Recordando um par de verdades
1 nos idos de 74, Angola era palco de uma guerra civil entre três movimentos guerrilheiros, igualmente fracos e igualmente desprovidos de apoios populares extensos. A FLNA tinha a sua gente no Norte, quase até Luanda e a sua base no povo ba-kongo. A Unita, semi domesticada por Soares Carneiro, apoiava-se nas populações do leste mais remoto, enquanto o MPLA gozava de alguma implantação nas zonas urbanas do centro e especialmente em Luanda.
Foi o MFA local quem deu o apoio mais forte e veemente ao MPLA. Isto mesmo antes da ajuda da União Soviética e da chegada maciça das tropas cubanas. Contra o acordado no Alvor, algumas personalidades portuguesas (Melo Antunes entre outras) forçaram o apoio ao MPLA dando-lhe na secretaria o que não obtivera no terreno.
O regime angolano actual deve a sua actual posição dominante aos portugueses, mesmo se depois, alguns alucinados se perderam de amores pela UNITA (e por todos o jovem Soares, filho) que também teve, entre os colonos espavoridos e em fuga algumas simpatias.
A História é como é, o MPLA ganhou a batalha. A guerra civil que se seguiu (ou as guerras civis, se é que do massacre dos nitistas se pode falar como guerra civil) estabeleceu duradouramente o domínio do actual partio no poder. E neste, o domínio de uma clique que percebeu que estas coisas não são eternas e que, portanto, o melhor é ganhar a vidinha o mais depressa possível.
A “nova classe” dirigente angolana cedo percebeu que havia que diversificar os investimentos e aplicar as fortunas ganhas com o suor de alguns rostos que não o seu em países ocidentais. Em Portugal, por exemplo, tão carecido de moeda forte.
Em troca, ou não exactamente isso, tornaram Angola extremamente atraente para oito ou dez mil empresas portuguesas e para cem mil novos emigrantes. E, já agora, exilou para a antiga metrópole uns centos de descontentes, de banidos, de ex-dirigentes (até do MPLA!).
Nos países novos, a reconversão dos velhos chavões marxistas, tornados imprestáveis pelos afluxos de dinheiro e pela miséria constante das massas, as dificuldades políticas resolvem-se sempre da mesma maneira: prendem-se os mais vociferantes, compram-se amigos e, em caso de força maior, amotinam-se aos consciências contra os antigos colonizadores.
Assiste-se a esta piedosa cegada desde os primórdios dos anos sessenta, logo que nos países recém-descolonizados surgiram as primeiras dificuldades. Se os nossos jornalistas e os nossos políticos fossem mais atentos já nem se preocupariam com estes assomos de dignidade ofendida.
Em Portugal, para sermos equânimes, a perda das colónias não se digeriu com especial facilidade. Sobretudo se estas enriquecerem, como é o caso de Angola. A gentuça de cá estende a pata mendicante e chorosa a toda a espécie de ricos mas nunca aos “pretos”. Quando aparece por aí um cavalheiro (ou cavalheira...) “africano” (para se assumir uma expressão mais politicamente correcta) a comprar empresas ou apenas a frequentar as lojas de luxo da Avenida da Liberdade, ai Jesus que o mundo está de pernas para o ar.
É neste contexto, neste jogo de falsos espelhos, que se deve pensar esta zanga de comadres.
Do “nosso” lado com uma agravante. É que, por razões de vária ordem, boa parte das “makas” entre angolanos desaguam em Portugal. No caso um ex-embaixador de Angola e um jornalista (Rafael Marques) do mesmo país, entenderam denunciar um par de factos que, a ser verdadeiros (coisa que sendo plausível, provável quase evidente está, todavia, por provar) indiciam grossas irregularidades.
O excelso Ministério Público português entendeu dever investigar as denúncias. O que só o honra. O que já não parece tão honrado é o facto das investigações durarem há anos ( parece que para isso o MP não tem prazos a cumprir!) e, mais grave, por surgirem na imprensa, por obscuro milagre, muito português e muito comum, os nomes das personalidades angolanas investigadas.
Isto, como é evidente irrita os investigados que, vêm os seus nomes arrastados na lama. E mais os irrita, porquanto, ninguém os ouve (não são arguidos!...) nem ninguém explica como é que uma investigação em segredo de justiça transpira tão abundantemente cá para fora. Não é a primeira, a segunda ou a décima vez que tal facto ocorre. Diria mesmo que a regra, entre nós, é o assassínio civil de suspeitos e arguidos muito antes dos processos se darem por concluídos. As fugas de informação são o pão nosso de cada dia e por mais que se proteste ninguém, para lá das paredes do MP, se dá por achado. A coisa parece um mistério gozoso. Como se alguém dissesse: podes safar-te no julgamento mas da vergonha pública nunca mais te livras.
Que os portugueses achem que isto é consubstancial à nossa “Weltanschauung” lusitana, vá que não vá. Os angolanos e, regra geral, os estrangeiros, pouco habituados à doçura dos nossos costumes, é que não estão pelos ajustes.
Para juntar mais sal a esta palhaçada, eis que o renascido sr. dr. Machete, travestido de ministro dos Negócios Estrangeiros entendeu tolamente pedir desculpas a Angola. Desculpas por quê? Houve algum caviloso ataque à república angolana por parte do governo português? Ou estamos, tão só, perante um caso (se caso há..) de actividades privadas de cidadãos que também agiram a condição de privados?
Se o sr Machete entende, como eu entendo, que este longo, longuíssimo, arrastar de suspeitas não provadas sobre pessoas que ninguém acusa formalmente, mas que aponta à execração pública de cá e de lá, então tinha duas hipóteses:
À uma, propunha dentro do Governo que se tentasse legislar no sentido de dar prazos certos e intransponíveis ao MP no que toca a processos deste teor, fornecendo, entretanto, meios suficientes a tal instituição para esta realmente funcionar e deixar de fazer de conta que anda mas não anda.
Ou então saía do Governo, onde até ao momento nada fez de útil ou sequer entusiasmante, e cá fora, como cidadão interessado na democracia e na transparência exercia o seu direito de crítica ao MP e de amizade em relação a Angola, aos seus dirigentes, aos amigos destes, ao MPLA ou às viúvas da Catumbela de Baixo.
Que um par de laparotos do “Jornal de Angola, redijam umas frechadas imbecis sobre a honra perdida dos seus amigalhaços e tentem transformar um caso privado numa questão política internacional, diz tudo sobre o modo como o regime angolano tem moldado a opinião pública angolana e como pretende fazer desta “his master’s voice”.
Resta, como acima já se notou, a irresponsabilidade política, legal ética e moral, daqueles que levantam o véu so segredo de instrução dos processos. Há fugas e há responsáveis. Se estes estes pertencem ao MP ou são apenas espíritos celestes enviados pelas Erínias à terra, não sei. Que, à falta de outros responsáveis evidentes, as pessoas cá de fora, apontem baterias a quem conhece os segredos e os processos e os devia manter na obscuridade prudente em que eles deveriam viver (ou vegetar), parece óbvio. O MP é uma instituição mas não está acima de nenhuma suspeita. Os seus membros sejam a Sr.ª Procuradora Geral ou, simplesmente o(s) magistrado(s) encarregado(s) da investigação (para já não falar do porteiro, do arquivista, do gato da vizinha ou dos “ratos da Inquisição”...) também não. Ao encresparem-se, pessoalmente ou por interpostas e zelosas pessoas muito defensoras da separação de poderes, tornam mais evidente e mais dramática a situação de confusão que se instalou.
A deputadagem que, à falta de legislar bem, de resolver os problemas dos portugueses, de trabalhar sensatamente, abriu as goelas num grasnido incomensurável e aviltante, recomendar-se-ia, se valesse a pena, bom senso e (mais difícil ainda) bom gosto. Mas é trabalho escusado!
Arre!
na gravura: o JA (Jornal de Angola)melhor faria em pensar como alimentar este menino, como garantir-lhe um crescimento equilibrado, liberdade política e direito de escollha desde já. A ele e aos milhões de outros cidadãos que nunca são defendidos, apadrinhados, sequer lembrados nas páginas daquele periódico.
d'Oliveira fecit 22.11.2013