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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 297

d'oliveira, 13.08.13

Mal, muito mal,

 

Meu caro Portugal

 

 

 

Ai Portugal se ao menos fosses só três sílabas, sul sol e sal, escrevia alguém, assim ou parecido, já não recordo e daqui deste lugar diante do mar, destino antigo, fado nosso agora só bom para turistas de pé descalço e esgoto, quero escrever sobre o menino, ontem entrevisto na televisãoo.

 

A história é simples:

 

Um miúdo, que vive em cu de judas mais velho, para lá duma serrania de que esqueci o nome, um miúdo de dez anos brinca com o telemóvel enquanto guarda um cento de ovelhas pertencentes(?) à família.

 

O garoto é esperto, rápido na resposta e, segundo testemunhos familiares, bom aluno. Vai entrar no 5º ano com uma média de quase 5. Quer ser algo mais e algo melhor do que pastor de cabras numa montanha antiga e íngreme. O pai – e um irmão que também falou – querem para ele as oportunidades que não tiveram. E têm orgulho no pequeno que guarda bem o rebanho enquanto num caderno fatigado vai fazendo contas “para não esquecer o que já aprendeu”.

 

E sonha em ir à praia que nunca viu mas imagina (ou sabe pela televisão) que tem água, “muita água, gente, areia e sol”. E, sonha, porque não?, em ir ao centro comercial onde há “lojas de roupa e de brinquedos”. Detrás do adulto à força espreitam dez intensos anos e um horizonte de brincadeiras.

 

Mas, entretanto, enquanto o Verão vai correndo, ele tem cabras todo o dia, o caderninho das contas para ”se não esquecer”, um telemóvel onde joga algum jogo e a montanha desumana, íngreme e quente.

 

Ao domingo, brinca com os primos... E, como no poema de Prévert, ou quase, não tem tempo para se aborrecer por saber que a seguir vem uma segunda feira de cabras, monte, canseira e o temor de algum lobo à espreita.

 

Que merda de país é este onde um menino, muitos, demasiados meninos, não têm outras férias que não estas de trabalho adulto e estes desejos tão simples, tão pueris, de ver um centro comercial e uma praia onde há areia, gente e muita água. E ele lá atrás das montanhas que se orgulha de saber nadar...

 

Oiço, irritado e triste, uns políticos quaisquer (neste momento um rapazola do PPD, outro do PS logo de seguida e finalmente uma rapariguinha do bloco todos a “mandar vie” um par de ninharias, dois narizes de cera, um chorrilho de imbecilidades que, todas espremidas, não dão água que valha para matar a sede a uma cabra no monte para lá do sol posto onde um pequeno cidadão escreve números num caderninho e sonha com o mar, tanto mar e um pobre brinquedo à venda numa loja de um centro comercial.

 

Desculpem se isto vos parece piegas ou, pior, populista. É que. Às vezes, o cronista, para não começar seriamente a bater esta gentalha a tiro de caçadeira, tem de olhar para o lado para um cachopo com um metro e pouco de olho azougado e que se chama, será assim?, Joel, Joel guardador de rebanhos.

 

E sonha um mundo melhor. Mas, logo de seguida,

 

“E eu pensando em tudo isto,

 

fiquei outra vez menos feliz...

 

fiquei sombrio e adoecido e soturno

 

como um dia em que todo o dia a trovoada ameaça

 

e nem sequer de noite chega...”

 

(Pessoa/Caeiro “o guardador de rebanhos, IV, in fine)

 

   

 

estes dias que passam 298

d'oliveira, 13.08.13

 

Quantas horas tem o dia?

 

Anda por aí um movimento que pretende negar aos deputados em exercício de funções o direito de se candidatarem a órgãos autárquicos.

Desconheço as exactas razões desses contestários mesmo se perceba (e tenha, na prática, verificado o descaso com que vários eleitos tratam o posto autárquico conquistado nas urnas) alguns dos motivos que levam estes auto proclamados combatentes da ética política a ameaçar recorrer aos tribunais.

(parêntesis: começo a pensar que, segundo alguns cidadãos, que não estão acima de toda e qualquer suspeita, mais valia entregar o país às magistraturas. O Supremo Tribunal ficaria com a presidência da república e um par de ministérios, o Tribunal de Contas com a Economia e as Finanças, o Supremo Administrativo com o ministério do Interior e ao Constitucional reservar-se-ia o Parlamento. As áreas das CCR ficariam sob a alçada das Relações, os Tribunais de círculo tomavam conta dos distritos e os julgados de paz fariam vantajosamente as vezes das freguesias.

Os ilotas, isto é, nós todos, os cidadãos inermes continuaríamos como até agora a pagar e o Conselho Superior da Magistratura substituiria com as suas reuniões as eleições. Até ficava mais barato.)

Mas não é desta sanha “justicialista” (eu disse justicialista e quem não souber que vá ao dicionário ou à Wikipédia) que pretendo discorrer neste amável e inconstante mês de Agosto.

De facto, lendo com imerecida atenção, o sempre inconstante “Público” dei com um comentário do senhor José Junqueiro, eterno e inamovível deputado de PS que também concorre a um qualquer lugar em Viseu.

Dizia, pois, o azougado JJ que os que contestam a sua patriótica decisão de se sacrificar em Viseu deveriam antes disso trabalhar tanto quanto ele, JJ, o diligente. Que dedica a essa nobre tarefa 18 (dezoito) horas diárias.

Ignoro se essas dezoito horas de labor ocorrem apenas aos dias úteis ou se englobam também o fim de semana como quero crer que acontece ou não fosse JJ um exemplo gigantesco de pai da pátria. 

Se JJ, pessoa a quem não posso acoimar de mentiroso, diz que trabalha dezoito horas, quantas lhe restam para o resto?

Ora vejamos: JJ comerá as suas três refeições diárias – uma hora e um quarto;(excluo o lanche, ou merenda para os mais puristas), tomará o seu banho diário- um quarto de hora; lavará os dentinhos depois de comer outro quarto de hora; , defecará pelo menos uma vez por dia –mais um quarto de hora caso não seja desses que levam uma leitura para a retrete coisa que duplica o tempo de evacuação; fará meia dúzia de xixis, lavará as mãozinhas depois: tudo junto quarenta minutos; escanhoará a face viril diariamente – um quarto de hora, assoar-se-á q.b., vestir-se-á e calçar-se-á também diariamente Por tudo, vinte minutos se não for cuidadoso a escolher as gravatas, as meias e os sapatos.

Depois temos que não dormindo na Assembleia sempre demorará entre um quarto de hora a meia hora mínimos no ir e vir se andar de táxi. Com carro próprio contar o triplo dando o desconto para tirar e pôr o carro na garagem, estacionar no parque privativo da Assembleia. Há-de tomar alguns cafés durante o dia o que, a cinco minutos cada café, pode dar algo como um quarto de hora.

Lerá um jornal por dia e mais um par de revistas semanais durante o fim de semana. Nisso, se ler depressa, e perceber logo à primeira consumirá a sua boa meia hora que deverá ser acrescentada a outra meia diária no caso de ler um livro por mês (e em português porquanto se for em língua estrangeira presume-se que JJ terá que demorar mais tempo, pois é bem sabido que os deputados falam e entendem patrioticamente mal o linguajar dos bárbaros.

Tudo somado temos que, não havendo outros impedimentos, telefonar, ver televisão, conversar, olhar para o ar ou para as pernas da vizinha, ir ao médico, engraxar os sapatos, comprar pasta de dentes ou um quilo de batatas, limpar os óculos, falar com a família, ceder a um capricho mesmo que não seja erótico, etc..., temos que estão gastas mais quatro horas e três quartos ou mesmo cinco e um quarto.

Sobram, portanto, para este parlamentar incomparável, entre quarenta e cinco minutos e uma hora e um quarto para dormir.

Convenhamos que parece pouco, mesmo tendo em conta o facto de JJ ser, como se sabe, um génio e um super-homem sem kriptonite. É que o sono tem leis e a falta dele consequências.

Ou, como diria Goya, a razão política necessita de sono mesmo se, como é sabido, o sono da razão produza monstros. Dentre eles, o da mentira descarada e do auto-elogio a outrance e o da incapacidade de autocrítica.

Estamos na silly season mas mesmo assim JJ escusava de dizer tnta parvoíce em tão poucas palavras. A menos que aplique às suas 18 horas a prova dos noves. Ou seja 18 noves fora NADA!