Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 320

d'oliveira, 30.05.14

 

 

à espera de Godot?

 

O dr. Seguro descobriu agora que pôr em causa a “magnífica vitória” das europeias é prestar um péssimo serviço ao partido e, eventualmente, contribuir para a sua derrota nas futuras, e ainda distantes, legislativas.

Ao ler esta inanidade, mais uma, lembrei-me logo do seu sósia Passos Coelho para quem qualquer crítica ao Governo é uma ameaça tremenda ao futuro de Portugal.

Les beaux esprits se rencontrent...

Vejamos então a “intangível obra” (alguém reconhece o título?) do dr. Seguro. Decerto todos se recordarão do seu pesado, espesso, silêncio durante o consulado do sr. Sócrates. Com essa atitude e pesadamente sentado na última fila do parlamento, constava que Seguro era impiedosamente o mais forte crítico do então Primeiro-Ministro. Naqueles anos coreanos (norte-coreanos) constava que quem não cantasse louvores ao Secretário Geral era um perigoso adversário deste. Não interessava saber se havia algum programa, alguma ideia, alguma escolha diferente. Bastava o silêncio. Que, no caso, foi de oiro.

Quando Sócrates, atropelado pelo seu voluntarismo, pela arrogância de animal feroz (boa piada!...) pela obra feita e a fazer (a crédito, claro), afocinhou diante da falência da pátria, Seguro, naturalmente, apareceu aureolado de minoria silenciosa.

E assim continuou. Ainda hoje, se desconhece, fora a sua sanha diária contra qualquer medida do Governo, o que é que ele faria nas mesmas circunstâncias. Bem sei que há por aí um breviário de dezenas de medidas triunfalmente anunciado pouco antes das eleições europeias mas ninguém de bom senso considera aquilo mais do que um vulgar papel verboso e retórico, que não explica como se paga isto, onde se poupa aquilo e que resultados se preveem. Ou melhor, no dito escrito auguram-se para Portugal as maiores venturas desde o bacalhau a pataco até à reconquista de Goa.  Ou quase.

Seguro quis estar bem com todos, sorriu a todos, foi simpático com todos e esqueceu-se de fazer o inventário urgente dos anos socráticos. Olvidou, sobretudo, aquela medonha verdade de que os líderes escolhidos quando o partido entra em vacas magras é apenas um chefe a prazo. Os grandes, os barões, não estão para gerir falências e delegam esse humilde trabalho no primeiro inocente que salte para arena. A única excepção a isto foi Pasos Coelho, igualmente medíocre e igualmente votado à substituição que teve a sorte de lhe suceder o milagroso tropeção de Sócrates. Os “dirigentes naturais” do PPD não tiveram tempo de o defenestrar e, como fartamente se vê, não passam um dia sem lhe atirar pedras. Com fraca pontaria de resto, como se verá nas próximas eleições que ele corre o risco de poder ganhar.

Fora a política, não sei onde Seguro gasta o seu tempo, ganha o seu dinheiro e aprende a vida real dos portugueses mais paisanos. E fazia-lhe bem andar entre a malta, ouvir a rapaziada que ou não vota ps ou, votando, o faz anonimamente. Perceberia, mesmo que isso possa parecer um violento esforço intelectual, que o seu permanente estado de zizania com Coelho impressiona pouco quando não impressiona mal. 

Em segundo lugar, deveria saber que a freguesia, nós, os votantes, não é assim tão estúpida quanto lhe dizem. Os eleitores, mesmo os absolutamente indignados contra Passos e Portas, sabiam bem que eleições eram estas últimas e devem ter achado insuportável a confusão entre Europa e Portugal e grotesco o exercício pueril de apresentar um soit-disant programa de Governo. 

Depois, Seguro deveria ter na mente que, neste género de eleições (vagamente intercalares) os Governos em exercício costumam levar grandes ou pequenas banhadas. Assim sendo, uma derrota por quatro pontos é refresco para quem esperava uma abada.

Deveria ter sido ele a dizê-lo: “Ganhamos mas não estamos satisfeitos. Prometo que vemos tentar fazer melhor e ouvir mais e melhor os portugueses”.

Em vez disto o que aconteceu?

Assis, tontamente, veio à ribalta gordo e tonitruante. Mais tonitruante que gordo, ainda por cima. Esta gente em vendo um ponto de luz no horizonte toma-o por um sol glorioso. Não se contém. É imprudente e impudente.  Seguro, muito mais tarde, insistiu na mesma tecla. Convenhamos, aquilo parecia a nave dos loucos, se é que alguém por lá sabe do que falo.

A vitória quer-se modesta e sensata mas isso é coisa que nem sequer lhes aflora a cabecinha pensadora. De toda a gente que tem glosado a questão apenas um membro da equipa de Seguro veio agora referir o voto uninominal. Será que não percebem que os portugueses estão fartos de votar numa molhada de conhecidos (raros) de desconhecidos (muitos) de gente do aparelho que nada recomenda e a quem ninguém tem vontade de apertar a mão? Verão eles, ao menos, a televisão quando esta mostra o parlamento em funções, a deputadagem em alta grita, em aplauso de circunstância, em sorrisinhos, caretas, ao telefone sem ouvir o que se diz, ou sem querer ouvir o que se diz? O espectáculo do parlamento roça o pornográfico, santo Deus!

E agora, Seguro espanta-se que o queiram substituir? Que fez ele para não merecer isto? Eu nem falo do dr. Soares que depois de anos a meter o socialismo numa gaveta, veio, de repente, falar de Esquerda, como quem desculpa o vazio ideológico de Sócrates que era apenas um fontista parolo e um absoluto ignorante em matéria de Finanças Públicas e de Economia e que sonhava com autoestradas, aeroportos, TGVs e mais obra pública paga com empréstimos a baixo juro.  Como se estes não pudessem aumentar e sobretudo sem se lembrar que o que hoje se gasta a crédito amanhã se pagará em muito piores circunstâncias.

Pode sempre dizer-se que Soares só teve a experiência de crise quando ainda detínhamos todos os instrumentos para a tornar menos violenta (podia-se desvalorizar a moeda própria, carregar nas importações, fabricar escudos). E havia mon ami Miterrand e mais uns Freunde nas Germanias. E a economia ainda crescia acima dos 2%.

Temo bem que essa longínqua memória lhe perturbe a compreensão dos desastres actuais, das limitações que os tratados assinados (sem ler?, sem perceber todo o seu alcance?) nos trazem. Não negando que Costa parece mais sólido, mais culto, mais político que Seguro, tenho algumas dúvidas que ele seja capaz da hercúlea tarefa da limpeza das estrebarias de Augias que é nisso mesmo que o PS se transformou. Sobretudo agora que o cheiro da carniça atrai irresistivelmente todos candidatos a “homem de Estado” que por lá se acoita.

Depois não basta brandir a palavra “Esquerda!”. Apesar de sugestiva e do seu peso épico, isto não é o “Shazam!” do Capitão Marvel.

É (devia ser) da essência da Esquerda a adaptação aos tempos, a inclusão de novos dados sociais, morais, estéticos ou económicos. Lenin, nem sempre inspirado mas de todo o modo dotado de notável sagacidade reclamava a “análise concreta da realidade concreta” e não recuava diante de nenhum sacrilégio como se comprova com a sua repentina mas lógica NEP (nova política económica). Assim os comunistas portugueses o seguissem, mas isso é outra história. Aquele agrupamento fossilizou no estalinismo ortorrômbico e daí não sai nem a tiro.  O que faz com que o PS encoste sempre à direita como eles não se cansam de proclamar, esquecendo-se que é também com as suas diatribes e esconjuros repetidos que o PS vive acossado.

Donde, o arco da governabilidade pende sempre para o centro .Não se refere aqui o BE por se tratar de uma originalidade a prazo com propensão a autodestruir-se constantemente.

O PS tem, pois, de contar apenas consigo mesmo. Para isso tem de atrair eleitores onde os há. Ou seja a tendência reformista é imparável.  Convirá portanto interpretar o actual arroubo esquerdista de Soares como mera retórica para uso dentro do PS. Não se deve esquecer que ele ganhou as grandes batalhas contra Cunhal, Lurdes Pintassilgo, Salgado Zenha, para já não falar de Manuel Serra ou os fundadores do POUS. Sempre em nome do pragmatismo, do realismo e encostado obviamente ao cento, senão à Direita.

Aconteça o que acontecer amanhã no Vimeiro, o PS vai ter de entrar numa nova vida. A questão é saber se com esta gente que o dirige ou com outro pessoal radicalmente diferente. Isto não é só um mano a mano Costa Seguro. É ou devia ser mais do que isso. De outro modo arriscamo-nos a repetir a dieta de Coelho por mais quatro insuportáveis anos.

 

 

...

mcr, 29.05.14

 

 

 

Se alguém pensava que a Segurança Social é algo de sensaborão, eis uma imagem que desmente completamente tal ideia. Mesmo quando os jornais, um pouco burramente, convém dizê-lo, falam de queixas contra o Ministério (como se a crise não propiciasse isso) eis que a distinta direcção do actual centro distrital do Porto entendeu festejar o Santo antónio, presume-se pela data escolhida. Ora aqui está um modo interessante de mostrar que entre Porto e Lisboa não aquela consabida rivalidade de godos e mouros. 

E por outro lado assim se cumprem os mais lídimos fins da instituição. Depois de uma melancólica jornada laboral nada melhor que umas "fêveras" outro tanto de sardinhas e miuita alegria.

 

au bonheur des dames 364

d'oliveira, 29.05.14

 

 

 

Nem a crise os para! 

 

Que ele há crise, ninguém duvida. Ninguém?

É que, ao ver (e ouvir) os incursionistas no activo que, passada quinta feira, se reuniram no restaurante Manuel Alves, à Av.ª Fernão de Magalhães (Porto), a crise saíra limpamente daquela mesa. A crise digo, e não a troika ou o habitual e saudável desacordo com que desde sempre o bolg conviveu.

Não houve acordo quanto às entradas, às sobremesas, às bebidas ou sequer ao prato principal. Por junto, o que é meritório, apenas uns belos legumes de acompanhamento tiveram a honra de serem comidos e repetidos por todos os mastigantes. Convenhamos que é pouco mas, convenhamos outra vez, que demonstrou o apego dos incursionistas à recuperação da agricultura nacional e à boa, velha, sólida e tradicional comida portuguesa. Afinfaram-lhe nos pratos de peixe (bacalhau uns, robalo outros) mas não foram capazes de acordo quanto às bebidas. Perante um avassalador tinto houve quem preferisse cerveja. E assim por diante.

O restaurante foi, como de costume, sugerido por JCP. Acertou como sempre ao propor o simpático Manuel Alves, casa que é mencionada em guias de boa comilança e que, só o soubemos à saída, até tem parque privativo! 

Como também é tradição fomos os primeiros a chegar e os últimos a sair. Acho mesmo que vi um empregado bocejar longamente enquanto, ab imo pectore, nos amaldiçoava não menos longamente.

Amigos que se juntam, mesmo com o peso ainda fresco e triste da falta do Joaquim Coutinho Ribeiro (Carteiro), não merece grande notícia porque estas coisas fazem-se com simplicidade. Notícia maior seria a de nos engalfinharmos numa zaragata medonha, reduzindo o restaurante acolhedor a cisco mas ainda que a coisa tivesse o seu toque cinematograficamente épico, ainda não foi desta. E o blog, este modesto blog, celebrou assim o seu décimo aniversário, o que, dada a curta vida deste tipo de experiências, não é coisa pouca. Agora, o público está mais virado par o facebook e para as mensagens curtas, os “like” como se um like, desculpem lá, substituísse um comentário um pouco menos lacónico mas mais dialogante.

Nada tenho contra o f-b mas a parca experiência que tive de uma entrada naquilo (seguida de uma saída imediata mas difícil: suei as estopinhas para me desarriscar mas consegui.) foi no mínimo intrigante. Ainda não tinha uma hora de vida na coisa e já havia uma dúzia de criaturas que me desafiava para “amigo”. Algumas eram conhecidas mas pelo menos de metade nem rasto. Provavelmente por timidez fiquei embaraçado e embaçado: que dizer a pessoas de que não me lembrava de todo em todo? Desandei em boa ordem, mesmo se a retirada do f-b se me parecesse a de Napoleão da Rússia.

Depois, esta coisa da “amizade” internética tem muito que se lhe diga. Ou então sou eu que dou demasiado crédito à velha “amizade”. Se calhar, hoje em dia, todos são amigos de todos, tout le monde est beau tout le monde est gentil...

Deixemos, porém, estas considerações e revelemos um dos poucos segredos que de momento se podem tornar públicos. JCP, o homem dos grandiosos (e dispendiosos ?) charutos não fumou. Perguntado sobre o assunto, lá confessou que ainda não desistira mas que a ocasião não se propiciava. Ao que leva a defesa da saúde pública e a falta de salas de fumo nos restaurantes. Ao que prevejo, será mais fácil encontrar uma “sala de chuto” do que um restaurante com instalação para fumadores. Abençoado dia em que deixei de fumar: o que eu não sofreria hoje em dia...

Portanto, e voltemos ao início: a crise. A crise não existe ou não existiu durante essa simpática comezaina de quinta feira passada. Ou a malta fez de conta, cerrou os dentes e resolveu arriscar tudo por tudo.

Felizmente, na sala não havia “olheiros” partidários. Imaginam o que seria o sr Coelho vir apontar-nos “Vejam como os portugueses confiam na política económica deste Governo. Ei-los a animar o consumo mesmo com o IVA a 23%. Vê-se que compreendem e apreciam patrioticamente os esforços que temos feito”.

Ou o sr Seguro: “Olhem para estes cidadãos. Dantes comiam nos melhores restaurantes, fumavam “Monte Cristo nº 5” e davam gorjetas principescas. Agora, refugiados num modesto estabelecimento de comes e bebes, roem raivosamente um bacalhau assado e juram que no domingo irão castigar devidamente este governo mais troikista que a troika. E ao mesmo tempo desafiam os poderes constituídos, discutindo, alto e bom som, a má política levada a cabo por um governo nas vascas da agonia”

Jerónimo (não confundir com o imortal Gerónimo, apache sem frio nos olhos que desafiou mexicanos e americanos e ainda hoje é grito de guerra), sublinhou que a cena destes humildes mastigantes numa mesa à soturna luz de um par de lâmpadas mostrava como a classe média (que o partido sempre defendera abnegadamente, sic) estava reduzida a um esquálido grupo de manifestantes onde até se via gente de gravata.

Só o BE nos condenou: “enquanto o povo sofre, largas camadas de população passam fome, outras tantas emigram desesperadas, um grupo de plutocratas rejubilava numa mesa farta. E riam-se do proletariado tão bem representado pelos nossos camaradas Catarina Martins, Marília Matias e João Semedo. A burguesia é assim: comilona e gastadora!... Dançam à beira do abismo, mas no próximo domingo a sua hora soará.”

Valha a verdade que se falou de crise, de eleições, da vida (e da morte). E do frio, raios, já estamos em Maio!, deste blog tão pertinaz, destes dez anos tão depressa passados, dos próximos que aqui nos irão encontrar. Ou seja, falamos do que costumamos falar ou escrever. Como ontem e como sempre. Como amanhã, se possível. E a comer, já agora...

 

 

 

Mudar o PS para mudar o país

JSC, 28.05.14

Como é óbvio, a dimensão da crise impunha que o PS, sem grande esforço, conseguisse uma votação memorável. Não foi assim. E não foi assim porque poucos acreditavam no líder do PS e, por muito que ele se esforçasse, nunca iria conseguir dar a volta à imagem que as pessoas têm dele. Até pode ser injusto, mas a realidade é o que é. Verdade é que a comunicação social, manipulada ou não, inculcou a ideia de que Seguro e Passos são a mesma coisa. A verdade é que (mesmo que isto seja mentira) os votantes compraram esta ideia, razão para se ouvir, por todo o lado, que Seguro não é alternativa, porque não vale mais do que Passos e que se fosse governo faria o mesmo.

 

Esta ideia fez o seu caminho no tempo em que Seguro desapareceu da cena política, à espera que o tempo passasse. Vieram as eleições. Primeiro as autárquicas, que o PS ganhou. Ganhou mas com uma votação muito fraca, tão fraca que logo começaram a aparecer as vozes sorrateiras a sugerir a mudança de líder. A coisa só não foi mais longe porque as eleições europeias vinham logo a seguir. Não dava tempo para movimentações internas.

 

O PS voltou a ganhar novas eleições, razão para alguns agitarem bandeiras de vitória. Só que, mais uma vez, a vitória do PS foi uma vitória escassa, muito escassa, tão escassa que logo se percebeu que não se pode cavalgar para o poder com vitórias deste jaez.

 

Com um governo tão comprometido no negócio de empobrecer o país enquanto enriquece a minoria que o sustenta, o povo está preparado para entregar o poder a alguém em quem confie. Só que o povo não confia no Seguro. Aceito que o povo nem tenha razões para tanto, só que a coisa está neste pé. Pena é que Seguro e mais uns tantos notáveis não racionalizem melhor o sentido das “duas vitórias eleitorais”, da “legitimidade” (incontestável) que reconhecem ao líder, dos Estatutos enquanto solução para um problema de liderança. Pelo contrário, Seguro prestaria um grande serviço ao PS e ao país se deixasse o sentir do povo fluir e permitisse que o PS começasse a mudar por dentro, para pode mudar o país. Seguro sairia engrandecido, colocaria o interesse do PS e do país acima de tudo e, com grande certeza, ficaria com as portas abertas para voltar a liderar o PS.

O que fazer com estes resultados?

José Carlos Pereira, 27.05.14

As eleições europeias do passado domingo permitiram chegar a algumas conclusões, cá dentro e lá fora. Todas elas preocupantes, por sinal.

Entre nós, a vitória do Partido Socialista, em votos e em mandatos, acabou por saber a pouco perante o colapso da coligação no poder. O resultado alcançado pelo PS, após três anos de crise, de desemprego, de falências e aumento brutal de impostos, não permite vislumbrar uma confiança clara dos portugueses nas propostas e nos protagonistas apresentados pelo PS. As últimas sondagens confirmam-no.

A maioria PSD/CDS, que registou o pior resultado de sempre, manteve-se à tona de água e pode afirmar a sua legitimidade para governar o tempo que resta da legislatura e preparar o caminho para as eleições de 2015.

O reforço da CDU, a emergência – episódica? – do MPT de Marinho Pinto e a inédita pulverização de dezenas de milhares de votos por vários partidos pequenos mostram que os partidos do arco da governabilidade foram claramente postos em causa. O fenómeno que vemos lá fora, com várias forças representadas nos parlamentos, pode ter chegado para ficar em Portugal. O próprio Bloco de Esquerda, para além dos muitos erros cometidos, acabou por ser vítima também das dissidências corporizadas pelo Livre e pelo MAS.

A mais alta abstenção de sempre no nosso país e o número de votos brancos e nulos são outros indicadores que revelam o afastamento e a descrença dos portugueses face à Europa, à política e aos partidos tradicionais.

António Costa decidiu hoje reagir ao resultado do PS e disponibilizar-se para disputar o lugar de secretário-geral com António José Seguro. Depois dos avanços e recuos de há um ano, creio que esta era a hora de assumir a candidatura à liderança do PS. Não tenho dúvida que os portugueses gostariam de ver António Costa a disputar as próximas legislativas como líder da esquerda democrática. Terão a mesma opinião os militantes do PS? Como reagirá o aparelho que esteve sempre tão próximo de Seguro? Vai ouvir o país? Para conquistar o poder e exercer a governação nestes tempos difíceis exige-se mais. Não basta mais do mesmo.

Na Europa, assistimos à desagregação dos partidos que tradicionalmente assumem as responsabilidades do poder e à consolidação dos movimentos extremistas e eurocépticos. Os resultados em França, em Inglaterra, na Grécia, só para citar alguns exemplos, foram elucidativos.

Os dirigentes europeus são os primeiros a contribuir para este afastamento das populações face ao “ideal europeu”. Quando Angela Merkel veio dizer, em plena campanha eleitoral, que os resultados poderiam nada querer dizer quanto ao nome a indicar para a presidência da Comissão Europeia estava a dizer a verdade, é certo, mas também veio passar um atestado de menoridade à eleição, aos partidos políticos e aos seus representantes.

O cidadão europeu comum associa a União Europeia a uns quantos burocratas que redigem leis e regulamentos e a um reduzido número de governantes que tomam as grandes decisões. Os cidadãos sentem-se, por isso, afastados do centro das preocupações e das políticas europeias, pelo que se alheiam de votar e de participar. Em alternativa, muitos refugiam-se nos extremismos para travar os males que identificam, seja o euro, a imigração, o desemprego ou a alegada perda de soberania. É difícil de perceber?

O presidente do Banco Central Europeu já veio defender que, perante o resultado das eleições, são necessárias melhorias e “pensar mais em crescimento, emprego e prosperidade”. Depois da casa roubada trancas à porta? Ao menos isso…

Diário Político 197

mcr, 27.05.14

 

 

 

Calma, Manuel, não me parece ser hora para foguetes

 

Manuel Alegre, um amigo, um velho companheiro, um socialista que não merece ser comparado com a água chilra que hoje dirige o seu partido, está ufano por o PS nacional ter o melhor resultado da Europa. Julgo que, mesmo nisso, se engana porquanto na Roménia, ao que sei o Centro-Esquerda abona-se com 45% dos votos.  Claro que se trata de uma coligação mas mesmo assim...E de mais um par de países onde as coisas não correram de feição.

E na Itália, o governo onde participa maioritariamente o PD ganhou as eleições sem apelo nem agravo com uma percentagem de mais de 40%.  Homero, por vezes, dormita...

E, lembraria, a esse meu generoso Amigo, que pouca festa há quando, aqui mesmo ao lado, o PSOE perde dez deputados e um pouco mais além, o PSF se esboroa tragicamente.  

Em segundo lugar, conviria ter claro que, ao que tudo indica, não serão os socialistas a obter a maioria no Parlamento europeu. Morrem na praia e, se isso acontece, a culpa é muito dos franceses (terceira e péssima posição) e dos gregos (quarta posição depois da extrema direita).

Em terceiro lugar, só por muito boa vontade é que se poderá considerar o PCP um partido claramente europeísta.  Ou, pelo menos, se o europeísmo significa ser a favor do euro. A questão tem importância na medida em que, depois de nos metermos nessa camisa de onze varas (e não fiz parte dessa clientela...) a coisa mais difícil que afrontamos é o dilema de continuar (sempre ou quase) na mó de baixo ou de sair com custos que ninguém, prudentemente, se atreve a calcular.

Ficaremos pior, disso não tenho dúvidas mas continuar com uma moeda forte não augura grandes satisfações.

Em quarto lugar, as proclamadas mutualização e política de desemprego apoiada por fundos europeus estão mais adiadas. Vale a pena salientar que boa parte da retórica de Seguro se baseava nessas suas hipóteses miraculosas.

Em quinto lugar, a abstenção continua a aumentar. E disso haveria que tirar consequências e perceber que tradicionalmente o centro direita é a sua maior vítima. Quanto mais moles os partidos, menos voto militante existe. E a surpresa –se surpresa houver- será menor se, como se espera, houver uma subida na votação dos partidos mais radicais e de esquerda, dado que não se conhece extrema direita organizada e candidata.

Diria, mesmo, que o PCP cuja posição melhora é um dos favorecidos visto não ter de se defrontar com fuga de votantes. Será interessante confrontar o total de votantes desta eleição com idênticos totais das últimas eleições. Não tenho quaisquer dúvidas que o PC perdeu votos em relação aos seus anteriores resultados nas legislativas.

Mas há mais e pior, neste retrato do PCP: passou estas semanas a martelar numa espécie de repetição dos piores anos do estalinismo: ao insistir na condenação do PS, relembra a famosa e trágica “Klasse gegen Klasse” com que o partido comunista alemão se alimentava. O resultado foi o que se viu (Hitler no poder e, pior ainda o infame “pacto Ribentropp Molotov” que permitiu o avanço nazi na Polónia e depois em França e mais tarde o desastre da invasão de uma URSS confiante e colaboracionista. 

Em pior lugar está o BE que como se previa (só eles é que não) desce violentamente e começa a desintegrar-se como se viu com os militantes que vão saindo, com a incapacidade notória de se articular com outros esquerdistas ou de polarizar o descontentamento.

Em boa verdade, onde pára essa imensa multidão que nestes três anos se manifestou país fora?

Nos pequenos partidos ditos da esquerda radical? Também, mas sobretudo nos novos agrupamentos ad-hoc que capitalizam mais de 200.000 votos.

Ou seja: um pouco mais do que as perdas do BE de que muito provavelmente aproveitou o PCP.

No que toca a este último a famosa grande vitória fica-se modestamente em 37 mil votos. É uma vitória? É, mas claramente à custa do BE ou seja, na zona onde ambos recrutam. Em boa verdade, se eu tivesse de escolher entre os dois não perderia o meu tempo com o bloco. Nasceu torto, continuou ambíguo e agora o que era um albergue espanhol começa a parecer-se perigosamente com um saco de gatos. Ironicamente, em Lisboa o pequeno e improvisado LIVRE teve mais votos que o BE. Isto diz muito, senão quase tudo, da “catástrofe iminente” para a qual, ao ouvir a arrebatada drª Catarina Martins, não vejo “meios de a conjurar. (Recomendaria à senhora algum prudente silêncio e outro tanto de leitura de Lenin).

Restam os dois grandes blocos ditos do arco de governo. A queda dos partidos governamentais é severa: evaporou-se meio milhão de votos. Para onde, só Deus sabe. Muito provavelmente será o Marinho e Pinto o feliz (e espero que esporádico) herdeiro dessas muitas dezenas de milhares de eleitores desaparecidos.

O PS terá abichado um quinto desses eleitores flutuantes (86 mil votos).

Convenhamos que se era isto o que Seguro pretendia, a coisa não vai longe. A vitória existe mas em tom menor. Ou, até, em pequeno drama depois da proclamação entusiástica de Assis  e da barulheira eleitoral. Digo isto mas poderia dizer também e, se calhar com mais acerto, que o discurso de Assis apenas pretendia evitar que o lume brando em que está a panela socialista não passasse para fervura alta. Começo a suspeitar que Seguro tem muito trabalho pela frente, mais do que até aqui: Soares, como se sabe, despreza-o, os socráticos querem, sempre quiseram, fazer-lhe a cama, Costa espreita lá do alto da CML e a turbamulta acha-o fraco, pífio e, a la longue, perdedor. Eu também. O homem tem (escasso) estofo de líder entre duas guerras mas não o vejo a conquistar nada e muito menos como timoneiro desta nau que mete água por vários lados.

E a Europa, nisto tudo? Pois a Europa está mal e não se recomenda. Não que me preocupe dramaticamente a extrema direita que finalmente se vê às claras e que vai ter de se expor. Sempre defendi que o cordão sanitário à volta desta seita poderia ter efeitos perversos e que há que dar-lhe  corda sobretudo se for para se enforcar. Não quero com isto adoptar a postura do “quanto pior melhor”, bem pelo contrário. Deixo esse piedoso voto a uma certa extrema esquerda que também tem vivido à margem e que, perante a realidade quotidiana do parlamento europeu vai ter pensar duas vezes, se é que tal esforço é possível.

A famosa fuga europeísta para a frente teria de ter consequências. Promessas não cumpridas, incapacidade para acordos viáveis, uma moeda demasiado forte e perigosa, políticas económicas desajustadas, indiferença perante a desindustrialização, aumento do desemprego, não poderiam suscitar nos cidadãos anónimos mais do que irritação ou indiferença. E é esta, sobretudo, que espreita. Já que não nos sentimos plenamente representados, assobiamos para o lado. Os europeus ainda não são cidadãos de pleno direito nesta amálgama de “soberanias limitadas”. E uso este termo, vindo de uma longínqua e desastrada teoria de Brejnev porque o status-quo actual imita o do “bloco socialista” nos vinte anos finais do sistema “socialista” comandado pela URSS que, aliás, pereceu às mãos da economia e da dívida  externa. E da desmobilização medonha dos militantes mais idealistas. Claro que, nessa longa agonia, também havia o fim da ideologia, a brutal constatação dos desvios da teoria marxista-leninista, o sufoco do policiamento sem limites, as limitações austeras ao consumo, fosse ele qual fosse, a incapacidade ilimitada de ouvir a sociedade a falsidade de boa parte dos seus postulados com a consequente gulaguização de crescentes minorias.

É nesse exemplo que conviria atentar, para evitar consequências semelhantes à derrocada  que se observou.

Falaram disto os “nossos” candidatos? Não consta. Falarão, agora que se apanharam no confortável hemiciclo europeu? Convinha.

Regressando à pátria  ama(rgura)da: Já afirmei que as eleições europeias não podem nem devem ser mais valorizadas do que são. Como teste ao Governo e pré-legislativas não servem senão de pequeno indicador. E ainda bem, porquanto o que daqui saiu foi uma salada russa. Se o país parece pouco governável tal como está, a fotografia que ontem foi tirada é ainda pior.

No mesmo momento , ou quase, uma mega sondagem trazia uma fotografia ainda mais cruel das actuais expectativas dos cidadãos. De facto entre o PS e o PSD haveria uma margem de 0,4% de intenções de voto, o PC não chegaria aos 12% e o resto era mera paisagem. Ingovernabilidade total. As sondagens são o que são (uma das vítimas favoritas costuma ser o CDS, saiba-se lá porquê, que tem sempre resultados muito superiores aos encontrados), mas convém, estar atento. Sem elas as previsões seriam ainda mais arriscadas.

Enfim, estas eleições, pelo menos na sua versão doméstica e lusitana, reduziram-se a Much ado about nothing, para parafrasear Shakespeare.

E é pena!

NB: acima afirmei que todos os partidos (BE exceptuado) tiveram menos eleitores do que nas legislativas e nas locais. Convém lembrar que as percentagens de abstenção são profundamente diferentes. E de todo o modo os resultados reais são aferidos de outra forma 

 

d'Oliveira fecit 26.05.2014

estes dias que passam 320

d'oliveira, 23.05.14

Um voto

Numa das páginas do processo individual 49256 datada de 6 de Marco de 1970 consta uma cópia  do documento nº 262/70-S.INF (Confidencial) assinado por um tal Jaime Gomes da Silva que subscreve o ofício pelo Inspector Adjunto cujo nome se ignora.

Nessa peça de fraca qualidade estilística e gramatical referem-se várias informações transcritas de um outro processo individual (da PJ) com o número 38218 relativo a Joaquim Andrade Cardoso (eventualmente um amigo e camarada de que não me recordo já) e que me dizem respeito.

Apenas refiro que entre os vários agravos de que nessa peça sou responsável consta este “como delegado da “oposição” fiscalizou uma das secções de voto da assembleia que funcionou na freguesia de Santo António dos Olivais , nesta cidade (Coimbra) no último acto eleitoral para deputados”.

Estas eleições foram as primeiras legislativas em que a Oposição resolver participar e tiveram lugar, se não erro, em finais de 1969. Normalmente (mas sempre com o meu voto discordante) a “oposicrática” fazia a campanha e desistia no último dia por considerar não existirem condições. E não existiam, de facto. Os cadernos eleitorais eram uma fraude gigantesca e as condições da propaganda eram cerceadas ao máximo. Todavia, meia dúzia de originais (eu incluído) insistiam que, apesar de tudo, convinha contarmo-nos mesmo sabendo que ao acto só compareceriam os mais corajosos dos raros inscritos. E isso seria um dado para posterior trabalho politico e alargamento dos contactos.

Portanto, nesse abençoado ano de 1969, em Coimbra estávamos metidos no processo eleitoral fraudulento até dizer basta. Foi difícil encontrar voluntários para as mesas de voto. Dentro da cidade a estudantada que fizera a greve de 69 constituiu um dos esteios dos fiscalizadores apesar de não serem muitos os estudantes inscritos em Coimbra. Nos arredores a coisa foi muito mais complicada se é que complicado é o adjectivo ideal.

Desde esse dia longínquo que não falho uma eleição. Esteja onde estiver, no dia em causa eis que venho a mata cavalos cumprir o meu dever, exercer o meu direito. Conquistei-o com farto sacrifício e exerço-o com alegria.

Irei votar, este fim de semana. Votarei, desesperado e zangado mas votarei. Desta vez em branco. Nenhuma das tristes criaturas que andou por aí em patéticos desfiles e cortejos me merece sequer um olhar resignado. Muito menos os líderes políticos quer das forças com assento no parlamento , quer dos tradicionais e paupérrimos grupos ainda existentes (enfim, sobreviventes) e muito menos dessas “coisas” que aparecem como cogumelos depois da chuva, estilo Partido dos animais, da natureza, da vida sei lá de que mais. Essas agremiações inexistentes politicamente, inconsistentes em termos de militantes não passam de vagos grupos de conhecidos que aspiram apenas a um minuto de televisão. Por vezes vão buscar um indivíduo conhecido nos media e este, surpreendentemente, aceita. E descobre, subitamente, um imenso amor pela vida, pelo feto humano, pela natureza, pelos bichinhos todos, oxiúres incluídos. É patético para não dizer vergonhoso.

Vou pois votar branco. Quero que o meu voto seja contado e que, se possíverl, seja considerado, voto de protesto.

Por um momento pensei em votar na pitoresca senhora que desde sempre ou quase dá a cara pelo POUS (Partido Operário de Unidade Socialista). Claro que a criatura de operário não tem nada mas provavelmente também o pous não abunda nesse campo.

Porém, a dona Carmelinda Pereira fez uma declaração a que ninguém pode ficar indiferente, foi a única candidata que afirmou “não querer ser eleita”. Isto é pasmoso e bonito. A excelente senhora que já não está na primeira nem segunda mocidade, não quer ir para Bruxelas, não quer ganhar aquela dinheirama farta, sequer pisar as augustas salas do Parlamento europeu. Nada. Apenas lhe interessa dizer não sei o quê, a não sei quem.

Ora bem: se dependesse do meu voto, se este fosse o último necessário para não fazer a vontade á dama, juro que votaria nela, ai não queres ir bruxelear? Pois vais e vais mesmo. E a galope. Pimba!

Infelizmente, este meu instinto maldoso, não tem uns milhares de companheiros por esse país de Deus. A D Carmelinda vai ter a alegria de ser derrotada, esmagada, esquecida, por mais uma temporada, pelo menos até à próxima eleição. Neste torrãozinho de açúcar nem sequer se pode ser malvado. A culpa é, por ordem de importância: da Merkel, do capitalismo, do dr Cavaco, de Passos, da América, dos bancos, da Ucrânia, de Angola, ou melhor da clique que a governa, de Castela e do dr Salazar (há quem julgue que o cavalheiro ainda está vivo como d Sebastião).

Portanto, até domingo, com o voto na urna. Branco se possível!

(e puta que pariu o tal Jaime Gomes da Silva!)

 

 

Pág. 1/3