Au Bonheur des Dames 367
Fernandes o vereador vero exemplo do neo-anticolonialismo em calão lisboeta
A maioria das pessoas desconhece, e com inteira justiça, o vereador Sá Fernandes, ínclito florão da municipalidade lisboeta onde ocupa a tormentosa pasta dos jardins e assimilados.
Eu próprio, de meu natural muito curioso, apenas de raspão o lembrava. De raspão, digo, mass com o dedo no nariz.
De facto, se não erro, a criatura começou por pertencer às hostes do Bloco de Esquerda. À falta de o considerarem idóneo para deputado, lá o terão mandado candidatar-se à Câmara Municipal tendo conseguido o lugar de vereador.
Uma vez instalado nessa prebenda, o senhor Fernandes “riscou-se” do partido através do qual fora eleito mas não da cadeirinha municipal. Em boa verdade, mandaria a elegância e, sobretudo a ética, que entregasse o cargo a quem o propulsou para tal. Como de costume, neste pais onde os maus costumes se apelidam de brandos, não o fez. E o BE ficou a chuchar no dedo.
Mais tarde, ou concomitantemente, já nem quero recordar, foi dele a iniciativa de questionar o “túnel do Marquês”, única obra de qualidade de Santana Lopes. A obra lá se atrazou largo tempo e os seus custos lá se empolaram desmesuradamente, mesmo se a generalidade dos comentadores não conseguisse ver utilidade no argumentário fernandino.
Mais tarde ainda, surgiu a história estranhíssima de uma tentativa de corrupção. Uma firma bracarense teria tentado corromper o digno vereador, metendo ao barulho um irmão dele. Ao que sei a coisa deu em nada no foro próprio, o Tribunal.
E o vereador, já sem partido, lá foi continuando como edil. Corre publicamente a voz que assim é por ele ser de uma fidelidade a toda a prova ao Presidente da Câmara. Não tenho meios de creditar ou negar tal vox populi. Na dúvida, fiquemo-nos benfazejamente pela ideia que Fernandes é vereador por alto mérito próprio.
Todavia, na silly season que atravessamos, eis que o homem entendeu mostrar de que farinha é feito.
Acusado de menosprezar o jardim da praça do Império, deixando num estado semi-amazónico os canteiros de buxo onde campeavam desde a criação daquele espaço os brasões das colónias portuguesas, cruzes de Aviz e mais outros emblemas distritais, eis que do gabinete de tal sumidade surgiu uma resposta pelo menos curiosa.
“Não fazia sentido” afirma o talentoso politólogo e historiador Fernandes, “manter os símbolos” de uma fenecida “realidade colonial”. Tudo isto, pasme-se num jardim sito à Praça do Império, entre os Jerónimos e a Torre de Belém, não muito longe do “Jardim Colonial” e do que resta de uma prestigiosa agência (o Instituto de Investigação Cientifica e Tropical) sem falar no Museu de Etnologia, carregado de arte “africana” recolhida na infame época colonial.
O vereador Fernandes, demasiado jovem para poder ter provado o seu deslumbrante heroísmo na luta anti-colonial, veio, pois, num mais vale tarde do que nunca, lutar pela justiça e pela dignidade dos maltratados do ex-Império.
Eia! Avante! morte ao colonialismo e aos brasões em buxo das ex-colónias!
Fora com esse símbolo negregado de uma era desaparecida e maldita! Politica e botanicamente!
Claro que o senhor Vereador Fernandes pode ser acusado de tomar a núvem por Juno, ou duas árvores, na realidade meia dúzia de talhões de buxo, pela floresta.
Na cabecinha de sª Excelência não perpassou sequer a sombra de uma dúvida, a saber
1 Que aquele jardim foi assim feito (e só assim tem razão de ser) por ocasião da Exposição do Mundo Português, como aliás vários edifícios e monumentos ainda de pé que, no sentir mais ou menos generalizado da época (e com alguma colaboração bem paga de muitos de muitos artistas opostos ao regime), representavam parte da nossa história com as suas grandezas e as suas misérias
2 Que Lisboa está recheada de monumentos e lembranças do mesmíssimo Império
3 Que dezenas de ruas ostentam na sua toponímia o mesmo orgulho imperial e colonial (até há ainda um “bairro das colónias”!)
4 Que apagar a história (mesmo na forma humilde e vegetal de uns brasões em buxo) é uma burrice imensa, um acto de incultura que não honra senão um tonto catatónico e fossilizado
5 Que esconder realidades de outros tempos, fingindo que nada aconteceu lembra as mais torpes historietas do camarada Stalin que mandava apagar das fotografias as imagens dos que caíam em desgraça ao mesmo tempo que cvensurava as enciclopédias de tudo quanto cheirasse a “inimigo do povo” na sua aliás inútil cruzada pela constituição do “homo sovieticus”
6 Que quando a história ou os seus símbolos, mesmo estes arranjos florais, é violentamente atirada porta fora , reentra mais tarde qual boomerang pela janela e com mais força, claro
7 Finalmente, mas a tempo, que este desserviço a António Costa (exemplo vivo aliás de um passado imperial ou não fosse ele mesmo descendente de goeses, fruto obvio de centenas de anos de turbulenta, difícil mas real coexistência política e racial) não ajuda nada quem quer liderar o partido e ser eventualmente primeiro ministro.
A presença de Fernandes no desmatamento do jardim vem coroar esta série de tiros no pé: a que título a criatura apareceu no Jardim? Saberá manejar uma sachola, plantar uma flor, usar a tesoura de poda (já que a tesoura da ignorância e da tolice não lhe parece ser estranha)? Ou veio apenas, qual toureiro sem praça, mostrar a sua valentia e o seu orgulhoso (?) desprezo pelas vozes que aconselham calma e mais discernimento?
Eu, felizmente, não sou eleitor em Lisboa. Se o fosse, teria certamente votado Costa e estaria agora envergonhado e incomodado com as manobras de Fernandes o novo educador do povo analfabeto e colonialista.
Na certeza de que Costa não pode meter juízo na cabeça de Fernandes, sempre apelo para que o mudem de pelouro. Ficava-lhe bem os esgotos.
Lisboa, 29 de Agosto, com algum desgosto. A malta não merecia esta gentinha,porra!