão mais 150.000 nos seus núcleos centrais. Velhos, doentes, crianças, indiferentes, esquecidos, tudo incluído. Pior, as fotografias aéreas (e são muitas, mais que muitas), mostrando a Praça da Liberdade e a Avenida dos Aliados intensamente povoadas, provam igualmente que naquela área caberiam bem espremidas como sardinhas em lata 80/85.000 pessoas. Grosso modo menos de um quarto dos manifestantes anunciados. Oitenta ou oitenta e cinco mil pessoas é já um êxito formidável, quase um milagre. E um aviso extraordinário para as criaturas que compõem aquela amálgama que se toma por governo.

Em Lisboa, a organização, com a mesma vesga e bizarra pontaria, apontou para 800.000 manifestantes. Numa cidade que mal ultrapassa os 450.000/500 residentes (outra vez com idosos, doentes, crianças, presos etc..., incluídos) E cercada de centros urbanos onde igualmente se realizaram desfiles! Estamos no delírio contabilístico total. Sobretudo quando se sabe que o Terreiro do Paço bem cheio não permite sequer  200.000 pessoas!

Nada justifica, bem pelo contrario, estes números bombásticos, continuamente fornecidos pelo organização que pretende lixar a troika. Aliás, ao que sei, por flashes noticiosos, ainda as manifestações iam a meio do caminho e já se trombeteavam estas fantasias.

Como se, para destruir o imenso impacto das marchas por todo o país, alguém, a serviço do estudioso Relvas, quisesse, pelo ridículo, minar o efeito desta mobilização amplamente correspondida por centenas de milhar de portugueses. Como se, os rapazes e raparigas da troika, notoriamente principiantes nestas coisas, ignorassem que, de há dezenas de anos a esta parte, há maneira de calcular com bastante eficácia, e com uma reduzida margem de erro, o número de manifestantes (4 pessoas por metro quadrado e já é estar bem apertadinho, à beira da sofeca!. Claro que, tal cálculo é sempre mais fácil para quem tem meios para o fazer (a polícia por exemplo, submetida a ordens superiores e que não obedecem a outros critérios que não sejam o da “verdade oficial” do Ministério do Interior) do que os inermes cidadãos que, com generosidade e entusiasmo, se lançaram nessa louca e magnífica tarefa de mobilizar transversalmente os restantes compatriotas.

Imaginemos os comentários que estas estatísticas stakanovistas (se os da troika que se lixe não sabem o que isto é façam como o dr Coelho, perguntem a quem lhes explique) seguramente vão alimentar nos próximos dias. A discussão do efeito da manifestação vai (se é que os pobres diabos do Governo tem duas ideias sobre o tema) originar. Tudo se vai resumir a uma discussão sobre números em vez de incidir sobre o crescente isolamento social do Governo.

E sobre a questão dos isolamentos também convém dizer duas verdades de La Palisse (se os cavalheiros que garganteiam por tudo e por nada a questão da legitimidade governamental não souberem quem é o cavalheiro citado que recorram a uma enciclopédia, serve mesmo a wikipédia): Este Governo perdeu a face e perdeu a opinião pública. Disso não subsistem grandes ou pequenas dúvidas. E perdeu nos noticiários internacionais (pelo menos nos que tive o cuidado de consultar) onde, pela primeira vez, mesmo sem a violência grega ou o fogo espanhol, foram citados os portugueses que se manifestavam. Eticamente. há muito que o grupo de Coelho e Relvas anda pela sarjeta, posição que muito justamente lhe cabe e para onde - se Justiça há- passarão antes da fossa séptica os acolher em toda a sua glória (Assim seja, ámen! etc...). Socialmente é o que se sabe: até um cavalheiro chamado Filipe Pinhal e ex-administrador do BCP entendeu criar uma associação de reformados indignados mesmo se altamente pagos (o descaramento não tem limites...).

Todavia, vir dizer que o governo perdeu a legitimidade política é uma grosseria que nem com uma bebedeira de caixão à cova passa. A legitimidade política, e esta vai para as criaturas do PC e do Bloco que a cacarejam desde há semanas, em Democracia passa pelo voto popular, em eleições regularmente convocadas. Ou pelo voto parlamentar, na altura de moções de confiança, coisa que, inintendivelmente ninguém levanta naquele areópago. Mesmo que seja para ver a maioria CDS/PPD votar envergonhada (se é que a vergonha habite aquela deputadagem que acata sem uma crítica, sem um pio, sem corar, as travessuras dos marotos governamentais) uma confiança que obviamente só um cego consegue ver.

Finalmente, a terceira questão que atormenta qualquer cidadão português que ainda não deixou de pensar pela sua cabeça. O que é que quer exactamente o movimento “que se lixe a troika”?

Dizer da indignação e da raiva? É qualquer coisa mas não responde á questão essencial (o camarada Lenin  que me perdoe a citação): “que fazer?”

E antes disso: se a troika (melhor dizendo os organismos internacionais responsáveis que abriram os cordões á bolsa)  tivesse assobiado para o lado, como é que estaríamos agora? Quem teria pago os salários da função pública, as reformas, os magros investimentos, a despesa da máquina do Estado, o funcionamento das escolas, dos hospitais, dos tribunais, da polícia, os subsídios de desemprego, os abonos de família, a doença etc...?

E que moeda teríamos agora se, obrigados pela bancarrota, tivéssemos saído do euro (coisa a meu ver inevitável na hipótese de nos terem sido recusados os oitenta e tal mil milhões que foram postos à nossa disposição? Eu sei que alguém me dirá que vamos pagar essa dívida que contraímos, como aliás pagaremos as dívidas acumuladas desde 2000 quando o recurso ao crédito parecia ser uma solução cómoda e fácil para os governos sucessivos que desvairados numa política de obras públicas fantasiosas e excessivas (e nas consequentes e lucrativas derrapagens que hão-de ter enchido muito bolso indígena e não apenas alguns, ou todos,  bancos). Já por aqui fui dizendo o que penso mesmo quando (como aconteceu com uma benesse socrática de que beneficiei enquanto funcionário público, um aumento de ordenado sabiamente levado a cabo pouco antes de umas eleições) era contra. E fui contra, bem só. Na altura ninguém achou interessante avisar-me que não tinha razão e que a generosidade era apenas uma justa retribuição ao meritório esforço do funcionário público e à sua atávica predisposição para retribuir o bem com a cruzinha no voto certo! Miseravelmente votei branco! Ah a ingratidão...

Sobre este feixe de questões os nossos mais que loquazes políticos têm dado mostras de uma discrição espartana que contradiz a sua esfusiante parlapatice sempre que se lhes aponta um microfone ou uma câmara de televisão à cara. Então o PS ( e o inefável Tó Zé) que, á partida, é o partido mais bem posicionado para substituir a gentinha actual, parece amordaçado, drogado, manietado, envergonhado, moribundo ou em estado cataplétctico. E, como eles a generosa, mas inexperiente, gente da troika que se lixe. Como se dissessem: a massa já cá está e agora vão pedir o pagamento ao Camões...

Todavia, transformado em estátua inerme e oficialmente enterrado nos Jerónimos, este senhor. que ninguém lê. não é considerado divisa forte pelas “sanguessugas” da agiotagem internacional . E esse é o nosso dramático problema.

Finalmente, anda por aí um grupo patriotaço ou patrioteiro (os leitores escolherão, se quiserem ter a maçada de o fazer) que garante a pés juntos que “o nosso país está ocupado” e que o senhor Passos é apenas um feitor ao serviço das ignomiosas forças de ocupação. Ou um Miguel de Vasconcelos com pendor para a opereta, se eles soubessem quem foi o dito cavalheiro.

Metáfora ou não, a ideia é abstrusa e da ocupação  (deus nos livrasse dela) não se vê vivalma. E ainda bem, pois, pelo que li, as ocupações são medonhas. Já temos problema que chegue para ainda por cima o pintarmos com esta cabidela dramática.

Resumindo: não estraguem a manifestação.  

E não abusem da contabilidade, da estatística sequer da aritmética. 

Todos ao que interessa: que fazer?

au Bonheur des Dames 336

d'oliveira, 02.03.13

A propósito de rescaldos....

 

 

 

(Carta sincera ao Senhor Primeiro Ministro)

 

 

 

 

 

Ex.º Senhor

 

 

 

Antes que, num pouco inspirado arroubo, Vª Ex.ª venha negar uma realidade evidente, entendi escrever-lhe, com escassa esperança mas redobrado patriotismo este bilhete. Vai-lhe dirigido mas, obviamente alguns, poucos ou muitos, não interessa, leitores partilharão com V.ª Ex.ª as minhas pobres mas honradas palavras.

 

Não veja nisto, nesta forma pública, qualquer acinte. Nem, muito menos falta de respeito. Cidadão deste país (que V.ª Ex.ª desconhece ou conhece mal) há setenta e um anos, sinto-me ofendido.

 

Não tanto pelo destroço em que se encontram os meus rendimentos, a minha fazenda, o meu amor próprio, mas pelo tom autista e pela insensatez com que o governo a que preside se dirige a todos nós.

 

Quando me lembro do percurso politico de V.ª Ex.ª, para não falar do triste percurso académico (apesar de tudo menos ridículo do senhor Relvas, seu antigo protector e seu arauto hoje em dia), do percurso profissional (e daquela desastrada tentativa de formar pessoal para aeroportos sem movimento, por exemplo), quando recordo a discursata vazia com que brindava os portugueses, desde os seus tempos de “jota” até à estridência com que zaragateava enquanto porta voz de uma oposição moribunda (e não foi assim há tantos anos...) que V.ª Ex.ª chefiava justamente por ninguém prever uma oportunidade como a que Sócrates lhe forneceu, sinto um arrepio. “É isto que nos governa?”

 

Deixe-me que lhe diga que se é facto que o Senhor queria muito chegar ao lugar que ocupa, bem pouco era o que tinha a oferecer. Convenhamos: uma inteligência quanto muito mediana, alguma habilidade oratória turvada, todavia, pela incapacidade de sair do lugar comum, do nariz de cera (se V.º Ex.ª não sabe o que isto é pergunte ao dr Portas que se Lhe avantaja em inteligência, senso politico, modéstia e bom senso. Ele explica-lhe... Assim V.ª Ex.ª consiga perceber...)

 

No entanto, chegou! Graças a Sócrates e, também, à continua mentira da propaganda eleitoral sua e do seu partido. Aliás, convenhamos: o Senhor não ganhou exactamente as eleições, foi Sócrates que as perdeu.

 

Quando se esperava que o Governo, este, o Seu, se formasse a partir de gente experiente, zelosa, inteligente, responsável, eis que nos saiu uma estrutura estúpida, pesada, com ministérios elefanticos, com o eterno Relvas a dizer bacoradas, coisa nele mais que vulgar e habitual. Pilriteiro que dá pilritos porque não dá coisa boa (caso não compreenda, repita o conselho acima dado). 

 

Depois tem sido um circo. Circo pobre e ridículo: V.ª Ex.ª chegou a permitir que os seus mais directos colaboradores afirmassem que desconheciam o estado das finanças públicas! Veja bem, se consegue: como é que se desconhece o estado do país que se pretende governar? E, pior, como é que se ousa dizer isso?

 

Portanto, durante meses, ouvimos esse saltério (se não perceber, siga o conselho já dado...) à mistura com as consabidas (e muitas vezes justas) acusações aos anteriores executivos.

 

Depois entrou-se num ciclo de fatais decisões tão tolas quanto ineficazes. Por exemplo: a subida do IVA na restauração teve o normalíssimo efeito de baixar o número de comensais, a receita tributária final, alem do brutal encerramento de empresas e o aumento exponencial do desemprego naquele ramo. Tudo isto era não só previsível mas expectável e, antes da medida entrar em vigor, rapidamente  choveram avisos de todo o lado. 

 

V.ª Ex.ª não ouviu. Ou se ouviu não percebeu. Como é costume. Essa aversão ao real não seria mais do que uma tonta bizarria num particular. Mas V.º Ex.ª não é um particular mesmo que trate as coisas públicas como negócios particulares. V.ª Ex.ª é um Primeiro Ministro, mesmo que ainda não se tenha dado conta disso.

 

Poderia, obviamente, dizer-lhe que só é Primeiro ministro porque quando lhe entregaram o PPD julgaram que a travessia do deserto iria durar três anos, no mínimo, e ninguém estava para ter essa maçada. Os barões partidários só gostam de chefiar em tempo que eles pensam ser de vacas gordas (cano não perceba, como suspeito, já sabe...). Se algum dos figurões do seu Partido pensasse que a coisa estava para breve, creia-me, o senhor não seria mais do que um mero vulto na paisagem.

 

Mas o Senhor, á falta de tino tem um ego crescidinho. E não acreditaria. Acreditar no que dizem os outros quando nos aconselham é sinal de mais inteligência do que aquela que lhe coube que, convenhamos, não vai demasiado longe.

 

Temo, pois, que também não perceba o que hoje sucedeu. Receio que não tenha visto as multidões na rua. Que não se tenha apercebido, na imensa pacatez daqueles desfiles dignos e silenciosos (e digo-o com o à vontade de quem lá não esteve) do desprezo a que um milhão, milhão e meio, menos ou mais, o votaram. Porque é de desprezo que eles falaram. De desprezo sem azedume ou com muito pouco. Aquela gente, meus e seus (?) compatriotas vieram mais uma vez para a rua para o avisar.

 

E avisaram-no, segunda vez, que os dias pacíficos estão a acabar. Que isto não é, nunca foi, um povo que aguenta (mesmo se um banqueiro imbecil acha o contrario, ou um ex-secretário de Estado de Marcelo Caetano que agora se pavoneia pelos salões da democracia julgue resolver os problemas do desemprego na limpeza das florestas e nas pequenas obras públicas no alentejo, sejam arautos desculpabilizadores da sua “política” se é que tal se lhe possa chamar). Esta gente levou a cabo entre finais de 700 e meados de 800 uma tremenda, cruel, duradoura guerra civil. Que se deu a todos os excessos nos primeiros anos do século XX e só “aguentou” a Ditadura, o Estado Novo e os anos da Guerra colonial, porque no horizonte e mesmo mais perto as perspectivas de melhorar a vida pareciam seguras.

 

Quando isso não ocorre, como agora, as pessoas primeiro resmungam, depois protestam, finalmente enfurecem-se. E quando a raiva as domina, matam reis, matam policias, matam políticos, queimam casas, atacam padres, enfim o corriqueiro das revoluções incontroláveis. E tudo isso começa quando desprezando os seus representantes, alargam esse sentimento à classe política (e hoje não foram poucos os que disseram isso mesmo) e concluem que “perdido por cem, perdido por mil”.  

 

Eu não quero vê-lo numa morgue mas desde já lhe digo que não erguerei o dedo mindinho para o evitar. V.ª Ex.ª trata-nos como feios, porcos e maus pelo que tratá-lo da mesma maneira é mera resposta. V.ª Ex.ª trata-nos como descartáveis pelo que parece justo leal tratá-lo a Si da mesma maneira. Com uma diferença: nós trabalhámos toda a vida, pagámos impostos toda a vida, arriscámos o pêlo quando V não passava de um vago borborigmo futuro e indesejável,  aturámos-lhe a  irresponsabilidade enquanto ela só era balbúrdia nas jotas, mas a paciência esgota-se e ninguém está humanamente obrigado a aturar tontos fora do asilo.

 

Já vai longo este bilhete e tanto ficou por dizer mas também penso que pôr mais na carta de nada serve. Argumentos só com quem os merece e faz por escutá-los. Pare, olhe e pense se isso não lhe fizer doer a cabeça.

E tenha uma noite boa, ou pelo menos igual á de centenas de milhar de portugueses que espreitam  o futuro e nada vêem nele!

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