No Carnaval ninguém leva a mal....
1 O dr Rebelo de Sousa, perorante dominical tem, por vezes, deslizes, logo ele que é (a sério!) um homem inteligente.
Então não anda a tentar convencer o pagode que só por mero acaso é que foi ao Coliseu. Como quem diz: “eu até ia a casa do brigadeiro Chagas (sempre "esse homem fatal"...) jogar o voltarete com uns cónegos da Sé e a Dona Patrocínio. Todavia, um telefonema a desmarcar a soirée fez-me pensar numa alternativa e, depois, de muito divagar, lembrei-me do Congresso e disse, vamos até lá animar a malta e dar um abraço ao Passos que, tudo visto, é um compincha estimável...”
Esta maviosa versão, que o ilustre Professor tem repetido onde quer que vá e apanhe um microfone a jeito, será boa para o público do Coliseu, para as criancinhas das escolas pré-primárias e alguma gente distraída. Mas só.
Por muitas que sejam as qualidades (e são muitas, imensas) de MRS ninguém de bom senso crê que aquilo sucedeu assim, que o discurso que fez foi apenas um vago improviso nunca antes pensado, um mero par de ideias e de anedotas que, repentinamente, lhe assaltaram a mioleira sem que houvesse constância de qualquer preparação anterior. MRS é assim: um espontâneo brilhante em qualquer hora, qualquer ocasião, quaisquer públicos.
A fria realidade há de ter sido outra, muito outra. MRS resolveu ir ao congresso muito antes deste acontecer, meditou seriamente no que iria dizer, relembrou todos estes meses de alfinetadas no Governo e em Passos, para não ir mais longe, preparou uma espécie de defesa dos críticos menos críticos e, fez contas à sua putativa proto-candidatura a Presidente da República.
Nisto tudo nada há de repreensível, excepto a tentativa de deitar areia para os olhos dos ouvintes, tele-espectadores e congressistas.
Ah, esquecia-me daquela longa reportagem em que MRS e Passos Coelhos, lado a lado, como bons amigo trocavam sorrisos e confidências. Enternecedor!
2 O congresso, ou lá como lhe chamam, do PPD/PSD teve outros momentos de terna comoção, o melhor dos quais terá sido a ressurreição de Relvas. Passos foi ao túmulo onde a criatura se acoitava escondida da luz do dia, tal qual um vampiro, e com um gesto enérgico e desafiante recolocou-a frente à crua luz dos projectores. O resultado foi o que se viu: uma desfeita na eleição para o Conselho Nacional. Amigos meus juram que Passos nunca abandona um amigo. Eu creio que Passos nunca perde a hipótese de dar um salto para a fogueira. Mesmo supondo que entre ele e Relvas há uma amizade à prova de obus, sempre direi que competiria ao segundo, recusar tanta honra e tanta exposição. Mas n\ao. São feitos da mesma farinha e a vaga suspeita de que anda por ali uma réstia de poder perde-os, treslouca-os, fascina-os...
3 Quem também anda fascinado não se sabe bem com quê é o eterno dr Seguro. Ouvi-lo é um exercício doloroso, muito próprio do período quaresmal que começa. Um castigo para a carne e sobretudo para a inteligência. Às vezes, pergunto-me se Seguro é assim tão mau ou se aquela gentinha de que se rodeia contribui em larga escala para as tolices que o homenzinho debita sempre que tem (também ele!) um microfone ao alcance.
A última descoberta destas luminárias é a da exigência de um estudo benefício-custo para o futuro programa de grandes obras públicas. Desconheço se o Governo fez o trabalho de casa e admito que possa ter-se esquecido desse antipático pormenor. A eficácia destas criaturas deve ser idêntica à cultura (oh palavrão!) que manifestam. ou melhor: que, aliás, não manifestam.
Recordaria, porém, que durante o mandato de Sócrates ou também não se deram a tão execrável tarefa ou então não ligaram nenhuma aos eventuais resultados de tal exercício. As auto-estradas onde nunca circulará metade das viaturas necessárias para justifica-las (eu nem digo para as pagar...), a insensatez do TVG (aliás, dos tgvs) a história sinistra do novo aeroporto bastariam para mostrar qual a importância que aquele PS (em que Seguro fazia o papel de surdo-mudo piedoso) dava a estas minudências. No reino do cavalheiro Sócrates reinava uma ideia tola do que era o keynesianismo num país sem independência aduaneira e sem moeda própria. O país a afundar-se em dívida e aquelas luminárias a clamarem que era preciso mais obra pública, mesmo se inútil. Pelos vistos, as coisas não mudaram muito pois esse slogan do Estado criar emprego continua a ser proclamado. Nisto o PS nunca se diferenciou do PCP ou do Bloco que também eles entendem que muito betão, muito alcatrão, salários em alta trarão do país do abismo em suavemente naufraga. Tudo isto, note-se, sem sair do euro. Alguns, poucos, apostam também nessa saída mesmo se as consequências disso pareçam ser ainda piores do que a permanência.
4 Umas sumidades já um pouco cediças entenderam manifestar por escrito uma vaga proposta de reestruturação da dívida. Eu, pecador me confesso, sei pouco do assunto, mas alguns princípios inculcados pelos meus desde a mais tenra idade obrigam-me a pensar que as dívidas devem ser pagas tão pontualmente quanto possível para, num caso de necessidade, se poder se recorrer aos habituais credores que já uma vez nos safaram. E recordo com algum constrangimento um ou dois devedores que nunca me pagaram o que generosamente lhes emprestei. Somas altas, bastante altas, lembrança de tempos em que as mnhas economias estavam num excelente patamar. Fiquei sem o dinheiro e sem os amigos, como de costume. E tudo isso depois de juras tremendas de pagamento atempado. Um até se lembrou de me propor que levantasse uns dinheiros (muitos) em certificados de aforro propondo-me pagar a mesma coisa. Era, devo dizê-lo, todo o dinheiro que tinha poupado. Anos mais tarde, outrem por ele, pagou o débito, sem os juros claro!, e a criatura ainda se zangou comigo. Mas aí, pelo menos, houve paga, se bem que altamente diminuída pela inflação que andava nos dois dígitos. Um segundo devedor nem o emprestado pagou. E não me conhece...
Tudo isto para lembrar aos sábios manifestantes (mais de setenta) que se a coisa é assim entre “amigos”, como é que não será entre estranhos.
Suponha-se, porém, que nesta restruturação, não se propõe redução de capital a pagar. Mas não se aposta apenas na “boa vontade” dos estrangeiros sejam eles a Europa, o BCE ou o FMI. Esquecem-se, também os credores nacionais (Banca, privados, Segurança Social) que obviamente perderiam. Se as coisas por cá já não vão bem seja em crédito bancário, investimento, consumo, criação de emprego, pagamento de subsídios de emprego e doença bem como de reformas, como é que esta audaciosa medida proposta por luminárias tão extraordinárias como Freitas do Amaral ou Louçã ou Ferreira Leite, cairia na cidadania, nos pacóvios que ainda acreditam na palavra do Estado Português?
Depois, a coisa complica-se um pouco mais porquanto os abaixo-assinantes insistem numa espécie de boa vontade europeia que nunca se viu, que não se espera (bem pelo contrário...) e que seguramente não está na expectativa de nenhum dos “Estados ricos” da Europa.
Sempre me surpreenderam os planos da pólvora com que políticos desinspirados mas atrevidos contam com o ovo no rabo da galinha, com sapatos de defunto, com o milagre das rosas ou, finalmente, com o regresso triunfante de D Sebastião vindo dos nevoeiros medonhos em que tem vegetado estes últimos quinhentos anos.
Em Portugal os planos mais alucinados, mormente de obras públicas, fazem-se esperando retornos extraordinários que nunca, mas nunca, ocorreram. Foi assim com a Expo de Lisboa onde até se fretaram navios para os visitantes e basbaque que acorreriam em número avassalador (mas não vieram), com o “Porto capital da cultura” que se saldou num medonho deficit, ou com alguns elefantes brancos no antigo regime ue também não deram os frutos esperados (por exemplo o Cachão, se alguém se lembra desse disparate...
Em Portugal pobrete mas alegrete há sempre alguém a jurar por lucros miraculos que ao fim de um período sempre breve se traduzem em mais um desastre financeiro e económico (como o desparrame de dinheirama que se gastou com uma dezena de estádios de futebol onde avulta o naufrágio do de Braga que derrapou para três vezes mais! Três vezes mais!!! Quem o pagará? E não falo dos de Aveiro, Faro Coimbra por exemplo que nunca terão um décimo dos espectadores para que foram construídos nem se pagarão em mil anos.
Estas seis dúzias de profetas económico-financeiros já por aí rondam há bastante tempo. Da sua acção pregressa pouco ou nada se aproveita, se é que as pessoas sequer se recordam da infausta passagem deles pela política nacional.
Mas há mais e pior: a sua ridícula exposição tem um efeito colateral devastador. Dão ao triste Passos Coelho mais uma oportunidade de brilhar e de, eventualmente, provar que eles não terão razão. Isto para não referir o efeito (se efeito houver) que esta polémica, inútil cá dentro, poderá ter lá fora. Se é que alguém “lá fora” leva estes cavalheiros a sério, coisa que, pelo que tenho tentado ver nos noticiários estrangeiros, parece duvidosa. Como se lá soubessem que isto é apenas uma fogachada de artifício para português ver.
d'Oliveira fecit