Um desafio exigente para o PS
Um eleitor português que se situe na esquerda democrática, vinculado, por assim dizer, à matriz social-democrata de inspiração nórdica, não tem em Portugal alternativas válidas ao Partido Socialista. Por essa razão, o que se passa no interior desse partido interessa não apenas aos seus militantes mas também à massa mais alargada de simpatizantes e eleitores, ao fim e ao cabo os que verdadeiramente decidem as eleições quando aderem às candidaturas apresentadas ou apoiadas pelo PS e lhes confiam o seu voto.
O que se espera de um partido de poder como o PS é que apresente aos portugueses lideranças competentes e preparadas para governar o país, mobilizadoras dos melhores quadros e das melhores propostas, capazes de construir soluções de estabilidade governativa que permitam aplicar essas políticas.
Após as derradeiras legislativas, o PS viveu uma disputa pela liderança entre António José Seguro e Francisco Assis. Enquanto eleitor do espaço da esquerda democrática não tive dúvida, então, sobre qual seria a melhor solução para o PS e para o país. Uma convicção que não resultava apenas da maior proximidade a Francisco Assis, mas antes do conhecimento da sua solidez e coragem política, do facto de ter dado excelentes provas em funções executivas, como autarca, da combatividade que sempre mostrou e do suporte que deu no parlamento aos últimos governos socialistas. Tudo o que não encontrava em António José Seguro.
Os militantes do PS fizeram uma escolha diferente no Verão de 2011 e hoje, três anos volvidos, é conhecida a situação em que está o partido e a esquerda em Portugal. As eleições europeias apenas vieram confirmar aquilo que todas as sondagens deixavam antever: o PS não se afirma como uma alternativa clara e indiscutível à maioria PSD/CDS e António José Seguro não é reconhecido como o líder capaz de construir uma verdadeira alternativa às políticas da maioria de direita. As razões encontram-se tanto nas debilidades intrínsecas do próprio secretário-geral do PS como nos erros e omissões cometidos ao longo destes três anos.
Seguro, aliás, foi o primeiro a admitir as suas fragilidades quando, perante a disponibilidade de António Costa, aceitou ir a votos em eleições primárias e colocar em causa a sua permanência à frente do PS. Um líder forte, seguro de si, das suas ideias e das suas equipas, não admitiria colocar tudo em causa ao primeiro desafio.
Aqui chegados, parece-me claro que António Costa está mais bem preparado para guiar o PS e a esquerda democrática numa nova etapa de governação. Faltar-lhe-ão, porventura, mais qualificações no domínio do “circuito da carne assada”, mas o país que está fora das sedes do partido reconhece-lhe as qualidades, a tarimba e o carisma necessários para liderar o PS e o futuro governo. O seu percurso na autarquia da capital e no governo, onde abraçou pastas exigentes, a forma como soube constituir equipas preparadas e qualificadas, o gosto assumido pelo risco ao invés de apostar no calculismo de salão, a capacidade de gerar compromissos e de negociar com outras forças políticas falam por si.
Os militantes do PS, entretanto, embrenharam-se numa luta sem quartel, em que parece que vale quase tudo para defender o respectivo candidato. Uma disputa que traz ao de cima o pior que têm os partidos, quando se transformam em meros clubes de apaniguados. As eleições primárias, que poderiam ser um elemento aglutinador do eleitorado socialista, exigiam mais tempo de preparação para a definição de regras claras e transparentes. Assim, correm o risco de ser apenas mais um foco gerador de turbulência.
Apesar disso, admito vir a registar-me para participar nas eleições primárias e dar o meu voto a António Costa. Desde que essas primárias tenham regras que se coadunem com a minha forma de ver e de estar na política e seja razoável o compromisso exigido aos não militantes para que possam participar. Veremos o que este (longo) processo ainda nos reserva.