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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

diário político 204

d'oliveira, 28.11.14

Crise? Qual crise?

 

Anda por aí uma opinião que sustenta que com os recentes “casos” (vistos gold, BES, Sócrates, entre outros) põem o regime em crise.

Sinto muito mas tenho uma opinião completamente diferente. A crise, existiria isso sim, se sabendo-se, ou suspeitando-se (como era o caso em quase todas estas situações....), de ilícitos graves nada acontecesse. O Estado de Direito reforça-se quando actua naturalmente. E actuar naturalmente é fazer o que a Lei impõe. Só para referir a questão Sócrates, parece que foi uma denúncia da CGD (obrigatória quando os movimentos de capitais ultrapassam uma certa quantia) que activou os mecanismos de exame do Ministério Público.

Isto significa que a instituição funcionou saudavelmente. Não se veja neste adverbio de modo qualquer espécie de consideração moral sobre a eventual culpabilidade do ex-primeiro ministro. Nem sequer a certeza que houve qualquer transferência ilícita de dinheiro. Não tenho qualquer espécie de informação que não seja a que é veiculada pelo jornal “Público” que aliás leio com “cautela e caldos de galinha”.

A ética comum manda que se considere um acusado inocente até um Tribunal determinar sem margem para dúvidas a sua clara culpabilidade.

O senhor Sócrates e os restantes detidos estão a ser alvo de uma investigação preliminar e obrigatória que, em teoria, os defende mais do que os compromete. Pode hoje mesmo ser determinado que este processo não tem pernas para andar. Mesmo que sejam arbitradas medidas coercivas de liberdade, nem isso, prova qualquer delito mas tão só vestígios comprometedores de que algo não está claro.

Os Estados de Direito funcionam assim: ás claras, sem objecções à defesa plena das pessoas, sem medidas administrativas especiais e/ou secretas. Não estamos na Alemanha do Reich eterno nem no paraíso soviético. Não estamos sequer na Coreia do Norte ou na China dita popular.  

Corrupção, branqueamento de capitais, fuga aos impostos sempre houve e eventualmente haverá para futuro. Não que seja aceitável este estado de coisas mas convém sublinhar que o essencial é punir os ilícitos e não fingir que eles não existem. A possibilidade de punição é infelizmente a única prevenção possível: o medo de ser apanhado é que tolhe o eventual infractor.

Também não tenho a certeza que o caso Sócrates (pelo menos nesta forma pré-julgamento) possa atingir violentamente o poder politico, mormente o PS. Até á data nada atinge o PS mesmo se corra por aí que Costa se louve em Sócrates. É verdade que a sua eleição pode fazer parecer que se inverteu dentro do PS o “apagamento” do ex-primeiro ministro. Convenhamos que até isso me pareceu sempre algo de exagerado. A AR estava pejada de “socráticos”, Seguro tinha a confiança de muitos desses cavalheiros e a condenação da orientação política anterior era discreta, discretíssima. Aliás, a oposição ao Governo e ás suas medidas parecia indiciar uma certa colagem de Seguro à “herança” medonhamente esconjurada por Coelho e amigos.

A segunda questão que anda nas bocas do mundo é o perigo de se estar a assistir a um “julgamento da rua”. Esse é um dos riscos que a liberdade pressupõe. Pior seria se a opinião fosse violentada pela policia, pelos bufos, pelos informadores, pelo medo de ser preso. A “rua” julga sempre. E há muito que ela chama gatuno, criminoso a qualquer politico. Note-se, de passagem, que muitas vezes a rua é assanhada por responsáveis políticos. Não se lembram de todas as acusações que certos tenores da “esquerda” (esquerda entre parêntesis, diga-se já) tem continuadamente feito ao governo que, verdade seja, se põe muito a jeito...

A terceira questão é a levantada pela “comunicação social”. As televisões ululam com a falta de notícias do Tribunal de Instrução. Nem sequer pensam que essa falta de notícias prefira ou pode prefigurar a defesa do detido. Antes poucas notícias ou nenhumas do que um comunicado feito á pressa que imediatamente poria um cento de comentadores a fazer complicados exercícios de interpretação.

A quarta e última observação que me ocorre é esta: a questão Sócrates pode perturbar fortemente as possibilidades de Costa na sua corrida ao Ministério. Mesmo que Sócrates fique detido, o processo seguramente não estará despachado tão cedo (a menos que haja uma confissão, que as provas sejam esmagadoramente conhecidas e que a opinião pública se convença maioritariamente do seu fundamento). O problema que eventualmente poderia prejudicar o PS é a suspeita de actuações criminosas durante o Governo do ex-primeiro ministro. Aí, de facto, seria difícil, excluir da actuação de Sócrates muitos outros responsáveis de topo do partido. Mas, até ao momento, e esperemos que nunca, tal não ocorreu.

Todos os países correm riscos, assistem a escândalos, à indignação dos cidadãos e ao protesto destes. Isso é sempre um bom sinal de vitalidade, de consciência cidadã e de funcionamento das instituições. O resto, ou o contrario, é que é o cemitério da liberdade. E nos campos santos nem os mortos respiram.

 

(este texto não entrou no blog por razões misteriosas que se devem apenas à minha eventual falta de habilidade e jamais ao actual detido em Évora, aos jornalistas, ao senhor Sousa Tavares ou mesmo ao dr Mário Soares. Publica-se dois dias depois com mais algumas reflexões)

algumas criaturas com mesa posta nas televisões e jornais entenderam (muitas vezes ao arrepio do que sobre outras situações escreveram) que se está a assistir à pública defenestração do ex-primeiro ministro. Desde a “humilhação” até à condenação do entorse feito ao “segredo de justiça” (mesmo se implicitamente dão a entender que conhecem as motivações do Tribunal e dos seus membros) tem sido um rosário.

Perfila-se mesmo uma curiosa opinião de “classe”: no caso de Sócrates todo este circo é horrível, medonho, fruto de rancores miseráveis, ao mesmo tempo que nunca ouvi estas piedosas personagens dizerem o mesmo dos restantes casos de fixação de prisão preventiva aplicados a cidadãos também eles presumivelmente inocentes mas definitivamente paisanos. Ou, por outras palavras: a prisão preventiva ofende, assassina, maltrata um poderoso a que é aplicada! Quanto à peonagem, não tem importância, já estão habituados a ser tratados como gado...

Depois, e aqui as coisas são mais graves e tocam a sensibilidade de quem, noutras épocas e por exclusivos motivos políticos se opôs à política do Estado Novo cometendo apenas delitos de opinião. Da mera opinião que ia da simples exigência de eleições livres até ao respeito pelo art. 8º da constituição vigente. Cadeia com eles, sem juiz de instrução, sem acusação formulada, sem direito a advogado assistente, em interrogatórios que duravam não algumas horas mas dias a fio, sem dormir e sem poder sequer sentar o dito cujo numa cadeira. Sei do que falo por experiência própria. E uma vez confinado ao segredo de Caxias, as visitas eram apenas de familiares, e nem todos, sob a escuta de um prestável agente, entre um par de vidros do locutório, sempre sujeito a ser imediatamente interrompida a exígua conversa que se poderia tentar ter.

Esses presos, de facto políticos, não estavam em celas com pátio, e tinham, quando tinham, direito a uma meia hora de ar puro, nem sempre diária. Também ninguém lhes permitia ler qualquer jornal mas tão só os que apoiavam o regime vigente e, muito menos, era permitida a entrada de livros em língua estrangeira. E os nacionais eram alvo de forte censura.

Ouvir o dr Soares alanzoar tresloucadamente um par de tolices e tentar contrabandear sem grand argúcia a teses da perseguição política é dramático, vergonhoso e disparatado. Pior, na sua absurda filípica o “jurista” Soares dispara sobre os decisores da actual situação prisional de Sócrates. A adjectivação de Soares diz muito de quem começa a parecer cada dia que passa uma cabeça em roda livre.

E não deixa de ser interessante ver os defensores do Tribunal Constitucional atacarem agora outro tribunal, porventura não tão importante mas absolutamente essencial no sistema de justiça de qualquer pais civilizado. Pelos vistos, este último tribunal não deve ser órgão de soberania e os seus titulares não merecem qualquer espécie de consideração. O senhor Passos Coelho e os seus boys devem rebolar-se de gozo.

Cada cavadela cada minhoca!

d’Oliveira fecit (25 e 27 de Novembro) 2014

 

Uma questão de azar ou de sorte

O meu olhar, 26.11.14

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Termos Passos Coelho como primeiro ministro e ministros como Crato, Teixeira da Cruz, Paulo Portas, Relvas, Maria Luis Albuquerque, Mota Soares e outros, em plena crise internacional que afectou o mundo em geral e os países mais fragilizados em particular, como foi o caso de Portugal, foi aquilo que considero ser uma coincidência infeliz, puro azar. 

 

Termos um governo incompetente, que constrói a sua ação sobre mentiras e que manipula descaradamente a informação para enganar os portugueses; um governo cuja receita é vender os activos mais importantes, esvaziar o pais do seu capital humano mais precioso e equilibrar deficit à custa quase exclusivamente do rendimento do trabalho, foi para nós, que sofremos com isto tudo, uma questão de azar. Pior seria impossível.

 

Não via saída para este fosso em que estamos metidos. Apesar de acreditar que havia um politico português que, pela sua competência e pela sua capacidade de mobilizar talentos e vontades, poderia ajudar o país a ultrapassar este mau momento, como esse político não avançava para a liderança do seu partido, nada feito. Até que isso mudou e António Costa decidiu avançar. Considerei isso um acto de coragem. Este pais nunca foi fácil de governar, muito menos agora.

 

Nunca estive ligada a partido nenhum e já votei em diferentes partidos de acordo com o que considerava melhor para o país em cada momento. E foi nesse enquadramento que me inscrevi como simpatizante do PS para poder votar em Antonio Costa. Para poder votar tive que fazer nesse fim de semana perto de 200 km. Fi-lo por estar convencida da importância para o pais de deixarmos de ter um Passos Coelho como Primeiro ministro, não termos um Antonio Jose Seguro a substitui-lo mas, acima de tudo, da importância de termos um verdadeiro gestor a liderar o governo. 

 

Tenho filhos, preocupa-me não só o presente mas também o futuro do nosso pais e considero uma sorte termos a possibilidade de termos alguém com as qualidades humanas e as competências profissionais de Antonio Costa.  

 

Espero sinceramente que toda a turbulência criada por esta situação com Jose Sócrates não nos faça distrair do essencial e o essencial é o nosso futuro conjunto e as melhores opções para a  construção desse futuro.

O inquérito do costume

JSC, 25.11.14

Ministério Público (MP) anunciou esta terça-feira a abertura de um inquérito a eventual violação de segredo de justiça no âmbito da investigação que levou à detenção do ex-primeiro-ministro José Sócrates e outros três arguidos. 

Bem se pode dizer que, primeiro, violam o segredo de justiça, depois, abrem um inquérito para averiguar a violação que promoveram. Claro que se pode sempre colocar a hipótese dos adivinhos, isto é, a possibilidade de algum jornalista ter adivinhado o que estava por dentro do processo, razão porque se anuncia um inquérito a eventual violação de segredo de justiça.

Uma questão: Será que a violação do segredo de justiça é sempre gratuita, financeiramente falando?

A prisão preventiva de José Sócrates

José Carlos Pereira, 25.11.14

Praticamente três dias após a sua detenção no aeroporto de Lisboa, José Sócrates viu esta noite ser-lhe imputada a prática dos crimes de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais. O ex-primeiro-ministro ficará em prisão preventiva nos próximos seis meses, muito embora, inexplicavelmente, não se conheçam os fundamentos desta decisão do tribunal.

Depois do aparato criado com a detenção, o longo período de espera para interrogatório, as fugas de informação "habituais" e a condenação prévia de José Sócrates na opinião pública, já aguardava esta decisão do tribunal. Espero que agora surjam as provas concludentes dos crimes cometidos, relativamente aos quais já terá de haver indícios muito fortes para sustentar a acusação e a prisão preventiva, ela própria um instrumento muito discutível pelo seu alcance.

O país seguirá com atenção este processo, certamente durante vários anos, aguardando para ver a sustentação dos crimes que vierem a ser imputados. Uma questão central a deslindar é saber se algum dos alegados crimes está directa ou indirectamente relacionado com a acção de José Sócrates enquanto primeiro-ministro. A resposta a esta questão é fulcral para a sanidade do nosso regime democrático.

Votei em José Sócrates quando este se apresentou a eleições e defendi-o politicamente inúmeras vezes, o que levava um saudoso amigo a dizer, em tom de brincadeira, que eu era um dos últimos "socráticos". Não posso dizer que conheço José Sócrates - fomos tão só apresentados nos bastidores de um comício no Porto nas autárquicas de 2005, em que liderei a lista do PS à Assembleia Municipal de Marco de Canaveses - mas admito que foi com surpresa e consternação que recebi estas acusações. Espero naturalmente que se faça justiça e que toda a verdade seja apurada.

Este processo, que vai ainda no seu início, trouxe-nos de novo um retrato infeliz da administração da justiça em Portugal. Uma justiça que se impõe pelo espectáculo, que não resiste a demonstrações pueris de poder, como bem retratou o colunista Daniel Oliveira, que não sabe comunicar nos tempos da sociedade da informação, que não respeita a comunicação social e os portugueses em geral, que exigem todas as respostas no momento em que um ex-primeiro-ministro é detido.

O processo de José Sócrates veio trazer também o pior retrato das redes sociais e de uma certa imprensa. Nada de surpreendente.

Estes dias que passam 328

d'oliveira, 24.11.14

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Como abutres

Ouvir as televisões, publicas ou privadas, generalistas ou meramente noticiosas, começa aa ser algo de nauseabundo.

Esta gentuça , incapaz de fazer uma televisão sequer medíocre rebola, revolve-se, espoja-se, na repetição ad nauseam, das mesmas gastas notícias, vai á procura de carniça já podre, de um osso esburgado, como se fossem carronhas esfaimadas.

Oitenta a noventa por cento do que até á data saiu dos noticiários, pela boca ignorante de pivots e repórteres é de uma pobreza confrangedora, de uma ignorância impudente, de uma estupidez crassa.

Ouvir, ver, estes programas famintos de novidade, num palavreado oco, envergonha qualquer tele-espectador mesmo que, como eu, nunca tenha apreciado o principal acusado, bem pelo contrario (andam por este blog umas largas de dezenas de textos onde isso é mais que manifesto).

Portugal, nós todos, saímos deste espectáculo obsceno diminuídos e envergonhados. E não adianta dizer que esta fúria uterina jornalística é igual noutras geografias.

Desde que comecei este texto tenho sido obrigado pela CG a escutar os dislates e o bla-blá da TVI 24. Apenas me admiro com a capacidade dos jornalistas em gastarem palavras sem conseguirem acrescentar nada. Agora o 2inteligente” jornalista pergunta se o facto de ser a primeira vez que se detém um ex-primeiro ministro constitui um “precedente jurídico” Precedente de quê, pergunto, para quê, acrescento. E o ilustre entrevistado em vez de lhe sublinhar a burrice vai~lhe dando corda... Isto de se apanhar na televisão vai alimentar-lhe o ego por semanas, O jornalista, ainda mais inteligente pergunta se não há uma obrigação jurídica em prestar informações à matilha que ulula fora do Tribunal. Que informações quereria a criatura se se está em plena fase de interrogatório? Uma criatura do sexo feminino entra agora a matar. Que o senhor Coelho que andou ainda há dias na praça pública por via de uns miseráveis ganhos anda por aí insidiosamente a usar um discurso dúbio que diz e desdiz a sua neutralidade perante Sócrates. Ou seja, a comentadora que lamente a mistura da esfera jurídica com a política acaba ela mesma a torná-la mais explícita.

O especialista que vai sendo ouvido bem que tenta limitar com alguma precisão as erráticas perguntas do jornalista. Todavia, as perguntas sucessivas fazem pensar que esta prudente aproximação ao caso em apreço não é exactamente o que o entrevistador pretende. E volta a espicaçar a comentadora que, essa, não tem papas na língua nem sequer ao prudencial bom senso que convinha agora demonstrar.

Leitoras e leitores a caça ao homem está lançada. Em nome da necessidade de informar, do sacrossanto direito de informar. Preparem-se para viver dentro de uma fossa nos próximos tempos.

Eles andam por aí.

A primeira edição...

JSC, 23.11.14

Ligamos a televisão e só nos sai noticias, as mesmas noticias, sobre a detenção de Jose Sócrates. Os jornais dedicam lhe paginas e páginas, repescam situações e factos que todos misturados transformam a realidade, a ponto de nos poderem convencer que Jose Sócrates passou a vida fora das malhas da lei. Depois temos os adjectivos luxuosos que os jornalistas escolhem para caracterizar o estilo de vida que Jose Sócrates tem levado. Para tanto mostram fachadas de edifícios em Lisboa e em Paris, restaurantes, bairros. Não sei, ninguém sabe, se Jose Sócrates vai ser feito arguido ou se a seguir vai ser condenado. Depois do aparato todo que levou a sua detenção parece que só se pode concluir que a coisa e grave, pois a Justiça não ia mandar ninguém para o pelourinho se não tivesse provas fundadas. Ha, contudo, uma coisa de que acusam Jose Sócrates que me parece não ser verdadeira. Tenho ouvido que José Sócrates comprou toda a primeira edição do livro que publicou depois de vir de Paris. Ora isso não e verdade. Garanto que eu comprei um exemplar dessa primeira edição. Garanto, ainda, que na livraria onde comprei o livro haviam muitos outros exemplares.

Estes dias que passam 327

d'oliveira, 22.11.14

Ponto de ordem

É por demais conhecido o meu fraco apreço pela figura de José Sócrates. Como também tenho, mesmo se raramente referi, igual posição relativamente a Ricardo Salgado. Quanto aos imputados pelos Vistos Gold não os conheço, nem desejo conhecê-los. Todos detidos, todos alvos de fortes suspeitas, todos ou quase ameaçados de medidas limitadoras de liberdade enquanto aguardam pelo desenrolar das investigações e pela eventual acusação.

Todavia, como sempre aqui defendi, até julgamento terminado, toda esta gente é, para já, presumida inocente.

Sou um jurista não praticante mas, mesmo assim, a faculdade e os anos de advocacia deixam marcas. Mesmo detestando estas criaturas e detestando ainda mais a negociata que se vai fazendo à vista de todos, manterei esta posição. Inocentes até se provar cabalmente no tribunal competente a sua culpabilidade.

Há vários anos, aqui mesmo, defendi idêntica tese quanto a um membro do Ministério detido e posteriormente inocentado por pedofilia. Já, nessa altura, afirmava o mesmo princípio. Portanto, sobre estes processos, manterei o habitual silêncio. Diga-se de boa verdade que este meu silêncio não me impede de considerar uma tolice as afirmações do senhor João Soares sobre o assunto. Sempre tive João Soares em fraca conta e sempre me surpreendeu como é que a criatura foi singrando na política, sequer na sua extraordinária amizade por Jonas Savimbi, conhecido colaborador da autoridade colonial portuguesa e posteriormente delirante e fantasmático líder de uma das facções que disputou o controlo de Angola.

Afirmar que a prisão preventiva, no caso vertente, uma detenção para interrogatório que pode hoje mesmo ser levantada, só se justifica em crimes de sangue; que, alem disso, tudo isto é apenas uma tentativa de humilhação de Sócrates, releva da mais desastrada tentativa de defesa de Sócrates.

Pior, esta tentativa de transformar em perseguição política iníqua, este processo torna mais frágil e dramática a situação, desde logo nada invejável, do ex-primeiro ministro.

O democrático dr João Soares terá cursado Direito. Terá lido e estudado Processo Penal. Ora, a menos, que o seu fulgurante curso tenha tido as suas melhores horas no controverso período de 74-76 onde os exames foram eventualmente travestidos em apresentação de trabalhos de grupo e vigiados por professores ameaçados e amedrontados pela “formiga branca” (negra, vermelha ou amarela..., havia-a de todas as cores) que considerava as faculdades como territórios a libertar urgentemente, e um par de cadeiras tenha sido considerada supérflua, nada explica quão Soares (João) seja tão liberal na apreciação das regras jurídicas.

Derradeira observação: as palavras de Soares (João) ao incidirem sobre a qualidade de ex primeiro ministro manifestam, com escasso ou nulo sentido democrático, que nestes casos há (ou pode haver) duas medidas. Uma para os poderosos, outra para um qualquer paisano acusado exactamente do mesmo crime. Com mais outra consequência: a imensa maioria dos cidadãos fica indignada com esta canhestra opinião e pode, mesmo sem razão, exigir na rua uma pena que só aos Tribunais cabe decidir. E uma pena rápida, desprovida de discussão jurídica, isto é sem defesa para quem Soares (João) terça, tão impudente e imprudentemente, armas no facebook.

Não sei se chegou a exercer advocacia mas duma coisa estou certo: não seria eu que lhe conferiria qualquer espécie de mandato. Livra!...

  

 

Au bonheur des dames 401

d'oliveira, 21.11.14

 

 

 

 

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Dor de corno

A senhora Trierweiler, (Trierweiler é o nome do primeiro marido de quem se divorciou. De todo o modo Valerie terá entendido que este é mais interessante que Massoneau, nome da sua família) teve o seu pequeno momento de glória, quando sucedendo a Ségolene Royal, entrou no Eliseu pela mão de François Hollande, recém eleito Presidente da República francesa.

Durou pouco o estatuto de “primeira dama”. Cedendo a uma velhíssima tradição política gaulesa, Hollande arranjou rapidamente uma nova “namorada” chamada qualquer coisa Gayet (cfr foto). Nova até em idade, com o atrativo suplementar de ser vagamente actriz, coisa que em França vale mais do que ser uma irrelevante jornalista do Paris Match.

O mundo inteiro divertiu-se com a história de Hollande sair do palácio numa motoreta e disfarçado com o “capacete integral”, seguido (e precedido?) por uma carrinha da “secreta”.

Como se sabe, e a senhora Trierweiler -nascida Monsonneau- deveria também saber, há na constituição não escrita da França uma regra elementar e definitiva: os políticos têm obrigação de ter amantes e tal dever é tão mais obrigatório quanto mais sobem no cursus honorum da república. E poderão, mesmo, morrer nos braços desta como já ocorreu com Félix Faure. Valha a verdade que FF não morreu propriamente nos braços da senhora mas antes na boca dela. O escândalo foi grande, a pobre mulher passou a ser conhecida como “la pompe fúnebre”, trocadilho delicioso que a imortalizou tanto quanto o pobre presidente, herói caído no campo da honra e do amor.

Todavia, a senhora Trierweiler não se conformou. Ficou aborrecida, mortificada, zangada, irada, fula. Vai daí escreveu um livro. Em França, outra mania, quand rien ne va plus, escreve-se um livro, un brulot, un torchon, o que se queira.

Trierweiler, avant Massonneau, já tinha mostrado que não era para brincadeiras. Com uma pérfida mensagem, conseguira eliminar uma candidatura a deputada de Ségolene Royal, sua antecessora, criando, de passagem, um valente embaraço a Hollande e ao PS.

Depois, foi o que se viu (e o que se foi sabendo..., que era bem mais desagradável). A senhora “primeira namorada” (no dizer feliz dos jornais americanos) nunca se coibiu de, directa ou indirectamente, interferir no dia a dia político da França.

Claro que nada disto explica ou sanciona as infidelidades de Hollande que mais não são do que uma corrida atrás de uma juventude definitivamente perdida se é que alguma vez a criatura foi jovem.

Nada disto tem também a ver com o facto de Hollande, coagido pelas circunstâncias e pela economia, ter sido obrigado a abandonar todas as bazófias eleitorais de que se fizera campeão. A França está mergulhada numa cruel estagnação e o que se vai passando na Europa não ajuda nada.

Todavia, o livrinho da senhora Trierweiler, “Merci pour ce moment”, também não ajuda. Do que tenho lido (felizmente a imprensa francesa não se mostra avara) verifico que só por uma grande dose de bondade e indulgência é que a autora sequer dormiu cinco minutos com Hollande. O pobre homem sai do livro mais maltratado do que um judeu de Auschwitz! É um crápula, um imbecil, um rancoroso, um mentiroso et j’en passe...

Como é que “aquilo”, o inimigo dos “desdentados” conseguiu os favores de Valerie, é que me intriga.

Convenhamos que não deve ser fácil ser "la première cocue de France”, que “dizer bem é supérfluo”, que é agradável escrever um despautério que vai render muito, muito dinheiro, que ver um ex-amante na mó de baixo deve ser divertido,etc...

Porém, há ainda, entre algumas pessoas, um par de coisas chamadas pudor, recato, vida privada, interesse público, vergonha (mesmo) que tornam melancolicamente obsceno o acto de trazer para a rua a vida íntima seja de quem for, sobretudo a nossa. Que Hollande é eventualmente um pobre diabo de braguilha aberta, pouco interessa: ao fim de três meses a coisa devia ser evidente para Trierweiler. Todavia o poder, a ansia de o exercer, o fascínio pelas luzes da ribalta, a possibilidade de ter uma corte, o ver-se nas revistas cor de rosa e em “Le Monde” ao mesmo tempo, durante muito tempo, tudo isso foi claro e só sucumbiu ao repto de uma (outra) desconhecida, mais nova, provavelmente tão ansiosa e tão pronta a meter-se nas chinelas (e na cama) de Mr le Président quanto a antecessora.

A vida, esta vida vidinha, é mesmo assim, cá ou nas Franças e Araganças, a política acaba por ser uma arte menor ou apenas uma maneira de chegar à mesa do Orçamento.

E com estas páginas chocarreiras de leitura penosa que a actual França se educa e discute. E isto é tão verdadeiro que até um cadáver político, crivado de processos, reaparece na ribalta política. Refiro-me obviamente ao senhor Sarkozy que, também, na eterna dança das saias, substituiu a “legítima” por uma cantora de segunda, dotada, verdade se diga, de um corpinho definitivamente interessante e que passara nu ou quase pelas fotos de um par de artistas. Com uma diferença de peso numa França ainda bastamente conservadora: Sarkozy cumpriu o percurso casamento, divórcio e casamento enquanto Hollande agnóstico e laico se considera livre desses espectáculos.

Com outra diferença, ainda: as duas últimas companheiras de Hollande não lhe trazem nada enquanto a actual senhora Sarkozy dá-lhe u toque intelectual, e un plus de alta sociedade e bom gosto italiano.

Hollande, convém dize-lo, não é uma águia e, retrospectivamente, pergunta-se como é que chegou onde chegou. Ou melhor, percebe-se como, no labirinto ideológico do socialismo francês (se ainda cabe falar de socialismo), a fraca mediania se foi impondo. De resto, é provável que o caso francês apenas espelhe a crise da esquerda europeia, tão visível entre nós.

O actual fogo de artifício pré-eleitoral, a esmagadora vitória de Costa, o caos instalado no BE, a impotência do PC (e a notável deriva ideológica para o bunker da negação da queda do muro, ora explicada como uma conspiração capitalista contra o sublime Estado policial que em seu tempo se chamou RDA) exigiriam eventualmente um texto menos ligeiro mas, na verdade, o caso Trierweiler é mais revelador do que as patéticas declarações de boa parte do pessoal político nacional que pretende esconder na gritaria a sua medíocre capacidade para arranjar argumentos contra a crise que nos vai implacavelmente consumindo.      

 

 

Em que pensará Cavaco Silva?

JSC, 20.11.14

As notícias do país não são famosas. A pouca-vergonha que campeia por aí deveria merecer um olhar atento e preocupado do Presidente, que, por sua vez, deveria transmitir para o país um sinal, um simples sinal, que revelasse o que pensa sobre o lodaçal que submerge instituições, descredibiliza governantes, a que nem o próprio Presidente deixará de estar imune, em particular, se persistir no silêncio, talvez porque siga a regra “calado é o melhor”, sem ter em conta que “quem cala consente”.

 

Outrora, Cavaco Silva tinha essa preocupação. Todos nos recordamos do famoso princípio que enunciou: “há limites para os sacrifícios”. Também nos lembramos das visitas/denúncia de situações a reclamarem a atenção dos governantes. Agora, desde há pelo menos três anos, os tempos e a motivação são outros.

 

O problema é que os escândalos, a traficância de influências, a roubalheira continuada na banca, a atrofia da máquina estatal, com pontos máximos no sector da Justiça e da Educação estão aí, a mostrar que não foi só no campo económico que se degradou a vida dos portugueses. Se esta negra realidade não reclama a palavra do Presidente, então, o que é que podemos esperar do Presidente?

 

É legítimo que nos interroguemos sobre o que pensará o Presidente acerca da continuada fraude bancária - BPP, BPN e BES? E o que pensará o Presidente acerca do papel dos supervisores? E das entidades que permitiram a fuga de informação, que possibilitou que grandes investidores (Goldman Sachs…) se livrassem das acções BES enquanto os pequenos, sem informação privilegiada, continuavam a comprar? 

 

Em que pensará o Presidente quando vê o país ser noticia em todo o mundo porque os vistos Gold não trouxeram só dinheiro fresco? 

 

É legítimo que nos interroguemos acerca do que pensará o Presidente quando vê o colapso de instituições que suportam o Estado de direito – SEF e IRN – com o SIS a obstaculizar o trabalho da PJ.

 

Em que pensará o Presidente quando vê, só no último ano, sair do país mais de 100.000 portugueses e depois ouve o Governo vangloriar-se da descida, numas décimas, da taxa de desemprego? Em que pensará o Presidente quando “a um mês do fim do primeiro período ainda há alunos sem aulas de compensação”? Quando a Justiça continua amarrada por um programa informático que não responde?

 

Em que país pensará o Presidente quando empresas de top se revoltam contra o Estado, afrontam o Estado, não cumprindo as suas obrigações? – “A REN e a Galp deixaram passar o prazo-limite para pagar a contribuição extraordinária. Empresas dizem que vão contestar legalidade da taxa”.

 

Em que país pensará o Presidente quando ouve o Presidente executivo do grupo Peugeot Citroën dizer que os problemas de competitividade em Portugal não estão nos salários, mas sim custos de outros factores de produção, entre outros, nos elevados custos energéticos (+40% do que em França) e vai promulgar o OE2015 que prevê mais aumentos no factor energético?

 

Por fim, o que pensará o Prof. Cavaco Silva do papel que o Presidente da República deve desempenhar num momento de crise tão profunda e generalizada como esta que devasta e atinge este Portugal, cada vez mais atulhado num lodaçal financeiro e político?

 

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