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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 311

d'oliveira, 24.11.13

Haverá pressões e pressões?

 

O senhor Presidente da República enviou para o TC, para exame prévio, o diploma sobre a convergência das pensões. Cortou a erva debaixo dos pés dos que já o acusavam de “não cumprir a Constituição”, acusação demasiadamente ridícula para ser sequer discutida.

Agora, subitamente, toda a gente diz que sim, sim senhor, que foi uma boa decisão, que isto e que aquilo, blá, blá, blá.

Pessoalmente, mesmo se falo em causa própria (sou reformado da FP e da Ordem dos Advogados)  apreciei o gesto no seu devido valor. Deste modo, o TC tem um prazo limitado para dizer sim ou sopas ao Governo o que significa que até ao Natal saberei qual o destino de mais outra parte da minha já debilitada reforma.

Todavia, não é exactamente a isto que venho mas a uma outra vexata quaestio: a pressão sobre os órgãos de soberania.

Em Portugal, talvez por distracção  (piedosa palavra que substitui “ignorância”), entende-se que criticar o TC, avisar esse areópago é pressão. E pressão injustificável, malévola, quiçá criminal. 

O Governo, igualmente órgão de soberania é diariamente criticado, avisado, ameaçado de levar um pontapé se não se demitir, para já não falar dos avisos do dr Mário Soares que vê (e eu também, mas doutra maneira) adensarem-se nuvens demasiado ameaçadoras sobre esta pobre terra e seus desgraçados habitantes. Isto é normal instrutivo, salutar, peitoral, suave, legítimo e politicamente correcto! E não é pressão, claro. Não é pressão dizer a um bando de cavalheiros (infrequentáveis é certo) que obtiveram nas urnas (sem que da legalidade e normalidade do acto eleitoral haja sequer a sombra de uma suspeita) a possibilidade de governar e a maioria parlamentar para o fazer.

Igualmente, as diárias declarações dos mais variados quadrantes sobre o que deve o não o Presidente fazer, também não é pressão!

Conviria ver o que em qualquer sociedade medianamente  civilizada e democrática se passa, se pensa e se faz. Basta ler um par de jornais, franceses, ingleses ou espanhóis para verificar que nenhum membro de um “órgão de soberania” acusa os seus opositores de pressão injusta, ilegal ou ilegítima, quando na rua, no parlamento ou na comunicação social o cominam a fazer algo ou a abster-se. 

O jogo politico é exactamente isto: dizer, tentar persuadir, avisar das consequências dos actos de alguém. Já agora, “fica bem” dar a essas declarações um tom civilizado, educado mesmo se firme e determinado.

O Tribunal Constitucional (onde conto dois bons amigos e excelentes juristas, com currículo e passado sem mancha) é obviamente um órgão exposto, mais do que qualquer outro (ou tanto como qualquer outro) a conselhos, apelos, avisos vindos de toda a parte. Vindos de pessoas interessadas em defender uma situação pessoal, uma convicção ou uma ambição. Querem coisa mais natural? As manifestações em que se pede tudo desde mais trabalho a menos governo, serão por juntarem multidões por vezes irritadas e traduzindo esse estado de espírito em expressões fortes, serão “pressões ilegítimas”? Os discursos altissonantes no Parlamento, carregados de acusações nem sempre justificadas, serão “pressão ilegítima”?

Ou a pressão é apenas aquela, e só, a levada a cabo pelo sr Coelho ou pelo senhor Portas? Suponhamos que o sr Seguro chega a presidente do Ministério. Será que os mais que seguros avisos, remoques, ataques do PC ou dos ex-governantes de direita, serão igualmente considerados “pressões”?

Pessoalmente, em nada me incomoda o esbracejar dos apoiantes do actual Governo ou os “discretos” conselhos vindos de fora em direcção ao Tribunal constitucional. Tenho a firme (porventura ingénua) ideia de que os Juízes do palácio Ratton são suficientemente honrados para não ceder a cantos de sereia, venham eles donde vierem. Tenho também a esperança que, no escrutínio sobre as normas que lhes são apresentadas eles saibam defender não só a Constituição mas também o interesse, mediato ou mediato, de Portugal. Por muito que custe a algum leitor, convirá explicar que os tribunais e a justiça não são imutáveis e são permeáveis à realidade concreta que um pais atravessa. Ou, por outras palavras, citando, já agora, Lenin, o TC deve fazer sempre a “análise concreta da situação concreta”. Dentro do marco constitucional, evidentemente. Mas isso, esse quadro tem tantos cambiantes, tanta hipótese, tanta leitura (que justamente justificam a existência de um tribunal deste tipo) que não é improvável que o que hoje parece ser constitucional amanhã já o não seja. O Direito e a Justiça são eminentemente obra humana e obra balizada no tempo.

Não saber isto, não ver isto, não sentir isto é pôr em causa essa coisa a que chamamos democracia, frágil ideia que só vale porque todas as outras alternativas são piores. E já agora é aceitar que se postergue a liberdade, a responsabilidade e a possibilidade de vivermos com os outros sem os atropelar e (olho vivo!) sem sermos atropelados.

 

Cadê a gravura? não há! apareceu agora uma coisa esquisita que diz flikr ou algo no género e depois cancela o upload! alguém me ajuda?

estes dias que passam 310

d'oliveira, 22.11.13



bizarrias de um militar ultrapassado pelo mundo


Ando por aqui metido numa camisa de onze varas. Escrevi alguns textos que estão prontos há que tempos mas a minha incurável preguiça, alguma falta de tempo devido a problemas de saúde familiares, e a realidade mutável que vivemos tem feito com que os vá deixando para trás para tentar escrever e pensar coisas mais urgentes.

 

Ainda por cima, já é azar, tive a infeliz ideia de mudar de fornecedor de internet e nem imaginam o que isso faz a um quase analfabeto nestas coisas: manhãs inteiras a tentar chegar à fala com criaturas mais volúveis que uma cocotte e mais fugidias que uma enguia.

 

Portanto, atraso de novo um texto pronto e requentado sobre a súbita colaboração hagiográfica de Cunhal e  o meteoro Kennedy pego nesse tema menos interessante (que a personagem também não vai longe) dumas declarações do senhor coronel Vasco Lourenço.

 

Desde o 25 de Abril que uma dúvida me persegue: VL é inteligente? Pensa o que diz?, Medita duas vezes antes de, entre dois pás, arremeter contra algo ou alguém?

 

Deixando de lado, todavia, o 25 A e a tão proclamada fé democrática dos oficiais do quadro permanente (cuja tradição, entre nós, sempre foi “golpista”, putchista e pretoriana) fazendo por acreditar que nas motivações do golpe militar apenas entraram considerações de elevado teor patriótico e não meras e mesquinhas guerras de vencimentos com os milicianos (os “não oriundos”) que “metendo o Chico” iniciaram uma carreira de oficiais indo para as colónias guerrear  (coisa que nem sempre os cavalheiros do quadro faziam, sobretudo logo que se viam em majores, deixando à soldadesca e aos milicianos o trabalho de correr a mata à caça dos “terroristas”), omitindo a cega-rega dos primeiros anos post 25A e a tentação de gerir a caserna, digo o país, segundo uma cartilha de “democracia tutelada” pelos quartéis, vou escrever como se valesse a pena considerar o senhor coronel um indefectível democrata.

 

Será? É o que iremos ver.

 

Hoje, ao acaso de um zapping televisivo, V L apareceu a ameaçar este desastrado e desastroso Governo que temos (e que não elegi de modo algum) e o senhor Presidente da República (idem, idem, Deus me livre!...) de um par de pontapés no dito cujo, no caso dos sequazes de Passos Coelho não se demitirem. Já!, presumi.

 

Ora, vindo de quem vem, esta coisa de pontapés cheira a acção violenta. E contra uma gentinha, medonha é certo, mas eleita pelo voto popular. Isto, trocado em miúdos, pode chamar-se putsch, golpe de Estado mas de certeza que não entra, por mais que se entorte o dicionário (livro que VL eventualmente não frequentará), na noção de vida em democracia.

 

Ninguém mais do que eu (que acabo de ver a minha pensão amputada em mais de cinquenta e seis por cento por via de cortes, acertos, sobretaxas, contribuições de solidariedade forçadas, irs continente  e outras alcavalas) detesta que lhe vão ao bolso e que, passados os setenta anos lhe venham dizer que o que trabalhou e descontou durante dezenas de anos é uma falácia, algo desdenhável e sem utilidade. Ninguém, mais do que eu sente um arrepio de vergonha quando ouve os pais e mães da pátria a falar desta desgraçada terra e desta sofrida gente. 

 

Porém, olhei à volta, lembrei-me da Europa, ou das Europas, a rica a pobre e a assim-assim, dos desvarios incontroláveis dos últimos quinze, vinte anos, da responsabilidade de governos (alguns mesmo em que terei votado) e protestando, rosnando, resmungando, entendi que a vontade expressa nas urnas era, mesmo não sendo igual à minha, isso mesmo: a vontade popular.

No sistema eleitoralmente miserável  que temos (e que nenhum dos actuais partidos com representação parlamentar parece querer mexer) sinto-me aprisionado e refém. Voto num magote de criaturas (mais de trinta no caso do meu distrito) as mais das vezes desconhecidas umas, e pouco recomendáveis outras, e  que uma vez no poleiro continuam alegremente a tentar alcançar um lugar confortável no pântano. Não tenho a mais leve esperança no futuro governo do PS seja ele de maioria absoluta (pouco espectável por enquanto) ou meramente aproximada. Cada vez que ouço Seguro arrepio-me (é, na mais benévola intenção, uma espécie de Coelho com mais tiques). Dos restantes cavalheiros da sua trupe, oiço, possesso, como os “economistas” do PS (ou assim chamados)  dizer descaradamente as coisas mais delirantes que qualquer pessoa com acesso a noticiários europeus pode ouvir. Estamos entregues à bicharada.

 

Todavia, mesmo se os civis, os “paisanos” são isto, a militaragem é sempre pior. E nessa, os piores são os que falam grosso como o camarada Vasco, perdão o coronel Vasco.  Nunca lhe ouvi uma ideia, um alvitre, uma recomendação onde, à falta de galões, brilhasse o bom senso. Fala mal, fala grosso e o português que emite é de mais que duvidosa qualidade estilística e gramatical.

 

Esta ideia, infamante, peregrina de “correr" metaforicamente alguém "a pontapé", pressupõe obviamente violência. Na boca de um militar, pressupõe tiroteio. Na pior hipótese, a de alguém querer resistir às armas, relembra sem qualquer espécie de dúvida uma pequena, média ou grande escaramuça com seus mortos, seus feridos, suas destruições e o competente regresso à selvajaria ou à ditadura. Temos, nós portugueses, mesmo os que ignoram a história dos últimos duzentos anos, uma longa teoria de golpes armados, de “revoluções”, de pronunciamentos, de violência e de desastre nacional. No pior dos casos, relembro a ferocíssima guerra civil que ensanguentou este desgraçado pais entre 1834 e 1850. Isto para não relembrar a explosão popular que se seguiu às invasões francesas ou a guerrilha larvar entre 1911 e 1921 ano maldito que culminou no massacre de algumas das mais altas figuras da revolução republicana, depois de durante anos e cinquenta e um governos em cerca de dezasseis anos.

 

Ouvir as descabeladas declarações do senhor Lourenço, mesmo se lhe descontarmos a frágil argúcia, a falta habitual de bom senso, o disparate e a imprudência, é um péssimo  momento.

 

Já tínhamos ouvido propósitos semelhantes a uma outra glória do 25 A. Aqui foram denunciados e criticados. Isto num qualquer pais europeu, causaria uma verdadeira comoção e um escândalo, mereceria um repúdio público e urgente de toda a gente. Por cá é o que se vê: o silêncio ou significa que ninguém liga patavina a VL ou  que o medo guarda a vinha. 

 

Quem estas escreve, viveu boa parte da sua vida sob outro regime. Logo que chegou à idade da razão, revoltou-se, militou contra o regime, frequentou por diversas vezes os cárceres, levou os “safanões dados a tempo” na forma de “estátua” e “sono”  durante algumas das detenções que sofreu. Nunca desistiu, nunca se deixou amedrontar, mas jamais aceitou caucionar qualquer forma de violência (mesmo se num dos onze processos levantados pela PIDE, figurasse como “bombista”. Convirá esclarecer que nesse documento a acusação provinha de uma delatora de pseudónimo Catarina e referia a presença do arguido numa terra a que nunca foi e numa reunião a que não esteve presente nem recorda ter sido para tal convocado).  

Tenho, pois, bem mais que o senhor coronel, passado suficiente para, desta vez, mas só metaforicamente, lhe puxar a orelhinha e piedosamente lhe recomendar (se isso não lhe causar uma irremediavel dor de cabeça) que pense uns segundos antes de bolçar ameaças que, das duas uma: ou são para levar a sério e a coisa terá de ter consequeências políticas mas não só, ou constituem uma mera reinação e, nesse caso,  conviria que o mandassem antes jogar ao pião que é algo de muito sensato para quem regressa à estouvada meninice e necessita de fazer exercício

 


 

Claro que, de todas as maneiras, o mal está feiro no que toca à imagem que o pais tem lá fora e os militares têm cá dentro.

 

 

 

 

 

 

 

Os negócios da água e dos resíduos

José Carlos Pereira, 20.11.13

A propósito das comemorações do Dia Mundial do Saneamento – a 19 de Novembro – vieram a público várias reflexões sobre a temática da água e do saneamento básico em Portugal, uma matéria decisiva para a qualidade de vida das populações. Pese embora o esforço desenvolvido nas últimas décadas, com o apoio dos fundos comunitários, Portugal continua a ocupar os índices mais baixos, entre os países da União Europeia, nos indicadores de abastecimento de água e saneamento.

O actual Governo iniciou funções com o propósito de concentrar os diferentes sistemas multimunicipais e de avançar para a privatização da EGF – Empresa Geral de Fomento, responsável pela área dos resíduos, e da Águas de Portugal. Justificações não faltavam: os sistemas têm performances desiguais, as regiões e os municípios têm realidades muito distintas entre si, o défice tarifário cresce todos os anos, as perdas nas redes são enormes e a entidade reguladora não tem sido capaz de “arbitrar” convenientemente o sector.

A concentração e a privatização surgiam, então, como a forma de minorar o efeito dos sistemas menos eficazes e mais endividados, de forma atrair o interesse de grandes grupos internacionais. Contudo, os maus exemplos existentes em várias concessões de exploração de âmbito municipal, onde algumas multinacionais do sector já estão presentes, terão reforçado as cautelas do executivo e particularmente do novo ministro Jorge Moreira da Silva, que sabia de antemão que a entrega do sector das águas a privados era uma matéria que dificilmente recolheria consensos alargados.

O ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território já veio dizer que a privatização das águas “é uma possibilidade, não uma inevitabilidade” e que a prioridade, agora, reside na concentração e reestruturação do sector. Decidida está a apenas a privatização do sector dos resíduos, reunido na EGF, que está a suscitar o interesse dos chineses da Águas de Pequim e dos brasileiros da Odebrecht.

Entre avanços e recuos governamentais, é para mim claro que o executivo não pode deixar de dar uma resposta aos municípios portugueses que estão capturados, é o termo, por concessões ruinosas a privados.

É evidente que as más decisões foram tomadas pelos autarcas que aprovaram essas concessões, mas os principais prejudicados são os portugueses que vivem nesses locais, seja porque são de alvo tarifas de montante incomportável, seja porque as autarquias tentaram renegociar os termos das concessões e estão “prisioneiras” dos tribunais, seja porque, perante o cenário existente, investimentos em infra-estruturas que há muito deviam estar prontas continuam a ser adiados. E se a responsabilidade política foi dos autarcas, foi gritante a incapacidade da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos de intervir como verdadeiro agente fiscalizador e defensor do interesse público.

De vez em quando deparamos com exemplos desses nas páginas dos jornais, mas o caso que acompanhei de perto, enquanto autarca em Marco de Canaveses, das Águas do Marco, uma participada do grupo AGS, é paradigmático da forma como não se defende o interesse das populações, que vivem ainda hoje, nesse concelho, com níveis de cobertura de água potável e saneamento inferiores a 30% do concelho.

O Governo dos Cínicos

JSC, 18.11.13

Nos últimos tempos há sempre alguém na berlinda, a mostrar a cara, a centrar as atenções fora do âmbito da governação, a facilitar a tomada de decisões que comportam mais austeridade, como se isso fosse “o que tem de ser”.

 

A verdade é que esta gente, sempre bem paga, cumpre bem a sua missão, de facilitadores da acção do Passos&Portas. Cumprem porque, no essencial, a comunicação social está com eles, dá-lhes o microfone todo. Pior, são os próprios jornalistas a induzir as perguntas, a mostrarem-se contraditados quando o interlocutor não segue o seu raciocino. Há dias MFL dizia: com mais estes cortes nas pensões e nos salários só se vai agravar a economia. Retorquia o jornalista, e se não cortarem onde é que vão buscar o dinheiro? É o que temos.

 

Paulo Portas mais o séquito do CDS/PP no governo aparecem a repetir que não querem seguir uma política de baixos salários. Isto dá títulos de jornais, tem lugar a destaque nos telejornais, é repetido até à exaustão na rádio.

 

Ninguém ousa perguntar ao cínico PP, como é que compagina aquela declaração com a medida que está em discussão, na AR, por proposta dos mesmos, para cortar nas pensões, para reduzir os salários da função pública?

 

Mexia vai ao parlamento queixar-se do agravamento das taxas. Mexia aparece por todo o lado e as suas declarações também. Até parece que, finalmente, o Governo está a atacar as famigeradas “rendas excessivas” do sector energético.

 

Como entender que as queixinhas de Mexia não sejam confrontadas com a benesse que, em sede de IRC, o Governo vai dar à EDP e a outros grandes grupos energéticos, que, provavelmente, mais do que os compensam pela tal taxa de que se queixa o Mexia?

 

Apesar das dezenas de milhões de milhões que entraram nos cofres do Estado, todos os indicadores mostram que o Governo conduziu o País para uma situação financeira, económica e social bem pior do que aquela que encontrou quando tomou as rédeas do poder. Falharam em toda a linha. Expulsaram do país centenas de milhar de pessoas. Empobreceram a maioria dos que ficaram.Só não falharam na sua relação com a comunicação social, que domesticaram e manobram como mestres no cinismo.

A praga que nos agride

JSC, 17.11.13

Nunca apreciei o Prof. Doutor João César das Neves. Ainda comecei por ler alguns artigos de opinião que o dito economista publica fartamente, mas aquilo pouco ou nada tinha de economia, era só beberagem avinagrada, a puxar o pensamento para o lado raivoso da vida.

 

Mas o Prof. Doutor João César das Neves tem uma audiência do caraças. Por muito que nos esforcemos em não o encontrar, o gajo aparece-nos por todo o lado. A dizer sempre as mesmas bacoradas e sempre contra os mesmos. Agora foi a TSF e o DN que, de uma assentada, lhe abriram os microfones. O homem não perdeu a oportunidade, anteviu a dimensão do palco e lá fez ecoar as enormidades do costume. Talvez porque o palco era maior, as atoardas foram mais abundantes, mais profundas, mas com a direcção do costume.

 

Perante tanto disparate junto, logo ocorreram as televisões e rádios a replicarem o pensamento sonso do dito catedrático, até apresentado como “católico liberal”.

 

Do que ouvi, só posso concluir que aquela pessoa não está bem, anda a fingir que é catedrático, professor de economia, e de tanto fingir ficou possesso, a ponto das suas palavras serem um vómito continuado. Não é justo esta gente empobrecer o povo, o país, e ainda termos de aturar esta praga.

Diário Político 191

mcr, 14.11.13

 

 

 

O papelinho

Ou o papelucho, ou a inutilidade cintilante, ou os humores do ex jovem Portas, ou outra coisa qualquer.

De facto, vir a terreiro, falar sobre o guião da reforma do Estado a que isto chegou só por bizarria ou falta de tema que interesse ao menos um leitor.

Mas, que querem?, chove que Deus a dá, o dia está feio, já não se vê uma réstia de sol há sei lá quanto tempo, rangem no corredor as botas do rapaz da tipografia (ou algo no género mas quem tiver problemas por favor consulte o Eça ou o bey de Tunes, já nem sei bem).

E este vosso criado (un servidor... como diria Cela, ou “servus” como se diz no Tirol numa despedida tão cerimoniosa quão antiquada) sentadinho na esplanada, diante de mais um café e o ritual copo de água, não tendo mais em que meter o dente, entreteve-se a ler aquela “vaguidão” que se chamou pomposamente documento Portas.

Recordar-se-ão os sofridos leitores de há uns dias as televisões pararem (ou parirem?) todas ao mesmo tempo, para mostrar um Portas ufano a debitar inanidades desirmanadas sobre o Estado e a sua possível reforma.

Aquilo parecia, tal o cerimonial, a ultima corrida de toiros em Salvaterra em modo post moderno ou mais modestamente o apogeu do carnaval de Veneza.

Portas todo penteado (já repararam que ou a criatura usa capachinho ou então passa horas diante do espelho a puxar os escassos cabelos de um lado para o outro da cabecinha pensadora?), abalroava a lógica, o bom senso e a eventual inteligência de quem o ouvia com uma torrente de inanidades, ideias feitas, rebuscadas, frases soltas e descosidas sobre a reforma da pátria, ou do Estado ou de qualquer coisa parecida com isto ou nem sequer.

Vai-se a ler, a espremer aquele arrazoado e logo se dá conta que não há naquilo nada que permita fazer o ponto da situação de partida e, muito menos, de chegada. Não há um número, um gráfico, uma certeza, sequer uma real concordância entre os diferentes “capítulos”.

Não é, porém, um manifesto eleitoral da Direita, como uma diligente senhora do BE se apressou a vir dizer. Aquilo é tão só um rosário de intenções para propostas que conviria serem discutidas, mesmo se, como documento, a coisa pareça  (e é) medíocre.  Mas mal ou bem, elencam-se (horrenda palavra!) um par de questões a que teremos, muito mais depressa do que pensamos) de dar resposta, enquanto comunidade organizada.

Vivemos tempos ásperos, difíceis, cruéis mas não será por isso que se deve sonegar uma solução.  Olhando para a “contribuição teórica” prestada pelos diversos partidos na Assembleia também não se vislumbram sequer “extintos raios de luz” (ai Antero, que falta fazes) mas mesmo uma asneira pode permitir correcção e propostas saudáveis.

O “guião” tal qual foi apresentado é uma mixórdia, uma coisa feita à pressa, sobre o joelho e com poucos pés para andar.  Todavia, como nada mais foi produzido, pelos arredores, poderemos, mesmo com um prudente dedo a apertar o nariz, começar por ali a partir pedra, desbravar terreno, mostrar ao pobre redactor como ele é fracote, censurar-lhe a parvoeira e a tentativa de fazer pouco de nós, e mostrar-lhe como de um monte de estrume mal amanhado se pode fazer uma horta. Dá trabalho? Claro que dá trabalho mas não é a política algo de difícil, não tem ela mesma algo de pedagógico, sobretudo no areópago onde é dever ser discutida e melhorada?

Quando alguém, aqui ao nosso lado, profere um dislate no meio de uma conversa deveremos levantarmo-nos e abandonar a mesa e o café  (e o copo de água) ou com alguma calma, paternalmente puxar a metafórica orelhinha do néscio e explicar-lhe, devagar e soletrando, a estupidez que debitou?

Eu posso perceber a falta de paciência de algumas pessoas, a irritação crescente com que recebem, em catadupa, as más notícias sobre o país e sobre o estado lastimoso das nossas finanças (e, a propósito: como é que um mau ministro das finanças que, apenas em 2009 permitiu um aumento da despesa pública à volta de quatro mil milhões, sai do cantinho onde se acolheu para vir cagar sentenças de professor laureado? Que Portas pudesse chumbar logo na escrita, não me dói nem me surpreende. Que um cavalheiro a quem a República deve muitos dos seus actuais males venha agora, esquecida a sua medonha e incompetente trajectória pela res publica, figurar de justiceiro é que me arrepela.), o desnorte notório do Governo, as más novas que nos chegam dos nossos “amigos” europeus ou africanos, enfim a “catástrofe iminente” que nos ameaça. Todavia, isto não o jogo dos quatro cantinhos, nem nós somos os eleitores de uma quadrilha de meninos rabugentos que subitamente declaram que já não querem brincar.

Quem anda pelo Parlamento e arredores, quem solicitou, e de que maneira!, o nosso voto, quem perora horas e horas sobre a “salvação da pátria” e a felicidade do povo, deve aguentar firme esta artilharia de pólvora seca de Portas, ir a jogo e mostrar-lhe a ele, e a nós que assistimos, o engano, a toleima, a burrice e o desserviço da Nação de que o acusam. 

Preferir o chinfrim, a abstenção é apenas um estado de recusa que ninguém de bom senso pode compreender.

De resto, em escassos dias, alguém mais bem dotado do que o mau aluno Portas (aliás pouco diligente se não mesmo preguiçoso) agarrava naquilo, naquelas folhecas  que pouco passam do quarteirão e com quatro números, dois gráficos e escrita escorreita punha-lhe a incipiente careca à mostra. 

E que gozo isso daria à malta!

E que serviço se prestava à comunidade!

E que prova de bom senso e de patriotismo!

 

(nota como se verifica pela referencia meteorológica este texto foi escrito há um bom par de dias e andou perdido nos escaninhos da internet.  Mesmo que o dia esteja solarengo entendeu-se publicá-lo tal e qual, quanto mais não seja para registar, após o aluvião de críticas, uma posição contra a corrente).


d'Oliveira14.XI.13



 

Notícias da “Viragem Económica”

JSC, 12.11.13

Pires de Lima desde que deixou as cervejas passou a ver coisas bem diferentes das que via ao tempo em que era um gestor considerado e respeitado. Depois do “milagre económico” o Ministro da Economia vê agora que estamos a viver um tempo de "viragem económica".

 

No mesmo dia em que o ministro aponta a “viragem económica” os jornais falam de ”660 mil famílias não conseguiram pagar empréstimos à banca”.

Na área da Educação, a crise está a originar um novo fenómeno nos refeitórios escolares: há cada vez mais alunos e professores a levar almoço de casa, o que obrigou já alguns estabelecimentos a instalar micro-ondas.

 

Na área da Saúde, Os hospitais Santa Maria e Pulido Valente vão ter um banco alimentar nas suas instalações, que vai receber as sobras alimentares das duas unidades de saúde, uma medida para ajudar a comunidade e também alguns funcionários.

 

Poderíamos continuar a citar outros exemplos que confirmam o sentido da anunciada “viragem económica”.

au bonheur des Dames 345

d'oliveira, 08.11.13

 

Carta a um “leitor atento” e, sobretudo, generoso

 

 

 

Eu deveria responder-lhe em comentário no texto que V., generosamente gabou. Todavia, quando o ia  fazer, lembrei-me que talvez a resposta desse matéria para um post, na medida em que esta minha já longa colaboração no blog tem na base uma historia, enfim uma historieta que, eventualmente o divertirá a Si e a um par de outros leitores.

 

Comecemos, como diria um saudoso professor de Direito, pelo princípio.

 

Este que traça estas mal alinhavadas linhas foi, é e será (se a Parca o permitir) um  leitor. Um leitor compulsivo, se quisermos, mas um leitor. Nunca lhe passou pela cabeça desatar a escrever algo mais do comunicados académicos, quando era mester e as lutas universitárias dos anos sessenta o exigiam. Ou pequenos artigos, fundamentalmente notas de leitura numa excelente revista que ainda circula mesmo se muito diferente, e se chamava “Vértice”.

 

Fora disso, logo que se apanhou com o canudo na mão, apenas literatura jurídica como competia a um jovem advogado que tentava ganhar para o pãozinho e a manteiga.

 

Todavia os tempos ásperos (principio dos anos 70) pediam mais e lá me atrevi a colaborar num jornalzinho simpático em papel  cor de rosa  que se publicava na Madeira. O jornal era ousado politicamente falando e as prosas que lá meti, idem, aspas, aspas. A Censura cevava-se na minha escrita à grande e à francesa. Por cada texto que viu a dúbia luz do dia, dez houve que de tão retalhados pelos censores só serviam para abortos.

 

Entretanto, e nesses mesmos obscuros anos, vários, muitos aliás, amigos emigraram. Fugiam à tropa, às prisões politicas, ao rançoso viver que nos estava destinado, ou por mera aventura. E eu, daqui, lá lhes ia narrando o país, a nossa vida, as minhas indignações e o que mais viesse à rede.

 

Descobri que essa tarefa de alimentar com notícias vários destinatários ávidos mesmo se escritas por este sensaborão, não era pêra doce. Inventei, então uma espécie de circular dactilografada que enviava a todos juntando em ps alguma nota mais pessoal. Para estar de acordo com o ar do tempo chamávamos (eu e os correspondentes) a tais escritos “dazibaos” que eram na época muito vulgares na china alucinada pelos guardas vermelhos. Ou seja textos manuscritos que se afixavam nas paredes mais em evidência contendo má propaganda, pior ideologia e dramáticas acusações contra tudo e contra quase todos.

 

E foi assim que comecei a minha atribulada carreira de cronista.

 

Os emigrados regressaram mas outros partiram. Doutoramentos feitos lá fora, os primeiros cargos em instituições internacionais, amigos que, perante o desinteresse de outros, se confortavam com as minhas noticias. O meu talento era apenas o facto de ser o único a escrever. Não é exactamente exaltante mas é a verdade.

 

Apesar da minha notória desorganização, do meu inveterado jeito para perder coisas, e até de um incêndio, rapidamente me vi atulhado de papeis que só um esforço de imaginação poderá inserir na definição de “crónicas”. Todavia, lá pelos fins dos anos oitenta, à falta de melhor ideia, entendi oferecer, a pretexto de Natal, a duas ou três dúzias de amigos e familiares, um pequeno apanhado destes textos.

 

Por coincidência, o filho de um dos “beneficiados” pelo meu despudor escritural, era sócio de uma editora. E propôs-se editar-me.  Não resisti. Porém, esse projecto soçobrou quando a editora (que até tinha algum nome e algumas edições interessantes (muito Popper, entre outros) faliu. Outro editor apareceu,  perante o meu redobrado espanto. Dessa feita não houve falência mas apenas uma zanga tremenda entre os associados e, no auge de uma discussão, o que me tinha “contratado” saiu muito digno, batendo a porta e com o meu projecto debaixo do braço. Eu, disto, só tive notícia meses depois. E resignei-me a ser, como um velho colega de Coimbra, um eventual autor “póstumo”. 

 

Estava porém escrito que a minha navegação pelo proceloso mar da literatura ainda não terminara.

 

Um jornalista e responsável por um “jornal de referencia (esse mesmo em que estará a pensar) telefonou-me a convidar-me para escrever nesse jornal uma crónica semanal. Permitia-me 4000 caracteres (termo que eu, então info-excluído) desconhecia e pagava-me um soma acima dos meus mais desvairados sonhos. Verdade se diga que, até à data eu funcionara de borla mesmo quando, por duas vezes colaborara (ia-me esquecendo) com uma dúzia de textos para “O Jornal”, primeiro e o “Expresso” depois. Eram coisas, produzidas em suplementos simpáticos, organizados por uma amiga minha, jornalista e antiga colega.

 

Quando, me recompus do choque causado pela promessa de pagamento, resolvi saber o que era aquilo dos caracteres. A minha secretária, explicou-me a coisa e, fiado em sapatos de defunto, marchei para uma loja e adquiri o primeiro MacIntosh da minha vida. Ninguém me pergunte porque é que escolhi “apple”. A coisa foi apenas porque essa simpática secretária e toda a gente naquela instituição usavam a marca da maçã.

 

Nos meus mal avisados cálculos, o computador pagar-se-ia com a primeira meia dúzia de crónicas, fiado que eu estava nas boas contas do referido jornal. E comecei a reduzir a minha gatafunhada para os limites impostos. O meu correspondente e convidante no jornal lá ia telefonando exortando-me a produzir uma sólida reserva de textos para nunca falhar a futura e semanal colaboração. “É que, aconselhava-me, a malta nunca sabe quando nos dá um fanico na imaginação!”

 

E eu, pimba, mais uma revoada de crónicas aptas a publicar. Passaram-se três meses nesta jigajoga produtora e esperançosa. Todavia, chegou o dia, fatal entre todos, em que o meu correspondente, envergonhado e cabisbaixo, me informou que o “jornal de referencia” entrara em período de vacas magras pelo que a minha (e outras duas) colaboração teria de esperar por melhores dias. E o meu sonho de me imortalizar jornalisticamente afocinhou por  terra nesses negregados anos 90 do século passado.

 

Um amigo, o mesmo que me trouxe para este blog, entusiasmou um incauto editor das bandas de Viana do Castelo e, sem eu saber bem como, produziu-me um inteiro livro que lá se vendeu razoavelmente, deus seja louvado. E durante uns tempos, colaborei numa revista (Mealibra) também obra do mesmo esforçado editor desaparecido vai para um ano, graças à sua pertinaz paixão pelo tabaco.

 

Entretanto, o referido amigo já referido não descansou até me enfiar neste blog. Que isto, este local etéreo aonde subi, era o sítio ideal para eu escrever as minhas bizarrias, que era tudo malta porreira, tão porreira que até me davam guarida num sólido e sério blog todo ou quase colaborado por juristas.

 

Eu, que há muito tempo, uma eternidade, fugi do Direito e dos seus imponderáveis caminhos, entrei aqui, escrevendo sobre o que me apetecia, quanto me apetecia, quando me dava na gana, sem programa nem imposições de qualquer espécie. Tenho a vaga ideia que ando nisto há oito ou nove anos, descansadamente, à mercê do que me vai passando pela cabeça e à boleia dos desvarios do mundo.

 

Não sendo já um info-excluído, sou ainda um iletrado nestas coisas ligadas à net. Desconheço se sou muito (ou pouco lido) e, valha a verdade, pouco me incomoda essa bem aventurada ignorância. Vou tratando este infinito espaço à minha disposição como se páginas de um diário fosse. Dou conta das minhas perplexidades, da minha crescente desilusão, da surpresa que me assalta a cada declaração dos políticos mais em evidência, das alucinações que dão a certos literatos (mormente críticos) da nossa praça, enfim, estou atento ao “grande teatro do mundo” tentando olhá-lo sem demasiada severidade mas também sem especial complacência.

 

E, antes que acabe, esta explicação pro domo mea, quero dizer-lhe que, por orgulho absurdo, por preguiça natural, ou por outra qualquer razão que me escapa, nunca me propus a jornais ou outros meios de comunicação. Nem a editores, sobretudo aos amigos. Eu faço a minha parte, com alguma, escassa, publicidade. Eles que façam a deles, se quiserem, se souberem ou se puderem. E vendo, como vejo, nos múltiplos alfarrabistas que frequento com regularidade, os livros que ali esperam por um leitor, não me sinto particularmente frustrado por não me reconhecerem o eventual talento. Ainda há poucos dias, vi – e comprei – com irrefreável gozo os oito volumes das “Mémoires” de Saint Simon (o duque, cronista do “grand siécle”) na edição Pleiade em estado impecável e a um preço irresistível de barato. Se nem Saint Simon escapa e esse purgatório, quem sou eu para me queixar de impublicação?

 

E muito , muito obrigado, pelo seu generoso e amável comentário. Soube bem, muito bem, mesmo.

 

Um abraço

 

 

 

 

 

 

 

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