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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 316

d'oliveira, 31.01.14

It's a mad, mad, mad world

Um grupo de criaturas exaltadas, mormente feministas & associados, entendeu  convencer o Ministério da Educação Nacional de França a lançar um programa “igualdade de género” nas escolas primárias e pré-primárias. A coisa, mesmo se descrita a traço grosso (mas não falso),  tinha entre outras objectivos ensinar meninas a brincar com objectos ditos masculinos enquanto os rapazinhos aprendiam a sempre útil arte do tricot ou do crochet, não sei exactamente qual.

Como se vê um combate oportuno dados os problemas menores que afectam a França desde a desindustrialização até à baixa de produtividade ou o deficit crescente.

Ontem, mesmo, numa breve reportagem no noticiário, lá se via um miúdo a tentar laboriosamente fazer um crochet qualquer.

A Direita francesa que está, pelos vistos, em fase de enchimento e se aproveita do desastre Hollande para mexer os seus piões (e bispos, cavalos, torres e rainhas...) lançou uma jornada “tirar as crianças das escolas” porque as criaturinhas corriam o risco de “serem ensinadas a masturbar-se” (sic) e outras balivérnias do mesmo género. Tudo isto via internet com forte mobilização de meios, pondo crianças e famílias em polvorosa.

Eis os resultados dos chamados “jusqu’auboutistes” da igualdade de género. Atiram uns foguetes para o ar, não cuidam de ver onde caem as canas e depois, claro, a Direita mais reaccionária que agora anda unha com carne com os seus amigos espanhóis anti-abortistas (e, diz-se, com apoios do “tea party” americano que terá desembolsado largos milhões para os europeus), contra-ataca com grosseria, violência e, pelos vistos, muito maior eficácia. Por um lado as ilusões vagamente socialistas esfumam-se graças aos desastrados líderes das esquerdas que entram na batalha em ordem dispersa e não resolvem nenhum dos problemas do cidadão comum, por outro a Direita não se coíbe de mobilizar a sua tropa de choque mais ignorante e aleivosa para varrer de cena as politicas possíveis e reformistas.

Nem me atrevo a puxar para cá estas discussões. Em matéria de estupidez a(s) nossa(s) Esquerda(s)  não precisa(m) de explicações. Sabem perfeitamente caminhar como lemmings para o precipício que a(s) espera.

As “europeias” dirão qual o resultado desta vesga percepção da realidade. A quatro meses de distância, temo desde já o pior.

A ver vamos.

 

* o título é roubado a um filme excelente. E como diz alguém à comédia segue-se a tragédia. 

A bon entendeur......

Não é humor. É a realidade!

O meu olhar, 31.01.14

PARECER

 

Por: Ricardo Araújo Pereira

 

"Caro Sr. primeiro-ministro, O conjunto de medidas que me enviou para apreciação parece-me extraordinário.

 

Confiscar as pensões dos idosos é muito inteligente. Em 2015, ano das próximas eleições legislativas, muitos velhotes já não estarão cá para votar. Tem-se observado que uma coisa que os idosos fazem muito é falecer. É uma espécie de passatempo, competindo em popularidade com o dominó. E, se lhes cortarmos na pensão, essa tendência agrava-se bastante. Ora, gente defunta não penaliza o governo nas urnas. Essa tem sido uma vantagem da democracia bastante descurada por vários governos, mas não pelo seu.

 

Por outro lado, mesmo que cheguem vivos às eleições, há uma probabilidade forte de os velhotes não se lembrarem de quem lhes cortou o dinheiro da reforma. O grande problema das sociedades modernas são os velhos. Trabalham pouco e gastam demais. Entregam-se a um consumo desenfreado, sobretudo no que toca a drogas. São compradas na farmácia, mas não deixam de ser drogas. A culpa é da medicina, que lhes prolonga a vida muito para além da data da reforma. Chegam a passar dois ou três anos repimpados a desfrutar das suas pensões. A esperança de vida destrói a nossa esperança numa boa vida, uma vez que o dinheiro gasto em pensões poderia estar a ser aplicado onde realmente interessa, como os swaps, as PPP e o BPN. Se me permite, gostaria de acrescentar algumas ideias para ajudar a minimizar o efeito negativo dos velhos na sociedade portuguesa:

 

1. Aumento da idade de reforma para os 85 anos. Os contestatários do costume dirão que se trata de uma barbaridade, e que acrescentar 20 anos à idade da reforma é muito. Perguntem aos próprios velhos. Estão sempre a queixar-se de que a vida passa a correr e que 20 anos não são nada. É verdade: 20 anos não são nada. Respeitemos a opinião dos idosos, pois é neles que está a sabedoria.

 

2. Exportação dos velhos. O velho português é típico e pitoresco. Bem promovido, pode ter aceitação lá fora, quer para fazer pequenos trabalhos, quer apenas para enfeitar um alpendre, um jardim.

 

3. Convencer a artista Joana Vasconcelos a assinar 2.500 velhos e pô-los em exposição no MoMa de Nova Iorque.

 

Creio que são propostas valiosas para o melhoramento da sociedade portuguesa, mantendo o espírito humanista que tem norteado as suas políticas.

 

Cordialmente,

 

Nicolau Maquiavel"

Recebido por e-mail.  

estes dias que passam 315

d'oliveira, 24.01.14

A estupidez não tem limites.

E a praxe também não!

 

Desconheço o grau de veracidade atribuível às notícias que uma televisão privada forneceu sobre a “tragédia do Meco”. Ao que se diz, o “conselho da praxe” (sic!) funcionava como uma sociedade secreta e vinculava todos os seus membros à assinatura de um “termo de responsabilidade” que eximiria a cretiníssima instituição praxista da Lusófona de toda e qualquer responsabilidade atrbuível às práticas imbecis e criminosas da seita.

Quando frequentei Coimbra tomei partido contra todas as burrices e pequenas violências da “praxe” coimbrã. De todo o modo, a coisa, naquele tempo, tinha como ponto forte na tolice as trupes e suas consequências: “rapanço” e “unhas” distribuídas pelos caloiros e “bichos” apanhados na rua depois do toque da Cabra. Fora isso, havia uma que outra sessão de “gozo” em Repúblicas, já estavam em desuso, ou quase, os “julgamentos”.

Claro que as raparigas (em minoria, apesar de maioritárias em Farmácia, Letras e em certos cursos de Ciências) estavam dispensadas de toda e qualquer praxe de rua e, por junto, podiam usar capa e batina e “proteger” namorados e amigos.

Os defensores da praxe argumentavam com o factor integrador da praxe: a caloirada vinda da província aprendia à sua custa no meio de dichotes de duvidosa eficácia e reduzido humor a “funcionar” no seio da “Academia”.

As trupes, mero agrupamento de imbecis embuçados nas capas e batinas, tinham por missão obrigar os caloiros a não sair de casa com o benemérito fito de os obrigar a “encornar” as sebentas e a ter bom resultado académico.

Nos anos sessenta a praxe “dura” decaiu fortemente a pontos de serem quase inexistentes as trupes e as suas práticas violentas. Em 1969, na sequência da Crise Académica, a praxe de rua foi absolutamente abolida por meio de um “decretus” do Conselho de Veteranos amplamente concorrido.

Convirá, entretanto, lembrar que, a partir de 1960 (direcção Candal na AAC) começaram a ser permitidas aos caloiros saídas à noite para assistir a actos culturais, participar em actividades dos organismos autónomos e em Assembleias Magnas. Ou seja, boa parte da população académica estava já protegida da bestialidade trupística. 

Agora é o que se vê: certas praxes ressuscitaram que não as trupes e outras barbaridades. Mesmo assim, quando se passa por Coimbra, no início do ano escolar ainda se pode assistir a ignominiosas cenas de “gozo de caloiros” que normalmente não passam de gritaria grosseira e indesculpável violência verbal, exigências imbecis tudo provas que a Universidade não melhora muitos dos seus discípulos.

Na “Universidade” (???!!!) Lusófona, famosa pelo diploma atriobuído a um político de segunda, a coisa fia muito mais fino. Aquela espécie de fábrica de diplomas tinha um “conselho oficial de praxe académica”. Uma coisa pomposa que imitava mal e porcamente a praxe coimbrã mas em mais estúpido e brutal. Não eram apenas os caloiros (as “bestas”) as vítimas da burrice e dos baixos instintos dos “doutores”. Inclusivamente, sempre a fazer fé no testemunho da TVI, mesmo os estudantes com duas matrículas ainda tinham muito que penar para saírem da condição de “pastranos”.

Convem esclarecer os leitores que a noção tradicional de pastrano era aplicada aos estudantes caloiros logo depois da Queima das Fitas, data mandatoria do fim do seu estado de caloiro (ou novato como devria ser mais correcto. Isto significava finalmente que o estudante poderia usar a “pasta” universitária proibida aos caloiros e aos bichos. Nada mais.

A parvoíce congénita dos cérebros praxistas da tal Lusófona até confunde os conceitos. Não é caso único mas pelos vistos  esta espécie de instituição de ensino dito superior é ainda mais tonta e provinciana do que as restantes congéneres públicas ou privadas. Inmventaram-se trajes académicos que não correspondem a nada e que mais não são do que uma tentativa de fingir independência em relação a Coimbra. A coisa, ao que me consta, chega até ao corpo docente: dizem-me que um  dos mais instantes problemas daquela casa é criar um traje para o ilustre corpo docente! Como em Coimbra, outra vez, mas diferente, claro para mostrar não se sabe bem o quê!

Se o que foi descrito é verdade, então o desastre do Meco obedeceu a uma incomportável estupidez com consequências que terão de ser severamente ponderadas. Nresta altuira, a tal universidade que se arroga de luto pelas mortes já deveria ter suspenso, dentro das suas instalações a deletéria comissão da proaxe, todas as manifestações a ela ligadas.

E isto em obediência não a um código penal qualquer mas tão só a uma famosa lei elaborada há muitos anos pelo poeta Joaquim Namorado e que rezava assim

Artigo Iº e único:  é proibido ser estúpido

         §  único:     fica revogada toda a legislação em contrário.

 

E basta! Praxistas para a Síria, JÀ!

 

Declaração de interesses: nos meus anos de estudante, usei escassamente capa e batina, participei numa trupe simbólica e "política" e fiz parte do "Conselho de Veteranos" acima citado e que decretou o fim das praxes violentas. A minha assinatura consta do "Decretus" em cuja redacção copiosamente colaborei e assino com o nome em macarrónico "Marcelus Fluviulus". 

Au bonheur des Dames 350

d'oliveira, 21.01.14

 

 

 

 

Trapalhadas velhacas

 

O sr. Passos Coelho, ufano pelo triunfal desempenho à frente do Executivo, entende, na sua inultrapassável modéstia, que a  Pátria necessita dele como nós de pão para a boca.

Vai daí, mesmo se contrariado, eis que se candidata a mais uns anos de sacrifício pela Grei. E apresenta, ou apresentará, um programa para o efeito.

Do que se sabe desse prodigioso documento, a Imprensa inferiu com extraordinária unanimidade que Coelho não quer o sr. Rebelo de Sousa para putativo candidato a Presidente da República.

Já se sabia que Coelho não morria de amores por Marcelo e que este lhe correspondia com idêntica ternura. Estranho seria que, depois desta desavinda relação, viesse Passos a dar o fatal passo de se encomendar a Marcelo, o crítico televisivo. Estranho seria que Marcelo, que desde há meses recusa obstinadamente encarar a hipóteses de se apresentar ao eleitorado, aceitasse o apadrinhamento da mediocridade que sempre detectou em Passos.

Mas uma coisa é a lógica e outra a “política” mesmo se à portuguesa ou seja em calão.

Confrontado com a notícia de que seria “persona non grata”, Marcelo não conseguiu deixar de reagir com ar de intenso sofrimento. Em vez de assobiar para o lado e fingir que a coisa não o aquentava nem arrefentava, eis que o “Professor”, tomou as dores do ex-futuro candidato e comentou o incomentável.

Na segunda feira, ontem, eis que os jornais titulam que Marcelo se dói de não poder ser o preferido de  Passos (como se isso pudesse, mesmo, em Catrapum do Meio, ser uma contrariedade ou um demérito!). 

Aqui para nós, leitores amigos: algum de vocês daria saltos de alegria por se saber ungido por Passos? Querido por Passos? Escolhido por Passos? Referido amistosamente por Passos?

Marcelo Rebelo de Sousa é, queira-se ou não, um homem inteligente. E culto. E, dizem, um excelente professor de Direito. Também não deixa de ser o irrequieto rapaz que inventava factos políticos, que intrigava como respirava, que dizia tudo e o seu contrário, que dava entrevistas a torto e a direito quando líder efémero e sem glória do PPD. Não há quem se lembre das suas pueris diabruras, do seu irrequietismo, da sua voracidade em afirmar-se?

Que Passos tenha cometido (mais) uma patetice que lhe pode sair cara, já nem é novidade. Que MRS, Ícaro decaído e pouco viçoso,  caia na esparrela de responder à parvoejada e que se mostre triste por não poder voar mais alto do que as suas frágeis asas lhe permitem eis o que me diverte mais do que surpreende.

Às vezes a política “à portuguesa” consegue fazer sorrir...

Ainda no mesmo tom menor neste dó maior, temos a votação do “Referendo”.  Convenhamos que anda por aí muita indignação despudorada. A começar pela questão do  “direito humano” a co-adoptar.  Eu sempre pensei que a questão de co-adoptar uma criança era não um direito do adoptante mas apenas da criança.

Pessoalmente, estou-me nas tintas, para quem toma conta do ser desprotegido desde que o faça com carinho, com responsabilidade e com dignidade. Estou faro de ver pais hetero indignos e canalhas para escolher estes e só estes a outros eventualmente homo mas decentes e honrados.

Agora, ouvir, como ouvi, alguns uivos sobre os direitos de uma minoria ameaçados pela maioria é que é demais. Não sei se os portugueses em referendo não aceitariam a co-adopção. Desconfio que, como eu, prefeririam a tranquilidade e o felicidade da criança, à orientação sexual dos seus educadores. Isto se se dessem ao trabalho de ir votar.

A segunda questão é essa mesmo: ir ou não ir responder ao referendo. Brandir a ameaça deste não ter audiência suficiente é uma infâmia e um convite à valsa perigosa de deixar cair o direito ao referendo na fossa das águas residuais da Democracia. Os cidadãos têm o direito de participar ou não na consulta e ponto.

Que a deputadagem de um qualquer partido se deixe intimidar pela direcção partidária a ponto de, como carneiros, votarem contra a sua “livre” (?) consciência,  mesmo com pomposas declarações de voto, é algo que já não me espanta.

Num sistema que elege deputados ao quilo ou à tonelada, estes não passam de criaturas fungíveis que não representam nenhum eleitor em concreto mas apenas uma massa indiferenciada de cidadãos que ao votar numa quantidade também declaram não querer pedir responsabilidades a ninguém.

Ou seja: ver agora outros grupos parlamentares que querem este sistema, que defendem esta generosa irresponsabilidade dos eleitos, esta indiferenciação,  protestar contra esta trapalhada é ridículo e sobretudo hipócrita.

Ouvir os indisfarçados apelos a Cavaco Silva, ao TC  ou até, pasme-se!,  à caríssima execução de um Referendo  (se o referendo é caro então quão caras não serão outras propostas sobre medidas orçamentais ora em jogo no TC?) é um penoso exercício que só não indigna quem desistiu de ser cidadão. E de ser Democrata!

 

Deixemos para final, esta página cor de rosa de política estrangeira: o sr. Hollande, pai eventualmente extremoso de quatro filhos feitos em conjunto com a srª Ségolene Royal,  companheiro atittré de uma senhora  Trierweiler que faz (ou fazia) de Primeira Dama francesa, é apanhado disfarçado de rapaz das pizzas numa scooter, capacete enterrado na cabecinha meio calva, a visitar uma senhora actriz (como é da praxe, nestas comédias de boulevard) noite fora até às onze da manhã (caramba que “grasse matinée!”). Convenhamos: estamos perante um “forçat  (sinon un forcené, digo eu, invejoso ) de la braguette.

Não que a coisa seja rara nos dirigentes da França, reis incluídos. Há mesmo um imortal Presidente, Félix Faure de sua graça, morto no campo da honra, ou melhor no “salon bleu” do Eliseu, devido a uma felação habilmente prodigada por Madame Marguerite Steinheil, doravante apelidada “la pompe funébre”, e apenas conhecido por esta “petite mort” que, no caso, acabou por ser definitiva. 

Hollande, esperança dos adeptos do senhor Seguro, e só desses que sa saiba, poderá estar com uma popularidade condizente com os grandes frios que nos atormentam mas no que toca a êxito entre as damas, o homem resplandece. Merece a pequena frase de Rabelais: et deja il començoit a exercer de la braguette. Não é muito mas já é qualquer coisa.

 

* na gravura: Marguerite Steinheil, "la pompe funébre"

Estrela da Tarde

O meu olhar, 19.01.14

Era a tarde mais longa de todas as tardes 
que me acontecia
Eu esperava por ti, tu não vinhas, 
tardavas e eu entardecia
Era tarde, tão tarde, que a boca, 
tardando-lhe o beijo, mordia
Quando à boca da noite surgiste 
na tarde tal rosa tardia

Quando nós nos olhámos tardámos 
no beijo que a boca pedia
E na tarde ficámos unidos 
ardendo na luz que morria
Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste 
o sol amanhecia
Era tarde de mais para haver outra noite, 
para haver outro dia

Meu amor, meu amor
Minha estrela da tarde
Que o luar te amanheça e o meu corpo te guarde
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza
Se tu és a alegria ou se és a tristeza
Meu amor, meu amor
Eu não tenho a certeza

Foi a noite mais bela de todas as noites 
que me adormeceram
Dos nocturnos silêncios que à noite de aromas 
e beijos se encheram
Foi a noite em que os nossos dois corpos 
cansados não adormeceram
E da estrada mais linda da noite 
uma festa de fogo fizeram

Foram noites e noites que numa só noite 
nos aconteceram
Era o dia da noite de todas as noites 
que nos precederam
Era a noite mais clara daqueles que à noite 
amando se deram
E entre os braços da noite de tanto se amarem, 
vivendo morreram

Eu não sei, meu amor, se o que digo é ternura, 
se é riso, se é pranto
É por ti que adormeço e acordo 
e acordado recordo no canto
Essa tarde em que tarde surgiste 
dum triste e profundo recanto
Essa noite em que cedo nasceste 
despida de mágoa e de espanto

Meu amor, nunca é tarde nem cedo para quem 
se quer tanto!

Ary dos Santos

A Verdadeira Asfixia Democrática

O meu olhar, 18.01.14

Como se compreende que na página política do Jornal de Notícias o que apareça são 6 notícias sobre o Passos Coelho? A exceção é uma notícia sobre a GNR. A outrora tão propagandeada "asfixia democrática" parece ter agora o seu esplender no JN e nos outros meios de comunicação social, onde imperam as noticias sobre o PSD e o Governo.

 

Face a esta situação escandalosa, ocorre-me sempre um conjunto de questões: estes jornalistas não têm vergonha? Nem ética?  Nem profissionalismo?

Além disso, é fácil verificar que as notícias atuais são como as salsichas: todas iguais, seja qual for o meio de comunicação social. Onde será que estas salsichas são produzidas?

 

Ver para crer:

http://corporacoes.blogspot.pt/2014/01/aspecto-do-site-do-jn-as-20-horas.html

 

 

 

estes dias que passam 314

d'oliveira, 09.01.14


 

 

Deixem o panteão em paz na sua pasmada solidão

 

Como de costume, o panteão nacional, foi uma ideia copiada da França. Em 1916, a 1ª República entendeu dar conveniente sepultura aos heróis nacionais e a um punhado de pais da pátria. Entre estes, avultam, Sidónio Pais, Manuel de Arriaga e Óscar Carmona. Dos três, o mais lembrado é Sidónio, o Presidente-Rei, assassinado na estação do Rossio depois de ter protagonizado uma tentativa radical de  reinvenção da República (a República nova, que nunca o foi e que caiu com o mesmo estrondo – ou falta dele – dos restantes cinquenta governos da 1ª República).

 Manuel de Arriaga é uma sombra amável dos primeiros tempos quase inocentes da República. Distinguia-se entre os correligionários por não ser anti clerical e jacobino. Todavia, nem esse seu espírito conciliador lhe foi de préstimo entre os adversários políticos monárquicos ou conservadores. Eleito, Presidente da República em 1911, foi forçado a resignar três anos depois. Contra ele estiveram sempre os “democráticos” e a infeliz decisão de chamar Pimenta de Castro para o Governo. Porém, actualmente, é difícil imaginar decisão diferente dessa, sobretudo tendo em conta que foi tomada num momento em que com incursões monárquicas a insatisfação na tropa punha em extremo risco as (frágeis) instituições republicanas.

No tocante a Carmona, um marechal sem vitórias na frente de batalha, conspirador e mação, principal apoio de Salazar  (que retribuiu promovendo-o a marechal) entrou em santa Engrácia por obra e graça do Estado Novo.

Não vale a pena referir  Teófilo Braga, presidente provisório imediatamente a seguir ao 5 de Outubro e efémero sucessor de Arriaga. Escritor de escassos méritos, que já ninguém conhece, político sem grande rasgo e interventor menor na Questão coimbrã.

Escritores, que me lembre andam por lá quatro: Herculano, Garrett, João de Deus e Aquilino.

Heróis nacionais que me lembre está lá, e mal, Nuno Alvares Pereira cujo primeiro túmulo penso que estivesse no Convento do Carmo onde poderia muito bem estar, caso não o achem digno dos Jerónimos. No Carmo, em pleno centro de Lisboa, o Condestável estaria muito mais perto das pessoas e, sobretudo, estaria num local muito seu.

E finalmente Amália. Ali está a excelente senhora, longe do seu público, dos seus admiradores, do fado, amortalhada na pedra sem alma, duma não igreja que só é celebre pelo tempo que demorou a construir.

Faço parte da pequeníssima minoria que entrou lá dentro, levado por um pai que queria mostrar aos filhos uma outra Lisboa que em 1952 estávamos prestes a abandonar. Nunca mais lá voltei, de resto é difícil chegar lá a menos que se tome um eléctrico ou um táxi.

Os jornais noticiam que em 1912 terão lá ido cerca de sessenta mil criaturas.  Ou seja cinco mil por mês cento e poucas por dia. Aposto, dobrado contra singelo, que nesse número deverão estar largos milhares de criancinhas das escolas que, coitadas, fazem tais visitas ao abrigo de umas excursões escolares que os devem chatear prodigiosamente.

Portanto o Panteão, importação francesa, como de costume, mal transplantado em Portugal, continua a ser um corpo estrangeiro no país que o ignora soberbamente.

Todavia, eis que por morte de Eusébio, o Panteão, casarão desconhecido de toda a gente, aparece subitamente em todas as conversas e mesmo aqui, há que confessá-lo. Passemos em revista os argumentos.

O primeiro, e mais ridículo, é que, com Eusébio, o Povo com letra grande entraria naquele medonho sarcófago. As alminhas que afirmam isto esquecem que o Panteão não se destina ao Povo mas justamente a uma elite que, no caso em apreço, parece escandalosamente reduzida. Mesmo se algum dos lá desterrados tenha por alguma razão saído do tal Povo (sempre com letra grande...). Ali preso, sem povo que o visite, que lhe leve uma flor, uma oração ou um qualquer gesto de reconhecimento, o pobre popular está medonhamente só e, apostemos, abandonado.

Em segundo lugar, como previa, a trasladação do esquife de Eusébio, já deu direito a uma despudorada manifestação partidária, aliás multipartidária. A gentinha política aboletada no Parlamento viu no caso uma maneira fácil e populista de mostrar ao Povo, às pessoas que genericamente a despreza ou abomina, que também ela a fina flor dos eleitos, adora o Povo, só pensa no Povo, nada mais vê que o Povo por interposta figura de Eusébio que se por cá andasse ainda ficaria seguramente siderado.

Convenhamos, alguém viu o parlamento e toda aquela turbamulta que o ocupa, empenhado durante estes anos todos em glorificar Eusébio? E se tiveram tempo e oportunidade...

É claro que, agora, morto e enterrado, Eusébio, já não é o “instrumento da propaganda” do Portugal multirracial e imperial, já não é o “cúmplice dos colonialistas” e outros mimos do mesmo género. Pessoalmente, e como o sabem todos os que me vão aturando por aqui, nunca me deixar embrulhar por despropósitos deste género mas que os ouvi, ouvi-os e não poucas vezes.

Tentar também, vir agora dizer que Eusébio foi uma ponte entre Moçambique e Portugal, entre pretos e brancos também obviamente não tem qualquer sentido. Nascido na Mafalala, no “caniço” que bordeja Maputo, Eusébio acabou por ser um cidadão português, quase um lisboeta, onde viveu quase três quartos da sua vida. Em Moçambique, algumas criaturas indignaram-se muito com o facto dele não ter ido para Moçambique depois da independência. Em primeiro lugar não foi o único nem sequer é caso raro. Depois sentia-se bem por cá onde tinha amigos e onde era geralmente admirado e respeitado. Depois, nas vezes em que visitou a terra natal, fartou-se de explicar isso. Será que Moçambique (e alguns dos mais assanhados ideólogos frelimistas cuja gana aos estrangeirados é conhecida) lhe ofereceria, pelo menos, um estatuto, e meios idênticos aos que Portugal (honra lhe seja, ao menos por esta vez) lhe ofereceu? É crime sentirmo-nos bem numa terra onde nos tornamos conhecidos, respeitados e amados?

A latere, recordemos só de passagem, e de mão no nariz, algumas infelizes declarações de personalidades políticas que terão exprobado a Eusébio a falta de cultura (provavelmente literária ou pictórica... ) como se isso fosse crime ou tivesse impedido o homem de ser um fabuloso profissional, um futebolista educadíssimo, e um cidadão modesto que se prestou a levar o nome de Portugal a toda a parte. Ou aqueloutra criatura que, canhestramente, meteu a pata na poça ao argumentar com os custos milionários da entrada no Panteão.

(os leitores apreciarão, assim o espero, o facto de apontar estas luminárias  tão anonimamente quanto possível. Patetices não devem ser premiadas com nome e apelido dos autores.)

Pessoalmente é-me absolutamente indiferente a entrada de Eusébio no Panteão. A sua glória está feita e durará, pelo menos, uma geração. Depois, logo se verá. Que tenha mais sorte do que Herculano, Arriaga ou Teófilo que são desconhecidos para uma imensa maioria de portugueses. Que eu saiba, de Herculano apenas circula – se é que não está esgotada – a “História de Portugal”, duvido que haja alguma edição decente de João de Deus (um poeta admirado e querido por todos os seus contemporâneos e respeitado por qualquer pessoa que se preocupe por educação infantil. O “Campo de flores” é ainda hoje um excelente livro de poesia cuja leitura é amável e gratificante). Garrett, autor dessa extraordinária “Viagens na minha terra”, um texto absolutamente genial, tem mais sorte, se calhar porque algumas das suas obras constam dos currículos escolares. )

Tudo isto para significar que a estadia no Panteão não adianta um milímetro no conhecimento dos que lá estão, da sua obra, da sua vida, do seu exemplo. Armazenaram meia dúzia de glórias por lá e com isso os Pais da Pátria entenderam ter contribuído prodigiosamente para o culto dos nossos maiores. Fatal engano.

Finalmente, nunca me espantarei suficientemente, com o inusitado número de cidadãos anónimos que, mesmo sem saberem o que é, onde está e quem lá está para quê, opinaram gravemente, ou em alta grita, com o direito de Eusébio àquela augusta casa.

 

 

Diário Político 193

mcr, 06.01.14

 

 

 

Kanimambo, Eusébio!

 

Pela cordialidade que sempre demonstraste!

Pela modéstia!

Pela elegância dentro do campo!

Pela honradez!

Pela alegria que deste a tantos, durante tanto tempo!

Pelo exemplo!

Pela lealdade!

Hotshelele hima dhanwa guma.*

d’Oliveira 6.01.14

todos seremos chamados a morrer (de um msaho de Felisberto Kambame)

Au bonheur des Dames 349

d'oliveira, 05.01.14

Morte onde está a tua vitória?

 

O futebol diz-me pouco, quase nada mas o Eusébio é outra coisa. Houve quem, cavilosamente, quisesse associar o jogador negro vindo de Moçambique, a aspectos menos interessantes do pais cujo nome ele defendeu nos estádios de toda a parte.

 

Eu, a quem o futebol diz pouco, quase nada, relembro com um intensa comoção o famoso jogo contra a Coreia do Norte num campeonato do mundo. Num café (o “Mandarim”, à praça da República em Coimbra, ou seja e no jargão politico da época , no “Kremlin” à “Praça Vermelha”) vi gente de todos os bandos políticos, no caso oposicionistas e situacionistas, republicanos e monárquicos, revolucionários e fascistas, estudantada, futricas e até agentes da pide, sempre à coca, rendidos aquele homem que motivou a equipa portuguesa.

 

Relembre-se:  Portugal era uma das surpresas daquele campeonato (1966) e defrontava a Coreia do Norte que em escasso tempo chegou a vencer por três a zero. Todavia, Eusébio marcou quatro golos e o resultado acabou por um extraordinário 5-3. 

 

Eu, a quem o futebol diz pouco, quase nada,  fiquei pregado á cadeira, incapaz de me mover de tal modo aquele alucinante bailado  na relva me parecia milagroso.

 

Em nome dessa juventude longínqua, desse momento de encantamento, dessa dignidade desportiva e humana que Eusébio sempre viveu, gostaria de nesta página depositar uma  modesta flor do sul do seu Moçambique.

 

Com admiração, respeito e gratidão, mesmo se o futebol me diz pouco, quase nada.

 

Mas o Eusébio era da malta, da família, da casa.

 

Tátá, velho pantera! 

 

O título refere, evidentemente, a 1ª Epístola aos Coríntios (15, 51-58)  mesmo se o escriba seja, como se sabe, absolutamente agnóstico que não ateu

Tátá era uma fórmula laurentina de despedida nos tempos em que o Eusébio e eu éramos rapazolas.

a ilustração é de flores nativas do sul de Moçambique, a região de Eusébio 

 

au bonheur des Dames 348

d'oliveira, 01.01.14

Ano que não deixa saudades

 

 

 

A bem dizer nem se devia falar em saudades.  3013 foi uma valente merda, passe o plebeísmo. E foi-o pelas razões que todos sentem ou sabem ou pressentem. Mas foi-o ainda mais por outras, mais obscuras e insidiosas com que se alimentaram ilusões que nunca por nunca tiveram razão de ser.

 

Comecemos por essa mais fácil: as esperanças depositadas na eventual nova governação alemã. Alminhas cândidas e tolas sonharam que a entrada do SPD (Partido Social-Democrata Alemão) no governo da senhora Merkel iria ajudar imenso  a causa portuguesa, não falando na grega mal comportada ou nas outras que por aí pululam desde as declaradas italiana e espanhola até às temíveis eslovena  e cipriota (de que ninguém, ou quase, fala!). 

 

Com a costumeira impertinência e o estafado reaccionarismo de que me vão acusando, já aqui tinha afirmado que, com sociais democratas  ou sem eles no Governo, Merkel manteria as posições que sempre defendeu.

 

Acontece que uma boa parte dos cavalheiros que se dedicam ao difícil exercício do comentário político já antes tinha afocinhado ao prever que o senhor Hollande nos iria tirar da fossa onde vegetamos. Não tirou, não tira e não tirará. Bom trabalho tem ele, lá pelas franças e araganças onde cai a pique a sua decrescente popularidade.

 

Entre nós, portugueses, houve sempre a ideia de que alguém saindo de um medonho nevoeiro nos viria salvar. Tudo terá, eventualmente, começado com D Sebastião, uma criatura que se deixou morrer nos areais de Marrocos mas que a piedade lusa teimou em considerar um herói.

 

Na construção da nossa anti-história, Sebastião é um modelo e o malvado Filipe II de Espanha um tratante. Como se este não tivesse avisado o pouco avisado Sebastião da asneira em que se ia meter; como se Filipe não fosse, pelas leis dinásticas da época o mais próximo candidato à coroa portuguesa; como se não tivesse existido – e predominante – um “partido espanhol” em Portugal, para já não falar nos muitos que se apressaram a encher a bolsa com o oiro vindo de além fronteiras; como se a pequena excursão guerreira espanhola por terras lusas não tivesse provado o pouco apego português a uma espécie de sentimento nacional e o descaso em que a lusa gente tinha pelo prior do Crato; e por aí fora...

 

Portanto, e para abreviar, nem Hollande  nem Merkel com tempero socialista resolvem os nossos problemas. A patética declaração do senhor Seguro  (iria empenhar-se imenso junto do SPD para servir  a pátria...) foi só isso: um verbo de encher, mais uma prova da inanidade do seu inexistente pensamento estratégico. O que salva Seguro é Passos (e vice-vrsa). Os dois juntos valem zero mas separados atingem proporções tremendas de negatividade.

 

Anda por aí outra mansa onda de loucura, a saber: Rui Rio e Costa, putativos candidatos à liderança nos respectivos clubes, poderiam salvar o pagode. Convenhamos que quer um quer outro estão a léguas luz de distância dos dois actuais líderes partidários dos partidos de governo. Também não é preciso muito!

 

Todavia, e é aqui que a porca torce o rabo, nenhum dos dois cavalheiros em causa parece entusiasmar-se com a hipótese de vir salvar o jardim à beira mar plantado. Rio propôs-se um período de nojo e teimosamente, como é seu hábito, vai recusando ofertas blandiciosas e propostas arrojadas de inimigos amigos e de amigos inimigos.

 

Costa já passou o seu mau bocado com aquele faz que anda mas não anda e está agora cercado de lixo por todos os lados, desnorteado por um grupo de cantoneiros acirrados pela CGTP (que nunca o amou) e que desconfia das seráficas intenções camarárias ao transferir competências e pessoal para as novas freguesias. Costa bem prega as suas boas (dele) razões mas os lixeiros desconfiam, a populaça irrita-se com o lixo dos outros (que não o dela!) à porta de casa, e o cheiro nauseabundo invade a cidade, perturba o fim de ano e as festas.  Cheira a Lisboa que se farta!

 

Outra coisa que me incomoda, et pour cause, é a miserável querela dos velhos contra os novos ou vice versa. Vivi demasiados anos para tolerar agora a acusação de que ando a viver à custa dos meninos e meninas que nasceram depois de 1990. Paguei com os meus impostos (a que nunca fugi) os hospitais e maternidades onde nasceram, a absoluta melhoria de serviço de saúde de que gozaram, as estradas por onde andam, as cidades renovadas onde habitam e até as escolas onde se educaram. Para não falar da liberdade em que cresceram, da possibilidade que, sem risco, têm de criticar o Poder, de se indignar.  Por muito má que seja a qualidade de vida desses jovens, ela é infinitamente melhor daquela em que a minha geração nasceu, cresceu e viveu longos anos.

 

(Com medo, com um sufoco na garganta, com a guerra e a prisão. )

 

É verdade que agora se emigra. Convém lembrar que só na década de 60 emigrou milhão e meio de portugueses, às escondidas, a salto, arriscando muitas vezes a liberdade ou até a vida. E uma vez chegados às grandes cidades europeias, amontoavam-se em bairros medonhos, eram miseravelmente explorados quanto mais não fosse porque começavam a trabalhar clandestinamente, desconheciam a língua, eram incultos e analfabetos. Comparar essa emigração com a actual é apenas outra infâmia friamente concebida e desavergonhadamente afirmada. Os emigrantes portugueses saíam de um campo empobrecido e apinhado directamente para o “batiment” francês para as fábricas concentracionárias como “O.S.” sindicalmente desenquadrados. Todavia, persistiram, bateram-se como leões, amealharam como formigas, puseram os filhos na escola e, pouco a pouco, ergueram uma contra-cultura própria que cá era desdenhosamente conhecida como dos “vacanceiros”, dos construtores de casas “tipo maison”, dos afrancesados, ainda por cima contra-revolucionários, como se gente que saíra da extrema pobreza com tremendo esforço, que sabia o valor de cada franco, de cada marco, de cada escudo, fosse, sem mais, transformar-se na vanguarda do proletariado rural (que contra-senso!) e no magma onde vicejaria a “Revolução”.  Uma “revolução” que, nesses tempos obscuros se tintava de “action directe”,  de “rote armee fraktion”, de “brigate rosse” e outras longas marchas sob o signo anti intelectual e anti elitista e anti civilizacional do livrinho vermelho.

 

E bom seria lembrar que de Portugal sempre se emigrou: em finais do século XIX, dos nossos escassos cinco milhões de habitantes emigravam em média setenta/oitenta mil cidadãos. Essa média até aumentou nos anos da República velha e só baixou durante alguns anos do consulado salazarista por causa da guerra.

 

No entanto, diz-se que agora esta emigração é mais culta e mais preparada. É verdade: milhares de licenciados procuram fora um emprego que cá dentro não existe, nunca existiu ou foi destruído pela desindustrialização. Convenhamos que excepção feita a certas engenharias, enfermeiros  ou uma que outra especialidade, a grande maioria dos licenciados que emigram têm estudos de ciências humanas, línguas e letras modernas, filosofia etc...  Ou seja foram estudos perdidos pelo menos no que toca ss saídas profissionais na mesma área. E isso, queiram desculpar, é um problema insolúvel: os antropólogos, os sociólogos, os psicólogos, os historiadores ou os filósofos que a universidade forma às pazadas não terão cá ou fora saída profissional. Do mesmo modo uma boa centena de cursos de engenharia menos tradicional estão votados ao desengano. E por aí fora.

 

As universidades e os politécnicos que por aí pululam deveriam ser obrigados a fornecer aos candidatos a aluno uma tabela sobre a “empregabilidade” dos cursos neles ministrados. E deveriam ser punidos pela má informação eventualmente prestada. Estou à vontade para falar: tenho um familiar licenciado em antropologia com a mais alta nota do seu curso. Está emigrado em França onde apanha fruta e vive de pequenos empregos fugazes. Ao contrario da irmã que, geóloga de formação, sempre escolheu o local de trabalho (bem pago) mesmo que isso signifique como significou empregos em minas de cobre na selva guineense ou (actualmente) nos confins do Botswana, perto da faixa de Caprivi.

 

Não quero fazer a apologia da emigração mesmo se venho de famílias emigrantes. Todos os meus antepassados, portugueses ou alemães, com estudos ou sem eles, emigraram para o Brasil ou para África. Eu mesmo, com meus pais e irmão, fomos para Moçambique nos inícios de cinquenta do século passado. Custou? Claro que custou, mas tivemos uma vida bem melhor e sobretudo isso abriu-nos outros horizontes e novas perspectivas (para a pequena história: o meu pai era médico numa pequena cidade costeira onde foi, durante uma boa dúzia de anos, um excelente mas forçado João Semana. Partiu de lá deixando saudades, inúmeros devedores pobres e um certo prestígio que durou muitos anos. Só que o bom nome, a clientela numerosa mas pobre, não eram base para uma família que tinha de pensar nos estudos dos filhos longe daquela terra abençoada.)

 

A emigração não vai parar nos anos mais próximos. O país fica eventualmente pior sem as dezenas de milhares de jovens que o abandonam. A pirâmide de idades corre o risco de se inverter ainda mais. A Segurança Social será submetida a um esforço ainda maior, dado o decréscimo de contribuintes e as pensões futuras serão ainda menores que as de hoje, já depauperadas. Não é um outro Governo de sinal contrário que mudará  em pouco tempo este estado de coisas. Muito menos a emergência política de mais duas ou três tentativas de reunir uma esquerda desunida e sem projecto estratégico. Pelo andar da carruagem, e pelas costumeiras razões, todo este fogo de artifício amortecerá em breve. As eleições que se avizinham resolverão este vago reboliço e é duvidoso que, fora do redil dos partidos tradicionais, haja qualquer surpresa. Convenhamos: as criaturas que agora se agitam em projectos de novos partidos com o fim de ultrapassar as velhas divergências dos “velhos” partidos, vêm todas desses mesmos partidos a redimir. Não conseguiram à primeira, sequer à segunda, cindiram, zangaram-se, insultaram-se, criticaram e foram criticadas envelheceram demasiadamente mas, pelos vistos, estas novas tentativas são a sua prova de vida.

 

Ninguém toca no essencial, isto é no disparate da eleição para a AR. Todos se conformam com eleger um bando de criaturas a monte, vinculadas por isso mesmo apenas aos partidos e, dentro deles, aos aparelhos. Os deputados respondem apenas perante os partidos e nunca perante os cidadãos. Em mais de noventa por cento dos casos o cidadão eleitor está diante de um muro opaco de (ir)responsabilidades: quem dentre o magote de criaturas que ele elegeu em lista única é responsável pela má governação. Mas há mais: quando deitamos na urna o papelinho com a menção do partido, estaríamos eventualmente a pensar nos candidatos apresentados. Mesmo assim se formos eleitores de Lisboa, Porto, Braga, Aveiro, Setúbal ou Coimbra é enorme a possibilidade de só conhecermos os três ou quatro primeiros. Na suposição do partido que apoiámos ganhar as eleições, muitos dos que elegemos vão ocupar outros postos que não o de deputado. Sobem, entretanto, os últimos da lista e a multidão confusa e desconhecida dos substitutos. E aí temos um Parlamento povoado de mediocridades, de desconhecidos, de desqualificados que, nunca por nunca, sonhámos eleger. E que nunca elegeríamos se tivéssemos a possibilidade de escolher.

 

Isto vai continuar tal e qual. E querem os leitores que uma pessoa olhe o novo ano esperançosamente?

 

No entanto (homo sum humani nihil a me allienum puto), e teimo contra toda a lógica, toda a razão, toda a experiência acumulada, a crer num futuro menos mau e atrevo-me a desejar a todos os que me lêem um ano diferente, melhor, mais livre e mais promissor.

 

Assim seja!