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Algumas verdades sobre a feira do livro
Ao que consta a feira do livro do Porto não se vai realizar. A Câmara Municipal não parece disposta a entregar cash cerca de 80.000 euros. A vereadora do pelouro afirma que a CMP cede o espaço, não cobra taxas e outras alcavalas a elas associadas, garante a limpeza do local e outros serviços necessários mas dinheirinho vivo, nada.
E acrescenta que, num momento de aperto, mal pareceria que se financiasse uma actividade comercial.
E lucrativa, permito-me acrescentar, pois todos os anos, interessado que sou, vou sabendo dos comentários dos editores e dos resultados que eles confessam.
Sou um comprador compulsivo de livros. Contas feitas, nos últimos cinquenta e dois anos de vida, comprei um livro por dia. Leio como um desesperado, já fui sócio de uma editora, idem de uma livraria, sem falar nas cooperativas livreiras a que pertenci Traduzi duas dúzias de livros e escrevi três.. Tenho, pois, algum conhecimento da matéria.
Ora vejamos como é que funciona o mercado livreiro.
Em termos simples, para não assustar nenhum leitor, a coisa é assim. Um editor produz um livro, paga ao autor, eventualmente ao tradutor e entrega a obra a um distribuidor. Em termos simples, este recebe o produto por 50% (ou menos ainda) do preço de capa. O distribuidor coloca o livro nas livrarias que teoricamente o recebem a 70% do preço de capa. O leitor compra o livrinho pelo preço lá marcado, digamos 100% do preço de capa.
Isto admite variantes nas percentagens mas o que importa saber é que, na “feira do livro”, a venda se opera de editor a leitor.
O desconto habitual neste negócio vai de 10 a 20%. Todos os dias, um ou dois livros são apresentados com descontos superiores (30 a 40%).
Não vou sequer debruçar-me sobre o facto de os maiores descontos incidirem, sempre ou quase sempre, sobre “monos”, peças invendáveis cuja principal utilidade poderia ser amparar um pé de mesa mais curto que os restantes.
Vou apenas relembrar que um editor que coloca o seu produto a 80% do preço total de capa, ganha quase toda a percentagem dos intermediários.
Virem agora estes cavalheiros ou quem os representa pedir por cima deste lucro excepcional mais oitenta milongas à CMP arguindo prejuízos eventuais parece-me má fé, para não usar expressão mais forte e justa.
Entretanto, ao que leio, há um grupo de criaturas (há sempre...) que zangada com a Câmara, com o dr Rui Rio, com a troika, com o mundo ou com as cólicas de estômago, que se propõe manifestar exigindo uma feira. A feira já! A do livro, claro, nunca a cabisbaixa, que não terão lido.
Exigem uma feira e os morabitinos camarários para a fazer. Tudo em nome da “cultura”, palavrão muito em uso que, por razões que se ignoram, não se aplica às livrarias que perdem diariamente leitores. Diariamente!
Abafadas pela “fnac”, pelos hipermercados que vendem os best-sellers do momento, as livrarias são como as casas mortuárias só que com menos gente.
A lusa gente não põe o pé na livraria nem à lei da bala. Mesmo se, como é sabido, estas multipliquem as ofertas, ofereçam 10% sobre o preço de capa, proponham títulos que as grandes superfícies nunca têm nem querem ter (poesia ou teatro, por exemplo).
Nunca vi ninguém manifestar-se a favor de um pagamento camarário às livrarias. Que pagam todas as taxas, todos os IMIs, toda as alcavalas e impostos para não falar dos restantes custos fixos que são, como calculam, imensamente superiores aos custos das barraquinhas da feira.
Durante a “feira”, as livrarias, se já tinham poucos clientes então ficam nas vascas da doença do sono, do dengue, da catalepsia. Mas isso ninguém vê. Ninguém quer ver.
O grupo de esparvoadas criaturas que, agora, possuído de furor uterino pela “cultura”, vocifera por uma feira paga pelos dinheiros públicos a produtores privados (os editores) deveria meter os pés a caminho e, uma vez por semana, entrar numa livraria e, vá lá, comprar o mais baratinho.
E ler. Ler qualquer coisinha.
Enquanto leem, não dizem, nem fazem, disparates.