estes dias que passam 311
Haverá pressões e pressões?
O senhor Presidente da República enviou para o TC, para exame prévio, o diploma sobre a convergência das pensões. Cortou a erva debaixo dos pés dos que já o acusavam de “não cumprir a Constituição”, acusação demasiadamente ridícula para ser sequer discutida.
Agora, subitamente, toda a gente diz que sim, sim senhor, que foi uma boa decisão, que isto e que aquilo, blá, blá, blá.
Pessoalmente, mesmo se falo em causa própria (sou reformado da FP e da Ordem dos Advogados) apreciei o gesto no seu devido valor. Deste modo, o TC tem um prazo limitado para dizer sim ou sopas ao Governo o que significa que até ao Natal saberei qual o destino de mais outra parte da minha já debilitada reforma.
Todavia, não é exactamente a isto que venho mas a uma outra vexata quaestio: a pressão sobre os órgãos de soberania.
Em Portugal, talvez por distracção (piedosa palavra que substitui “ignorância”), entende-se que criticar o TC, avisar esse areópago é pressão. E pressão injustificável, malévola, quiçá criminal.
O Governo, igualmente órgão de soberania é diariamente criticado, avisado, ameaçado de levar um pontapé se não se demitir, para já não falar dos avisos do dr Mário Soares que vê (e eu também, mas doutra maneira) adensarem-se nuvens demasiado ameaçadoras sobre esta pobre terra e seus desgraçados habitantes. Isto é normal instrutivo, salutar, peitoral, suave, legítimo e politicamente correcto! E não é pressão, claro. Não é pressão dizer a um bando de cavalheiros (infrequentáveis é certo) que obtiveram nas urnas (sem que da legalidade e normalidade do acto eleitoral haja sequer a sombra de uma suspeita) a possibilidade de governar e a maioria parlamentar para o fazer.
Igualmente, as diárias declarações dos mais variados quadrantes sobre o que deve o não o Presidente fazer, também não é pressão!
Conviria ver o que em qualquer sociedade medianamente civilizada e democrática se passa, se pensa e se faz. Basta ler um par de jornais, franceses, ingleses ou espanhóis para verificar que nenhum membro de um “órgão de soberania” acusa os seus opositores de pressão injusta, ilegal ou ilegítima, quando na rua, no parlamento ou na comunicação social o cominam a fazer algo ou a abster-se.
O jogo politico é exactamente isto: dizer, tentar persuadir, avisar das consequências dos actos de alguém. Já agora, “fica bem” dar a essas declarações um tom civilizado, educado mesmo se firme e determinado.
O Tribunal Constitucional (onde conto dois bons amigos e excelentes juristas, com currículo e passado sem mancha) é obviamente um órgão exposto, mais do que qualquer outro (ou tanto como qualquer outro) a conselhos, apelos, avisos vindos de toda a parte. Vindos de pessoas interessadas em defender uma situação pessoal, uma convicção ou uma ambição. Querem coisa mais natural? As manifestações em que se pede tudo desde mais trabalho a menos governo, serão por juntarem multidões por vezes irritadas e traduzindo esse estado de espírito em expressões fortes, serão “pressões ilegítimas”? Os discursos altissonantes no Parlamento, carregados de acusações nem sempre justificadas, serão “pressão ilegítima”?
Ou a pressão é apenas aquela, e só, a levada a cabo pelo sr Coelho ou pelo senhor Portas? Suponhamos que o sr Seguro chega a presidente do Ministério. Será que os mais que seguros avisos, remoques, ataques do PC ou dos ex-governantes de direita, serão igualmente considerados “pressões”?
Pessoalmente, em nada me incomoda o esbracejar dos apoiantes do actual Governo ou os “discretos” conselhos vindos de fora em direcção ao Tribunal constitucional. Tenho a firme (porventura ingénua) ideia de que os Juízes do palácio Ratton são suficientemente honrados para não ceder a cantos de sereia, venham eles donde vierem. Tenho também a esperança que, no escrutínio sobre as normas que lhes são apresentadas eles saibam defender não só a Constituição mas também o interesse, mediato ou mediato, de Portugal. Por muito que custe a algum leitor, convirá explicar que os tribunais e a justiça não são imutáveis e são permeáveis à realidade concreta que um pais atravessa. Ou, por outras palavras, citando, já agora, Lenin, o TC deve fazer sempre a “análise concreta da situação concreta”. Dentro do marco constitucional, evidentemente. Mas isso, esse quadro tem tantos cambiantes, tanta hipótese, tanta leitura (que justamente justificam a existência de um tribunal deste tipo) que não é improvável que o que hoje parece ser constitucional amanhã já o não seja. O Direito e a Justiça são eminentemente obra humana e obra balizada no tempo.
Não saber isto, não ver isto, não sentir isto é pôr em causa essa coisa a que chamamos democracia, frágil ideia que só vale porque todas as outras alternativas são piores. E já agora é aceitar que se postergue a liberdade, a responsabilidade e a possibilidade de vivermos com os outros sem os atropelar e (olho vivo!) sem sermos atropelados.
Cadê a gravura? não há! apareceu agora uma coisa esquisita que diz flikr ou algo no género e depois cancela o upload! alguém me ajuda?