Diario Político, 189
Portugal no seu melhor 3
Da utilidade dos bancos
Confesso que sempre tive uma relação desconfortável com os bancos. Nunca percebi bem o sinuoso caminho que, dentro deles, o meu escasso dinheiro toma, nunca recorri a empréstimos, tenho uma sólida desconfiança à barbara terminologia que por lá se usa e, juro, sempre tive de perguntar a alguém misericordioso o que é um spread. Ou uma imparidade. E por aí fora.
Não vai nisto nada de ideológico, podem crer. Considero os bancos algo tão necessário como um purgante ou o Estado. Sei que há bancos ou algo semelhante desde o trecento italiano e que os países ditos “socialistas” também os tinham, mesmo se com algumas particularidades que os tornavam ainda mais opacos do que a opaca banca capitalista.
Portanto, frequento o banco, sempre em bicos de pés, pois é lá que se pagam uma série de despesas (água, luz, gás, etc) é por lá que recebo a miserável pensão de reforma que diariamente emgrece, é lá que pago multas é lá que levanto dinheiro. No banco ou nessas maravilhas tecnológicas chamadas multibanco que outros frequentadores mais duvidosos tratam de rebentar com gás.
E é por transferência bancária que pago muitos dos livros que compro, sobretudo aqueles que encontro em alfarrabistas.
Ora, justamente, descobri num amável alfarrabista francês de Bayeux, um exemplar do livro “Florence et la Toscane” de Eugene Muntz, na celebrada edição de 1901. Celebrada porque, não sendo a primeira, é seguramente a mais cuidada e bonita das muitas que o livro teve (e ainda tem!). Encadernação muito trabalhada, primorosa, inteira pele, gravação dos motivos e letras a frio, folhas douradas, enfim uma perdição mesmo para os que, como eu, querem antes ler do que ter.
E a edição em causa, de que tenho um exemplar com o miolo em péssimo estado (perdido na pior das hipóteses) a lombada destruída e as capas com alguns (muitos) pontos estragados, é excelente. Uma iconografia riquíssima, gravuras de alta qualidade, tipo de letra mais que bom, enfim, uma regalada leitura.
Ora, nas consultas que, entretanto, fiz, descobri que o cavalheiro de Bayeux (que jurava pela qualidade do exemplar, atestando com uma fotografia) vendia o seu exemplar por um preço quase de saldo. Claro que isto de alfarrabistas, cá ou lá, é um labirinto. Já vi o mesmo livro ser valorizado de 100 a 1000 sem perceber o porquê de tal disparidade.
Investiguei tanto quanto me foi possível e decidi-me. Para o efeito, o livreiro indicou-me o seu IBAN, o respectivo swift, o preço final já com custos de expedição.
Quando se compra um livro de lá de fora por transferência bancaria, temos sempre de recorrer ao banco. Não há volta a dar-lhe (ou pelo menos foi isso que me explicaram atenciosamente).
Dado ter a minha conta domiciliada em Oeiras, mesmo vivendo no Porto, tive de pedir ali que ordem fosse dada para aquela agência. O que foi feito à minha frente tendo-me sido fornecido cópia escrita do meu pedido. Assim, no dia 5 de Agosto comuniquei ao vendedor que no prazo de um, dois dias o cacauzinho lhe cairia na conta. A 13 de Agosto, o vendedor, cortez mas firmemente, enviava-me um mail a referir que a sua, dele, conta continuava sem os euros que eu lhe anunciara triunfantemente.
Corri ao Banco e a funcionária que me atendera jurou-me que enviara a minha ordem não só para a minha “gestora” de conta mas também para a agência, não fosse dar- se o caso da primeira estar de férias.
E, à minha frente, falou com a gente de Oeiras e voltou a dar as mesmas instrucções. De todo o modo, como vinha para Lisboa passar uma quinzena com a minha mãe, entendi dever ir ao banco e verificar se, desta vez, as coisas estavam a ser resolvidas. Estar, estavam, mas como eu calculara a gestora de conta estivera em férias e uma outra criatura de Oeiras jurou-me e trejurou-me que na agência ninguém soubera de nada até à data da minha reclamação (13 de Agosto) no Porto.
Para além de não saber em quem acreditar, o ponto que interessa é outro: como é que as simples e legítimas férias de alguém deixam um cliente sem poder fazer o que, também legitimamente, quer?
No caso, o máximo que poderia acontecer era o livreiro, dada a minha falta de pagamento, vender o livro a outrem. Mas se se tratasse de algo mais grave e importante?
Não deveria o banco ter um sistema de substituição de funcionários que, justamente, prevenisse este tipo de ocorrências? Suponhamos que era o cliente quem ignorava um recado do banco, sei lá, um aviso de conta a descoberto. Será que o banco aceitaria uma desculpa do tipo “estava de férias"? Alguém acredita que perdoaria os juros nessa eventualidade?
Nós, cidadãos, somos tratados pelo Estado, pelas Câmaras Municipais, pela Segurança Social (ainda hoje a minha Mãe foi avisada que “é intenção do CNP de proceder à suspensão do pagamento da sua pensão por existirem indícios de perda do direito à prestação” caso não faça prova de vida no prazo de trinta dias (suponha-se de novo que juustamente hoje teria partido passar uns tempos de férias), pelas Empresas Públicas e Privadas como se não passássemos de um bando de criaturas de maus instintos, mentirosos e incumpridores, incapazes de respeitar qualquer regra.
Não somos cidadãos mas meros súbditos para esta gentuça que vive à nossa custa, em cima de nós, graças a nós. Cospem-nos na sopa e chamam-nos porcos, é o que é.
E o banco, sempre solícito, na primeira fila da exigência e da irresponsabilidade...
*na gravura: o Banco da China, esse farol do solialismo marxista leninista maoísta (O amici miei dove siete?)
d'Oliveira fecit 25-08.13