Diário Político 184
Valha-me Santa Rita
Esta Santa Rita que me dá boleia ao folhetim é de Cássia, santa excelente e muito útil: não só é padroeira dos impossíveis mas também acode (ou simplesmente consola) s mulheres espancadas pelos maridos. E convenhamos, já que se está com a mão na massa, que a eliminação da violência de género só mesmo para quem realiza impossíveis.
E falemos de impossíveis, começando pelo Benfica. A pátria imortal está de luto (incluindo o sr Pinto da Costa!). A derrota frente ao Chelsea dói muito no meigo coração dos lusitanos em geral e dos benfiquistas em particular.
Pessoalmente, e peço imensa desculpa, não faço parte dos doridos. O patriotismo, tal como o entendo, não passa pelo futebol. Nunca passou. Nem no lamentável festival da canção tomei partido pelas pindéricas musiquinhas nacionais. Quero para o meu país o que de justiça lhe cabe. Nem mais nem menos.
O Benfica perdeu em Amesterdão como perdeu no Porto. No fim, quando as perninhas fraquejavam e a vontade de vencer era toldada pela prudência. Jogaram bem? Jogaram, sim senhor. Mas o Chelsea, envergonhado na primeira parte foi melhor na segunda. E não perdeu graças à “maldição dos descontos” como titula o “Público”. Perdeu nos 90 minutos que o jogo dura. Ponto e parágrafo.
Que me alegraria uma vitória? Sim, se obtida limpamente, quanto mais não seja porque não gosto do Chelsea e do seu patrão, dos “bifes” que sempre nos exploraram e do espectáculo imundo da dinheirama a rodos e obtida sabe-se lá de que maneira.
Não estou de luto, portanto.
Ou melhor: estou.
Pela Senhora de Fátima (por acaso nome da esposa favorita de Maomé!...) e pelas invocações que ela provocou.
Que o senhor Cavaco Silva ache, num alarde de fé (ou simplesmente pensando que estava a mostrar humor...) que o resultado da avaliação da troika foi inspirado pela santinha parece-me tolice. Ponto.
Que um excelente cronista (João Miguel Tavares, hoje no “Público”) venha reduzir Fátima a manobras do “Estado Novo” é ignorância crassa.
Fátima ocorreu em 1917, ano da revolução bolchevique e da entrada de Portugal na guerra. E ano do fim da repressão aos padres e demais religiosos, subitamente úteis para confortar os desgraçados soldados apressadamente mandados para o matadouro da Flandres.
Para o matadouro, disse e repito. A tropa mal preparada em Santa Margarida por Gomes da Costa, embarcada várias vezes sob a ameaça das pistolas, mal enjorcada numa fardeta infame que depois, e graças aos ingleses foi substituída, teve de antes de ir para a frente ser novamente treinada.
Portugal, pela mão duma espécie de União Sagrada entendeu que a defesa das colónias, eventualmente ameaçadas por uns pactos secretos anglo-germânicos que partilhavam os territórios africanos, em vez de fortalecer essas frentes (Norte de Moçambique e Sul de Angola) mandou umas dezenas de milhares de galuchos para uma frente guarnecida por milhões de aliados!
A oposição à guerra também está na origem de Fátima. A Virgem terá mesmo recomendado muita reza, muito rosário, não só pela mas, e lá chegamos, contra os bolchevistas. Em 17 ou 18 quanto os líderes republicanos (ou seja, os “democráticos” e respectivos compagnons de route, afogavam no sangue, na prisão no desterro e nas cadeias milhares de sindicalistas. A tal ponto que estes chegaram a apoiar (momentaneamente) Sidónio Pais.
Portanto vir falar de Fátima atendendo apenas ao Estado Novo que só apareceria realmente depois do fim da Ditadura Nacional (1926-1933) é ignorância pura e dura.
Que o Estado Novo se aproveitou de Fátima não há dúvidas. Aproveitou-se igualmente do futebol e lá chegamos de novo à equipa do regime que nos anos 60 faria sensação no futebol internacional: o Benfica, claro, que os outros, mesmo o Sporting, equipa dos “talassas” eram, na época, verbos de encher.
O Estado Novo aproveitou, e bem, o fado, terceiro membro da trilogia laica do autoritarismo rural lusitano. E aproveitou, sobretudo, a inércia generalizada, o medo difuso, o apoio de muitos que recordavam horrorizados, o período 10-26, o período dos 51 governos! (um houve que durou menos de 24 horas!), da formiga branca, das bombas, a perseguição aos operários e camponeses, da falcatrua eleitoral (que já vinha de antes e continuou depois) e dos assassínios políticos. E a tropa, claro. A tropa que depois dos vexames sofridos (lembram-se da entrega das espadas?) foi sendo chamada à política por republicanos espertalhaços e finalmente se instalou duradouramente no poder, apoiando Salazar, até que no descoroçoamento da guerra colonial, e movida também pela questão das promoções, se voltou a “pronunciar” a 25 de Abril. Ignorar ou esconder estas verdades comezinhas (mesmo que se saiba que a geração dos capitães de Abril estava profundamente marcada pela ideia de democracia. Mas também não é menos verdade que muitos , aliás os principais, dos que fizeram o 28 de Maio eram republicanos e defensores do sistema de partidos e, por isso mesmo, foram sendo lentamente cilindrados pelo regime que tinham criado.) é perigoso e não ajuda ninguém a perceber a crise actual, a sair dela ou sequer a avaliar os meios de a combater.
Santa Rita tem aqui muito trabalho a fazer. Portugal é seguramente terra de missão para a santa. Ao trabalho.
(ps: parece que Berlin chama incompetente a Durão Barroso. Afinal não podemos descrer de todo da Alemanha. Demoraram mas perceberam. A latere, alguém recorda o entusiasmo nacional quando Barroso foi para lá e o renovado aplauso quando lhe prolongaram o mandato? Ora lembrem-se bem, lembrem-se de quem se felicitou com “um português” no centro de decisão da Europa. Vslha-nos a Senhora de fátima!)
d'Oliveira fecit, 16.5.13