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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

diário Político 196

mcr, 20.05.14

 

 

 

O estranho caso do comboio fantasma

 

Há um par largo de anos as misteriosas criaturas que se escondem debaixo da sigla “Eixo do Atlântico” que, em Portugal comportavam um par de presidentes de Câmara, a comissão de coordenação da região norte e mais uma dúzia de luminárias do mesmo gabarito exigiram (e tiveram o apoio) do Governo Sócrates que a ligação ferroviária Porto Vigo se transformasse num TGV moderníssimo. O argumento (infindavelmente repetido) era de esta região era um alfobre de riqueza, de talentos e de viajantes pelo que fazer os 150 quilómetros Porto Vigo devia ser obra de pouco mais de meia hora. E, obviamente, garantiam a rentabilidade de tl despilfarro de  dinheiro.

Convém (re)lembrar para os que sempre se esquecem que a linha que serve este comboio é antiga as mais das vezes nem é dupla e que essa viagem demorava um ror de horas. Em Espanha, a coisa era de tal modo grotesca que nem havia revisor. Não valia a pena: o comboio, nos dias bons, conseguia transportar 11 (onze) passageiros o que nem dá para uma equipa de futebol que sempre terá um ou dois suplentes.

Por cá, os tempos eram de dinheiro fácil pedido ali na esquina e um tgv vinha mesmo a calhar.

Relembremos ainda que entre o Porto e Vigo há uma belíssima autoestrada cujo movimento a partir de Famalicão é fraco e a partir de Braga é nulo. Do outro lado a coisa repete-se pois os espanhóis fogem para a autovia Tui Vigo muito mais barata (e perigosa, mas isso é com eles que têm a mania de ser toureiros).

Todavia, o peso dos senhores autarcas e comissários, cá e lá, foi suficiente para que os ministros espanhol e português lá decidissem manter o dito comboio. Em duas horas e um quarto a composição vencia os cento e cinquenta quilómetros e levava no seu bojo 26 (vinte e seis) passageiros. Ou seja uma taxa de ocupação de 12%!   Com um pequeno prejuízo de milhão e meio de euros confessados e dois milhões e tal bem medidos depois de se fazerem (boas) contas.

Agora, uma sumidade galega, o senhor Xoán Mao (de parceria com outra rotunda inteligência desta feita lusitana, o senhor José Maria Costa, presidente da Câmara de Viana e ex- presidente do famigerado Eixo) quer mais. Novas automotoras, melhores e mais confortáveis, mais viagens diárias, mais paragens (pelo menos Viana e Braga) com o argumento de que assim haveria mais passageiros.

Diz mais, o senhor Mao: que o comboio serve uma região de oito milhões de habitantes (!) e que num futuro próximo a viagem poderia ser feita em hora e meia num Alfa Pendular ou no seu congénere espanhol.

E, ainda melhor: que também no mesmíssimo futuro radioso poderia fazer-se um percurso Corunha Faro!

É evidente que o delírio nunca morre e que s braatas espanholas têm sobre as nossas o sobre-dimensionamento quixotesco de quem vê pontes a construir sobre o Atlântico unindo Vigo e Nova Iorque.

Cá, a miopias vianense (e bracarense?)  ainda se não deu conta do deserto que é a A-5 (Porto)-Braga-Valença, uma inutilidade ruinosa que concorre com outras iguais (a A-17, por exemplo). E insistem na imensa possibilidade de angariarem mais passageiros (4, 10, 20?) nas paragens intermédias, esquecendo que isso alongará ainda mais os tempos de viagem. Porém, a macro-visão do colega galego ultrapassa tudo inclusive quando fala dos oito milhões de criaturas bafejados pelo comboio. Oito milhões é toda a gente contida no Norte português e na Galiza. Na margem do comboio ha milhão e meio e já é falar com muito optimismo.

Por favor mandem uma troika especial para a fronteira de Valença e a tempo inteiro. A menos que, voltando ao significado antigo e verdadeiro do termo, se ponham os mais exaltados elementos deste contubérnio luso galego atrelados ao veículo que em tempos terá servido o senhor Miguel Strogoff na sua perigosa missão de correio do czar.

 

d'Oliveira fecit 20.5.14

 

Um novo rumo para a Europa

José Carlos Pereira, 18.05.14

Na edição desta sexta-feira do jornal "A Verdade", quinzenário de Marco de Canaveses, publico um texto sobre as eleições europeias, na qualidade de mandatário naquele concelho da candidatura do Partido Socialista (o texto só está disponível na edição do jornal em papel):

 

"As próximas eleições para o Parlamento Europeu (PE) são de extraordinária importância para os portugueses e para a União Europeia (UE).

A crise que vivemos nos últimos anos veio demonstrar que os graves problemas económicos e financeiros sentidos em Portugal e em outros países exigem uma resposta concertada à escala europeia. A UE é também responsável pela maior parte da legislação que afecta o nosso quotidiano, o que reforça a importância de ter uma voz forte no quadro europeu.

O Partido Socialista, que liderou o projecto de integração europeia, fosse no processo de adesão, na estratégia de Lisboa ou na entrada para o euro, apresenta a estas eleições uma lista de grande qualidade, capaz de ter uma influência decisiva na construção de um novo rumo para a Europa. Essa lista reúne competência técnica e política e uma larga experiência executiva, sendo liderada por Francisco Assis, um político que nunca se furtou aos combates mais difíceis.

Estes três anos de assistência económica e financeira, debaixo de uma liderança de direita ultraliberal em Portugal e na Europa, trouxeram consigo austeridade, falências e desemprego, acentuando as desigualdades e empurrando para fora do país muitos dos nossos jovens. No final, temos um país massacrado e uma dívida pública que disparou para 130% do PIB. A nível europeu, temos o impressionante número de 27 milhões de desempregados!

O Partido Socialista Europeu (PSE) apresenta-se a estas eleições com uma proposta alicerçada na criação de emprego e no relançamento da economia, apostando na inovação, na investigação, na formação e na reindustrialização. É fulcral direccionar o investimento para as áreas que possam criar mais riqueza e tirar partido dos nossos recursos humanos qualificados.

Num outro plano, o PSE reconhece a necessidade de mutualizar direitos e responsabilidades no seio da Zona Euro e de encontrar novos instrumentos para a gestão da dívida pública, um problema central para o nosso país.

Também as medidas preconizadas para o sector financeiro, como a defesa de uma efectiva união bancária, o imposto sobre as transacções financeiras e a luta contra a evasão fiscal, e para um maior controlo democrático, como o reforço dos poderes do PE, revelam que só o PSE está em condições de liderar um novo rumo para o projecto europeu.

As eleições de 25 de Maio são uma oportunidade única para reforçar a esquerda democrática na Europa e travar as políticas que a maioria PSD/CDS tem conduzido em Portugal."

10º aniversário do Incursões

José Carlos Pereira, 18.05.14

O meu país sabe a amoras bravas

no verão.     

Ninguém ignora que não é grande,

nem inteligente, nem elegante o meu país,

mas tem esta voz doce

de quem acorda cedo para cantar nas silvas.

Raramente falei do meu país, talvez nem goste dele,

mas quando um amigo me traz amoras bravas

os seus muros parecem-me brancos,

reparo que também no meu país o céu é azul

 

Eugénio de Andrade ("O Outro Nome da Terra")

 

Foi com este belo poema que começou o Incursões, em 18 de Maio de 2004. Desde que começámos a escrutinar as visitas, algum tempo depois do início do blogue, contámos com mais de um milhão de page views e perto de 800.000 visitas. Resistimos às modas e cá vamos continuando.

 

É altura de deixar um cumprimento a todos os leitores e colaboradores do Incursões ao longo destes dez anos, com uma evocação especial do meu amigo J.M. Coutinho Ribeiro, que foi, em certos períodos, um dos mais entusiastas colaboradores do blogue e que nos deixou no início de Março passado.

Estes dias que passam 319

d'oliveira, 16.05.14

 

 

A Europa por um canudo

 

De que Europa falamos quando falamos de Europa?

A pergunta não é especialmente impertinente, sabendo como sabemos, que nessa misteriosa região, que sempre definimos como além Pirineus, labutam mais de milhão e meio de Portugueses.  Só no Luxemburgo a emigração portuguesa representa quase 18% da população. Na Suíça, a comunidade portuguesa está entre as três comunidades estrangeiras mais importantes. O mesmo se passa na França. No Reino Unido há também uma importantíssima colónia portuguesa. Só por isto, que não é pouco, havia que dedicar ao assunto uma reflexão que não caísse na miserável discussão que ontem começou.

É que pensar nos nossos emigrantes (e conviria lembrar, de passo, que desde que começou a chamada “expansão portuguesa”  nunca cessou a emigração para os territórios descobertos, conquistados, colonizados ou, simplesmente, para as zonas onde se ergueu uma parca feitoria. Desde a Índia do sec. XVI para onde dezenas de milhares de portugueses afluíram, até ao Brasil que registou desde princípios do sec. XVIII vagas de emigrantes na ordem dos cinquenta mil por ano, não houve ano em Portugal sem saídas importantes para o exterior. O período de menor saída correspondeu aos anos da 2ª Guerra e por causa dela, não por virtude do dr. Salazar. Em Portugal emigra-se há séculos e ponto final, parágrafo, pelo que vir agora lamentar a emigração nacional é apenas uma arma de arremesso político em que aliás ninguém acredita) é pensar também nas remessas dos mesmos (de que sempre vivemos)e na sua defesa enquanto concidadãos. Estamos na Europa e o facto de aí estarmos com todos os riscos, todas as condicionantes, todas as injustiças e incompreensões, tem valido a esses compatriotas uma proteção e uma garantia jurídica, social e económica que nunca teriam se estivéssemos (onde é que já ouvi isto?)  “orgulhosamente de fora, sós” como pretendem ou insinuam alguns dos actuais candidatos à prebenda europeia.

Eu quereria olhar para esta campanha com outros olhos sem ter de me surpreender com a ressurreição da sr.ª dr.ª Carmelinda Pereira, representante de um partido que já julgava extinto. Terá o dito partido sequer os cinco mil militantes que são supostos existir para dar certidão de nascimento a um agrupamento político?

Ao que ouvi a generosa senhora não quer ser eleita. Dá o lugar , o hipotético lugar, o inatingível lugar a outro candidato, seja ele qual for.

Se não quer ser eleita o que anda ela a fazer por aqui?

A passar o tempo? A jogar ao berlinde? A denunciar sei lá que malvadíssimas intenções de outros (todos?) candidatos? A gastar o nosso tempo? A chatear o indígena?

 Haverá, em outra meia dúzia de organizações de que só se ouve falar em eleições, outros tantos milhares de militantes, simpatizantes ou o que quer que sejam,  que justifiquem a sua mais que pontual existência? Haverá, sequer, dez (nem falo das dezasseis candidaturas...) opiniões diferentes sobre a questão europeia?

O pouco que, via televisão,  me foi dado ver e ouvir, faz-me pensar que, das discussões que nos esperam, nada de novo e muito menos de europeu, nos chegará. Para prova, um cavalheiro que foi bastonário da Ordem dos Advogados, veio ontem explicar com a truculência que o caracteriza, que tenciona ir para Bruxelas combater os “grandes escritórios de advogados” e a sua consabida invasão da área política. Pelos vistos a sua evangélica acção na OA e na televisão (suponho que por bom cachet) não surtiu efeito cá dentro pelo que entendeu passar a “um plano superior de luta”, internacional. Tudo isto em nome e um vago “MPT, ou partido da terra, de remota e difícil ascendência ecologista. É bastante provável que os seus esforços não sejam coroados de êxito e que, finda a campanha, a criatura vá lamber as feridas da derrota para a província e para um merecido repouso. Todavia, o simples facto de o terem convidado para cabeça de lista e de ele ter aceitado tão árdua tarefa diz muito do modo como se faz política no nosso “torrãozinho de açúcar”.

Mas poderá alguém dizer-me  que “de minimis non curat praetor”  e que, pelo menos os grandes partidos com assento no parlamento vão explicar que políticas europeias vão defender em Estrasburgo. Irão? Até ao momento a discussão tem sido caricatamente doméstica e deixa-nos pensar que as criaturas que se interpelam e digladiam concorrem ao parlamento nacional. Não estarão enganadas? Alguém teve o bom senso e a prudência de as avisar que é na doce Europa que vão estar e receber um belo ordenado?

A segunda questão que me embaraça é esta: as eleições para o parlamento europeu não são especialmente indicadas para antecipar os resultados das legislativas nacionais. E por uma razão cristalina: pode um partido ter uma maioria nacional de 51% e, ao mesmo tempo, dado que há duas dezenas de círculos eleitorais com evidentes diferenças de população e de mandatos, não conquistar a maioria dos lugares de deputados. Uma vitória a cem por cento em mais de uma dúzia de distritos pequenos e médios pode traduzir-se por uma derrota na repartição de mandatos. E uma vitória nos dois grandes círculos (Lisboa e Porto) pode não significar uma vitória nacional. Fossem os deputados eleitos nominalmente e o resultado já poderia ser mais igual entre uma e outra eleição. Depois, há o problema da abstenção: as eleições europeias atraem muito menos eleitores que as legislativas. Se bem recordo, as últimas europeias tiveram mais de 60% de abstenção. Se estas próximas eleições tiverem a mesma taxa de participação (o que é provável –se não for ainda mais baixa- ) parece arriscado tirar especiais consequências do facto. Mesmo estando convencido que a minha profunda aversão a Coelho e Portas é partilhada por muitos cidadãos, creio que as legislativas de 2015 ainda estão longe, demasiado longe, e que é possível à actual coligação no poder minorar o desgaste a que foi submetida. Por outras palavras: tendo em linha de conta as atuais sondagens pode ocorrer que, com uma série de pequenas concessões  de última e penúltima horas, os eleitores “deem o ouro ao bandido”. Sobretudo se os (muito) ténues indicadores de melhoria (!!!?) se mantiverem ou progredirem.  E se o licenciado em Relações Internacionais (pela conceituada Universidade Autónoma de Lisboa) António José Seguro continuar  contrapor ao licenciado em Economia (da não menos prestigiada Universidade Lusíada) Pedro Passos Coelho alternativas com mais arruído que credibilidade então a coisa complica-se e muito.

Claro que nada destas últimas considerações tem a ver com a Europa mas se as retenho é apenas porque as criaturas que disputam as prebendas europeias fazem da política nacional a massa dos bolos avariados que fornecem aos eleitores. E às vezes nem isso.

Também não deixa de ser verdade que, sobre a Europa, tenha de haver alguma, bastante, muita, muitíssima, prudência: Em primeiro lugar ninguém arrisca um resultado europeísta claro e concludente. O motor europeu tem frequentes “ratés”, há uma extrema direita nacionalista em expansão acelerada, a extrema esquerda partilha com ela algumas (bastantes, muitas, demasiadas) fobias antieuropeias e anti-euro, os partidos “de governo”, conservadores ou social-democratas não se entendem entre si, nem com os outros (veja-se o que se passa com a “mutualização” da dívida ou com outras propostas de Seguro) e, sobretudo alguns dos países ditos do Norte não parecem convencidos e, muito menos, interessados em correr em socorro dos do Sul.

Fique claro que não sou contra a tal mutualização. Apenas me irrita a ideia de que basta agitar o nome da coisa para esta acontecer. Ora nada, mas nada (sequer as propostas de Martin Schulz, cuja eleição é, por enquanto, altamente improvável) leva a crer que, nos tempos mais próximos, haja hipótese vitoriosa de isso ser sequer proposto à votação.

A menos que continuemos a acreditar naquele deputado patusco que garantia que bastava a malta dar um murro na mesa para pôr os alemães (terá dito boches?)  a tremer, nada indica que a dita mutualização da dívida ou ainda a mais delirante proposta de Seguro sobre o desemprego encontrem qualquer sintoma de simpatia por parte dos restantes parceiros europeus. 

Quando os azares e os acasos da vida me fizeram estar fora da pátria dos heróis do mar, mirava os vários jornais (em várias línguas que conseguia ler) à procura de notícias sobre Portugal. Eram escassas, raras, raríssimas (exceptuando o período do “verão quente” de 75 – estava em Itália e o que lia na imprensa de esquerda era alarmante e os meus “compagni” italianos deitavam as mãos à cabeça  e perguntavam-me se os portugueses eram todos “matti”, “pazzi” e outros adjectivos igualmente dolorosos) e assentavam genericamente na mais confrangedora série de lugares comuns quando não exprobavam a nossa inerte pequenez.

Nunca acreditei na balela do “bom aluno” e sempre  detestei a imagem, forte mas redutora, do sul sal e sol. Claro que é preferível ser conhecido pelo clima do que pelo crime, pela estupidez ou pela canalhice. Mas dói ver o país reduzido a um mero local de férias low cost, que é o que está a dar.

Perguntar-se-á  que tem estas últimas linhas a ver com a discussão europeia? Tudo! É graças a esta “não campanha” que a distância  entre nós e o resto da Europa se acentua. Poderão retorquir-me que em boa parte da Europa existe a mesma “não discussão” promovida por criaturas igualmente irresponsáveis enquanto europeias (por todos, Beppe Grillo, que consegue ser ainda pior do que Berlusconni). Mas há também a outra discussão, a que interessa e que cá permanece na mais espessa clandestinidade. E isso, esses temas, conviria muito que os conhecêssemos, que os seguíssemos e que os meditássemos.

O que, desoladoramente, não ocorre.

 

Propostas para a Europa

José Carlos Pereira, 12.05.14

No dia em que começa a campanha eleitoral para as eleições europeias, o JN publica uma oportuna entrevista com Martin Schulz, o candidato do Partido Socialista Europeu (PSE) à presidência da Comissão Europeia. Schulz esteve no Porto há uma semana com Francisco Assis e pude então ouvi-lo num encontro com académicos, empresários e gestores, em que defendeu precisamente o que refere nesta entrevista.

Perante as dificuldades que a Europa sente, a luta contra a evasão fiscal merece ser erigida como uma das prioridades políticas, sendo necessário actuar de forma a que a distribuição das receitas fiscais seja o mais equitativa possível. E haverá melhor regra do que as companhias multinacionais pagarem os seus impostos nos diferentes países em que operam, proporcionalmente aos lucros gerados em cada país?

A concorrência fiscal a que hoje assistimos entre países da União Europeia, com regimes e políticas díspares, sempre em prejuízo dos países menos desenvolvidos economicamente, não faz qualquer sentido e esse compromisso do candidato do PSE merece ser enaltecido.

Martin Schulz já não é tão assertivo quanto às possibilidades de renegociação da dívida portuguesa e de mutualização de alguns compromissos, distanciando-se de algum modo das posições defendidas pelos socialistas portugueses e pelos subscritores do manifesto que defendeu a reestruturação da dívida nacional.

De todo o modo, o programa eleitoral do Partido Socialista Europeu é claro quando diz que a recente crise "demonstrou também a importância de mutualizar responsabilidades e direitos no seio da Zona Euro. Vamos reduzir os défices de uma forma sustentável e justa e gerir a dívida pública na Europa com novos instrumentos. Queremos colocar em prática um mecanismo de coordenação real das políticas económicas e fiscais na Zona Euro que tenha em conta os efeitos sociais das decisões sobre as comunidades".

É certo que há um longo caminho a percorrer na Europa no sentido de diminuir as assimetrias e as desigualdades entre os países, mas isso só se fará se, tal como defende o PSE, se apostar em criar emprego, relançar a economia, colocar o sector financeiro ao serviço dos cidadãos e aprofundar a democracia e a participação dos europeus nos processos de tomada de decisão.

 

SOL em Xangai

JSC, 12.05.14

Cavaco Silva recebido com sol em Xangai

 

O JN mostra-nos que Cavaco Silva consegue mudar o tempo na China. As inundações passaram. O sol apareceu para dar as boas vindas ao Presidente. E, já agora, ao Ministro da Economia que foi lá vender a EGF e as empresas públicas de transporte. Com sol à vista sempre será mais fácil convencer os chineses. Mais tarde, num próximo inverno, quem sabe, a UE e os EUA aplicam-lhes umas sanções, congelam-lhes as contas, sacam-lhes os depósitos e os investimentos. Será a democracia a funcionar.

O referendo na Ucrânia

JSC, 11.05.14

Culpa do que se passa na Ucrânia é da UE, diz Schroeder

 

O antigo chanceler alemão Gerhard Schroder considerou hoje numa entrevista que a União Europeia (UE) é a principal responsável da crise ucraniana por ter obrigado Kiev a escolher entre um futuro com a UE ou com a Rússia.

 

Plagiando um dos comentários à notícia, «Suspeito que o Schroeder não lê nem o DN, nem o JN, nem o CM... e depois dá nisto: Opiniões "distorcidas", "mal fundamentadas" e "irrealistas"...»

Au bonheur des dames 363

d'oliveira, 09.05.14

 

Sentado à beira da rua*

 

25 Abril de 2014

 

 

 

Estou sentada na esplanada da Benard, numa mesa miraculosamente deixada livre no exacto momento em que, descoroçoado,  sopesava a hipótese de ir beber o meu primeiro café do dia no interior da pastelaria.

 

De facto o Chiado, mais propriamente o quarteirão compreendido entre a extinta livraria Sá da Costa e o largo de Camões, estava atulhado de gente que ficara de se encontrar por ali à saída do metro ou numa das esplanadas. Grupos inteiros de pessoas, quase todas da minha provecta idade, com cravos ao peito cruzavam-se, encontravam-se, acotovelavam-se, abraçavam-se, às vezes visivelmente comovidos por ainda estarem vivos, por ser 25 de Abril, por se reencontraram depois de tanto tempo, enfim  por um momento felizes e risonhos. O 25 de Abril é isto.

 

Antes do milagre da mesa vazia e da rapidez estonteante com que me atirei para ela com risco não da vida mas das cansadas canelas que só não embateram numa cadeira por mero acaso, tinha estado na feira dos alfarrabistas, ali a dois passos, na rua Anchieta . “Todos os caminhos vão dar à feira”, disse glosando a frase que convocava a malta festiva para o largo do Carmo. “Todos!...” responderam vários dos livreiros que se entreajudavam na montagem das mesas e na colocação dos livros. A feira ia durar seis dias seguidos e os meus amigos vendedores apostavam nos caudais humanos que iam enchendo o largo do Rato e que depois dos discursos provavelmente desembocariam ali. Alguns, enchiam as mesas de livros sobre a efeméride, em pilhas compactas que denunciavam quarenta anos depois o entusiasmo editorial daqueles tempos festivos e alvissareiros. Outros, mais prudentes, entremeavam a avalanche abrilista com os habituais livros que costumam vender. “Amanhã será melhor...”, confidenciou-me um que conhece as minhas manias livreiras. Encomendei-lhe logo um par de títulos para o caso de ele os ter. Prometeu pesquisar a lista que lhe forneci. Na mesa ao lado, encomendei várias separatas do antigo “agrupamento de história da cartografia antiga”, extraordinária coleção de quase 250 títulos de boa e sólida investigação instigada por Luís Albuquerque (amigo do meu pai e depois meu amigo também, encontrado vezes sem conta nas mesas da “Brasileira” coimbrã, sempre amável e pronto a esclarecer dúvidas) e Teixeira da Mota, um sábio lisboeta perito em história da África Ocidental e autor estimabilíssimo.

 

Esta coleção pode medir-se sem rubor com qualquer outra empreitada estrangeira do mesmo teor e atrevo-me a afirmar que se não é a melhor é seguramente uma das melhores alguma vez publicadas.

 

Só um povo zombo, desconfiado, atropelado pelas convulsões do presente é que pode desconhecer este esforço estudioso e científico. Somos assim: ignorantes e contentes por o ser. Não admira que da gigantesca bibliografia sobre a “Expansão portuguesa” a grande maioria dos títulos saia para as grandes bibliotecas estrangeiras enquanto por cá andamos embasbacados com uma série de “Mirós” de segunda ou terceira categoria. O 25 de Abril também é isto.

 

Na mesa da Benard (escolho sempre esta esplanada para ficar o mais longe possível dos músicos de rua que maltratam a arte de Euterpe (tomem lá!...) com requintes de malvadez e de decibéis. Isto para não falar das multidões de turistas que tentam tirar uma fotografia com o Pessoa. Se cada uma destas criaturas comprassem um só livro do poeta que negociata se faria...) vejo uma jovém e bonita mãe com ar desolado de bebé ao colo e mais dois pequenitos pela mão. Está visivelmente cansada, desespera por uma cadeira, eventualmente por um café e por aquietar os dois pequenos terroristas que exigem um bolo. Cavalheirescamente, e com uma imensa saudade dos meus tempos de galã, ofereço-lhe poiso que ela aceita apressadamente. O bebé, logo que se apanha junto à mesa tenta amarfanhar um guardanapo, roubar-me a caneta com que assento algumas impressões destinadas a este texto, virar um copo de água e molhar um dedo no café. Aquilo não é uma criança é um polvo cheio de truques. Os dois maiores já estão a aviar bolos e a misturá-los com um sumo execrável. A jovem mãe, diz que um dos miúdos é de uma amiga que foi num instante ao Carmo para ver como aquilo estava. “Deixou-me este – confidencia-me – porque tinha medo que ele invadisse sozinho o quartel ou fosse puxar pelas patilhas do Vasco Lourenço. Depois, vamos à praia para aproveitar o dia que amanhã trabalha-se”.  Também isto é o 25 de Abril, mesmo se o marido dela estivesse a trabalhar. “com a falta de empregos não se pode dar uma folga mesmo num feriado”, rematou. “Não, claro, não se pode...”, despedi-me.

 

Sair para Oeiras,  pela marginal num dia daqueles é aventura que não aconselho a ninguém.. A polícia montara um dispositivo tal que só para lá do Principe Real  havia hipótese de descer para a beira rio. Estou habituado a circular em Lisboa mas uma infeliz série de enganos, de polícias a desviar o trânsito e sinais de sentido único  deixaram-me perdido em ruas desconhecidas. Muito a custo voltei ao largo de Camões e zás, ala que se faz tarde, rumo ao rio. Entretanto ia começar uma marcha sobre a antiga sede da pide e a polícia corria com o transito dali para fora. Confesso que, depois dos tempos passados no quarto andar daquela instituição, numa salinha desconfortável de pé e sem dormir durante uns largos dias, deixei pura e simplesmente de frequentar o local. Sei que há por aí uns amadores da “memória” que entendem preservar todos os sítios ligados à repressão do Estado Novo. Por mim, bastam Caxias e Peniche. A inóspita sede da pide não tinha nada de especial, tudo aquilo era inexpressivo, as salas onde se praticavam a “estátua” e o “sono” não tinham nada de invulgar: quatro muros alguma janela, uma porta, uma cadeira para o agente e uma mesa igual a outras. O resto eram as noites e dias sempre iguais com o preso de pé, insone, e de quando em quando um chefe de brigada a trazer uma pergunta. No meu caso, e só desse posso falar, não ocorreu nenhum espancamento, os polícias acreditavam mais na duração da privação de sono e nas dores, essas sim violentas, por se estar sempre de pé. E no isolamento, na angústia de não se saber nada, de desconhecer a acusação, de não se poder comunicar com a família, de se ignorar o que a polícia sabia, o que outros poderiam ter confessado sobre nós. Foi isto que o 25 de Abril acabou. E não é pouco...

 

Meia hora de para, arranca, “tanto carro!...” diria o tio Quim, também ele veterano, por breves semanas, de Caxias, agora perdido numa outra prisão chamada Alzheimer, “tanto carro”, e é verdade, em quarenta anos passámos do oito ao oitenta, o que pr’aí vai de carros! Mas também isto é o 25 de Abril...

 

Do Cais do Sodré até à marginal o percurso é feio. Por junto salva-se a zona de Belém (torre e jardins onde se fez a grande exposição dos centenários. Estava cheia de gente ao sol, a passear, crianças por todo o lado, alheias ao milagre dos Jerónimos, ao belo Jardim Tropical (estaria aberto?) e ao Museu da Marinha. E à mastaba que é o Centro Cultural de Belém que custou uma pipa de massa e agora é o sarcófago (ai que egípcio estou!) da coleção Berardo, exemplo acabado do novo-riquismo cultural para admiração de basbaques e de muita gentinha muito post-moderna.

 

Depois são paredes e paredes de grafittis horrendos. Se isto é liberdade vou ali e já volto. Mas também isto é o 25 Abril. Apesar de tudo, os muros imaculados de outrora não me fazem saudades. Aquele branco era medo puro, respeitinho,  e olhos vigilantes.

 

E a marginal enfim. Um alegre grupo de ciclistas de várias idades e tamanhos vai preguiçosamente pela faixa da direita. No volante de uma das bicicletas um cesto com um cachorro de focinho ao vento. À frente do grupo um pequerrucho numa bicicleta maior do que ele ornada de uma bandeira multicolorida. Pedala orgulhoso sabendo-se comandante do pelotão. Ora aqui está o 25 de Abril que me agrada. Pessoas que impõem sem violência a sua passada lenta aos automobilistas com nervoso miudinho no acelerador. Esta paisagem, esta estrada é para degustar, para passear, para respirar a maresia que já se sente.

 

As primeiras nesgas de praia surgem cheias de gente a apanhar o generoso sol de abril. O mesmo sol que testemunhou a marcha das colunas militares, a surpresa dos primeiros espectadores, o entusiasmo, a esperança ainda comedida e os primeiros borbotões da emoção.  Oh que belo dia!

 

Entretanto Caxias ficou para traz.  Não passo aqui sem recordar os dias, os longos dias, em que de uma janelinha do Reduto Norte via um pouco de rio, outro tanto de autoestrada, os carros e um que outro barco. Aprendi muito da minha actual paciência nessa cela (que a polícia chamava quarto). E a ler os jornais. Minuciosamente. De ponta a ponta, incluindo anúncios, farmácias de serviço e o movimento marítimo. Tentava pôr os nomes que lia nos navios que avistava. E as marés. Fiquei, nessa altura a saber, que consoante a maré os barcos viram.  A polícia permitia ou o “Século” ou o “Diário de Notícias” mas nunca os dois, o que também não era necessário. As notícias eram as mesmas e os artigos de opinião, raros e conformes ao espírito do tempo, também dificilmente se distinguiam. Era assim o 24 de Abril.

 

Atalho para Oeiras para a casa materna.  O estacionamento hoje é fácil mesmo que o centro comercial esteja mais ou menos cheio. É um pequeno centro, com um supermercado como loja âncora. Há bicha em todas as caixas que muita gente aproveita a manhã para fazer as compras da semana. Também isto é o 25 de Abril. Usar o tempo livre do feriado para fazer o que não se pode noutros dias.

 

No centro há novidades. A pastelaria que tinha fechado, está de novo aberta com outro nome e decoração.  O pequeno café de um antigo empregado, continua a funcionar e sou informado que tudo lhe corre bem. É bom saber isto, que uma vítima do fecho da pastelaria conseguiu dar uma volta à crise. “E vou ter uma ajudante”, revela-me orgulhoso. “Que não seja a recibo verde” reponto. Ele ri-se. “Vamos lá a ver...Nunca se sabe”.

 

No lugar da livraria abriu uma loja com o apelativo e gasto nome de “Elite”. Boa sorte.  E mais adiante, alguém abriu um pequeno estanco “gourmet”. Azeite, vinhos, biscoitos, chás e cafés.  Compro umas embalagens de chá branco (em saquetas, ainda não têm de folha mas prometem que para a próxima...) e uns biscoitos que prometem. Não sabem como os de antigamente mas estes novos tempos apressados já não são para essas especialidades. A democratização do biscoito não os tornou baratos mas também não os melhorou. Com ou sem 25 de Abril este era o destino fatal dos biscoitos de azeite. Homogeneizados, menos sápidos e menos duros. Ainda bem que os meus dentes já não são o que eram. Demasiados abris...

 

Passam duas raparigas sumariamente vestidas. Lembro-me do meu Pai, olho sempre atento, no barco que nos levava a Moçambique: Aquilo ia cheio de moçoilas em flor que ele chamava “as tenras”. Quarentão sedutor, desculpava-se, não fosse a minha Mãe enxofrar-se “A boi velho erva tenra!”

 

O mesmo dizia o Rui Feijó, que há quarenta exactos anos me acompanhou numa aventura abrilista e conspirativa que já por aqui contei. Durante todos os anos posteriores que viveu, telefonava-me comemorativo, evocando a nossa modestíssima colaboração revolucionária: “Ao fim e ao cabo, valeu a pena, não achas?” –“Claro que valeu, Rui, querido e desaparecido amigo, claro que valeu...” E valeram sobretudo aquelas dezenas de anos de amizade, discussão, de longa rememoração dos anos luminosos e difíceis do primeiro neo-realismo, do MUD, da longa resistência, da solidariedade e da generosidade com que acolhia fugidos na sua quinta da Senhora Aparecida, coisas que ele contava desenfadadamente, modestamente, como se o permanente risco que corria fosse de somenos. Agora já não telefona, mesmo que ao cair da tardinha, sem querer, sem me lembrar, eu espere a sua voz doce e cansada e a sua pergunta mais retórica que essencial, começo sempre de uma longa conversa que agora me faz tanta falta.

 

E é este o momento mais importante do dia 25 de Abril. A recordação do Rui, do Luís Albuquerque, do tio Marcos, do Joaquim Namorado, do Jorge Delgado e de tantos outros amigos mais velhos que me ensinaram quase tudo e a cuja memória tento ser fiel. De certo modo, pela sua encarniçada resistência, pela sua partilhada esperança, pelo seu sacrifício, pela dignidade com que viveram, pela generosidade com que me aturaram, são eles de facto, o verdadeiro espírito do 25 de Abril. 

 

A noite chega, depois dela a madrugada e temos a certeza de que ninguém virá por nós, bater-nos à porta, à hora do leiteiro, para nos levar para parte incerta. E isso é também, e principalmente, o 25 de Abril.

 

*estou sentado à beira da estrada.

o condutor muda a roda.

não me agrada o lugar de onde venho.

Não me agrada o lugar para onde vou.

porque olho a troca da roda 

com impaciência. 

(Bertolt Brecht) 

Graças e louvores se dêm a Paulo Quintela, outro velho amigo que me explicou este e tantos outros poemas

** a gravura: Nikias Skapinakis, claro. O grande, imenso Skapinakis, outro que preparou Abril

 

 

 

 

Mentir, mentir sempre (mesmo em publicações de luxo)

JSC, 09.05.14

«Para elogiar o “grande trabalho”, o “sucesso”, a “caminhada contínua” de três anos de troika, para recordar a “extrema complexidade” da aplicação do programa de resgate, as “mais emblemáticas reformas” e para não deixar em branco o “dia-a-dia dos memorandos”, o Governo lançou um livro…»

 

Os contribuintes levaram com o colossal aumento de impostos, a que se seguiu um novo aumento da carga fiscal, que Passos Coelho garante não ser um novo aumento se impostos. A somar a tudo isto ainda têm de pagar uma luxuosa publicação para o Governo se autoelogiar e branquear as suas políticas de empobrecimento e de destruição do Estado social.

 

É caso para se concluir que a propagação e consolidação da mentira é uma coisa cara. Será que justificada em encadernações de luxo se torna mais convincente?

Operação submersa

JSC, 08.05.14

Quem é o personagem que mais aparece associado ao comprovado processo de corrupção com a famosa compra dos dois submarinos? Ninguém, absolutamente ninguém, põe em causa que houve corrupção. O problema é que aqui, em Portugal, não se consegue identificar quem se abarbatou aos milhões, sendo que na Alemanha há detidos por terem pago a alguém. A quem?

 

 O CDS/PP vai presidir à comissão parlamentar que nos vai dar uma resposta previsível. Provavelmente vão propor que se altere a lei da contratação e que se dê por finda a investigação por falta de provas. E tudo ficará como antes, na casa dos traficantes.