notas sobre os festejos fúnebres
Parece que o senhor Passos Coelho foi a uma reunião magna do seu partido falar de eleições. Da criatura já nada me admira, mas mesmo estando prevenido, ia caindo de espanto.
Para justificar as derrotas de Gaia e Sintra eis o que o homenzinho disse:
Em Gaia, a culpa é do dr. Menezes, o candidato que ficou num miserável e vergonhoso terceiro lugar no Porto. Sicut Passos Coelho, Meneses pediu e obteve “carta branca” no terceiro ou quarto maior município do país. E como Meneses, o invencível, fora líder do partido eis que Coelho o ingénuo entrega a cidade de mão beijada ao ex-presidente e ao PS!
Em Sintra, Coelho o inteligente (só se for em touradas de segunda!), não podia aceitar a “intolerável chantagem” do ex-vice de Seara que se atreveu a candidatar-se antes mesmo do “partido” ter decidido. Perante esta inominável ousadia, só restava a Coelho propor a inefável personalidade do senhor Pedro Pinto, uma obscuridade decadente e presunçosa que andava lá pelo refugo do sótão do PPD. Pimba! Outro medonho terceiro lugar.
Num e noutro caso, o PPD teria ganho por maioria absoluta estas duas importantíssimas câmaras.
Convenhamos, isto até parece mania, que Seguro, o miraculado (o reino dos céus pertence a este género de pobres), também meteu o pé na argola.
Em Matosinhos, tinha um candidato benquisto pela população, inteligente e que fizera obra. Todavia, por obscuras e imbecis razões, eis que lhe tiraram o tapete, apresentando para presidente uma criatura infrequentável que se tornara conhecida na bagunça da lota de Matosinhos, por alturas da candidatura Sousa Franco às Europeias.
Há uns largos meses, cruzei-me com um dos membros da equipa de Guilherme Pinto que me confidenciou que esperavam (já nessa altura) a maioria absoluta. Nem assim Seguro & comandita pensaram. E foi o que se viu: o candidato derrotado (esmagado) da direção do PS bem que se passeou mão na mão com outro cadáver político (Narciso Miranda) saído do PS devido às mesmas tristes cenas da lota matosinhense. Miranda andou depois numa candidatura anti-PS, tentou arrebatar-lhe votos e fez uma pertinaz oposição ao PS e a Pinto, quando elegeu alguém para a vereação.
Pois nada disto, deste conúbio apalhaçado e vergonhoso, teve artes de iluminar as cabecinhas socialistas em geral e a de Seguro (a existir, autonomamente) em particular.
No Porto, cidade em que vivo e voto, o PS apresentou um candidato que já aqui foi (e não por mim!...) descrito como um anti-candidato. Eu, enganado pelas previsões, augurei-lhe um terceiro lugar mas a inépcia e a arrogância de Meneses foi tal que lhe deu um segundo lugar. De todo o modo, convém lembrar que o bizarro dr. Pizarro teve praticamente metade dos votos da dr.ª Elisa Ferreira que, em seu tempo, aqui critiquei. Metade dos votos de uma votação que já fora um desastre é obra! Convém, todavia, dizer que Pizarro fez um discurso de derrota decente senão digno.
De todo o modo, sobre esta cidade, já se disseram tantas e tais coisas que urge pôr um travão de humildade ao desenfreado e irreal discurso sobre a “invicta”.
É verdade que, por aqui, há uma velha camada burguesa e politicamente transversal, que cultiva (quanto mais não seja por snobismo ou inércia) as velhas tradições liberais. Faço parte dela e sinto, como ela, a indignação e a vontade de não aceitar imposições sobretudo quando tal significa despesismo, burrice e pouca educação (e menos savoir vivre...).
Nunca fui adepto do dr. Rui Rio (e isso ando por aqui escrito) mas reconheço o seu esforço e a sua tentativa de parar com a hemorragia financeira e com o descalabro gastador que assolou a cidade. E com a irresponsabilidade económica e financeira que atingiu não só certos dirigentes partidários mas, e sobretudo, alguns agentes culturais. Nunca votei nele o que, espero, me torna ainda mais insuspeito. Todavia, deixa uma cidade melhor do que aquela que lhe foi legada e só por estultícia ou má fé é que se pode argumentar que poderia, com os mesmos meios, fazer mais. Para desvarios de dinheiro bastaram as loucuras da capital cultural cujo vero símbolo é um edifício horrendo, caríssimo, encomendado sem definição de quaisquer funções, e que, actualmente, está alugado a preço vil a uma entidade que nem sequer o estima.
Entregar ao dr. Meneses, o soberbo, a cidade, sabendo como se sabe o que ele fez a Gaia (quer de bom quer de mau) era correr o risco de nos afundarmos de vez num pântano de dívidas quando não na falência pura e simples. Todo o discurso deste cavalheiro ressumava a promessas infundadas, financeiramente insustentáveis, culturalmente discutíveis senão medíocres ou de péssimo gosto. A campanha viciosa que desenvolveu, as ajudas aos pobrezinhos que lhe batiam à porta, as churrascadas oferecidas à populaça (o panen et circenses) o disfarce maroto de se apresentar como se a candidatura fosse apartidária, tudo isso “encheu as medidas” às elites tripeiras e, pelos vistos, a uma enorme multidão portuense que vai muito mais além das clientelas eleitorais de algum PPD e do CDS. Toca, e de que maneira, muito socialista e pode mesmo ter ido ainda mais além. Basta contabilizar os votos, a queda das freguesias (só duas ficaram na mão de socialistas e social-democratas), os anteriores resultados e a abstenção para ver como foi profundo o efeito Rui Moreira. E, sobretudo, sabia-se que o candidato vencedor não vivia da política, das prebendas partidárias, que fazia parte da sociedade civil e industriosa que sempre se notabilizou na cidade. É claro que, provavelmente, também se reagiu ao sistema fechado partidário, ao peso insuportável dos aparelhos, ao desdém com que tratam os cidadãos e aos malabarismos com que disfarçam a má governança. E, obviamente, há aqui alguma punição da desastrada maneira como Passos e outros governaram. Digo alguma, porquanto a escassa votação em Pizarro demonstra claramente que a alternativa política nacional que ele proclamava não convenceu.
Mas no Porto houve outras notícias. Se o PS perdeu 19.000 votos, o BE perdeu a enormidade (ara os fracos recursos dele) de 1500 e o PC (o tal que, dizem, ganhou não sei bem o quê) teve um decréscimo três vezes maior (menos 4.400 votos!)
Mesmo correndo o risco de repetir o que outros já disseram, convém não valorizar demasiadamente a quintuplicação de câmaras do CDS ou a reconquista justa dos territórios que o PCP alcançou. Curiosamente, o PS que cantou vitória (clara, claríssima) esqueceu as perdas no Alentejo e a espertalhice gorada no caso de Beja.
Mister é ocuparmo-nos um pouco da vitória rosa. Em termos nacionais o número total de votos alcançados não é exibível. O PS tem menos votos do que os alcançados há quatro anos. Tem o mesmo número de vereadores mas isso, desta feita, representou mais dezoito câmaras. O PPD e aliados conseguem mitigar as perdas a nível nacional mas levam um rombo tremendo na sua tradicional base de apoio local. Nem Vila Real escapou! Se calhar a vergonha dos transmontanos foi tal que não tiveram outro meio da demonstrar na terra do primeiro ministro. Para cima do Marão mandam os que lá estão e não o rapaz de Massamá. E mesmo Massamá não quis nada com o seu celebrado habitante, prova provada que a criatura nem pela vizinhança é estimada.
E falemos da fraca, triste, figura do Bloco. Faço parte das pessoas que sempre olhou o BE como uma curiosidade arqueológica apesar daquela agremiação se apresentar como algo de jovem. Nunca o foi, mesmo quando, nos seus penosos inícios, juntava no mesmo saco de gatos trotskistas, maoístas e uns vagos dissidentes do PC. Ou seja gente que se tinha combatido em nome de uns vagos pormenores ideológicos que o tempo e o desastre da queda do muro, do fim da URSS, da época especial cubana, do desvio chinês e de mais outras extraordinárias aventuras dignas de “Tintin no país dos sovietes”.
O BE nunca passou de um epifenómeno urbano com base em Lisboa e sucursais medíocres em Porto e Coimbra, sem presa na sociedade sobretudo nos meios ditos “proletários” de que se reclama. O BE, pelos vistos (que contado ninguém acredita) tinha quatro objectivos: aumentar a votação geral, manter a sua câmara, eleger Semedo para a vereação e ganhar no Funchal. Este último objectivo era pasmoso: o BE era, naquela “selecção do resto do mundo”, o elemento mais pequeno ou um dos mais irrelevantes. Dizer que o Funchal era um objectivo é exactamente o mesmo (e eles, durante a trágica noite eleitoral repetiram-no vezes sem conta como de um mantra se tratasse) que dizer que queriam derrotar o Governo.
Tirando o Funchal, o resto foi por água abaixo. Sem glória nem barulho. E o futuro dirá se os destroços que ainda boiam não serão absorvidos pelo PC a quem o Bloco numa das suas mais desvairadas utopias prometia uma luta taco a taco. Tenho até por presumível que alguma da recuperação do PC passa pela reconquista de votos bloquistas. É uma questão de tentar ver que ganhos e que perdas há nas respectivas votações. Poder-se-ia dizer que eu não tenho em conta a taxa de abstenção. É verdade: não a considero. Os votos nesta esquerda mais combativa não se perdem em abstenção, transferem-se.
E agora?
Pois agora é andar para a frente. Não vejo que o PS, mesmo quando fanfarrona, queira apossar-se do Governo. À uma, nada lhe garante uma maioria absoluta, sequer confortável. Depois, só terá vantagem em deixar a coligação do desastre aguentar-se com a sua crescente impopularidade. Claro que, a longo prazo, há um problema: António Costa tem sobradas razões para se preparar para o poder. Aliás, o seu discurso de vitória e o longo momento em que comparou as actividades da Câmara e as do Governo, mostram isso mesmo. Tanto ou mais quanto as suas frágeis esquivas quanto ao tempo em que iria desempenhar o mandato para que acabava de ser eleito. Tudo isso e a repentina campanha que o dá como presidenciável diz muito do terror que ele inspira ao “Tó Zé” e aos órfãos de Sócrates.
Finalmente, o PCP. Ninguém nega que tem razões para sorrir. Manteve as suas zonas tradicionais e recuperou outras perdidas. Convirá, porém, lembrar que no seu grande distrito “vermelho” perde votos em todas as câmaras ganhas e ganha numa que não conquistou. Estes números, que hão de ter passado pela peneira larga dos comentadores, enviam uma brutal mensagem: mesmo o voto militante, o voto que, regra geral, ninguém desperdiça, desaparece. Ou seja, para os eleitores que não votaram no PCP este partido deixou (provisória ou definitivamente) de ser uma alternativa e uma aposta de futuro.
E é isto que permite a esclerosada sobrevivência deste Governo medíocre. Isto e uma certa bonomia da “troika” que vai pontuando a errática prática de Coelho & Cia, permitem que se finge, dentro e lá fora, que o país é ainda europeu.
Mas não é! Não é! Não é!