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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Au bonheur des Dames 361

d'oliveira, 29.04.14

25 A  Exercícios de memória 2

 

Não posso garantir em que dia exacto me foram reveladas as senhas do golpe militar. Aliás, de pouco serviram pois o meu interlocutor nos quartéis em efervescência, informou-me mal. Uma das senhas, a primeira, referia apenas uma emissora de Lisboa que não alcançava o Porto. Resultado: um balde de água fria para a Teresa, a João e eu. Com o sangue frio de muitos anos vividos nas cadeias, na perseguição e na clandestinidade, os mais velhos tinham-se deitado pedindo para só serem acordados em caso de evidente necessidade.

Acabrunhado, deitei-me meio vestido e creio que dormi uns breves momentos.

De facto os dias 23 e 24 tinham sido extenuantes. Em primeiro lugar, havia que fazer a vida normal, manter a todo o custo uma aparência de calma, tratar de “limpar” a casa, o escritório de tudo que fosse incriminatório, prevenir quem precisava de ser prevenido, marcar encontros mais ou menos clandestinos com as pessoas que nos distribuíam os livros, com a malta de um grupo de contacto com o jornal “O Comercio do Funchal” e, para tornar tudo mais complicado, tinham-me aparecido uns amigos italianos do “Potere Operaio”, um dos grupos radicais mais em evidência e com quem eu mantinha um contacto clandestino e regular. Esses amigos estavam cá um pouco por turismo e outro tanto por política. Tinham chegado carregados de livros e entre eles de publicações do grupo “Il Manifesto”. Eu era um dos destinatários e vi-me aflito para os receber tanto mais que eles queriam festejar o 25 de Abril, data da libertação da Itália (1945) em Lisboa e queriam-me à viva força lá. Eu era o contacto para algumas pessoas que eles queriam encontrar e foi difícil e embaraçoso desincumbir-me dessa tarefa. De todo o modo, foram reencaminhados para um outro amigo meu, metido em trabalhos semelhantes que lhes proporcionou o dia mais inolvidável da vida deles pois, alertado como estava do golpe, apenas teve o trabalho de lhes fazer uma visita guiada ao cenário da revolução. Se entre os meus escassos leitores alguém viu dois desvairados casais italianos perto do Carmo ao meio da tarde, viu essas testemunhas privilegiadas. Durante muitos anos, por mais que eu negasse, sempre me atribuíram a sua ida para Lisboa e toda a aventura posterior.

No meio da balbúrdia desses dias, o nosso camarada de blog Simas Santos, meu companheiro de estudo em Coimbra e de passagens de fronteira, a cumprir o serviço militar no CICAP fez-me chegar – nem sei já de que maneira- um recado para eu estar atento às novidades. Nessa altura, percebi que a coisa era a sério e que não só o Manel mas também outros do nosso tempo, estavam dentro do golpe. Confesso que, por muito civil que fosse (e que sou) senti uma certa inveja.  Moderei-a, entretanto, pois ao fim da tarde de 24, encontrei a Ana Paula Quintela, mulher do Arménio Sotomaior, outros dois de Coimbra!, que me disse que o marido estava de serviço no Quartel General. “Ai meu Deus, que se calhar o Arménio não sabe de nada e ainda leva um tiro!...”, foi o meu primeiro pensamento. O Arménio era uma criatura muito calma, razoavelmente ensimesmado (ou eu assim o pensava), tímido (idem) e poderia não ter sido posto ao corrente.

Nestas ocasiões, uma pessoa debate-se com terríveis e presunçosos problemas de consciência, como se de nós, e só de nós, dependesse o mundo. Calei-me bem calado mas andei horas e horas angustiado. Só de manhã, bem entrada manhã é que soube que nada de grave sucedera e que também o Arménio estava do lado certo e bom da História.

E dias depois, à medida que, entre festejo e festejo, se ia sabendo dos amigos de Coimbra, percebíamos que a “nossa malta” de 69 estivera toda metida na conspiração, nas acções mais interessantes ou aguentara a retaguarda enquanto dos seus quartéis saíam as colunas para os objectivos traçados.

Voltemos, porém, à noite de 24 para 25. Adormeci por uma boa hora, com o gato Voltaire em cima de mim. Voltaire, era preto e corajoso mas suponho que no toca a golpes militares preferia-os a horas menos mortas. De todo o modo lá se terá mexido e eu acordei no exacto momento em que na rádio se ouvia o primeiro comunicado ou algo no género. Dei um grito, aliás um uivo, “Já está” e acordei toda a gente. O meu sogro reiterou-me os seus préstimos e avisou que o acordasse de novo se fosse necessário. Admirei-lhe a calma e a habilidade em adormecer num minuto. Vestimo-nos os três (a Teresa fora dormir lá em casa) e fomos pelo Rui Feijó que, previamente avisado se levantara ainda mais excitado do que nós. E começou uma longa e inútil e solitária viagem pelas ruas silenciosas do Porto. A noite cerrada apenas permitia ver que os quartéis, e passamos por todos uma, duas, dez vezes, tinham as luzes acesas, sinal que nós interpretamos festivamente. “Está tudo sobre rodas”, repetíamos. Isto vai mudar. Puta que pariu o fascismo, etc., etc....

Às tantas começamos a deixar a revolução de lado e a procurar um estanco aberto não só para beber um café mas também para comprar tabaco. O carro de tantos cigarros fumados parecia uma chaminá andante e não me admiraria que ao ver-nos algum polícia de giro mais prestimoso pensasse que aquilo estava a começar a arder tal a nuvem de fumo que lá ia dentro.

Depois de uma boa centena de quilómetros, sempre dentro da cidade, encontrou-se um café aberto, o café das Piscinas, onde umas dezenas de paroquianos bebia o café da manhã num misto de murmúrios, exaltações, medo e esperança. Entre essa gente inquieta, dei com a mulher de um sindicalista metalúrgico que só me disse “ai se ao menos libertassem os presos políticos...” E ia naquele voto a esperança e a desconfiança de quem já viu muito e já passara outro tanto. O meu imenso optimismo fez-me retorquir “Isso já é mais que certo”. Convenhamos que, desta vez, a minha parva audácia dera para o certo mesmo se, como se sabe, as coisas não estivessem exactamente programadas dessa maneira.

Fartos de não ver acção, saímos do Porto e rumámos a Miramar para uns emissores de rádio onde finalmente encontamos uma dúzia de soldados que não conseguimos perceber se cercavam aquilo ou montavam guarda. A João e a Teresa acenaram freneticamente e a magalada respondeu com grandes gestos que elas interpretaram como de apoio político. Fiz-lhes ver rispidamente que o código de conduta militar manda, exije, que ao aceno de mulheres jovens, mesmo acompanhadas, qualquer soldado deve manifestar-se tão virilmente quanto lhe for possível. E o Rui que chegara ao glorioso posto de tenente miliciano da arma de Cavalaria abonou integralmente as minhas palavras. Mas secretamente todos pensámos que de facto “estava tudo sobre rodas”.

A manhã passou-se assim, ou quase. As notícias eram poucas e ninguém sabia coisa que valesse. Os quartéis fechados. Os nossos amigos telefonavam-se de casa para casa e às tantas, convergiram para a frustrada prisão do General ou almirante onde rapidamente se improvisou uma espécie de assembleia geral numa medonha gritaria, muita cerveja, petisqueira variada e telefonemas constantes que de nada serviam.

Saí dessa vez sozinho e fui informar o meu ex-patrono dr. Sá Carneiro Figueiredo a quem fiz um relato minucioso de tudo o que sabia. Ele, num entusiasmo enorme, resolveu telefonar ao primo Francisco Sá Carneiro a quem imperativamente aconselhou: “E agora Francisco, agora o menino vai ser só política. Só política, ouviu?”

Depois passou-me o telefone e mandou-me repetir tudo ao primo que eu também conhecia pois quando estagiário fizera parte da numerosa tertúlia de advogados do café Garça Real.

Saí dali pelas quatro da tarde e dei com um grupo de clientes meus (da gritaria do povo) já a prestar serviço revolucionário. Tratava-se de apedrejar a sede de uns serviços consulares da Africa do Sul. Confesso que nem a minha digna posição de advogado daqueles energúmenos me afastou de também molhar a sopa. E vá de dar cabo de alguns vidros. Daí partiu um grupo para a rua de Ceuta onde estavam dois desgraçados polícias encurralados junto do hotel Infante de Sagres. Uma dúzia de militantes do Grito armados de pedregulhos imensos estava pronta a lapidar os dois bófias que nem conseguiam puxar das pistolas. Salvei-os, pecado que sempre me perseguirá, numa discursata alucinada em que falava dos filhos do povo e os aconselhava a ir para casa. Os meus clientes um dos quais escapara a uma mais que justa prisão graças ao meu duvidoso talento jurídico, a um juiz clemente e a um procurador inepto e desmobilizado, largaram aquela presa e foram à procura de combates mais exaltantes. Eu segui para a livraria Leitura onde, em nome da revolução a vir, comprei mais uma pancada de livros com farto desconto proporcionado pelo meu amigo livreiro Fernando Fernandes, um dos cinquenta réus do último grande processo contra o MUD Juvenil.

“Amanhã a montra vai ser só com livros proibidos!” “Não se esqueça da Centelha”, respondi. – “Esteja descansado”, retorquiu. E assim foi. Uma montra que durou o tempo de um suspiro porque a notícia correu e a freguesia veio a galope. E provavelmente também vieram alguns súbitos democratas que viram ali matéria para provarem o seu anti-fascismo de sempre.

Lembrei-me que ainda não tinha falado com o meu pai e fui lá a casa. Estava contente que nem um cuco. Não era, nunca fora, um revolucionário mas vira muito mundo e doía-lhe um filho exilado. O meu irmão, estivera preso durante mais de um ano, fora julgado como militante da FAP e, já licenciado em Medicina fora para Mafra. No fim do curso fora despromovido e deveria embarcar para uma colónia como soldado raso ou algo no género. Claro que embarcou para Paris, passando a fronteira sob os cuidados do Manuel Simas e meus numa bela operação cujo êxito festejámos em Vigo numa jantarada de luxo. Enquanto aguardava a “passagem” estivera escondido em casa da Teresa Feijó que assim mostrava que prosseguia a tradição familiar de sjuda a presos e fugitivos políticos. De facto o pai, Rui Feijó, asilara na quinta da Senhora Aparecida, variados fugitivos entre os quais o Manuel Alegre.

Estava tudo sobre rodas...

(continua) 

 

 

 

 

 

au Bonheur des Dames 360

d'oliveira, 25.04.14

 

 

 

 

 

 

 

25 A Exercícios de memória 1

 

 

 

Entre princípios de Março de 1974 e a terceira semana de Abril o tempo no nosso pequeno escritório de advogados passou numa exaltação quase febril. Um dos nossos estava na tropa, no CICAP, alguns amigos do tempo de Coimbra cumpriam serviço militar no Porto e nas nossas salas sucediam-se reuniões, conciliábulos de todos os géneros que depois se prolongavam nas nossas casas. Para facilitar: vivíamos em estado de conspiração permanente. De um lado, o CONGE, nome que dávamos a uma intermitente e incipiente organização conspirativa nascida em 1969 e que entre outras coisas tentava gerir uma editora (a “Centelha” / “Nosso Tempo” dedicada a editar livros políticos – todos proibidos! – e poesia. Além dessa tarefa, competia aos numerosos sócios, amigos e camaradas criar redes de venda clandestina da livralhada editada para obviar aos efeitos combinados da Censura e da polícia.

 

Aop mesmo tempo, tentávamos manter autonomamente um agrupamento político de esquerda que estivesse fora dos itinerários tradicionais (PC, o novel P.S. e os grupos ditos “esquerdistas”). Curiosamente, e um dos vários processos em que tive a “honra” de figurar como primeiro titular, dava conta das nossas reuniões mas definia-as como reuniões da “Oposição” (onde cabia tudo, mormente a CDE e a CEUD). Nesse citado processo, uma certa “Catarina” – a informante (que depois identificámos como mulher de um dos mais activos do grupo) acusava-me de “bombista”! Confesso, mesmo com esta distencia temporal, que me passou um arrepio pela espinha. Nunca fui bombista, nunca dei um simples tiro (nem com uma “pressão de ar” e a arma mais perigosa que me passou pelas mãos foi um bonito canhão brinquedo de fabrico alemão, herdado do meu pai e que disparava uns projecteis de borracha graaças a uns fulminantes. Como é que ainda chegou às nossas mãos tal peça é um mistério.  Sobretudo com os fulminantes e as munições! Todavia, o canhão desapareceu nos anos cinwuenta, quando fomos para Moçambique e portanto, nesses perigosos anos de chumbo, não tinha nada de realmentre letal em meu poder.

 

Claro que, nesse grupo, incipiente e conspirativo, nem toda a gente era apenas o que parecia ser. Havia alguns camaradas com presença activa noutros agrupamentos e com tarefas bem mais complicadas. Pelo que me tocava, andava desde 72 metido com uma rapaziada que “passava” políticos, desertores e refractários com, digo-o com alguma imodéstia, inegável êxito. Claro que usávamos de todas as precauções possíveis, compartimentávamos as nossas “passagens”, sempre que possível os nossos clientes desconheciam os nossos nomes, nós os deles e em certos casos chegavam a certo ponto do percurso para a fronteira com os olhos vendados, ou deitados no assento de modo a nem sequer saber em que exacto sítio estavam. 

 

As ligações eventuais a agrupamentos políticos ou a simples grupos de opositores também eram alvo de um grande secretismo a pontos de, mesmo para a distribuição de livros, haver precauções conspirativas relativamente importantes.

 

No resto do tempo, e era mesmo o “resto do tempo”, trabalhávamos como advogados de sindicatos e defendíamos quantos presos políticos nos vinham bater à porta. Até nisso havia especialidades. A mim couberam-me fundamentalmente militantes da OCMLP/ “Grito do Povo” (mas também fiz uma(s) perninha(s) entre o MRPP) num número que foi crescendo exponencialmente entre 73 e 74. À cautela lá iam passar as procurações para o “caso de...”.

 

Era, à distância de quarenta anos, uma vida exaltante, arriscada, complicada e, sobretudo, extenuante.

 

Foi pois neste ambiente frenético que me começaram a chegar ecos de um movimento na tropa. Oficiais do activo, claro, mas muita malta miliciana. Não espanta, aliás. Os jovens milicianos eram carne para canhão e normalmente eram eles que no mato comandavam os pelotões e iam a todas. Tenho, na memória o nome de vários excelentes amigos que lá deixaram os ossos (o Zé Manel Pais, o João Cabral de Andrade, para só nomear um dos últimos e o primeiro dos meus amigos a morrer) que tiveram baixas psiqiátricas terríveis (o Fernando Assis Pacheco) ou que foram feridos com gravidade (o Zé Bento que voltou do Niassa com uma perna artificial).

 

E foram eles, os milicianos, quem decisivamente modificou as reivindicações corporativas de muitos capitães “de Abril” e lhes deu um fundamento político. Não todos, claro, mas muitos, provavelmente a maioria. Como foram os milicianos que nesses quartéis da revolução quem preencheu todos os postos intermédios e incondicionalmente se pôs ao lado do “MFA”. Convém recordar esta pequena verdade para não ficarmos apenas com as patilhas do coronel Vasco Lourenço na fotografia.

 

Não nego que depois das Caldas, foi enorme a decepção de muitos de nós, os civis que estavam a par do q ue se passava. Todavia, na nossa micro-sociedade de emigrados recentes de Coimbra, a malta que estava na tropa depressa nos informou que ainda “estava tudo sobre rodas” (pitoresca expressão que nunca esqueci e que nos aqueceu a alma e revigorou o entusiasmo. A última semana antes do 25A foi algo de estrondoso. Não só começamos a ser informados das senhas mas sobretudo, no meu caso, e dados os meus talentos fronteiriços, fui encarregado de organizar uma flotilha de automóveis que pudessem no caso de um azer, levar para longe os revoltosos que se safassem da polícia. Devotei-me a essa tarefa dedicadamente e arranjei seis viaturas e respectivos condutores, gente segura, a saber o meu sogro Jorge Delgado (aliás Sérgio, ex-militante do PC, a minha sogra Alcinda Delgado, sobrevivente do “socorro vermelho”, o Rui Feijó , ex membro da Rede Shell e pertencente aos quadro da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos, a Maria João Delgado, minha mulher e a Teresa Feijó (ambas tinham já provado a sua qualidade quer como participantes na crise de 69 quer noutras tarefas ligadas ao auxílio a fugitivos do regime. Eu era o sexto membro dessa quadrilha e quem teria de ensinar os caminhos da raia se a coisa desse para o torto.

 

A outros amigos e membros do grupo tiinham sido distribuídas tarefas sendo que a mais extraordinária (e abandonada) seria a de utilizar uma casa de um casal do grupo dotada de uma casa de banho interior para aí manter presa alguma alta personalidade militar. Os entusiásticos hospedeiros e alguns dos enlouquecidos amigos discutiram gravemente esse cárcere privado. Alguém  alvitrou que o eventual prisioneiro (e preferia-se um general) poderia tentar causar uma inundação abrindo as torneiras. Que não!, protestava alguém os generais têm medo da água. Ainda se se tratasse de um almirante... Retorquia alguém que em Portugal os almirantes eram todos de água doce e políticos pelo que também não deveriam ser especialmente temerários no mar e mesmo uma poça de água dos SMAS os embaraçaria...

 

Infelizmente, o general terá ficado detido no QG sob boa guarda e o Zé e a Fernanda não podem hoje gabar-se desse alto feito. Não é carcereiro quem quer nem sequer quem merece...

 

(continuará)

 

 

 

 

25 de Abril, sempre!

José Carlos Pereira, 25.04.14

 

 

Nesta madrugada, há 40 anos, a liberdade chegava-nos pela mão de jovens e corajosos militares. A revolução de 1974 mostrou aos portugueses como é fundamental não perdermos a esperança e a capacidade de nos indignarmos com as injustiças e as arbitrariedades do poder político. Ontem como hoje.

Como o texto se mantém inteiramente válido, recupero aqui um texto evocativo do 25 de Abril, escrito para a edição de Abril de 2010 da revista "Repórter do Marão".

 

Comemorar o 25 DE ABRIL no Largo do Carmo

JSC, 22.04.14

 

As comemorações dos 40 anos da Revolução de Abril têm andado em polémica desde o início. Começou com a miséria do Orçamento e a estapafúrdia ideia da senhora Presidente da AR em arranjar um patrocinador (que entrasse com as massas) para as comemorações. Desde então não mais parou a polémica, culminando com a patacoada “o problema é deles”.

 

O problema é que a gente que, nos últimos anos, domina o poder legislativo, executivo e presidencial, esta gente, nunca gostou, verdadeiramente, do 25 de Abril. O Presidente até parece abominar o símbolo da Revolução.

 

Razão tem Manuel Alegre quando diz que o 25 de Abril deve ser festejado ao lado dos que gostam da Revolução.

 

As comemorações dos 40 anos da Revolução que vão ocorrer na AR serão ocas de conteúdo, sem autenticidade, serão a continuidade do discurso da mentira e o dos encobridores da mentira.

 

As comemorações dos 40 anos da Revolução que vão acontecer no Largo do Carmo serão as comemorações do espírito dos cravos, dos valores de Abril. As únicas onde merece a pena estar física ou mentalmente.

Au bonheur des Dames 359

d'oliveira, 20.04.14

 

É pró que estamos !

(confidências de um adepto da Naval 1º de Maio

 

 

 Estou pacientemente diante da televisão mas, previdentemente, a jogar bridge no computador.

 

De facto, preparava-me para ouvir o noticiário que começou há precisamente 46 minutos! 47, aliás.

 

Ainda não vi nada que não fosse o Benfica e os anúncios do intervalo. Convenhamos que parece demais. Neste momento, e já lá vão 49 minutos eis que aparece a taça, o senhor Vieira, presidente e o treinador, Jesus, que desta feita lá conseguiu o milagre. Aproveito o ter chegado ao minuto 50 para recordar que Jesus, hoje tão citado, foi chamado de tudo pelos adeptos,  que subitamente tudo esqueceram. Ao minuto 52 eis que os pobres jogadores são obrigados a debitar as inanidades do costume perante a paupérrima conversa do jornalista. Aliás a emissão (desta feita da TVI) tem sido um escarro.

 

Não me recordo das anteriores emissões  em que o Porto foi campeão mas, corrijam-me se estou errado, a coisa não durou tanto (e já lá vão 55 minutos...). De diferente (?) só já recordo uma entrevista no Marquês em que o adepto com a delicadeza que se lhe reconhece, mandou “para o caralho” não sei se o Porto cidade, se a equipa, os tripeiros, se o senhor Pinto da Costa ou meramente um vizinho, o jornalista (que bem o merecia) ou, porque não?, algum governante. Não serei eu quem lhe critique o vernáculo sobretudo porque neste momento uma senhora, mulher de um jogador declara a sua alegria e atribui a Deus esta vitória. Bonito pensamento pascoal agora que passa uma hora, uma hora!, senhoras e senhores, que o putativo noticiário começou.

 

Assim vai o mundo, assim vai Portugal e assim vai a “comunicação social” que temos e que, se calhar, merecemos.

 

Antes que alguém pense que isto é apenas um desforço por via da cidade onde acabei por ser obrigado a viver, deverei repetir que sou um fidelíssimo adepto do clube da terra em que me criei e que nunca substituí por qualquer outro. Sou de Buarcos, da praia, do litoral figueirense e da Naval. Neste momento não temos equipa de futebol profissional mas a lealdade é para os bons e maus momentos. Sou da Naval e basta. E ao 7º minuto da segunda hora, eis que a TVI, a senhora D Judite de Sousa e o eterno Professor começam a sua desfolhada sempre com o tema Benfica.

 

E ao minuto 81  este extraordinário noticiário acabou, sem se saber de nada, nada de nada, do que ocorreu neste domingo de Páscoa.  Perdão, o profético “Professor”, decretou o fim da era Pinto da Costa (já não era sem tempo, convenha-se e a emergência de eventuais eras de outras cores. E, como de costume, arreou forte e feio em Coelho (o da cartola) por via da sua desastrada entrevista (cabe perguntar se alguma das suas entrevistas foi melhor, mas isso devo ser eu que não tenho, nunca tive, pachorra para esse leporídeo que nos caiu em cima). 

au bonheur des Dames 358

d'oliveira, 17.04.14

 

 

17 Abril de 1969

 

Foi já há muito tempo. Numa cidade pequena mesmo se naquele tempo todas as outras fossem igualmente pequenas, mermadas no silêncio imposto, na desconfiança generalizada, no medo, na falta de horizontes.

Como de costume, tudo nasceu de um acaso, mesmo se, como se sabe, os acasos dão imenso trabalho a fazer.

Inaugurava-se, com um atraso de anos, mais um (feio) edifício académico e a “Academia” propunha-se dizer de sua justiça no evento. As “autoridades”, essas, tinham da rapaziada moça uma ideia certeira: fora o serem carne para canhão ou canhangulo (os rapazes) e criaturinhas influenciáveis (as raparigas) nada de bom viria daquela mocidade.

Durante três (quase quatro) anos a Associação Académica tinha sido (des)governada pro comissões administrativas saídas da minoria de extrema direita que se passeava na cidade habilmente (ou nem tanto) pastoreada por um senhor professor de Letras de seu nome Miranda Barbosa. Conselheiro oculto mas activíssimo da pequena franja nacionalista, tinha conseguido reduzir a forte Associação auma casa vazia sem alma e sem gente. De fora, a “Academia” multiplicava-se em iniciativas, conquistava gerações de estudantes e, quando foi altura, ganhou as eleições para a AAC sem esforço e por uma margem gigantesca.

Fechava-se mais um dos muitos parágrafos da historia estudantil de Coimbra e a Direita era enxotada para um pequeno recanto, mais frágil do que nunca, sem discurso, sem prática política que se visse e sem autoridade moral, ética ou cidadã.

Isto que era patente na altura, pareceu inacreditável aos olhos dos senhores reitores, diretores, ministros & demais comandita. Aquelas criaturas além de sonsas, não tinham qualquer pitada de bom senso. Ou então, estavam dispostas não só a não evitar algum conflito mas, mais do que isso, a provoca-lo.

Os “incidentes” do 17 de Abril em Coimbra foram única e exclusivamente provocados pelas pomposas “autoridades” (académicas e políticas) que nem sequer souberam refrear a burrice a auto suficiência depois de ver no exterior duma compacta multidão de estudantes que já não conseguira lugar no salão onde decorreriam as cerimónias. 

Depois, foi o que se viu. Uma barafunda, uma cerimónia interrompida, uma quase fuga do Presidente da República e da comitiva, e uma gargalhada fresca e alegre da estudantada.

Como aquela gente (e esta, a de hoje, identicamente) não sabia nem queria aprender, a coisa degenerou em repressão, inicialmente pouca e depois, mas sempre a reboque dos acontecimentos, crescente. Processos disciplinares, greves, prisões, polícia, manifestações, chanfalhada nos lombos juvenis, discursatas ao país, notas oficiosas, incorporação dos “mais rebeldes” na tropa, ameaças de expulsão da universidade, ocupaçãoo quase militar da cidade, enfim um processo político tão torpe quanto ineficaz que acabou num Reitor apeado, num Ministro demitido, numa mais que generosa época especial de exames para os grevistas, no regresso dos incorporados em Mafra e na anulação dos processos disciplinares em curso.

Não quero, longe disso, negar a inteligência táctica dos estudantes, a visão política dos dirigentes estudantis, a coragem de milhares de raparigas e rapazes, a compreensão solidária dos habitantes de Coimbra, o  bom senso de muitas famílias, a ajuda de alguns professores. Tudo isso, contribuiu para fazer da Greve Académica de 1969 em Coimbra, o único exemplo de luta académica vitoriosa que conheço. Vitoriosa logo, e não muitos anos depois. Outros movimentos estudantis (1908, 1962) deixaram semente constituíram exemplos mas, no imediato, traduziram-se em demasiado sacrifício e forte desmobilização sequente e prolongada.

Honro-me de ter estado lá, de ter feito parte, de ter sofrido algumas consequências das minhas acções, de ter com Orlando Leonardo e João Bilhau, andado fugido dois largos meses, de termos os três sido os últimos presos da crise e os que mais tempo estiveram privados de liberdade. Praticamente, só nos soltaram quando o prazo para conclusão do inquérito policial chegou ao fim e a brigada da PJ foi mandada para o Porto de onde viera. Tivemos a duvidosa honra de ter sido interrogados pela mesmíssima brigada que desmantelara a L.U.A.R.  e prendera muitos, quase todos, dos seus dirigentes e militantes.

(De facto, o Governo, num único e solitário arroubo de inteligência persecutória, entendeu confiar as investigações à Polícia Judiciária, deixando na sombra a pide-dgs.  Não só a primeira destas polícias era mais eficaz, mas sobretudo, com aquela mascarada, tentava-se evitar dar conteúdo político evidente à repressão. Claro que esse objetivo não foi atingido ou foi-o em dose extremamente reduzida que os tempos já não permitiam grandes distinções.)

Os jornais de hoje não parecem muito interessados na efeméride e não os culpo especialmente. A imprensa, mesmo a melhor, ocupa-se muito da espuma dos dias e pouco do que se passou há tanto tempo. Todavia, agora que a idade vai pesando, que a morte já ceifou muitos dos nossos amigos, colegas e companheiros, que as perspectivas são o que são, convém, mesmo nesta áspera solidão, lembrar esse dia, esses dias que se foram se medo, violência e chumbo também não deixaram de ser de vinho e de rosas.

 

 

 

A Comunicação Social capturada pelo Governo

JSC, 16.04.14

É incrível a capacidade dos membros deste governo para manobrarem a opinião pública. É óbvio que o seu sucesso está em linha com a mais que provada subserviência da comunicação social, que escolhe títulos, releva o que importa ao Governo, escolhe comentadores, desinforma e desinforma. Mesmo quando dá voz ou cita qualquer intervenção da oposição, vai escolher o que pode valorizar a posição do Governo ou minimizar a papel da oposição.

 

O recente anúncio dos novos cortes orçamentais mostra o papel da comunicação social no reforço da mensagem do Governo. O Governo anuncia cortes no montante de 1,4 mil milhões de euros. O que seria expectável? Desde logo, que as manchetes, a abertura dos telejornais, identificassem onde iriam incidir os cortes.

 

Contudo, o que é que as capas dos jornais e abertura dos noticiários mostram?

“em 2015 não haverá cortes nos salários”,

 “Em 2015 não haverá aumentos de impostos”,

“Governo exclui novos cortes nas pensões”,

“Os salários dos funcionários públicos não terão novos cortes”

 

São mensagens deste teor que a RDP+TSF repetem de hora em hora, que as TVs informativas passam a toda hora.

 

Para completar o ramalhete, aparece, ainda, o omnipoderoso Marco António Costa a dizer que "As medidas recaem exclusivamente sobre a máquina do Estado e setores económicos que por tradição estavam mais protegidos em Portugal”. Só que ele também não identifica quais são as essas medidas.

 

Mas se esses cortes não têm qualquer efeito sobre as pessoas, como aceitar que o Governo tenha desperdiçado estes anos para as tomar? Se já o tivesse feito teria poupado uns milhares de milhões de euros, o que poderia ter aliviado o garrote que aplicou aos contribuintes e em particular aos pensionistas.

 

 A comunicação social, salvo apontamentos muito pontuais, é a voz do Governo, uma voz multifacetada mas sempre no mesmo registo. Esta será uma das grandes razões para que as sondagens mostrem o que mostram. Esta comunicação social é o seguro de vida política dos cínicos a quem os eleitores entregaram o Governo, mobilizados pela mentira pura e dura.

As duas faces da mesma política

JSC, 14.04.14

O empobrecimento como desígnio a atingir. A apropriação do pote como capacitação dos governantes.

 

Em dois anos o país ficou voltado do avesso. Os governantes, acolitados pelo Presidente e agora pelo Barroso, não deixam de anunciar que o sucessos está aí. O problema são os factos, a vida real. Estes apenas revelam fome  para a maioria e apropriação de dinheiros públicos pela minoria.

 

E tudo isto nos é servido com elevada dose de mentira e cinismo. É o terrorismo económico dos governantes sobre os governados.

 

As notícias:

 

1.ª Segundo dados do INE existem mais de 1,9 milhões em risco de pobreza. Crise arrastou mais 35 mil crianças para uma situação de carência alimentar

 

2.ª 90% dos pedidos de ajuda à Deco acabam em insolvência

 

3.ª Estado pagou 35 milhões a colégios acusados de irregularidades.

DEMOCRACIA, o que é?

JSC, 14.04.14

A ideia de “democracia”, “liberdade”, é algo que tem muito a ver com o lado onde nos colocamos. Hoje no Iraque, no Afeganistão, há eleições, há liberdade, apesar de serem assassinadas, todos os dias, muito mais pessoas do que quando não havia eleições nem a liberdade que os ocidentais impuseram àquelas gentes. A Arábia Saudita não tem eleições nem tem liberdade, no entanto, nenhum país democrático, que pugna por impor a democracia, os perturba ou aplica sanções.

 

Os manifestantes ucranianos que provocaram a queda de um governo eleito tiveram o apoio dos países democráticos, a ponto do governo actual ser um produto da rua, não eleito, o que não impede de ter o apoio dos países democráticos – EUA/UE.

 

Contudo, os manifestantes que numa outra praça da Ucrânia protestam contra o governo não eleito e querem plebiscitar a sua autonomia ou eventual integração da Rússia, estes manifestantes são tratados como Forças pró-russas.

 

Sob a palavra democracia podemos desenvolver as campanhas mais torpes, mostrar que os maus estão do outro lado para nos atacar, enquanto nós, os puros, estamos prontos para lhes levar a “liberdade”  de comprarem o nosso armamento, os nossos produtos, os nossos valores.

Não é bem sobre isto que trata o post cuja leitura se recomenta. Mas também é sobre isto.

 

É muito fácil demonizar a Rússia como agressor, mas tal implica esquecer o óbvio: que a União Europeia apoiou um governo de extremistas, formado na Praça Maidan, que incluía partidos fortemente hostis à minoria russa

diário Político 196

mcr, 12.04.14

 

 

 

 

 

Falta de tacto ou de chá ?

 

As duas coisas!

 

 

 

 

 

Eu não queria ter de me debruçar, mesmo que por breves minutos, sobre a Senhora Presidente da Assembleia da República.  Não por ser mulher, mas também por isso. Não por ser uma senhora reformada, mas também por isso. Não por usar um português  um pouco primário, mas também por isso.

 

É que ainda recordo que esta senhora, licenciada em Direito, eventualmente doutorada na mesma aguada ciência, ex-juíza do Tribunal Constitucional, ao fim de cujo mandato se terá reformado, foi uma segunda escolha. De facto era aquele patético senhor Nobre o candidato escolhido por Passos Coelho. Convenhamos que se tal eleição tivesse vingado, não nos restava senão fugir desesperados do país. Nobre, por muito médico, por muito solidário, por muito não sei quê, parecia em calao, sublinhe-se, o “Último Carnaval de Veneza”, disfarçado, para o efeito, de “Fantasma da Ópera”... Um horror medonho!...

 

Quando, para sua extrema surpresa, Passos percebeu que a criatura não passava nem a ferros, lá encontrou a milagrosa solução da senhora drª Assunção Esteves que, mesmo reformada, como já salientei, fazia uma perninha no Parlamento. A comunicação social rejubilou, a classe política encheu o peito e todos ou quase juraram que sim, sim senhor, finalmente, em boa hora, uma mulher no segundo mais alto cargo da Nação e outros narizes de cera de circunstância e muito apropriados ao momento. Era também uma espécie de resposta, se não erro, ao facto de o PS ter uma mulher como Presidente, mesmo se não reformada (ou será?...)

 

Mulheres ao poder, mesmo que seja apenas este e que todos se estejam nas tintas.

 

O povo nem pestanejou. Duvido que isso tenha sequer incomodado ou entusiasmado qualquer brioso elemento dessa coisa que todos reclamam e que até já é personagem mesmo que colectiva de um desastrado livrinho de história que por corre muito afirmativo. Mas deixemos este vago feito literário e continuemos com a senhora Presidente.

 

Lá se sentou no cadeirão que lhe destinaram e, durante, algum tempo, pareceu ser o que efectivamente sempre achei que ela era: uma menina de províncias, estudiosa, ambiciosa e com cabelo de um loiro toscamente loiro, loiríssimo.

 

 (e digo toscamente porque nem sequer a favorece, mas isso é o meu habitual machismo lusitano a borbotar por entre as teclas deste antigo computador, um excelente iMac dos de bola, o chamado ícone dos desvairados que só juram pela Apple e pelo falecido Steve Jobs que Deus tenha em eterno e merecido descanso.)

 

O Parlamento, conduzido pela mão firme da senhora lá foi seguindo o seu letárgico caminho, só interrompido aqui e ali, pelo charivari dos assistentes que lá apareceram para cantar, desafinados, o Grândola, vila morena e para chamar alguns nomes aos deputados de que não gostavam, sempre os mesmos, diga-se de passagem, mas isso só se deve à falta de combatividade e de fervor musical-revolucionário dos amigos da maioria. Lá terão as suas razões para estar calados e em casa. Por mim, isso  deve-se a um elementar sentido de vergonha doseado por uma aflitiva falta de ouvido. Aquela gente não canta não só por que não atina com o ré maior mas sobretudo porque tem mais que fazer nem que seja a inventar bancos que depois caem na fossa e nós temos de pagar.

 

Lá me perdi, outra vez. Voltemos à senhora Presidente da AR.

 

Logo que se sentiu mais cómoda, eis que desatou a comentar, mais do que devia e seria sensato, os  actos dos perturbadores parlamentares. Aliás, extra-parlamentares.

 

Uma vez houve que até resolveu, se não erro, falar no fascismo, ou no nazismo para comentar uma qualquer manifestação das galerias. Admitamos que meteu o mimoso pé na sempre difícil argola da História. Não se deve tomar o gato por lebre e mesmo que isso nos incomode, não devemos, mesmo num arrebatamento, qualificar de fascista o que não é. Para isso já há o PCP, ou alguns dos seus próceres, que ainda não terão digerido o famoso pacto Molotov-Ribbentrop  que permitiu a Hitler e aos verdadeiros fascistas ocupar a Polónia, a Noruega, a França, a Bélgica e a Holanda e quase ganhar a guerra.

 

Ninguém pede à senhora Presidente da AR que seja uma ideóloga, uma estudiosa do marxismo ou de qualquer outra coisa. Basta-lhe ser responsável pelos trabalhos dentro daquele areópago.

 

Por várias vezes, a drª Assunção Esteves permitiu-se usar um português  um pouco rebarbativo, alguns adjectivos mais cortantes mesmo que não graves.

 

Desta feita, porém, exagerou. Não em adjectivos que eu saiba mas sim em deselegância.

 

Como se sabe, a propósito da chatíssima sessão parlamentar que anualmente comemora o 25 A, correu a ideia de um militar de Abril (e de Novembro, é bom não esquecer) usar da palavra no Parlamento.

 

Desconheço se tal faculdade está prevista no Regimento e pouco me incomodo com isso. Por mim, se fosse militar de Abril não perderia o meu tempo e muito menos o meu latim naquele anfiteatro. Enquanto aquelas criaturas discursam, o povo via à praia se estiver bom tempo, fica em casa a ver a TV mas não naquele canal ou dá uma voltinha higiénica pelos shopping centers. Numa palavra, a malta, está-se nas tintas pelas discursatas comemorativas, tanto mais que sabe que irá ser massacrada durante dias nos telejornais e nas primeiras páginas dos jornais.

 

Aceito que no Regimento da Assembleia não conste o direito de um não parlamentar, mesmo herói ou quase, falar para os parlamentares e demais comitiva. Mesmo assim, não me caiu bem que a senhora Presidente, num tom de rebitesa, tivesse retorquido quando interrogada por um jornalista “O problema é deles!

 

O problema, depois desta resposta, passou a ser Dela. E passou porque de todas as respostas possíveis esta era a do milhão de dólares. A impossível! A senhora jurista Assunção Esteves poderia ter dito com um imperceptível sorriso que a coisa não tinha qualquer hipótese legal, que no Parlamentam parlam os parlamentares, que mesmo com um número semi-redondo (quarenta anos) não podia ser enfim, um ror de coisas. Com aquela frase curta (apetecia-me dizer “e grossa”), com aquele tom exaltado quase gritado, a coisa caiu na ofensa desnecessária, na falta de chá, de cortesia, de equilíbrio, coisas que se esperam de qualquer um, mesmo de um parlamentar, maxime da Presidente da Mesa do Parlamento.

 

Este texto já vai longo, ai meu Deus, mas gostaria de acrescentar dois pontos. O primeiro refere-se à declaração de uma ilustre e antiga figura pública que já declarou enfaticamente que “assim, sem militares, não vai lá" (ao Parlamento). Isto é pôr-se em bicos de pés e sobretudo já não incomoda ninguém. Depois, o que me admira é os militares, ou alguns deles, entenderem que devem ser obsequiosamente ouvidos na AR. Conviria lembrar-lhes que ainda não está definida uma espécie de estatuto de heróis, depois que não fizeram a coisa sozinhos, em terceiro lugar nem todos o fizeram pelas mais nobres razões mas apenas como resposta a problemas corporativos e finalmente urge reconhecer que o Abril de 74 é apenas uma muito tardia reparação do Maio de 26, para já não referir que desde os inícios do liberalismo os militares usaram e abusaram de revoltas, revoluções, pronunciamentos, quarteladas e outras manobras que são exactamente o contrário da prática da Democracia. E isto tanto se aplica aos senhores coronéis reformados como aos que ainda não estão nessa posição. 

 

E já agora, se falarem, falem como cidadãos que são e não como detentores das espingardas como por vezes parece ser pecha de alguns.

A bom entendedor...

 

d'Oliveira fecit, 12.04.14

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

           

 

 

 

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