estes dias que passam 320
à espera de Godot?
O dr. Seguro descobriu agora que pôr em causa a “magnífica vitória” das europeias é prestar um péssimo serviço ao partido e, eventualmente, contribuir para a sua derrota nas futuras, e ainda distantes, legislativas.
Ao ler esta inanidade, mais uma, lembrei-me logo do seu sósia Passos Coelho para quem qualquer crítica ao Governo é uma ameaça tremenda ao futuro de Portugal.
Les beaux esprits se rencontrent...
Vejamos então a “intangível obra” (alguém reconhece o título?) do dr. Seguro. Decerto todos se recordarão do seu pesado, espesso, silêncio durante o consulado do sr. Sócrates. Com essa atitude e pesadamente sentado na última fila do parlamento, constava que Seguro era impiedosamente o mais forte crítico do então Primeiro-Ministro. Naqueles anos coreanos (norte-coreanos) constava que quem não cantasse louvores ao Secretário Geral era um perigoso adversário deste. Não interessava saber se havia algum programa, alguma ideia, alguma escolha diferente. Bastava o silêncio. Que, no caso, foi de oiro.
Quando Sócrates, atropelado pelo seu voluntarismo, pela arrogância de animal feroz (boa piada!...) pela obra feita e a fazer (a crédito, claro), afocinhou diante da falência da pátria, Seguro, naturalmente, apareceu aureolado de minoria silenciosa.
E assim continuou. Ainda hoje, se desconhece, fora a sua sanha diária contra qualquer medida do Governo, o que é que ele faria nas mesmas circunstâncias. Bem sei que há por aí um breviário de dezenas de medidas triunfalmente anunciado pouco antes das eleições europeias mas ninguém de bom senso considera aquilo mais do que um vulgar papel verboso e retórico, que não explica como se paga isto, onde se poupa aquilo e que resultados se preveem. Ou melhor, no dito escrito auguram-se para Portugal as maiores venturas desde o bacalhau a pataco até à reconquista de Goa. Ou quase.
Seguro quis estar bem com todos, sorriu a todos, foi simpático com todos e esqueceu-se de fazer o inventário urgente dos anos socráticos. Olvidou, sobretudo, aquela medonha verdade de que os líderes escolhidos quando o partido entra em vacas magras é apenas um chefe a prazo. Os grandes, os barões, não estão para gerir falências e delegam esse humilde trabalho no primeiro inocente que salte para arena. A única excepção a isto foi Pasos Coelho, igualmente medíocre e igualmente votado à substituição que teve a sorte de lhe suceder o milagroso tropeção de Sócrates. Os “dirigentes naturais” do PPD não tiveram tempo de o defenestrar e, como fartamente se vê, não passam um dia sem lhe atirar pedras. Com fraca pontaria de resto, como se verá nas próximas eleições que ele corre o risco de poder ganhar.
Fora a política, não sei onde Seguro gasta o seu tempo, ganha o seu dinheiro e aprende a vida real dos portugueses mais paisanos. E fazia-lhe bem andar entre a malta, ouvir a rapaziada que ou não vota ps ou, votando, o faz anonimamente. Perceberia, mesmo que isso possa parecer um violento esforço intelectual, que o seu permanente estado de zizania com Coelho impressiona pouco quando não impressiona mal.
Em segundo lugar, deveria saber que a freguesia, nós, os votantes, não é assim tão estúpida quanto lhe dizem. Os eleitores, mesmo os absolutamente indignados contra Passos e Portas, sabiam bem que eleições eram estas últimas e devem ter achado insuportável a confusão entre Europa e Portugal e grotesco o exercício pueril de apresentar um soit-disant programa de Governo.
Depois, Seguro deveria ter na mente que, neste género de eleições (vagamente intercalares) os Governos em exercício costumam levar grandes ou pequenas banhadas. Assim sendo, uma derrota por quatro pontos é refresco para quem esperava uma abada.
Deveria ter sido ele a dizê-lo: “Ganhamos mas não estamos satisfeitos. Prometo que vemos tentar fazer melhor e ouvir mais e melhor os portugueses”.
Em vez disto o que aconteceu?
Assis, tontamente, veio à ribalta gordo e tonitruante. Mais tonitruante que gordo, ainda por cima. Esta gente em vendo um ponto de luz no horizonte toma-o por um sol glorioso. Não se contém. É imprudente e impudente. Seguro, muito mais tarde, insistiu na mesma tecla. Convenhamos, aquilo parecia a nave dos loucos, se é que alguém por lá sabe do que falo.
A vitória quer-se modesta e sensata mas isso é coisa que nem sequer lhes aflora a cabecinha pensadora. De toda a gente que tem glosado a questão apenas um membro da equipa de Seguro veio agora referir o voto uninominal. Será que não percebem que os portugueses estão fartos de votar numa molhada de conhecidos (raros) de desconhecidos (muitos) de gente do aparelho que nada recomenda e a quem ninguém tem vontade de apertar a mão? Verão eles, ao menos, a televisão quando esta mostra o parlamento em funções, a deputadagem em alta grita, em aplauso de circunstância, em sorrisinhos, caretas, ao telefone sem ouvir o que se diz, ou sem querer ouvir o que se diz? O espectáculo do parlamento roça o pornográfico, santo Deus!
E agora, Seguro espanta-se que o queiram substituir? Que fez ele para não merecer isto? Eu nem falo do dr. Soares que depois de anos a meter o socialismo numa gaveta, veio, de repente, falar de Esquerda, como quem desculpa o vazio ideológico de Sócrates que era apenas um fontista parolo e um absoluto ignorante em matéria de Finanças Públicas e de Economia e que sonhava com autoestradas, aeroportos, TGVs e mais obra pública paga com empréstimos a baixo juro. Como se estes não pudessem aumentar e sobretudo sem se lembrar que o que hoje se gasta a crédito amanhã se pagará em muito piores circunstâncias.
Pode sempre dizer-se que Soares só teve a experiência de crise quando ainda detínhamos todos os instrumentos para a tornar menos violenta (podia-se desvalorizar a moeda própria, carregar nas importações, fabricar escudos). E havia mon ami Miterrand e mais uns Freunde nas Germanias. E a economia ainda crescia acima dos 2%.
Temo bem que essa longínqua memória lhe perturbe a compreensão dos desastres actuais, das limitações que os tratados assinados (sem ler?, sem perceber todo o seu alcance?) nos trazem. Não negando que Costa parece mais sólido, mais culto, mais político que Seguro, tenho algumas dúvidas que ele seja capaz da hercúlea tarefa da limpeza das estrebarias de Augias que é nisso mesmo que o PS se transformou. Sobretudo agora que o cheiro da carniça atrai irresistivelmente todos candidatos a “homem de Estado” que por lá se acoita.
Depois não basta brandir a palavra “Esquerda!”. Apesar de sugestiva e do seu peso épico, isto não é o “Shazam!” do Capitão Marvel.
É (devia ser) da essência da Esquerda a adaptação aos tempos, a inclusão de novos dados sociais, morais, estéticos ou económicos. Lenin, nem sempre inspirado mas de todo o modo dotado de notável sagacidade reclamava a “análise concreta da realidade concreta” e não recuava diante de nenhum sacrilégio como se comprova com a sua repentina mas lógica NEP (nova política económica). Assim os comunistas portugueses o seguissem, mas isso é outra história. Aquele agrupamento fossilizou no estalinismo ortorrômbico e daí não sai nem a tiro. O que faz com que o PS encoste sempre à direita como eles não se cansam de proclamar, esquecendo-se que é também com as suas diatribes e esconjuros repetidos que o PS vive acossado.
Donde, o arco da governabilidade pende sempre para o centro .Não se refere aqui o BE por se tratar de uma originalidade a prazo com propensão a autodestruir-se constantemente.
O PS tem, pois, de contar apenas consigo mesmo. Para isso tem de atrair eleitores onde os há. Ou seja a tendência reformista é imparável. Convirá portanto interpretar o actual arroubo esquerdista de Soares como mera retórica para uso dentro do PS. Não se deve esquecer que ele ganhou as grandes batalhas contra Cunhal, Lurdes Pintassilgo, Salgado Zenha, para já não falar de Manuel Serra ou os fundadores do POUS. Sempre em nome do pragmatismo, do realismo e encostado obviamente ao cento, senão à Direita.
Aconteça o que acontecer amanhã no Vimeiro, o PS vai ter de entrar numa nova vida. A questão é saber se com esta gente que o dirige ou com outro pessoal radicalmente diferente. Isto não é só um mano a mano Costa Seguro. É ou devia ser mais do que isso. De outro modo arriscamo-nos a repetir a dieta de Coelho por mais quatro insuportáveis anos.