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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 184

mcr, 16.05.13

 

 

Valha-me Santa Rita

Esta Santa Rita que me dá boleia ao folhetim é de Cássia, santa excelente e muito útil: não só é padroeira dos impossíveis mas também acode (ou simplesmente consola) s mulheres espancadas pelos maridos. E convenhamos, já que se está com a mão na massa, que a eliminação da violência de género só mesmo para quem realiza impossíveis.

E falemos de impossíveis, começando pelo Benfica. A pátria imortal está de luto (incluindo o sr Pinto da Costa!). A derrota frente ao Chelsea dói muito no meigo coração dos lusitanos em geral e dos benfiquistas em particular.

Pessoalmente, e peço imensa desculpa, não faço parte dos doridos. O patriotismo, tal como o entendo, não passa pelo futebol. Nunca passou. Nem no lamentável festival da canção tomei partido pelas pindéricas musiquinhas nacionais. Quero para o meu país o que de justiça lhe cabe. Nem mais nem menos.

O Benfica perdeu em Amesterdão como perdeu no Porto. No fim, quando as perninhas fraquejavam e a vontade de vencer era toldada pela prudência. Jogaram bem? Jogaram, sim senhor. Mas o Chelsea, envergonhado na primeira parte foi melhor na segunda. E não perdeu graças à “maldição dos descontos” como titula o “Público”. Perdeu nos 90 minutos que o jogo dura. Ponto e parágrafo.

Que me alegraria uma vitória? Sim, se obtida limpamente, quanto mais não seja porque não gosto do Chelsea e do seu patrão, dos “bifes” que sempre nos exploraram e do espectáculo imundo da dinheirama a rodos e obtida sabe-se lá de que maneira.

Não estou de luto, portanto.

Ou melhor: estou.

Pela Senhora de Fátima (por acaso nome da esposa favorita de Maomé!...) e pelas invocações que ela provocou.

Que o senhor Cavaco Silva ache, num alarde de fé (ou simplesmente pensando que estava a mostrar humor...) que o resultado da avaliação da troika foi inspirado pela santinha parece-me tolice. Ponto.

Que um excelente cronista (João Miguel Tavares, hoje no “Público”) venha reduzir Fátima a manobras do “Estado Novo” é ignorância crassa.

Fátima ocorreu em 1917, ano da revolução bolchevique e da entrada de Portugal na guerra. E ano do  fim da repressão aos padres e demais religiosos, subitamente úteis para confortar os desgraçados soldados apressadamente mandados para o matadouro da Flandres.

Para o matadouro, disse e repito. A tropa mal preparada em Santa Margarida por Gomes da Costa, embarcada várias vezes sob a ameaça das pistolas, mal enjorcada numa fardeta infame que depois, e graças aos ingleses foi substituída, teve de antes de ir para a frente ser novamente treinada.

Portugal, pela mão duma espécie de União Sagrada entendeu que a defesa das colónias, eventualmente ameaçadas por uns pactos secretos anglo-germânicos que partilhavam os territórios africanos, em vez de fortalecer essas frentes (Norte de Moçambique e Sul de Angola) mandou umas dezenas de milhares de galuchos para uma frente guarnecida por milhões de aliados!

A oposição à guerra também está na origem de Fátima. A Virgem terá mesmo recomendado muita reza, muito rosário, não só pela mas, e lá chegamos, contra os bolchevistas. Em 17 ou 18 quanto os líderes republicanos (ou seja, os “democráticos” e respectivos compagnons de route, afogavam no sangue, na prisão no desterro e nas cadeias milhares de sindicalistas. A tal ponto que estes chegaram a apoiar (momentaneamente) Sidónio Pais.

Portanto vir falar de Fátima atendendo apenas ao Estado Novo que só apareceria realmente depois do fim da Ditadura Nacional (1926-1933) é ignorância pura e dura.

Que o Estado Novo se aproveitou de Fátima não há dúvidas. Aproveitou-se igualmente do futebol e lá chegamos de novo à equipa do regime que nos anos 60 faria sensação no futebol internacional: o Benfica, claro, que os outros, mesmo o Sporting, equipa dos “talassas” eram, na época, verbos de encher.

O Estado Novo aproveitou, e bem, o fado, terceiro membro da trilogia laica do autoritarismo rural lusitano. E aproveitou, sobretudo, a inércia generalizada, o medo difuso, o apoio de muitos que recordavam horrorizados, o período 10-26, o período dos 51 governos! (um houve que durou menos de 24 horas!), da formiga branca, das bombas, a perseguição aos operários e camponeses, da falcatrua eleitoral (que já vinha de antes e continuou depois) e dos assassínios políticos. E a tropa, claro. A tropa que depois dos vexames sofridos (lembram-se da entrega das espadas?) foi sendo chamada à política por republicanos espertalhaços  e finalmente se instalou duradouramente no poder, apoiando Salazar, até que no descoroçoamento da guerra colonial, e movida também pela questão das promoções, se voltou a “pronunciar” a 25 de Abril. Ignorar ou esconder estas verdades comezinhas (mesmo que se saiba que a geração dos capitães de Abril estava profundamente marcada pela ideia de democracia. Mas também não é menos verdade que muitos , aliás os principais, dos que fizeram o 28 de Maio eram republicanos e defensores do sistema de partidos e, por isso mesmo, foram sendo lentamente cilindrados pelo regime que tinham criado.) é perigoso e não ajuda ninguém a perceber a crise actual, a sair dela ou sequer a avaliar os meios de a combater.

Santa Rita tem aqui muito trabalho a fazer. Portugal é seguramente terra de missão para a santa. Ao trabalho.

(ps: parece que Berlin chama incompetente a Durão Barroso. Afinal não podemos descrer de todo da Alemanha. Demoraram mas perceberam. A latere, alguém recorda o entusiasmo nacional quando Barroso foi para lá e o renovado aplauso quando lhe prolongaram o mandato? Ora lembrem-se bem, lembrem-se de quem se felicitou com “um português” no centro de decisão da Europa. Vslha-nos a Senhora de fátima!)

 

d'Oliveira fecit, 16.5.13 

estes dias que passam 293

d'oliveira, 15.05.13

 

 os tempos que correm 

 

Um dos meus escassos leitores recriminou-me por, ultimamente. pouco ou nada ter escrito sobre a coisa política. “e logo agora que lhes podias ferrar o dente...”, acrescentava velhacamente.

Dei-lhe uma explicação que, em traços gerais e bem mais leves, aqui repito.

Quando vejo e oiço o ajuntamento de criaturas que nos (des)governa e o não menos lamentável coro dos que o criticam só me lembro dos velhos clássicos do terrorismo anarquista e bombista. Da então louvada “acção directa”.

Não querendo citar o dr Soares que falava do rolar de cabeças (que já era aliás uma citação –errada – de outra citação, apenas me atrevo a lembrar os tiros pouco misericordiosos tintados de justiça popular descabelada que iam abatendo metódica e minuciosamente alguns políticos e cabeças coroadas do século XIX.

E espero que o dr Soares não tivesse tipo a esparvoada ideia de aclamar o Buiça, um pobre diabo que com má cabeça mas boa pontaria despachou D Carlos. Parece que ainda há por aí um par de tolos perigosos que, volta que não volta, lhe vai florescer a campa. Este género de pessoas seria óptima para estar na meta da maratona de Boston, no Paquistão ou na Síria. Para saber o quanto custa a vida aos inocentes.

Eu, que sou absolutamente adverso a este género de violências, tenho sentido, dia sim, dia sim, uma espantosa vontade de pegar numa escopeta e, ala que se faz tarde, à caça de coelhos e outras alimárias daninhas. (como se sabe, o coelho, graças à sua prodigiosa fecundidade é considerado uma espécie daninha em vários países, máxime na Austrália. Daí a ideia de ajudar a mixomatose com doses reforçadas de chumbo grosso certeiro).

Todavia, e como já disse, sendo pouco propenso à violência revolucionária, e desconhecendo em absoluto o manejo da qualquer arma acima do canivete ou da faca de trinchar o peru do Natal, não só não me vejo transformado em Zorro mas também, apesar de tudo, me repugna pôr a mão certeira na tromba de qualquer político. À uma porque os não apanho a jeito. Depois, porque tenho medo das infecções.

Não podendo, portanto, dar saída condigna à minha aversão a esta gentuça, optei por me ir roendo por dentro de raiva, de desprezo, de indignação.

Ouvi-los na televisão é uma agonia indescritível e, sem receio de desmentido, esta gente é pior do que os piores agentes da pide (e conheci muitos, infelizmente, e nas piores circunstâncias possíveis) que defrontei.

É que estes nem sequer cumprem ordens, por muito que uns pobres diabos no Parlamento o afirmem. Não! Esta gentuça age por convicção, por educação e por preconceito. E por ignorância supina e estupidez congénita. Estupidez social, ética, política, o que quiserem

Eles acreditam no que dizem, alguém lhes ensinou três liberalices e isso, junto com a escassa educação que receberam de pais, familiares e professores dessas universidades de meia tigela que frequentaram, fez deles o que eles são: uns adolescentes retardados com acne no que lhes resta de cérebro. Educados nas jotas e anexos, nos aparelhos partidários, desconhecedores da vida real, a política para eles é apenas o complemento da ejaculação precoce que os assalta sempre que vislumbram um número.

Então e a oposição?

A “oposição”? Que “oposição”? A que regouga na Assembleia da República, que ameaça o Presidente da República ao mesmo tempo que surpreendentemente lhe pede com unção que corra o Governo?

A que uiva com a Frau Merkel dia sim, dia não e se encomenda ao Monsieur Hollande que, no toca a tiros no pé, copia mal o sr Portas?

Ouvir o bramido repugnante que impera no Parlamento é algo a que eu nunca pensei chegar. E que fica muito para lá do que Eça descrevia  em textos da “Campanha Alegre”.

Tomemos como exemplo uma espécie de megera que fala em nome do partido dos verdes.

Como se sabe, entre nós, há uma aberrante formação política que se pretende ecologista e que vegeta no Parlamento à boleia do PCP. Que utilidade eles terão para o “partidão”é algo que me intriga. Toda a gente vê, à primeira aparição da criatura que ora, e para mal da minha digestão, evoco, que aquilo é como a melancia: verde por fora e avermelhado por dentro. “His master’s voice” e nada mais.

Num país com um sistema eleitoral menos vicioso, aquela criatura nunca ganharia uma eleição. Nem numa votação de vizinhos e conhecidos.  Ouvir a representante do povo a vociferar contra Coelho & comandita quase nos faz perdoar este. É caso para dizer “tu quoque...” Ouvir os arrebatamentos místicos dos colegas do lado que hoje enchem a boca de liberdade mesmo se lá bem no fundo, recordam com indizível saudade os democráticos Brejnev e Stalin que em questão de economia, pobreza e perseguição não pediam meças a ninguém, é de arrepiar.

Que mal teremos nós feito a Deus ou à Natureza laica para nos cair em cima uma quadrilha destas?

Ouvir um pobre diabo como o Tozé, ungido por uma norte coreana votação como condutor do partido socialista é penitência para pecados tremendos: os sete em simultâneo e repetidamente. A criatura é um indigestão e se nos cair no regaço eleitoral ainda corremos o risco de ter saudades de Coelho. Tento há meses apanhar-lhe uma ideia mas ou ando distraído ou aquilo é o Sahara da política. O indivíduo que passou o consulado socrático num jejum de declarações e num enternecedor silêncio murmura coisas desconexas e adoptou uma espécie de bota-abaixismo parecida, senão idêntica, aos agitados meses de Coelho antes da queda de Sócrates. Que eles eram (e são) como gémeos não me surpreende. Vejam-lhes a carreira, o aparelhismo, a vida profissional e apontem-me as diferenças.

Mas alonguei-me. Falar desta gente estraga-me os dentes, provoca-me náuseas e suscita-me humores coléricos medievais.

Para me proteger das cáries e do escorbuto prefiro falar de outras coisas. Protejo a saúde e não me arrisco a, num dia medonho, sair para a rua de arma em riste disposto a criar um mártir mesmo se isso mesmo é o que ocorre diariamente no Parlamento onde toda a gente sai cada vez mais mal tratada. Governo e oposição usam a mesma verborreia, as mesmas acusações, os mesmos truques, a mesma péssima gramática e a mesma escolha do mau gosto, da gritaria, do insulto e da grosseira interpretação do que eles chamam verdade.

E  nós, eleitores, aguentamos este espectáculo avinhado envergonhados com o circo dos nossos eleitos, tapando o nariz e os ouvidos e assobiando para o lado.

Foi sempre assim, diz-se. Não é verdade: nunca foi bom mas agora é pior, mais ordinário e mais insultuoso. Somos insultados diariamente por uma corja que agarrada ao poder real e a outros igualmente verdadeiros mas mais escondidos tratou de arruinar um país que era pobre mas que lá se ia aguentando. As elites parlamentares, autárquicas, regionais e outras organizaram uma quermesse  trapalhona e entenderam imitar em calão o fontismo do século XIX. E, com ele, o nepotismo, o amiguismo, a clientela e o esbanjamento.

Aqui chegados, uivam que isto está a saque e toca a espremer quem já está mais que espremido. Todavia, é bom que alguém se lembre que se isto aconteceu foi porque alguém (os eleitores) permitiu. Os Sócrates, os Abreu Amorim, os Pizarros, os Meneses, os Portas, os Coelhos o casalinho maravilha do BE e os proletários do senhor Jerónimo, dançarino emérito de tango e fox-trote, pediram e obtiveram os votos de muitos que agora se sentem lesados.

Se apenas um décimo das propostas de obras públicas que eles apresentam aos quarteirões, fosse aprovado, não estávamos como estamos, mas sim mortos e sepultados sob uma dívida monumental.

Assim sendo, e não estando eu para me apoquentar mais do que é devido (e é muito) e muito menos para entrar tão tardiamente na “acção directa” justiceira, prefiro ir escrevendo sobre coisas menos vergonhosas, livros por exemplo.

 

* na gravura: o "felize auspicioso" atentado contra o czar Alexandre       

 

O relatório de Paris

José Carlos Pereira, 15.05.13

O primeiro-ministro foi todo apressado a Paris receber o relatório sobre a reforma do Estado elaborado pela OCDE, na ânsia de que o mesmo ajudasse a suportar algumas medidas que o Governo pretende implementar.

No entanto, por aquilo que veio a público, esse relatório nada diz de especialmente novo e aponta em direcções que podem fazer sentido em alguns países mas que em Portugal seriam um desastre. Fazer aumentar o IMI e o IVA, por exemplo, para permitir descer o IRS e o IRC pode ser um exercício académico sustentável, mas com as condições económicas hoje existentes isso resultaria num agravamento fiscal intolerável.

No mais, a OCDE vem dizer o que já se sabe sobre a necessidade de aproximar os regimes públicos dos regimes privados, mas não deixa de adoptar uma perspectiva “institucionalista” ao chamar a atenção para os cuidados a ter com a redução dos recursos humanos ao serviço do Estado.

Enfim, razão tem Silva Peneda, o social-democrata que preside ao Conselho Económico e Social, que veio classificar o relatório da OCDE de “fraquinho”, sublinhando que as comparações com a realidade de outros países podem ser úteis, mas têm de levar em conta as realidades concretas de cada país. O que não sucedeu.

Um “Governo fraquinho, fraquinho, fraquinho”. Um Presidente ausente, ausente, ausente

JSC, 12.05.13

Segundo Marcelo Rebelo de Sousa o Governo não caiu hoje, o que quer dizer que “o Governo aguenta mas é um Governo fraquinho, fraquinho, fraquinho”. "Agora é uma espécie de aposta. Cai nesta semana ou cai na seguinte?", ironizou, caracterizando a governação como um autêntico "reality show” .

 

Em comentário ao comentário de MRS sempre se poderá dizer que MRS esconde, sempre, o responsável por manter este  “reality show” em cena, a massacrar a vida dos portugueses e a conduzir o país para a derrocada. Um “Governo fraquinho, fraquinho, fraquinho” só pode manter-se em funções se avalizado por alguém, igualmente, “fraquinho, fraquinho, fraquinho”. E este é um problema bem maior do que aquele que MSR explicita: “O problema é que Vítor Gaspar, na dúvida, está sempre do lado da troika”.

D iário Político 184

mcr, 09.05.13

 

O jornalista João Miguel Tavares assina no Público uma crónica sobre o assassínio de um estudante que tentou defender os cofres da Queima das fitas do Porto.

Mesmo assim, a festa finalístico-alcoólica continuou como se nada fosse. Parece que pará-la por uns momentos, máxime um dia, custaria uma dinheirama preta.

E depois, ao que alegam uns alegres beberrões, o morto era “praxista” e choraria de alegria ao saber que lhe festejam o trágico passamento com hectolitros de carrascão, cerveja e anónimos shots.

O jornalista, e bem!, pergunta-se que gentinha é esta que bebe para festejar um luto como ocorreria “entre os bosquímanos do Kalahari”-

Não tenho procuração para falar em nome dos povos Koisan, assim se chama às etnias Guy e Gana que constituem, no essencial, o grupo que habita aquelas inóspitas paragens.

Posso, porque já li umas coisinhas sobre eles, afirmar que se algum membro do clã lhes morresse em semelhante circunstância não se arrastariam bêbados como carros pelas dunas do deserto.

Há nesta gente primordial e anterior a todas as restantes populações africanas um sentido da vida, da ética e da moral que felizmente os distinguem a léguas de distância da avinhada estudantada portuense que queima fitas energia e solidariedade a jactos de aguardente ou similares.  

Au bonheur des Dames 342

d'oliveira, 09.05.13

 

 

Mais duas livrarias...

 

É provável que os leitores menos distraídos tenham reparado que, na zona do Chiado, desapareceram recentemente duas livrarias, ambas alfarrabistas: A “Barateira” e a “Camões”. Já antes, há poucos anos, soçobrara a “Histórico-Ultramarina” (Almarjão), local de devoção de todos os leitores que não se deixam encadear pela última novidade.

E que outras duas vivem nos cuidados intensivos: A velha “Sá da Costa” e a surpreendente “Loja das Colecções”. A primeira anda em bolandas em processo de falência e a segunda só abre à tarde depois da morte do proprietário, substituído por uma herdeira gentil mas com mais ocupações. Lembremos que, no espaço entre as “escadas do Duque” e o Carmo, desapareceram também outras pequenas livrarias alfarrabistas.

Agora toca a vez a mais duas: A “Olisipo” de José Vicente e a  “Artes e Letras” de Luís Gomes. Ambas no largo Trindade Coelho, a que todos chamam da Misericórdia. Local perfeito, diariamente atravessado por hordas de turistas e por isso financeiramente prometedor.

Ao que sei, depois de ambos os livreiros já terem negociado as novas rendas com o senhorio, eis que este, subitamente iluminado pelo desejo altamente cultural de valorizar o seu imóvel, se perdeu de amores por (mais um! ) projecto de “hostel”, coisa que, como se sabe rareia medonhamente em Lisboa e no Bairro Alto!...

No iminente despejo irão outros inquilinos, entre eles um restaurante que, com a reduzida indemnização que o fecho lhe trará, atirará com doze (12) empregados para o desemprego.

(sou, com mais familiares, senhorio em Lisboa e sei como nos sentíamos sob a alçada da antiga lei. Todavia, com a recente, e no que toca a lojas, prepara-se uma hecatombe.)

Ora, eis como os percursos “culturais” do Bairro Alto se afunilam de “hostel” em “hostel” numa zona que começa a estar sobrecarregada de hotelaria. A dois passos deste local, abriu mais um hotel de cinco estrelas enquanto, paralelamente desapareceram dois estabelecimentos dedicados à venda de bens culturais (a “Silk Road”, loja excelente!-  de artes africanas e uma outra livraria. E lembre-se, de passo, que também a sede da Babel migrou para parte incerta).

Outro que nanja eu viria aqui propor ao Estado, à Câmara ou a qualquer poder público diligências tremendas para não permitir esta desertificação.  Desenganem-se, porém, os apressados. Eu apenas constato a feia e triste realidade e nada venho pedir, peticionar, às ex.as

Autoridades, das quais aliás descreio absolutamente.

As livrarias desaparecidas e as prestes a desaparecer tiveram-me (e têm-me) como cliente assíduo. O Luís Gomes tinha (como esporadicamente também ocorreu com a Sá da Costa) um motivo suplementar: uma gata velha, velhíssima, já quase desdentada que que me consentia um par de carícias enquanto vagamente ronronava. Os restantes livreiros contribuíram decisivamente para a minha ajuda a debelar a(s) crise(s), empochando bom dinheiro em troca de alguns centos de livros e revistas que lhes fui comprando. E isto, só indo a Lisboa alguns dias por mês. Conheço duas ou três dúzias de pessoas só de me encontrar com elas naqueles antros de livros, pó e boa conversa. Vão fazer-me falta, muita falta. Aliás já fazem. Imaginem que a “Barateira” (onde uma vez me surgiu todo o “lagardere” , motivo de inveja de vários amigos meus que em tempos hão-de ter sonhado com a destreza do famoso espadachim)  tinha por lá em pousio um volumoso lote de exemplares da “Ilustração Portuguesa” (1906-1924, 2ª série). Namorei-o durante anos, prometendo a mim próprio começar a comprá-los caso caísse na tentação de me atrever àquela copiosa revista. Quando, finalmente, me resolvi, eis que dou com a porta fechada “por motivo de férias” como dizia um papelucho. As férias prolongaram-se indefinidamente e o encerramento ocorreu mesmo. Consta que as instalações são agora sede  de uma empresa  que organiza “eventos” (assim mesmo!) que há muito se encantara com um jardim traseiro muito bonito!

No meio de desastres tão variados como os que vivemos (desde a crise propriamente dita, ao regresso inocente de Sócrates “o injustamente maltratado”, desde a merencória desaparição de Relvas, o “pesquisador da verdade”, até ao balbuciar tremelicante de Seguro, desde as arremetidas de um quarteirão de criaturas vociferantes até à inépcia evidente de Passos, desde a ultrajada inocência nacional até ao infame, vil e despudorado egoísmo dos ricaços do norte, tudo nos cai em cima!) seria quase indecente estar para aqui a carpir o fim de umas quantas livrarias ou a condenar o desejo de ganho de um par de senhorios. Todavia, ocorre-me que esta equação livrarias a menos, hotéis e restaurantes caros a mais, pode acabar com um bairro tradicional e com uma história cultural de quase duzentos anos. E que os batalhões de turistas que agora se derramam por estas míticas paragens não passam de uma moda, provavelmente passageira: o turista raramente repete os anteriores passos e muitos deles só aparecem porque, por enquanto, as coisas são diferentes, baratas e estão na moda. (Venho de uma terra que cresceu muito à conta de um turismo que, em dez escassos anos, começou a rarear : apareceram praias mais “in”, águas mais quentes, já pouca gente necessita das linhas férreas da Beira Alta e do Oeste, de resto desactivadas..., para ir a banhos. Entretanto, a cidade descurara os seus tradicionais meios de subsistência, a pesca, as conservas, os estaleiros navais, o tráfico marítimo para se concentrar na caça ao veraneante, coisa mais fácil e proveitosa. O resultado está à vista: basta dar um salto à Figueira para perceber que nem o milagre da multiplicação das autoestradas vazias a salva).  

E se, em vez de abaixo-assinados e outras vulgaridades pretensamente cívicas, os meus leitores experimentassem uma visita a estas duas livrarias que ainda mexem? E se prolongassem o passeio pela “Bizantina (Rª da Misericórdia) Trindade (Rª do Alecrim), Burnay (rª da Chagas), Letra-livre, Nova Eclética (Calçada do Combro, ambas) , ir até à Calçada do Duque, à Rª Anchieta ou finalmente descer a R Nova do Almada? De certeza que não perderiam o seu tempo e ficariam, pelo menos, com uma visão que um futuro incerto poderá fazer desaparecer.

E os do Porto? Pois no Porto os alfarrabistas resistem à crise como podem e ainda não se vê sinal de fecho de lojas. Um passeio da rª de Entreparedes ( Manuel dos  Santos) até à rua das Flores (Chaminé da Mota) e daí para a zona do “bairro do livro” ( Académica, Lumiére, Vieira, Homem dos livros, Paraíso do Livro, Sousa & Almeida e Morreira da Costa), donde se pode partir para a confluência Cedofeita/Figueiroa (Candelabro e Varadero).Mais abaixo, na confluência Cedofeita torrinha está a in libris que me caçou recentemente um bom pecúlio. A partir daqui para oeste há ainda a Esquina (foco) e para leste a Utopia (Regeneração). Em todos estes poisios encontrei (e encontro) excelentes livros, profissionais de mão cheia, gente que gosta de livros e que é facilmente acessível graças à internet para quem não está para grandes caminhadas.

Hoje em dia, a massificação imposta às livrarias de novidades, a concorrência das fnac & assimilados, fazem com que seja nos alfarrabistas que o leitor pode encontrar (e encontrar-se) o livro que procura. 

Leitores e amigos, encore un effort et le livre sera sauvé (como diria o divino marquês) Arrisquem um passeio por estas simpáticas lojas, esqueçam por momentos a estridência da crise, o vociferar das oposições a languidez governamental: há por aí um livro, uma aventura, um sonho, uma primavera à vossa espera. (rima e é verdade)

Vosso companheiro em leituras várias

mcr

 

na estampa: a olisipo tal qual ainda a podemos visitar. Ao fundo o grande livreiro sr. José Vicente